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A consciência do juiz na tomada de decisões e o problema da autocensura

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21/06/2013 às 10:29
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8. Conclusão

Na realidade coeva, é uma verdade insofismável que a lei injusta ou a causa injusta estão longe de constituir hipóteses meramente académicas, podendo o juiz no seu ofício quotidiano com elas se deparar. Serão situações em que mais do que agir de acordo com a sua ciência, a posição do juiz encontra-se fragilizada pois em causa há que sopesar os interesses privados ou de grupo com os interesses da comunidade em geral, aos quais o próprio não é alheio atendendo a função social da profissão e a busca pela Justiça como seu elemento teleológico.

Uma vez provocado, o juiz não pode eximir-se de decidir a questão submetida a sua apreciação, tendo de manifestar-se sobre os pedidos que lhe são dirigidos, sob pena de violação do princípio do non liquet.

O momento da decisão é o culminar de uma caminhada, por vezes, longa, árdua, cheia de dificuldades, angústias, avanços e recuos. É, não raro, um momento de extrema solidão, desamparo, em busca da palavra certa, justa, definitiva, esclarecedora, que ponha termo ao conflito, que indique o caminho certo a seguir.

Calamandrei[19] diz sabiamente que o “drama do juiz é a solidão, porque ele, que para julgar deve estar livre de afectos humanos e situado um degrau acima dos semelhantes, raramente encontra a doce amizade que requer espíritos do mesmo nível”.

O que quer que seja que o juiz decide, há sempre alguém que não vai concordar com a sua decisão. Há pessoas que aparecerão a criticar, a criticar, mas não lêem a lei sobre que criticam.

Desde que o julgador adopte a sua decisão com imparcialidade, de acordo com a sua compreensão da lei e dos factos submetidos ao seu conhecimento, a sua consciência terá a certeza da justiça e do cumprimento do seu munus publico.

No dia que o juiz tiver medo de julgar conforme a sua consciência, não haverá quem viva tranquilo.

Se o juiz tiver medo de julgar por represália do Executivo ou do Legislativo não haverá quem reconheça a responsabilidade do Estado por violar o direito alheio.

Se o juiz tiver medo de julgar por medo de ofender uma determinada formação política, desprotegidos ficarão os cidadãos que pertencendo a minorias não poderão participar activamente no processo democrático. 

Se o juiz tiver medo de julgar por receio de ser punido ou mesmo corrigido pelas instâncias superiores não haverá quem reconheça novos direitos por força da sua capacidade interpretativa da lei. Ousamos ir mais longe sustentando que em caso flagrante de atentado contra a sua consciência, será preferível que se aja disciplinarmente contra o juiz a este adoptar uma posição que lhe pareça clamorosamente atentatória da verdade e da justiça.

Se o juiz tiver medo de julgar por ameaças de criminosos e por não haver protecção à sua integridade, então o crime terá vencido o Estado e o cidadão. A impunidade que cobre os delitos cometidos contra a colectividade e contra o bem público mostrar-se-ão bem patentes na sociedade, sem que os responsáveis, apesar dos processos contra eles instaurados, sejam efectivamente punidos. 

Se o juiz tiver medo de julgar por causa do impacto da sua decisão na comunicação social desgraçados ficarão aqueles que esperavam nele o último baluarte de justiça.

O juiz não deve desanimar ante as investidas de quem detém o poder económico e político. Não deve igualmente ceder perante quaisquer outras interferências externas.

Ao juiz só se aceita que seja parcial se essa parcialidade for a favor da verdade e da justiça. Ao juiz se exige apenas que cumpra a lei. Mas também se quer que ele mantenha com a profissão um compromisso ético e moral.

A lição importante a reter é que liberdade de consciência do juiz não é para ele. É para a população. Sem ela não há imparcialidade e nem direito que seja garantido. Não há justiça. Afinal quando julga o juiz não atende o seu interesse. Atende a uma das partes que precisa daquela ordem para garantir o seu direito.


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Notas

[1] Sobre esta matéria, revela-se interessante o Relatório da Open Society Foundation, Moçambique: O Sector da Justiça e o Estado de Direito, 2006, pp. 51-53, bem assim o artigo da Agência de Informação de Moçambique, O Judiciário perde os seus medos, AIM, Maputo, 17 de Janeiro, 2007.

[2] A este propósito, vid. com mais propriedade José Norberto Carrilho et al., Controlo Social do Poder Político em Moçambique: O Poder Judicial na Experiência Moçambicana, CEPKA, Centro de Pesquisa Konrad Adenauer, Nampula, 2004, p. 38.

[3] Nesta acepção, vid. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2ª edição, WolterKluwer-Coimbra, 2010, pp. 97-98.

[4] Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, op. cit., pp. 100-101.

[5] José Norberto Carrilho, et al., Controlo Social do Poder Político em Moçambique: O Poder Judicial na Experiência Moçambicana, op. cit., p. 34

[6] Ainda neste sentido é sintomático o que vem regulado no artigo 151.º, n.º 2 do mesmo diploma, quanto aos requisitos do juiz substituto.

[7] Orlando Viegas Martins Afonso, Poder Judicial Independência in Dependência, Almedina, Coimbra, 2004, p. 67.

[8] Por todos, vid. J. Touchard, História das Ideia Políticas, Vol. V, Publicações Europa-América, Lisboa, 1970.

[9] John Rawls, Uma Teoria da Justiça, 2ª edição, Editorial Presença, Lisboa, 2001, p. 272.

[10] John Rawls, Uma Teoria da Justiça, op. cit., p. 275.

[11] Sobre esta perspectiva, vid. Castanheira Neves, O Papel do Jurista no Nosso Tempo, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. XLIV, 1968, pp. 133-134.

[12] Vid. Mário Bigotte Chorão, Positivismo Jurídico, Polis Enciclopédia Verbo, 1984, pp. 1410-1426.

[13] Hans Kelsen, A Justiça e o Direito Natural, trad. Baptista Machado, Almedina, Coimbra, 2009, p. 99.

[14] Por todos, Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12ª edição, Almedina, Coimbra, 2000, p. 55.

[15] Vid. Oliveira Ascensão, Introdução e Teoria Geral, 10ª edição, Almedina, Coimbra, 1999, pp. 195-198,

[16] Chaim Perelman, Lógica Jurídica, Martins Fontes, São Paulo, 2000, pp. 95 e segs.

[17] Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, op. cit., pp. 215-216.

[18] Para Théo Collignon, Iniciacion al exercicio de la abocacia, Madrid, 1958, p. 141, embora se denote alguma promiscuidade entre ambas as noções, a questão da lei injusta não se irmana com a de causa injusta. Certo que a lei injusta implicará causa injusta, tanto no caso de a lei ser injusta de per si, como quando o é apenas casuisticamente, em determinado processo. Mas já o contrário não acontecerá, pois outros motivos são também susceptíveis de revestir o pleito de um cariz injusto.

[19] CALAMANDREI, Piero, Eles, os juizes, vistos por um advogado, Editora Martins Fontes, São Paulo, 2000, p. 355

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Sobre o autor
Carlos Pedro Mondlane

- Juiz de Direito em Maputo (Moçambique);- Formador no Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ); - Membro do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ);- Membro da Associação Moçambicana de Juízes (AMJ); - Promotor de Direitos Humanos;- Mestre em Direito Empresarial pela Universidade Católica de Moçambique - Licenciado em Direito pela Universidade Eduardo MondlaneAutor de:- Lei de Promoção e Protecção dos Direitos da Criança, Anotada e Comentada- Código de Processo Civil, Anotado e Comentado- Colectânea dos 15 Anos da Lei de Terras: Venda de Terra em Moçambique: Mito ou Realidade?- Manual Prático dos Direitos Humanos (no prelo)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONDLANE, Carlos Pedro. A consciência do juiz na tomada de decisões e o problema da autocensura. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3642, 21 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24762. Acesso em: 28 mar. 2024.

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