Resumo: O presente trabalho debruça-se sobre o fenômeno da desoneração da folha de pagamento, situado no âmbito das contribuições sociais. Inicia-se com o estudo da natureza jurídica das contribuições sociais, enquadrando-as como espécie tributária. Prossegue na análise das funções do tributo, com realce para a função extrafiscal em sentido estrito e amplo. Ainda sob esse aspecto, trabalha com a ideia de que uma espécie tributária pode exercer mais de uma função. Em um segundo momento, traça o perfil do fenômeno jurídico estudado, abordando seu fundamento constitucional, atual feição legislativa e objetivos. Com base nesse perfil, extrai elementos que revelam a realização da extrafiscalidade tributária, apesar de a função precípua das contribuições sociais ser parafiscal. Em conclusão, demonstra-se que a substituição da contribuição patronal sobre a folha de pagamento por contribuição sobre o faturamento da empresa desempenha função extrafiscal na medida em que visa o estímulo de contratação formal de mão de obra e, em última instância, ao fomento da economia nacional.
Palavras-chave: direito tributário; contribuições sociais; desoneração da folha de pagamento; extrafiscalidade.
1. INTRODUÇÃO
A pesquisa é desenvolvida no contexto das contribuições sociais, especificamente das contribuições à seguridade social do empregador, empresa ou entidade a ela equiparada incidentes sobre a folha de salários (art. 195, I, “a”, da Constituição Federal de 1988) 1. Visa estudar a opção legislativa da desoneração da folha de pagamento através da substituição das aludidas contribuições, extraindo os aspectos de extrafiscalidade tributária desse fenômeno jurídico.
Parte-se da ideia de que, apesar de as contribuições à seguridade social serem comumente associadas à função parafiscal do tributo, estas também podem desempenhar papel extrafiscal. Pretende-se demonstrar que a substituição da contribuição patronal sobre a folha de salários por contribuição sobre o faturamento da empresa revela função extrafiscal quando visa a estimular a formalização do emprego e realizar outros valores constitucionais, como será visto adiante.
Nesse propósito, a pesquisa inicia-se com a inserção das contribuições sociais no contexto do Direito Tributário, perpassa pela análise das funções do tributo e culmina no estudo do fenômeno da desoneração da folha de pagamento, com ênfase para a função extrafiscal desempenhada.
O enfoque metodológico utilizado será o hermenêutico, buscando-se na doutrina e legislação elementos que demonstrem os aspectos de extrafiscalidade tributária do fenômeno jurídico em estudo.
A escolha do tema foi motivada não só pela sua atualidade, mas também pela relevância de seus objetivos, que englobam a arrecadação de recursos para a Previdência Social e intervenção no domínio econômico. Espera-se, ao final, contribuir para o debate em torno da desoneração da folha de pagamento, demonstrando aspectos positivos dessa opção legislativa.
2. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS: NATUREZA JURÍDICA E FUNÇÕES
O artigo 149 da Constituição Federal de 1988, inserto em seu Título VI, Capítulo I (“Do Sistema Tributário Nacional”), prevê a competência exclusiva da União para estabelecer “[...] contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas [...]”.
Muito se discutiu, e ainda se discute, acerca da natureza jurídica das contribuições sociais. O ponto fulcral da controvérsia diz respeito ao enquadramento ou não dessa contribuição como tributo, discussão fomentada pelo silêncio do Código Tributário Nacional quanto a ela.
Segundo Sabbag (2013, p. 505), a inserção das contribuições sociais no Sistema Tributário Nacional pela Constituição Federal de 1988 pôs fim a qualquer dúvida a respeito da natureza tributária dessa exação. Paulo e Alexandrino (2006, p. 67), por sua vez, ressaltam que “o Supremo Tribunal Federal já pacificou serem, a partir da Constituição de 1988, as contribuições tributos, entendendo que a Carta vigente sepultou interminável polêmica sobre o assunto [...]”.
A despeito das teses em contrário, filiamo-nos à corrente majoritária que qualifica as contribuições sociais como tributos, perfilhando o argumento de que a inserção constitucional no Sistema Tributário Nacional revela de forma inequívoca sua natureza jurídica.
Partindo-se dessa premissa, temos que se aplica às contribuições sociais, ressalvadas as suas peculiaridades, todo o regime jurídico previsto para os tributos, incluindo os seus princípios, funções, limites constitucionais, etc.
Baseada no artigo 149 da Constituição Federal, com algumas variações de classificação, a doutrina tem considerado as contribuições sociais como gênero, do qual são espécies as contribuições à seguridade social, as contribuições de intervenção no domínio econômico (CIDE) e as contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas. Ao presente estudo, que não tem o propósito de discutir as variações doutrinárias em relação às classificações das contribuições, interessarão as primeiras.
As contribuições à seguridade social, como a própria terminologia revela, visam ao financiamento do sistema de seguridade social brasileiro. Esse sistema, de acordo com o artigo 194 da Constituição Federal de 1988, “compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.
Com a finalidade de gerar receitas para a concretização desses direitos, que exigem prestações estatais positivas, o constituinte estabeleceu uma série de contribuições sociais. Dentre elas, por ser objeto desse trabalho, destacamos a contribuição do empregador, da empresa ou entidade a ela equiparada incidente sobre a folha de salários (art. 195, I, “a”, Constituição Federal de 1988), ou, simplesmente, contribuição patronal sobre a folha de pagamento.
Essa contribuição é disciplinada pelo artigo 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, e tem como fato gerador, segundo Kertzman (2012a, p. 190), “[...] a prestação do serviço, independentemente do pagamento da remuneração”. Sua base de cálculo é a folha de salários, assim definida como “[...] o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos [...]” (art. 22, I, Lei nº 8.212/91) ou aos contribuintes individuais prestadores de serviço (art. 22, III, do mesmo diploma legal). A alíquota básica dessa contribuição é de 20% (vinte por cento) sobre a folha de salários.
Conforme assinalado alhures, as contribuições sociais são consideradas tributos, e, como tais, exercem as mesmas funções destes.
Machado (2005, p. 82) identifica as funções dos tributos com os objetivos que pretendem alcançar e classifica-os em: a) fiscais, “quando seu objetivo principal é a arrecadação de recursos financeiros para o Estado”; b) extrafiscais, “quando seu objetivo principal é a interferência no domínio econômico, buscando um efeito diverso da simples arrecadação de recursos financeiros”; e c) parafiscais, “quando o seu objetivo é a arrecadação de recursos para o custeio de atividades que, em princípio, não integram funções próprias do Estado [...]”, embora sejam desenvolvidas por ele “[...] através de entidades específicas”.
As contribuições à seguridade social são comumente associadas à função parafiscal do tributo. Ainda com Machado (ibidem, p. 407), essas contribuições revelam-se parafiscais porque “destinam-se a suprir de recursos financeiros entidades do Poder Público com atribuições específicas, desvinculadas do Tesouro Nacional, no sentido de que dispõem de orçamento próprio”.
No caso da contribuição patronal sobre a folha de salários, por força do artigo 167, XI, da Constituição Federal de 1988, sua receita é vinculada ao custeio de benefícios previdenciários administrados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (autarquia federal criada pela Lei nº 8.029, de 12 de abril de 1990).
Carvalho (2005, p. 235/236), ao tratar das funções do tributo, ensina que “não existe [...] entidade tributária que se possa dizer pura, no sentido de realizar tão-só a fiscalidade, ou, unicamente, a extrafiscalidade”. E conclui dizendo que “os dois objetivos convivem, harmônicos, na mesma figura impositiva, sendo apenas lícito verificar que, por vezes, um predomina sobre o outro”.
Com base nessa ideia, é possível afirmar que, embora a função precípua da contribuição patronal sobre a folha de salários seja arrecadar receitas para custear a Previdência Social, não há óbice a que venha exercer papel extrafiscal.
Aprofundando o estudo da extrafiscalidade tributária, Gouvêa (2006, p. 01) assevera que a doutrina especializada alterna-se em adotar concepções restrita e ampla sobre o assunto. A concepção restrita considera como extrafiscalidade “[...] apenas as medidas fiscais de incentivo ou de desestímulo a comportamentos [...]”, enquanto que a ampla diz respeito a “[...] todo expediente tributário que vise a realização de valores que exceda a ‘mera’ arrecadação de tributos”. Segundo essa última concepção, as contribuições à seguridade social possuem viés extrafiscal por realizarem valores da ordem social previstos no artigo 6º da Constituição Federal de 1988 – direitos à saúde, à assistência e à previdência social (ibidem, p. 02).
Sob esse aspecto, Ibrahim (2011, p. 270) afirma que “não é de todo incomum encontrar-se menções à parafiscalidade como forma de extrafiscalidade, especialmente pelo viés interventivo que subjaz tal imposição”. Nessa linha, “a parafiscalidade seria [...] uma primeira ferramenta da extrafiscalidade; um instrumento para mudanças [d]as estruturas vigentes na sociedade”.
Sem embargo da viabilidade de atribuir função extrafiscal às contribuições em epígrafe segundo a concepção ampla de extrafiscalidade, seria possível visualizar esse objetivo na concepção restrita? Em outras palavras, uma contribuição à seguridade social pode ser utilizada para interferir na economia, estimulando ou desestimulando comportamentos?
Para investigar essa questão, iniciemos citando Gomes e Castro (1998, p. 08), os quais elencam diversos objetivos do tributo extrafiscal com reflexos na economia: “reprimir a inflação; evitar desemprego; distribuir a riqueza; proteger e estimular a indústria nacional; prover o desenvolvimento econômico [...]”.
3. DESONERAÇÃO DA FOLHA DE PAGAMENTO E A FUNÇÃO EXTRAFISCAL
Nesse ponto, cabe adentrar o estudo da chamada desoneração da folha de pagamento, fenômeno jurídico decorrente da substituição da contribuição patronal prevista no artigo 195, I, “a” da Contribuição Federal de 1988.
De acordo com Silva e Motta Filho (2009, p. 301), desonerações tributárias referem-se a “[...] quaisquer condutas do legislador, quer sejam derivadas de ações, positivas ou negativas, ou omissões normalmente propositadas, prevendo uma exoneração”.
A desoneração da folha de pagamento, segundo cartilha divulgada pelo Ministério da Fazenda (2012, p. 01), consiste em duas medidas complementares, a saber:
Em primeiro lugar, o governo está eliminando a atual contribuição previdenciária sobre a folha e adotando uma nova contribuição previdenciária sobre a receita bruta das empresas (descontando as receitas de exportação), em consonância com o disposto nas diretrizes da Constituição Federal. Em segundo lugar, essa mudança de base da contribuição também contempla uma redução da carga tributária dos setores beneficiados, porque a alíquota sobre a receita bruta foi fixada em um patamar inferior àquela alíquota que manteria inalterada a arrecadação – a chamada alíquota neutra.
A criação de contribuição substitutiva da patronal incidente sobre a folha de salários tem respaldo no artigo 195, §13º da Constituição Federal de 1988, incluído pela Emenda Constitucional nº 42/2003. Esse dispositivo prevê a possibilidade de substituição gradual, total ou parcial da contribuição sobre a folha de salários pela contribuição sobre a receita ou faturamento ao determinar a aplicação da sistemática da não-cumulatividade a essas hipóteses. Tal substituição é ainda legitimada pelo parágrafo 9º do citado artigo 195, que prevê que as contribuições do empregador, empresa ou entidade a ela equiparada poderão ter “[...] bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra (sic), do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho”. (redação dada pela Emenda Constitucional nº 47/2005).
Na esteira da autorização constitucional, o Poder Executivo editou a Medida Provisória nº 540, de 02 de agosto de 2011, convertida na Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011. Essa lei previu a substituição da contribuição patronal sobre a folha de pagamento pela contribuição sobre o faturamento para empresas dos seguintes segmentos: vestuário e seus acessórios, calçados, insumos de couro e similares – alíquota de 1,5% (um vírgula cinco por cento) sobre o valor da receita bruta; serviços exclusivos de Tecnologia da Informação (TI) e Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) – alíquota de 2,5% (dois vírgula cinco por cento) sobre a receita bruta. (KERTZMAN, 2012a, p. 222/223). A substituição teve vigência definida até 31 de dezembro de 2014.
A Lei nº 12.546/2011 foi posteriormente modificada pela Medida Provisória nº 563, de 03 de abril de 2012, convertida na Lei nº 12.715, de 17 de setembro de 2012. Esse diploma incluiu novos segmentos de empresas com possibilidade de contribuição substitutiva na alíquota maior, que foi reduzida de 2,5% (dois vírgula cinco por cento) para 2% (dois por cento), e diminuiu de 1,5% (um vírgula cinco por cento) para 1% (um por cento) a alíquota de outros ramos. Foi regulamentada, nessa parte, pelo Decreto nº 7.828, de 16 de outubro de 2012, que elenca com maior objetividade os ramos empresariais contemplados pela substituição da contribuição patronal sobre a folha, dentre os quais citamos: a) hotelaria; b) transporte rodoviário coletivo de passageiros; c) transporte aéreo e por navegação de carga e de passageiros.
Finalmente, nova alteração na Lei nº 12.546/2011 foi realizada pela Medida Provisória nº 601, de 28 de dezembro de 2012, ainda não convertida em lei. Esse instrumento normativo foi publicado para desonerar a folha de pagamento dos setores da construção civil e varejista, incluindo, neste último, segmentos como lojas de departamentos e varejo especializado de: a) equipamentos de telefonia e comunicação; b) eletrodomésticos e equipamentos de áudio e vídeo; c) móveis; d) tecidos e artigos de cama, mesa e banho; e) livros, jornais, revistas e papelaria; f) brinquedos e artigos recreativos; g) produtos farmacêuticos, sem manipulação de fórmulas; h) cosméticos, produtos de perfumaria e de higiene pessoal.
Diante desse cenário, observamos que o fenômeno da desoneração da folha de pagamento tem assumido tendência de expansão, estendendo a possibilidade de substituição da contribuição patronal sobre a remuneração dos trabalhadores para cada vez mais segmentos empresariais.
Por oportuno, cabe contextualizar essa expansão, perquirindo sobre os objetivos da desoneração da folha de pagamento sob o ponto de vista tributário.
Comentando o dispositivo constitucional que legitima esse fenômeno jurídico, Paulsen (2010, p. 572) afirma que “a carga tributária sobre a folha de salário e outros pagamentos por trabalho prestado por pessoa física está extremamente elevada, estimulando a informalidade”. A substituição da contribuição patronal sobre a folha de salários pela contribuição sobre o faturamento, nesse contexto, visaria a alterar essa realidade sem implicar perda de receitas.
Nessa mesma linha, vejam-se alguns objetivos listados na já citada cartilha publicada pelo Ministério da Fazenda (2012, p. 02):
Em primeiro lugar, amplia a competitividade da indústria nacional, por meio da redução dos custos laborais, e estimula as exportações, isentando-as da contribuição previdenciária. Em segundo lugar, estimula ainda mais a formalização do mercado de trabalho, uma vez que a contribuição previdenciária dependerá da receita e não mais da folha de salários.
Kertzman (2012b, p. 170) argumenta que “a informalidade está associada a encargos fiscais crescentes pelos vários níveis de governo”. Esse processo gera um círculo vicioso em que o crescimento da carga tributária sobre a mão de obra gera o aumento da informalidade, que por sua vez enseja a redução da arrecadação e traz nova majoração de tributos (ibidem, p. 171).
A par dessas informações, podemos afirmar que o fenômeno jurídico em estudo desenvolveu-se com a finalidade de remediar a pesada carga tributária das empresas quanto à contratação de mão de obra 2. Reduzindo-se a tributação incidente sobre a folha de salários por substituição dessa base de cálculo pelo faturamento, abre-se espaço para novas contratações formais e, de modo mais amplo, fomenta-se o crescimento do setor empresarial.
É importante ressaltar que não é objetivo desse trabalho discutir o acerto ou não das medidas adotadas quanto à desoneração da folha de pagamento. Somente a título de informação, pontuamos que há discussões sobre a relação de causalidade entre a carga tributária da folha de pagamento e a informalidade no mercado de trabalho e outras que se referem à eventual corrosão do patrimônio da Previdência Social por redução da arrecadação.
Interessa-nos, na presente pesquisa, analisar os objetivos da desoneração da folha de pagamento sob o ponto de vista tributário, extraindo-se os aspectos de extrafiscalidade que deles emanam.
Sob esse enfoque, resgatando-se as ideias de extrafiscalidade expostas alhures, vimos que essa função tributária se manifesta quando a exação desempenha papel que extrapola a mera arrecadação, repercutindo no domínio econômico (concepção restrita). Em sentido amplo, a extrafiscalidade refere-se à realização pelo tributo de qualquer valor constitucional, seja econômico, social, político, cultural, ambiental, etc.
Na hipótese em análise, não resta dúvida de que a extrafiscalidade manifesta-se tanto no sentido estrito quanto no amplo.
A desoneração da folha de pagamento, por intermédio de contribuição substitutiva da patronal sobre salários, visa ao estímulo de contratação formal de mão de obra e, em última análise, ao fomento da economia nacional – objetivos já citados como típicos da intervenção no domínio econômico. Não por acaso, esse fenômeno foi inserido na ordem jurídica pela Lei nº 12.546/2011 junto com a redução da alíquota do imposto sobre produtos industrializados (IPI) para a indústria automotiva, medida de extrafiscalidade inquestionável.
Em sentido amplo, o aumento da formalização das relações trabalhistas enseja o acréscimo de contribuintes protegidos pela Previdência Social, reduzindo-se o número de cidadãos que necessitarão das prestações gratuitas da assistência social (KERTZMAN, 2012b, p. 171). Com isso, realizam-se também valores constitucionais de cunho social.
4. CONCLUSÃO
As contribuições sociais, embora com certas peculiaridades, têm inequívoca natureza jurídica tributária, por força do artigo 149 da Constituição Federal de 1988. Submetem-se, dessa forma, ao regime jurídico dos tributos.
Embora, doutrinariamente, classifiquem-se os tributos quanto à função em fiscais, extrafiscais e parafiscais, esses objetivos podem conviver em uma mesma espécie tributária.
As contribuições à seguridade social, espécies de contribuições sociais, são comumente identificadas com a função parafiscal, sendo que também podem revelar extrafiscalidade.
A extrafiscalidade, em acepção estrita, manifesta-se quando o tributo, além de visar à arrecadação, repercute no domínio econômico. Em sentido amplo, revela-se quando pretende realizar qualquer valor constitucional, econômico ou não.
A desoneração da folha de pagamento, operada no campo das contribuições à seguridade social, diz respeito à substituição da contribuição patronal sobre a folha de salários por contribuição sobre o faturamento. Objetiva reduzir a carga tributária sobre a contratação de mão de obra, aumentando a formalização das relações de trabalho e a competitividade nos setores empresariais abrangidos.
Esse fenômeno jurídico revela aspectos de extrafiscalidade tanto no sentido estrito quanto no amplo. Além de objetivar a intervenção direta no domínio econômico, fomentando o emprego e o crescimento de setores empresariais, visa à consecução de valores sociais pelo aumento da proteção previdenciária e redução da demanda pelas prestações assistenciais.
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Notas
1 Com o objetivo de simplificar a leitura, adotaremos a terminologia “contribuição patronal” sobre a folha de salários ou folha de pagamento para nos referir a essa contribuição social.
2 Segundo Kertzman (2012b, p. 166), baseado na legislação previdenciária e trabalhista, o custo total direto do trabalho para a empresa é de 55,24% (cinquenta e cinco vírgula vinte e quatro por cento) sobre o salário pago, sem contar com outros custos trabalhistas existentes.
L’ÉXONÉRATION DE LA PAIE: DES ASPECTS DE L’INTERVENTIONNISME FISCAL
Résumé: Ce travail examine le phénomène d’éxonération de la paie, situé dans le cadre des cotisations sociales. On commence par l’étude de la nature juridique des cotisations sociales, en les encadrant comme espèce tributaire. On continue sur l’analyse des fonctions du tribute, mettant l’accent sur la fonction de l’interventionnisme fiscal dans un sens étroit et étendu. Encore dans cet égard, on discute l’idée qu’une espèce tributaire peut exercer plus d’une fonction. Dans une deuxième partie, on trace le profil du phénomène juridique étudié, sans oublier son fondement constitutionnel, actuel virage legislatif et objectifs. Sur la base de ce profil, on ressort les éléments qui révèlent la réalisation de la politique fiscale tributaire, même si la fonction primordiale des contributions sociales sont parafiscales. En conclusion, on démontre que le remplacement de la contribution patronale sur la paie par la contribution sur la facturation de l’entreprise assume la fonction de l’interventionnisme fiscal dans la mesure qui vise à donner une impulsion de l’embauche formel de main d’oeuvre et, en fin de compte, un encouragement de l’économie nationale.
Mots-clés : droit tributaire ; contributions sociales ; l’éxonération de la paie ; interventionnisme fiscal.