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Debate sobre a necessidade e as polêmicas acerca do Tribunal Penal Internacional para pirataria no mar

21/06/2013 às 16:39
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Há uma situação preocupante com a pirataria, cujas soluções esbarram em questões jurídicas, pois o próprio Tribunal Internacional do Direito do Mar – órgão responsável pela garantia da efetividade do Direito no âmbito marítimo – não tem competência para coibir o fato.

“Dados precisos sobre a situação econômica da Somália são escassos, porém com uma renda per capita estimada a 600 dólares ao ano, o país permanece como um dos mais pobres do mundo. Milhões de somalis dependem de assistência humanitária. O país está envolvido em uma guerra civil desde 1991 e o governo, de fato, é controlado por várias autoridades regionais e grupos que declararam suas respectivas áreas como territórios autônomos. Estes fatores, além do aspecto lucrativo de muitas destas operações de seqüestro, atraíram um grande número de jovens para estas gangues de piratas, cuja riqueza e força freqüentemente lhes faz ascender à elite social e econômica local”.

(Pirataria na Somália. In: http://pt.wikipedia.org/wiki/Pirataria_na_Som%C3%A1lia).


1. A Pirataria. Breve Histórico.

Em primeiro lugar, a expressão “pirataria” nos remete a pensarmos na cópia, venda ou distribuição de material sem o pagamento dos direitos autorais, de marca e ainda de propriedade intelectual e de indústria, algo bastante comentado no noticiário, principalmente relativo à venda de produtos contrabandeados.

No entanto, nosso foco aqui difere-se desse cunho aplicado à palavra “pirataria”. Nosso interesse pauta-se num fenômeno mais antigo na história da humanidade e que sempre esteve presente nas situações em que o mar fora utilizado para o comércio: a pirataria maritima. Na história, a pirataria consiste no fenômeno em que o “marginal”, de forma autônoma ou organizado em grupos, cruza os mares com o intuito de promover saques e pilhagem a navios e cidades para obter riquezas.

O primeiro a usar o termo pirata para descrever aqueles que pilhavam os navios e cidades costeiras foi Homero, na Grécia antiga, na sua Odisseia. Eles navegavam nas rotas comerciais com o objetivo de apoderarem-se das riquezas alheias, pertencentes a mercadores, navios do estado ou povoações e mesmo cidades costeiras, capturando tudo o que tivesse valor (desde metais e pedras preciosas a quaisquer outros bens) e fazendo reféns, para extorquir resgates. Normalmente esses reféns eram as pessoas mais importantes e ricas para que, assim, o pedido de resgate pudesse ser mais elevado.

Primeiramente a pirataria marítima foi praticada por gregos que roubavam mercadores fenícios e assírios desde pelo menos 735 a.C. A pirataria continuou a causar problemas, atingindo proporções alarmantes no século I d.C., quando uma frota de mil navios pirata atacou e destruiu uma frota romana e pilhou aldeias no sul da Turquia. Na Idade Média, a pirataria passou a ser praticada pelos normandos (que atuavam principalmente nas ilhas britânicas, França e império germânico, embora chegassem mesmo ao Mediterrâneo e ao mar Morto), pelos Muçulmanos (Mediterrâneo) e piratas locais.

Mais tarde este fenômeno difundiu-se pelas colônias europeias, nomeadamente nas Caraíbas, onde os piratas existiam em grande quantidade, procurando uma boa presa que levasse riquezas das colônias americanas para a Europa, atingindo a sua época áurea no século XVIII. Do fim do século XVI até o século XVIII, o Mar do Caribe era um terreno de caça para piratas que atacavam primeiramente os navios espanhóis, e posteriormente os de todas as nações com colônias e postos avançados de comércio na área. Os grandes tesouros de ouro e prata que a Espanha começou a enviar do Novo Mundo para a Europa logo chamaram atenção destes piratas. Muito deles eram oficialmente sancionados por nações em guerra com a Espanha, mas diante de uma lenta comunicação e da falta de um patrulhamento internacional eficaz, importante ressaltar que a linha entre a pirataria oficial e a criminosa era indefinida.

As tripulações de piratas eram formadas por todos os tipos de pessoas, porém a maioria era homens do mar que desejavam obter riquezas e liberdades reais, já que muitos eram eram escravos fugitivos ou servos sem rumo. As tripulações eram normalmente muito democráticas. O capitão era eleito por ela e podia ser removido a qualquer momento. De modo geral, preferiam navios pequenos e rápidos, que pudessem lutar ou fugir de acordo com a ocasião. Preferiam também o método de ataque que consistia em embarcar e realizar o ataque corpo a corpo. Saqueavam navios de mercadores levemente armados, mas ocasionalmente atacavam uma cidade ou um navio de guerra, caso o risco valesse a pena. Normalmente, não tinham qualquer tipo de disciplina, bebiam muito e não raro terminavam mortos no mar ou enforcados, depois de uma carreira curta e transgressora.

No auge, os piratas controlavam cidades insulares que eram paraísos para recrutar tripulações, vender mercadorias capturadas, consertar navios e gastar o que saqueavam. Várias nações faziam vista grossa à pirataria, desde que seus próprios navios não fossem atacados. Quando a colonização do Caribe tornou-se mais efetiva e a região se tornou economicamente mais importante, os piratas gradualmente desapareceram, após terem sido caçados por navios de guerra e suas bases terem sido tomadas.

Desde aí a pirataria veio perdendo importância, embora em 1920 ainda tivesse a sua importância nos mares da China. Atualmente, a pirataria revela-se mais incidente no Sudeste Asiático e ainda nas Caraíbas, sendo os locais de ataque espaços entre as ilhas, onde os piratas atacam de surpresa com lanchas muito rápidas. (PIRATARIA – WIKIPÉDIA).

Vale, ainda, para fins de complementariedade histórica mencionar a diferença dos piratas – que agiam por conta própria – dos corsários. Nesse sentido, o corsário era um pirata que, por missão ou “carta de marca” de um governo, era autorizado a pilhar navios de outra nação, aproveitando o fato de as transacções comerciais basearem-se, na época, na transferência material das riquezas. Os corsos eram usados como um meio fácil e barato para enfraquecer o inimigo por perturbar as suas rotas marítimas. Com os corsos, os países podiam enfraquecer os seus inimigos sem suportar os custos relacionados com a manutenção e construção naval. Teoricamente, um não corso com uma carta de marca poderia ser considerado como pirata, desde que fosse reconhecido pela lei internacional. Sempre que um navio corso fosse capturado, este tinha de ser levado a um Tribunal Almirantado onde tentava assegurar de que era um verdadeiro corso. Contudo, era comum os corsos serem apresados e executados como piratas pelas nações inimigas. Muitas das vezes, os piratas, quando apanhados pela suposta vítima, tentavam usar uma carta de corso ilegal. Por vezes, no seu país de origem, os corsos eram considerados autênticos heróis, tal como Sir Francis Drake, que, graças aos fabulosos tesouros que arrecadou para a Inglaterra, foi tornado Cavaleiro por Isabel I (CORSÁRIO – WIKIPÉDIA).


2. A Pirataria na atualidade

Na atualidade temos assistido nos meios de comunicação notícias sobre a crescente e preocupante ocorrência de atos de pirataria contra embarcações que navegam em alto-mar ou mesmo dentro de mar territorial ou em águas jurisdicionais de Estado costeiro, em conformidade ao conceito de passagem inocente[1] contido no Direito Marítimo.

Como destaca Medeiros (2008), o International Maritime Bureau (IMO), organismo especializado vinculado à ONU, com sede em Londres, levantou um conjunto de dados que mostram a existência de pontos focais espalhados pelas linhas marítimas de navegação mundiais. A costa africana, com isso, possui três pontos de intenso risco à segurança de tripulação e da carga transportada. A primeira, e a mais intensa em ocorrência, se localiza ao largo da Somália, dentro do Oceano Índico.

A segunda fica também na costa da Somália, mas dentro do Golfo de Aden, acesso do Índico ao Mediterrâneo pelo Canal de Suez via Mar Vermelho. E a terceira, não menos preocupante, é localizada na costa da Nigéria, no Oceano Atlântico. Já no Oceano Índico, o principal ponto focal situa-se dentro do estratégico Estreito de Malacca, caminho obrigatório dos navios rumo ao Extremo Oriente, além das proximidades de Bangladesh, no sudeste asiático. Por fim, no Mar da China Meridional, permeando a Indonésia, existe uma ampla região onde os atos de pirataria são intensos e antigos.

Ainda segundo Medeiros (2008), no Brasil os registros demonstram a existência de três pontos focais na sua imensa costa (que, por sinal, é superior a oito mil quilômetros). Do norte para o sudeste, a região dos Estreitos, unindo o rio Amazonas, já nas proximidades da sua foz, com o rio Pará, ao largo da Ilha de Marajó. Na região sudeste, os dois pontos finais. Um ao largo da Baía de Guanabara e mesmo dentro dela, no Rio de Janeiro, e o segundo ao largo e dentro do Porto de santos, em São Paulo.

A International Maritime Bureau contabiliza cerca de 3.200 pessoas tomadas como reféns de piratas na última década, sendo que 150 deles perderam a vida. Em 2007 foram registrados 263 incidentes em todo o globo, com um crescimento superior a 10% de ataques piratas em 2007. São dados assustadores para quem atua no comércio internacional de cargas e de passageiros. Alguns casos acabam notórios: Em 2005, nas proximidades das Ilhas Seychelles - Oceano Índico - um grupo de 150 turistas norte-americanos, embarcados no iate de luxo “Seaborne Spirit”, foi atacado por piratas munidos de fuzis e granadas. Um outro caso de destaque foi em 2008, quando um veleiro-iate de alto luxo “Lê Ponant” foi atacado e sua tripulação, de 30 marinheiros, seqüestrada por 12 piratas, quando se encontrava fundeado em Garaad, já no interior do Golfo de Áden rumo ao Egito para receber 64 turistas. Pediram resgate ao armador e, após um período de negociação por meio de um navio da Marinha da França, libertaram os tripulantes e a embarcação depois de terem sido atendidas parte da suas reivindicações, no valor estimado de US$ 2 milhões. Só em 2008, mais de cem atos de pirataria foram registrados no Golfo de Áden, na Costa da Somália (MEDEIROS, 2008).

As incidências também são grandes no Golfo da Guiné, do Caribe e no estreito de Malaca. Cálculos indicam que o prejuízo com a pirataria moderna chegue a 15 bilhões de dólares (VEJA.ABRIL, 2009). Principalmente porque envolve a embarcação de grandes riquezas, como petróleo e outras riquezas transportadas pelo mar. Em geral os grupos de piratas pedem várias quantias para libertar os reféns ou liberarem cargas apreendidas, e fazem desse negócio uma forma de acumularem riqueza e poder em regiões conflagradas pela miséria, conflitos armados e profunda instabilidade política.

Caso mais recente no Brasil, neste ano de 2013, ocorreu quando três turistas de São Paulo pescavam em rios de Cubatão. O assalto mostrou a falta de segurança que pescadores e turistas enfrentam quando estão navegando por rios do litoral paulista. Piratas estão atacando os turistas que vão pescar ou andar de moto aquática. Dois barcos e duas motos aquáticas já foram levadas por piratas. Em outro caso, no mesmo lugar, três pescadores de São Paulo e um marinheiro foram agredidos e jogados no mar. Os bandidos levaram o barco, documentos e celulares. Uma das vítimas, de 78 anos, passou mal e morreu. O marinheiro que estava pilotando a embarcação reclama da falta de fiscalização (G1.GLOBO.COM, 2013). Vemos, com isso, que este fenômeno também é uma preocupação local.

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3. O Tribunal Internacional para a Pirataria no mar

A criação do Tribunal Internacional sobre o Direito do Mar, em 1996, representa um considerável avanço nas relações internacionais do Direito do Mar. Esse tribunal consiste numa entidade judicial independente, criada a partir da Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar para dirimir as disputas levantadas na interpretação e aplicação da Convenção.

Antes de seguir tratando do Tribunal, especificamente, faz-se necessário uma digressão para falarmos da Convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar, a chamada “III Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar”. Esta teve início em 1973 e foi adotada,  em Montego Bay, Jamaica, na data de 30 de abril de 1982, por uma votação de 130 votos a favor e 4 contra (Estados Unidos, Israel, Turquia e Venezuela) e 17 abstenções, entre os quais figuraram as do Reino Unido, República Federal da Alemanha, Itália, União Soviética e outros países socialistas da Europa. O Brasil firmou a Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar em 10 de dezembro de 1982, junto com outros 118 países, e em 22 de dezembro de 1998, veio a ratificá-la. A Convenção entrou em vigor, internacionalmente, apenas no dia 16 de novembro de 1994. A partir deste momento, vislumbrou-se uma nova realidade, uma vez que a exploração dos mares, mais especificadamente dos fundos marinhos, não ficariam mais adstritos ao controle de um pequeno grupo de Estados, mas sim de toda a humanidade (SÓRIAa, 2002).

Como nos ensina Celso Mello (2004), o Direito do Mar adotou no seu desenrolar o consenso, porque os países ricos eram minoria e os pobres perceberam que não seria conveniente adotar uma convenção que não fosse aceita por aqueles. Além disso, quatro fatores teriam contribuído para uma revisão profunda do Direito do Mar, a saber: a proclamação de Truman reivindicando a plataforma dos EUA; o ato do governo do Peru e Chile constatando ali a inexistência de plataforma e reivindicando os recursos marinhos até a corrente marinha de Humboldt (1947); os novos Estados surgidos da descolonização vão endossar a linha de reivindicação dos latino-americanos; e as grandes potências marinhas que passam a ter interesse em colocar um limite às reivindicações do Terceiro Mundo.

Nesta Convenção foram criados três órgãos para vigiar seu cumprimento, encontrando-se em pleno funcionamento. São eles a Autoridade Internacional para os Fundos Marinhos, sediada em Kingston, Jamaica; a Comissão dos Limites da Plataforma Continental, que está instalada na Sede das Nações Unidas, em Nova Iorque; e, finalmente, o Tribunal Internacional sobre Direito do Mar, sediado em Hamburgo, Alemanha – objeto deste artigo. Este Tribunal foi instituído de forma inovadora, tendo sido proposto através de projeto oferecido pelos Estados Unidos na Convenção dos Fundos Marinhos em 21 de agosto de 1973, tendo por objetivo a necessidade de superar as deficiências da Corte Internacional de Justiça, no que se refere ao acesso das partes litigantes, bem como as restrições levantadas em torno da Corte de Haia, que era vista como um bastião insensível às postulações do novo direito internacional (SÓRIAa, 2002).

O Tribunal funciona de acordo com as provisões da Convenção e do Estatuto do Tribunal contido no Anexo VI da Convenção, sendo o fórum central disponível para Estados, organizações internacionais, e entidades privadas, objetivando resolver as controvérsias sobre como a Convenção deve ser interpretada e aplicada (SÓRIAb, 2002). O Tribunal é formado por 21 membros, com uma distribuição geográfica equitativa, com mandato de nove anos. Os Estados-partes têm legitimidade para pleitearem junto ao Tribunal suas pretensões, conforme demonstrado no artigo 291, §1º da Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar e no artigo 20, § 1º do mesmo Estatuto e também a Organizações Internacionais (artigo 305, §1º, "f" da Convenção). O Tribunal também é disponível a outras entidades que não sejam Estados-partes, nos casos expressamente previstos no Anexo XI (Organizações Internacionais), em qualquer questão submetida nos termos de qualquer outro acordo que confira ao Tribunal jurisdição que seja aceita por todas as partes na questão (art. 20, §2º, do Estatuto).

O julgamento do Tribunal é final, devendo ser acatado por todas as partes na controvérsia. A sentença terá força obrigatória aos envolvidos no que se refere à determinado embate. Não acordando as partes sobre o sentido ou alcance da sentença, compete ao Tribunal interpretá-la, a pedido de quaisquer delas. Sória (2002b) nos chama atenção para a problemática de que o Tribunal Internacional sobre Direito do Mar não dispõe de um órgão específico para fiscalizar o cumprimento de suas decisões, embora possam ser acionadas a Reunião dos Estados-partes, a Assembléia Geral e o Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Todavia, segundo entendimento do Professor Vicente Marotta Rangel (1997), caso não haja o cumprimento da decisão, o fato poderá ser levado ao conhecimento do Conselho de Segurança da ONU para que sejam tomadas medidas coercitivas de acatamento da decisão. Deste modo propõe a aplicação, por analogia, do artigo 94 da Carta das Nações Unidas, que fala do comprometimento de cada membro das Nações Unidas a conformar-se com a decisão da Corte Internacional de Justiça em qualquer caso em que for parte; e que se uma das partes em algum caso específico deixar de cumprir as obrigações que lhe incumbe em virtude de sentença proferida pela Corte, a outra terá direito de recorrer ao Conselho de Segurança que poderá, se julgar necessário, fazer recomendações ou decidir sobre medidas a serem tomadas para o cumprimento da sentença.


4. O Tribunal Internacional do Direito do Mar e a pirataria

Sobre a possibilidade de o Tribunal Internacional do Direito do Mar julgar os crimes de pirataria, o ex-presidente do Tribunal, o cabo-verdiano José Luís Jesus (presidente de 2008 a 2011), afirmou no dia 24 de abril de 2009, que esta instância não tem competência para julgar casos de pirataria. Em suas palavras: “O Tribunal Internacional do Direito do Mar não tem competência, nos termos da Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, para julgar piratas ou para julgar qualquer outra pessoa”, contactado telefonicamente pela Agência Lusa para Hamburgo.  Ainda segundo suas palavaras: “Se há uma disputa entre Estados que diga respeito a matéria coberta pela Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, os Estados podem trazer essa disputa à consideração do tribunal. Mas não julgar piratas. Julgar piratas é uma questão criminal e nós não somos um tribunal criminal”, acrescentou (VISAONEWS, 2009).

A fala do Excelentíssimo ex-juiz foi uma resposta à notícia veiculada na épcoa pelo jornal alemão, Die Welt, para quem o referido juíz havia dito que o Tribunal Internacional do Direito do Mar estaria pronto para julgar os casos de pirataria ao largo da Somália – região de maiores índices de pirataria na atualidade, haja vista o fato de a Somália viver um caos social, político e econcômico, de modo a ser classificado como Estado falido. José Luís Jesus reirerou na oportunidade que a competência do Tribunal que dirige se limita a “disputas entre Estados sobre questões relativas à interpretação e aplicação da Convenção”, José Luís afirmou que esta instância não tem, portanto, sequer competência para se pronunciar sobre o estatuto a dar aos piratas eventualmente capturados. Nas suas palavras: “Não temos qualquer jurisdição sobre isso. As partes em conflito são Estados, não são indivíduos (...) Não temos jurisdição sobre esses casos nos termos da Convenção”, sublinhou (VISAONEWS, 2009). 

Nesse sentido, explicou que, no âmbito da pirataria na Costa da Somália, o Tribunal só poderia ser chamado a pronunciar-se num conflito entre Estados envolvendo pirataria, porque a Convenção regula a questão da pirataria, mas até ao momento, isso não teria acontecido, ou seja, o tribunal“não recebeu nenhum caso nem foi contactado por nenhum Estado” no âmbito da pirataria ao largo daquele país. 


5. Considerações Finais

Também Helmut Tuerk, ex-vice-presidente do Tribunal Internacional do Direito do Mar no período de José Luis Jesus, reiterou, em junho, que o Tribunal não é um tribunal criminal e que nos casos de pirataria só pode exercer competência quando um Estado se queixa de outro Estado por pactuar ou não prevenir casos de pirataria. No entanto, disse de forma significativa que as Nações Unidas estão estudando formas de, no futuro, julgar casos de pirataria marítima (NEWSTIN, 2009).

Demonstrando grande preocupação com a questão da pirataria na costa da Somália, também o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, tratou do assunto, pedindo maior agilidade nos esforços para processar judicialmente os suspeitos de integrar as redes criminosas responsáveis pelos atos de pirataria na costa da Somália. Segundo salientou, a ONU detectou nas legislações de vários países uma falta de aplicação adequada do direito internacional para combater os criminosos, alegando que só será possível conseguir um aumento significativo das detenções e julgamentos de piratas quando as forças de segurança contarem com um respaldo jurídico sólido (FOLHAONLINE, 2009).

Temos, portanto, uma situação internacional preocupante com a pirataria, mas cujas soluções esbarram em importantes questões jurídicas uma vez que o próprio Tribunal Internacional do Direito do Mar – órgão responsável pela garantia da efetividade do Direito no âmbito marítimo – não pode se dispor diante dessa situação. Apesar de polêmica, a questão necessita de avanços, pois a pirataria acaba por gerar profunda instabilidade jurídica para aqueles que trafegam pelos mares de modo a honrarem seus compromissos comerciais. Além disso, escapando das questões jurídicas relacionadas ao tema, não podemos deixar de mencionar as causas de tamanha problemática que o Direito Internacional se propõe a resolver.

Trata-se da miséria, dos conflitos e da instabilidade política geradora da motivação pirata da atualidade, situações de calamidade vividas por nações miseráveis para a qual o mundo desenvolvido pouco se importou senão agora quando o problema é sério e de grandes impactos para muitos de seus interesses.

É fato, com isso, que a pirataria necessita de um avanço considerável no Direito Internacional e em suas instituições punitivas, até porque esse não é um fenômeno restrito às costas de países miseráveis, mas se nestas localidades encontram-se sua maior incidência o debate deve passar também pelo interesse e competência na reestruturação política, econômica e social dessas partes do globo.


Referências Bibliográficas

CARNEIRO, Ricardo. Passagem Inocente. 2009 Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20091103151829482>. Acesso em: 10 jan. 2010.

CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO DO MAR. In: Coletânea de Direito Internacional. Org. Valério de Oliveira Mazzuoli. 6.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

CORSÁRIO – WIKIPÉDIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Cors%C3%A1rio>. Acesso em: 25 mar. 2013.

FOLHAONLINE (FOLHA DE SÃO PAULO).  Na ONU, EUA alertam contra pagamento de resgate a piratas. 18/11/2009. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u654234.shtml>. Acesso em: 25 mar. 2013.

G1.GLOBO.COM. Ataques de piratas ‘expulsam’ turistas de rio em Cubatão, SP. 15/01/2013. Disponível em: <http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2013/01/ataques-de-piratas-expulsam-turistas-de-rio-em-cubatao-sp.html>. Acesso em: 25 mar. 2013.

MEDEIROS, Roberto Carvalho de. Pirataria no mar não é coisa do passado. Disponível em: <http://www.sagres.org.br/biblioteca/pirataria.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2013.

MELLO, Celso D. de Alburquerque. Curso de Direito Internacional Público. 15.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

NEWSTIN. Disponível em <http://www.newstin.com.pt/related.a?edition=pt&group_id=pt-010-001086549&similarFilter=PT>. Acesso em: 10 jan. 2010.

PIRATARIA – WIKIPÉDIA. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Pirata#Hist.C3.B3ria_da_pirataria. Acesso em: 23 mar. 2013.

PIRATARIA MODERNA – WIKIPEDIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Pirataria_moderna>. Acesso em: 25 mar. 2013.

RANGEL, Vicente Marotta. Direito e Relações Internacionais. 5ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

SÓRIA, Mateus da Fonseca. Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar. 2002a. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/6021>. Acesso em: 10 jan. 2010.

SÓRIA, Mateus da Fonseca. Tribunal Internacional sobre Direito do Mar. 2002b. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/6022>. Acesso em: 10 jan. 2010.

VISÃONEWS. 2009. Disponível em: <http://www.visaonews.com/nm/templates/ra.aspx?articleid=3377&zoneid=20>. Acesso em: 10 jan. 2010.

VEJA.ABRIL. Os piratas da Somália. 2009. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/educacao/piratas-somalia/piratas-somalia.html>. Acesso em: 25 mar. 2013.


Nota

[1] O conceito de “passagem inocente” consiste na permissão de passagem do navio por águas territoriais internacionais, apenas como passagem necessária para chegar ao seu destino final, sujeitando-se à lei da bandeira do navio, se houver algum incidente neste percurso. In: CARNEIRO, Ricardo. Disponível em:  <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20091103151829482>. Aceso em: 10 jan. 2010.

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Sobre o autor
Walace Ferreira

Professor de Sociologia da UERJ. Pesquisador. Doutor em Sociologia pelo IESP/UERJ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Walace. Debate sobre a necessidade e as polêmicas acerca do Tribunal Penal Internacional para pirataria no mar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3642, 21 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24756. Acesso em: 20 abr. 2024.

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