Sumário: 1. Premissa; 2 Uma visão crítica do art. 908 do Anteprojeto do Código de Processo Civil em comparação ao art. 520 do Código de Processo Civil atual; 3 O procedimento recursal a partir da supressão do efeito suspensivo; 4 Os fundamentos doutrinários que remontam na necessidade da supressão do efeito suspensivo nos recursos na visão da Comissão de Juristas do Anteprojeto; 5 A expectativa desta mudança no sistema recursal e para o Judiciário de uma maneira geral; 6 – Conclusão – Opinião.
1 Premissa
Para melhor visualização do trabalho, necessário se faz, a realização de uma análise geral, da real pretensão da comissão de juristas, com a proposta da reforma total do atual CPC, verificando, por exemplo, se estas estão alinhadas com os anseios da sociedade como um todo, e principalmente, se a reforma será um avanço à processualística civil e se tais avanços serão devidamente absorvidos pelos Tribunais de Justiças, ou contrariamente, passaremos apenas por uma reforma teórica que não será levada a efeito prático.
Neste ponto a doutrina de uma forma geral ainda não encontrou um consenso, ocorrendo uma ferrenha discussão se, de fato, a exclusão do efeito suspensivo automático, conforme previsto no Anteprojeto poderia vir a ser prejudicial ou se, de fato, a medida é acertada na tentativa de entregar uma justiça célere para a sociedade.
Do lado dos doutrinadores que não concordam com a mudança nos efeitos do Recurso de Apelação temos, como expoente, Paulo Roberto de Gouvêa Medina, que no artigo intitulado[1], “Os valores da celeridade processual e segurança jurídica no projeto de novo Código de Processo Civil”, entende que “...seria temerário autorizar a execução provisória da sentença em todas as causas, ressalvadas as hipóteses em que, a critério do juiz ou do tribunal se atribuísse efeito suspensivo ao recurso interposto.”
Para este doutrinador, a forma em que está previsto o art. 908 do Anteprojeto, deveria passar, antes de qualquer coisa, por uma reestruturação dos juízes com pensamentos uniformizados em relação aos mesmos temas, defendendo, inclusive, que os magistrados obrigatoriamente venham a frequentar e obter aproveitamento real em cursos preparatórios, conforme ocorre, a exemplo, em países como a França e Costa Rica.
Do mesmo modo, crítica o sistema atual de seleção Juízes, pois estes, ainda apresentam muitas falhas, e que em razão disso, as sentenças emanadas por magistrados teoricamente despreparados para a função, deveriam, obrigatoriamente, serem revistas em grau de recurso, ao invés de serem automaticamente executadas, mesmo que provisoriamente, concluindo que, tal medida, não fornecerá ao jurisdicionados a segurança na prestação jurídica.
Do lado dos doutrinadores que apoiam a exclusão do efeito suspensivo “automático” no Recurso de Apelação, temos nome, como: MARINONI, TERESA WAMBIER, LUIZ FUX, dentre outros.
O principal ponto de apoio, destes doutrinadores, a mudança do efeito suspensivo, é primordialmente, a celeridade da prestação jurisdicional, fundamentos estes, que serão devidamente tratados no tópico devido.
Fazendo-se menção na parte da Doutrina que não concorda com a mudança, constata-se, que os fundamentos apresentados, são extremamente relevantes, pois, não é raro à ocorrência, na prática, das ponderações exercidas pelo citado doutrinador, adverso a nova sistemática recursal, haja vista que, por não raras vezes, litigantes deparam-se com sentenças mal elaboradas, com manifestações totalmente alheias a fatos e ao direito proposto, verdadeiras situações que aberram o sistema jurídico.
De fato, e se essas sentenças passarem a ter uma eficácia imediata? Estaremos consagrando um sistema jurídico com as suas habituais falhas? Estaremos vivenciando um sistema jurídico perfeito?
Logicamente, os argumentos expendidos por parte da Doutrina que não concorda com as mudanças propostas em face do atual sistema recursal, partem de uma premissa, em que, o sistema jurídico, como um todo, apresenta falhas, não apenas cometidas por magistrados sobrecarregados e mal assessorados, mas também, de um sistema jurídico caótico, que via de regra, se habituou a entregar serviços jurisdicionais à população, sem qualquer preocupação com a efetividade, e pior, sem qualidade.
Não será a simples mudança de procedimentos judiciais, que resolverão um problema crônico, contudo, demais críticas serão apresentadas ao longo do presente estudo, críticas estas realizadas, com o simples intuito de questionar, se de fato a reforma processual é a peça fundamental para uma rápida solução das lides.
2 Uma visão crítica do art. 908 do Anteprojeto do Código de Processo Civil em comparação ao art. 520 do Código de Processo Civil atual
O professor HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, nos idos de 2004[2], já havia demonstrado certa preocupação, ao afirmar que, a simples reforma do sistema processual atual não garantiria a efetividade de uma prestação jurisdicional, da qual, é tanto ansiada pela sociedade de forma geral. Para THEODORO, seria necessária, uma conjuntura de estudos estatísticos, que demonstrassem em quais setores da justiça, o processo passava (perdia) mais tempo, relembrando a lição de Nicelo Alcalá-Zamara y Castillo, denominando-as, de “etapas mortas”, assim definindo:
(...) o tempo consumido pelos agentes do Judiciário para resolver a praticar os atos que lhe competem. O processo demora é pela inércia e não pela exigência legal de longas diligências. (THEODORO JUNIOR, 2004, p.15)
Assim, para o Ilustre Professor da processualística civil, atento aos anseios emergentes, de uma sociedade sedenta por uma justiça mais célere, tentou buscar premeditar, qual seria um dos mecanismos, que possibilitaria a ocorrência de uma prestação jurisdicional efetiva. Fez crítica, no sentido, de que, não adiantaria a realização de reformas processuais completas, sem que houvesse, igualmente, a realização de expedientes administrativos pelos Tribunais de Justiças, com o intuito de evitar que o processo viesse a ficar parado em uma prateleira, a espera do cumprimento de uma fase processual.
Passado um ano após escrever o supracitado artigo, e, através da famosa emenda constitucional nº 45, foi criado o primeiro órgão de controle externo dos atos administrativos do Poder Judiciário[3], intitulado, Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A citação do referido órgão de controle externo, faz-se necessária, na medida em que serão demonstrados, com dados estatísticos[4], como o Judiciário está se preparando, para absorver, a crescente litigiosidade da sociedade, de uma maneira geral, possibilitando assim, ante a pretensão do presente estudo, constatar, se a mudança será benéfica ou não, ao novo sistema procedimental, que se desenha, para o Recurso de Apelação,
Desse modo, a análise dos dados apresentados pelo CNJ, tomando por base, o relatório apresentado em 2011, são indícios, que, além de uma reforma processual, será necessária também, antes de tudo, a própria revitalização do Poder Judiciário, quanto à estrutura física atual, quanto ao investimento em novas tecnologias, quanto à melhor utilização dos recursos humanos disponíveis, enfim, os dados demonstraram que, se não houver uma reforma na própria forma em que o Poder Judiciário “entrega” a justiça aos litigantes que batem a porta do Poder Público, certamente, não será vivenciada na reforma proposta, a celeridade processual tão almejada pela Comissão de Juristas.
Analisando os dados apresentados pelo CNJ, no relatório anual de 2011, em confronto com o caso específico do tema proposto, verifica-se de plano, a ocorrência das seguintes modificações procedimentais, especialmente, nos efeitos do Recurso de Apelação, comparando, para tanto, os efeitos do atual recurso, regulado pelo artigo 520 do Código de Processo Civil, em contrapartida, com aquele que passará a regular o efeito do Recurso de Apelação no novo Código de Processo Civil, teremos o art. 908, que está disposto na norma da seguinte forma, “in verbis”:
“Dos efeitos do Recurso da Apelação no Código Atual:
Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:”
“Da previsão dos efeitos do Recurso de Apelação no Anteprojeto:
Art. 908. Os recursos, salvo disposição legal em sentido diverso, não impedem a eficácia da decisão.
§ 1º A eficácia da sentença poderá ser suspensa pelo relator se demonstrada probabilidade de provimento do recurso.
§ 2º O pedido de efeito suspensivo durante o processamento do recurso em primeiro grau será dirigido ao tribunal, em petição autônoma, que terá prioridade na distribuição e tornará prevento o relator.”
Comparando os artigos acima citados, o art. 908 do anteprojeto, deixa clara, a real intenção do legislador em buscar efetivar, quase de imediato, as decisões emanadas pelos Juízos de primeira instância, tendo em vista que, com a nova previsão legal, a busca pelo efeito suspensivo, deverá ser requerida em petição autônoma, diretamente ao juízo “ad quem”, ao qual, conforme sucinta descrição terá prioridade na tramitação processual e tornará prevento o relator.
É fácil verificar, que o procedimento para recorrer de uma sentença, conforme previsão do § 2º do art. 908 do Anteprojeto, ao trazer um novo procedimento para requerer o efeito suspensivo, parece afastar-se da proposta básica da Comissão de Juristas, que seria efetivar, de plano, as sentenças emanadas pelos Juízes de 1º Grau, a partir do momento, em que, aberto o prazo para recorrer, a parte que tenha esta intenção, deverá promover, concomitantemente, diligência direta ao Juízo “ad quem”, requerendo, desde logo, o efeito suspensivo, sendo que, o simples protocolo desta petição autônoma, é suficiente para suspender a eficácia imediata da sentença.
Nesse diapasão, verifica-se, que o legislador buscou inspiração direta, ao quanto já era o previsto no art. 527, III do atual CPC[5], dando, porém, uma nova roupagem, e generalizando este procedimento, para todos os recursos previstos no Anteprojeto. Contudo, poder-se-ia afirmar, que o legislador está indo no caminho certo nos anseios da sociedade?
O questionamento realizado, buscará ser respondido com dados estatísticos processuais, referendados pelo próprio CNJ, no Relatório apresentado e nominado como, “Justiça em números 2011”, que realizou um completo raio-X do Judiciário brasileiro. Entretanto, ante a intenção do presente estudo, focar-se-á, a título exemplificativo, nos dados estatísticos apurados no Estado do Paraná, especialmente, naqueles voltados, para uma melhor análise dos Recursos de Apelação, distribuídos e julgados pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.
Analisando os dados do referido relatório, em especifico, os que seguem na Tabela “2.1 - Cn2º - Casos Novos no 2º Grau”, ANEXO I do presente estudo, constata-se que, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em particular, recebeu no período/base de 6 meses, um total de 133.729 (cento e trinta e três mil setecentos e vinte e nove) novas distribuições, dentre estes, recursos originados de decisões interlocutórias e sentenças de mérito.
Conforme informação prestada pelo próprio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná[6], no ano de 2012, foram 63.000 (sessenta e três mil) Recursos de Apelações que chegaram ao 2º Grau.
Outro dado relevante, que o CNJ informou, no relatório de 2011, foi quanto à “taxa de congestionamento” dos processos que tramitam no 2º Grau de Jurisdição, conforme a tabela; “2.9 – TC2º - Taxa de Congestionamento no 2º Grau”, ANEXO II, revelando que, do total de processos que anualmente tramitam no Tribunal de Justiça analisado, cerca de 52% (cinqüenta e dois por cento), ficam pendentes de julgamentos ou simples análises, ou seja, processos que se acumulam para o ano após ano.
Ante a estes fatos, e conforme a futura previsão do art. 908 do Anteprojeto, constata-se que, a criação de mais um novo procedimento, dentro do próprio Recurso de Apelação, com o intuito de ser requerido o efeito suspensivo, bastando, para tanto, o seu simples protocolo junto ao Tribunal de Justiça, revela-se, como um procedimento diametralmente contrário aos anseios da Comissão de Juristas, e em especial, da própria sociedade.
Apenas trabalhando com dados estatísticos apresentados pelo CNJ, e pelo próprio TJ/PR, se, em 2012, foram registradas interposições de 63.000 (sessenta e três mil) novos recursos de apelações constata-se que, a mudança para o novo procedimento previsto ao referido recurso, certamente e no mínimo, inundará o referido Tribunal com mais 63.000 (sessenta e três mil) novos procedimentos autônomos, que requererão o efeito suspensivo do novo Recurso de Apelação.
Isso tornará o já congestionado Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, numa justiça ainda mais morosa que a atual, sobrecarregando, o já estourado limite de capacidade do Tribunal de julgar, e retardando, consequentemente, a “entrega” da tão almejada justiça, que os litigantes procuram.
A criação do novo procedimento judicial, instituída pela Comissão de Juristas do Anteprojeto, apenas seguiriam os fundamentos basilares exaltados por aqueles juristas, se ao menos, a parte que viesse a recorrer, e almejando o efeito suspensivo, este somente seria “ativado”, apenas com o despacho do relator, assim o concedendo, e não, pelo seu simples e mero protocolo.
Nesse sentido, com o efeito suspensivo ocorrendo somente após o despacho do relator, obrigariam os advogados, a realizarem diligências junto a estes relatores, fundamentando e argumentando a urgência do mesmo, e consequentemente, ter-se-ia, um cenário mais favorável numa resolução mais célere do procedimento autônomo que será instituído, em relação, a forma estabelecida pelo Anteprojeto do CPC.
Certo será que, com a atual estrutura utilizada pelo Poder Judiciário, o colapso do sistema apresenta-se latente, sendo necessário, e não por menos, que o Judiciário seja eficiente administrativamente, para que, possa aumentar a sua capacidade de julgamentos, e consequentemente, possua maior capacidade para absorver a nova enxurrada de novos processos, conforme regulado pelo art. 908, § 2º do Anteprojeto.
3 O procedimento recursal a partir da supressão do efeito suspensivo
Na atual sistemática do Recurso de Apelação, para que a parte recorrente obtenha o efeito suspensivo, a mesma é obtida em alguns casos de forma automática, conforme exceções previstas nos incisos do art. 520 do atual CPC, “in verbis”:
“Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que: (grifei)
I - homologar a divisão ou a demarcação;
II - condenar à prestação de alimentos;
III – revogado
IV - decidir o processo cautelar;
V - rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes;
VI - julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem.
VII - confirmar a antecipação dos efeitos da tutela;”
Assim, no sistema recursal atual, não possuindo a demanda judicial, um dos objetos processuais descritos nos incisos do artigo 520, o recorrente seria beneficiado, com a aplicação direta, do efeito suspensivo automático ao Recurso de Apelação.
Na sistemática processual do Anteprojeto do Novo CPC – que se originou do PL nº 166/2010 – apresentado pela Comissão de Juristas encarregados de sua elaboração, previa que, de regra, os recursos não seriam dotados de efeito suspensivo ope legis, mas que a eficácia da decisão poderia ser suspensa pelo relator, conquanto demonstrada a possibilidade de provimento do recurso. Desse modo, a execução provisória era alçada à regra. Mais que isso, o modelo anteriormente desenhado, prestigiava a sentença na medida em que aquela produzia efeitos, aumentando a importância prática das decisões do primeiro grau[7].
Contudo, durante a tramitação do projeto de lei no senado, com as alterações apresentadas pelo relatório-geral do Senador Valter Pereira, ocorreu uma modificação substancial no projeto original. Em que pese o efeito suspensivo ter deixado de ser a regra, e com a manutenção do incidente descrito no §2º do art, 908 do Anteprojeto do novo CPC, constata-se que, o simples protocolo impede a eficácia da sentença até a sua apreciação.
Na prática, todo apelante, mesmo ciente que o seu recurso de apelação não será acolhido, mas utilizando-se das garantias constitucionais, especialmente, a ampla defesa, valer-se-á do incidente instituído, tendo em vista, repita-se, que o simples protocolo é idôneo e suficiente para suspender a eficácia da decisão.
Nos dizeres dos Doutrinadores RIBEIRO, PEREIRA E AZEVEDO NETO[8], ilustram que:
“O efeito suspensivo está ali o tempo todo, basta que o apelante apresente uma petição com esse objetivo e, imediatamente fica suspensa a eficácia da sentença. E isso, consoante a redação do projeto alterado, sem que o relator sequer analise os argumentos expendidos nessa petição, isto é, sem um exame rigoroso quanto à probabilidade de provimento do recurso.”
Conforme será aduzido no tópico seguinte, o novo procedimento pode trazer ainda mais atrasos ao Poder Judiciário, especialmente, pela ausência de uma estrutura adequada, frente ao crescente número de demandas que abarrotam a deficiente estrutura física, sobrecarregando ainda mais a sobrecarregada capacidade de julgar dos Juízes, que mal assessorados, acabam em alguns casos, não entregando uma justiça de qualidade para a sociedade.
A celeridade, tão repetida, como principal objetivo da Comissão de Juristas, palavra de ordem na reforma de CPC, acabou sendo “esquecida”, ante a forma que está previsto o novo procedimento para a Apelação, que deferirá aos recorrentes possibilidades, ainda maiores, de postergarem a imediata execução da sentença, com o uso, inclusive, de ações constitucionais autônomas de impugnação, como a impetração do Mandado de Segurança contra a decisão do relator que não venha a reconhecer o efeito suspensivo almejado, tema este, que será abordado de forma mais aprofundada no tópico seguinte.
Essas seriam, pontualmente, as mudanças que estão sendo propostas para o processamento do recurso de apelação, que teoricamente primariam pela celeridade processual, porém, na prática, tem tudo para se tornar um procedimento ainda mais moroso que o atual.
4 Os fundamentos doutrinários que remontam na necessidade da supressão do efeito suspensivo nos recursos na visão da Comissão de Juristas do Anteprojeto
Os principais ideais defendidos pelos doutrinadores para que ocorra a supressão do efeito suspensivo do Recurso de Apelação, e conforme já foi adiantado em breves exposições nos tópicos anteriores, tem por seu motivo basilar, o fornecimento de uma celeridade da prestação jurisdicional, para a sociedade como um todo.
Para o renomado Doutrinador Marinoni[9], o mesmo entende, que a Comissão de Juristas nomeados para reescrever o novo Código, atendeu a uma antiga postura, que este já possuía nos idos de 1993[10], no qual advogava a tese que:
“O autor que já teve o seu direito declarado não pode ser prejudicado pelo tempo do recurso que serve unicamente ao réu.”
Continuando o argumento que, a tutela jurisdicional tinha que ser imediata, evitando assim, o “abuso no direito de recorrer”. Tal postura do renomado Doutrinador, data maxima venia, analisando-a friamente, vai de forma contrária a princípios comezinhos da própria estrutura do ordenamento jurídico, pois, ao contrário do quanto defendido, o direito de recorrer, deferido a qualquer parte que litigue judicialmente, é imantado no pleno exercício de garantias constitucionais, das quais, não podem, jamais, serem desprezados, como, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.
Criando um paradigma imaginário, para ser refletido, é, se a celeridade fosse o único foco de qualquer procedimento judicial, e que o exercício de recorrer fosse considerado um abuso cometido, por aquela parte que se utilize deste meio para procrastinar o direito discutido, e, se aplicarmos essa regra, como a única que devesse reger os procedimentos judiciais, teríamos em tese, procedimentos judiciais arbitrários, voltados, exclusivamente, para a satisfação da pretensão do autor.
Contudo, não se pode olvidar, que o processo judicial pode ser usado apenas como um meio de pressão social, um meio de intimidação, um meio de externar a simples raiva que um litigante sente pela outro ou de outros sentimentos, que não podem ser considerados, como a mera busca da satisfação de um direito.
Quanto a esta ponderação, da sobrevalorização da celeridade processual a direitos e princípios constitucionais consagrados, o Professor MEDINA[11] defende que; “... a celeridade a imprimir ao curso dos processos foi um escopo visado, desde o inicio da elaboração do projeto, a segurança jurídica não poderá ser desprezada, ao cabo do trabalho legislativo.” E em seguida arremata[12], afirmando que, “Só há Direito quando, no curso do processo, se respeitam direitos invocados pelas duas partes.”
De fato, esta deve ser, o real espírito da prestação jurisdicional, respeitando-se de forma primordial, a segurança jurídica e não a pura e simples celeridade processual. Nesse aspecto, somente desta forma, estar-se-ia respeitando princípios constitucionais dentro do procedimento judicial civil, se obstinar, na seara da pura e simples celeridade processual, a qualidade processual poderá ser arremessada em segundo plano, fomentando assim, uma lide desequilibrada.
Outro Doutrinador que defende a reforma, e faz parte da comissão de juristas, o Ministro Luiz Fux, defende clara e incisivamente, que: “A ideologia norteadora dos trabalhos da Comissão foi a de conferir maior celeridade a prestação da justiça.” Defendendo a busca de, “...instrumentos capazes de reduzir o número de demandas e recursos que tramitam pelo Poder Judiciário.”[13]
Já para a Ilustre Professora Teresa Arruda Alvim Wambier[14], a palavra que melhor define o Anteprojeto do CPC, é a eficiência. Na visão da doutrinadora, a reforma dos procedimentos do CPC, visará uma maximização do rendimento do Poder Judiciário, como um todo.
Com relação ao novo sistema recursal, a Doutrinadora, pontua, com a costumeira maestria, refletindo que[15]:
“Com isso haverá menos processos em curso, e mais eficiência, agora num outro sentido, do próprio Judiciário.
No plano dos recursos, e este é o objeto principal destas anotações, houve também um número considerável de modificações com esta finalidade.”
Ao abordar sobre o Recurso de Apelação, a ilustre doutrinadora, descreve, sucintamente, com será o seu novo processamento, a partir da promulgação do Anteprojeto[16], aduzindo, que, “in verbis”:
“Criou-se uma regra especial para apelação: no caso deste recurso, o mero protocolo da petição por meio da qual se pleiteia o efeito suspensivo tem o condão de evitar a eficácia da decisão de que se recorreu, até que o relator decida a respeito.
Quis-se com essa regra evitar que os efeitos irreversíveis no plano dos fatos possam ter lugar e levem à ineficiência de um futuro e provável provimento da apelação.”
A referida regra do novo procedimento para ser requerido o efeito suspensivo, está, até o momento, no art. 908, §2º do Anteprojeto, “literis”:
“Art. 908. Os recursos, salvo disposição legal em sentido diverso, não impedem a eficácia da decisão.
§ 1º Omissis
§ 2º O pedido de efeito suspensivo durante o processamento do recurso em primeiro grau será dirigido ao tribunal, em petição autônoma, que terá prioridade na distribuição e tornará prevento o relator.”
Contudo, a nobre Comissão de Juristas, reafirme-se, primando pela celeridade processual, e analisando o Anteprojeto, constata-se, que não há, até o momento, a previsão de qualquer recurso expresso, para o caso do relator não admitir o efeito suspensivo, almejado pela parte recorrente, salvo apenas, a apresentação dos embargos de declaração.
Pode-se observar que tal postura adotada pela Comissão, pode, em um primeiro momento, oferecer a oportunidade, para a parte recorrente, buscar uma tutela cautelatória extra-recursal, que impeça, a imediata execução de uma sentença, que não seja o melhor direito a ser entregue na lide.
Desse modo, analisando de forma mais aprofundada o novo procedimento, em que será requerido o efeito suspensivo ao Recurso de Apelação, constata-se que o mesmo poderá se tornar, um verdadeiro “calcanhar de Aquiles”, às pretensões da Comissão de Juristas quanto a celeridade e efetividade processual, conforme alerta de MEDINA[17], “in verbis”:
“Ademais, ao fazer depender de decisão do relator a atribuição do efeito suspensivo ao recurso (...), o projeto cria incidente processual destinado a esse fim – o que pode estabelecer um embaraço à tramitação do recurso, conspirando contra a celeridade processual. É certo que, ao disciplinar o pedido de suspensão, em petição autônoma, cuja a distribuição no tribunal, tornará prevento o relator escolhido (§2º), o projeto cuida de dispor que, em se tratando de apelação, ‘o protocolo da petição a que se refere o §2º impede a eficácia da sentença até que seja apreciado [o pedido de suspensão] pelo relator.’(§3º)”
O novo procedimento, da forma em que está desenhado, tem que ser analisado, passo a passo, bem como, as suas prováveis consequências, haja vista que, em resumo, novos procedimentos, resultaram em maiores trabalhos para que o Judiciário absorva as novas regras, no qual, aliados a atual conjuntura estrutural ofertada por aquela esfera do Poder, é provável, que o mesmo seja ainda mais sobrecarregado.
Em três pontos, tentar-se-á demonstrar, por quais razões, o novo procedimento do Recurso de Apelação, poderá conspirar contrariamente a celeridade processual, tão defendida pela Comissão de Juristas.
Primeiramente, a regulação, de um procedimento antecipatório, no próprio Recurso de Apelação, para assim, ser almejado pelo recorrente o efeito suspensivo, é, de fato, a visualização de mais um novo procedimento, do qual, e com a atual estrutura que o Poder Judiciário entrega a sociedade, e sendo, o simples protocolo da petição no juízo “ad quem”, suficiente para que a sentença não seja imediatamente executada, certamente, não será um procedimento em que as partes deixarão de utilizar.
Em segundo, a ausência de possibilidade de recursos, inclusive, do Agravo Regimental, em relação a decisão do relator, que não conceda o efeito suspensivo, poderia até ser um ponto positivo, porém, tal regramento, olvidou do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, quanto ao cabimento do Mandado de Segurança contra ato judicial, ação constitucional esta, que deverá ser impetrada no Tribunal de origem, conforme regramento do atual CPC, nos incisos II e III do artigo 527, haja vista que, a previsão, é exatamente para o caso de decisão judicial irrecorrível.
Reforçando o entendimento delineado, o parágrafo único, do art. 527, dispõe que, são irrecorríveis a decisão do relator que converter o agravo de instrumento em retido, ou atribuir efeito suspensivo, ao agravo que antecipar, total ou parcialmente, a pretensão recursal.
Nessa toada, a Corte Especial do STJ, através do RMS 25943/PR[18], da relatoria da Ilma. Ministra Nancy Andrighi, publicado no DJE em 09/02/2009, entendeu como cabível, a impetração de mandado de segurança, como meio processual apto, a impugnar a decisão nestes casos, exatamente, pela inexistência de recursos para a defesa dos interesses do recorrente, ressalvando, contudo, que o mesmo deveria ser impetrado no Tribunal de origem.
Assim, ante aos argumentos expendidos, contata-se que, a irrecorribilidade da decisão do relator que não venha a conceder o efeito suspensivo, no futuro procedimento do Recurso de Apelação, demonstra-se indesejável aos anseios da Comissão de Juristas, tendo em vista que, o uso de uma ação autônoma de impugnação, apenas servirá, para atravancar o já congestionado sistema judicial.
Em terceiro e último, conforme já delineado, pontualmente, em tópicos anteriores, não se pode esquecer, da realidade estrutural, especialmente, das Justiças Comuns, que, há muitos anos não suportam os crescentes números de demandas. De fato, o novo procedimento para o Recurso de Apelação, em específico, pode vir a gerar, um maior número de atos processuais, em relação ao sistema vigente. Pontualmente, deve-se reafirmar, os dizeres de Humberto Theodoro Junior, e o conceito de, “etapas mortas” no processo.
Como mudar uma realidade procedimental, se a estrutura física e o material humano utilizado é reconhecidamente escasso? Certamente que tal questionamento deve ser observado, pois, os procedimentos processuais, não podem levar toda a culpa, pela complexa morosidade, que há anos está enraizada no Poder Judiciário.
Além de uma reforma processual, a sociedade tem a plena consciência que, para atingir alguns objetivos propostos pelos membros da Comissão de Jurista do Anteprojeto do novo CPC, é preciso, igualmente, passarmos por uma reforma estrutural.