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PEC nº 33/11: conflito institucional e legitimidade democrática

17/07/2013 às 15:55
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Condicionar o efeito vinculante da súmula aprovada pelo STF ao crivo do Legislativo é uma tentativa clara de esvaziar a competência do Supremo. A PEC 33/11 não é o meio adequado para resgatar credibilidade do Congresso e reequilibrar a balança entre os Poderes.

Muito tem se discutido acerca da inconstitucionalidade da Proposta de Emenda à Constituição 33/2011, devido à suposta violação à separação dos Poderes, verdadeira cláusula pétrea, presente no art. 60, §4, III, da Constituição da República.

Em síntese, a PEC 33/11: i) altera a quantidade mínima de votos de membros de tribunais para declaração de inconstitucionalidade de leis; ii) condiciona o efeito vinculante de súmulas aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal à aprovação pelo Poder Legislativo; iii) submete ao Congresso Nacional a decisão sobre a inconstitucionalidade de Emendas à Constituição.

Curiosamente, a PEC 33 foi apresentada no dia 25/05/2011 pelo Deputado Nazareno Fonteles (PT), exatamente 20 dias após a decisão do STF que, julgando a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo. Na época, especulou-se que fosse uma reação da bancada religiosa da Câmara em represália à Decisão do Supremo. Ademais, muitos têm afirmado que tal Proposta veio à tona como uma reação à decisão do STF na AP 470.

Entre  idas e vindas, Comissões e pareceres, em 24 de abril de 2013, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados emitiu parecer opinando pela admissibilidade da PEC 33/11, nos termos do voto do Relator, Dep. João Campos.

Segundo a justificação, a função precípua da PEC 33 é restaurar o equilíbrio entre os poderes. Logo, visa fortalecer o Poder Legislativo restaurando a sua competência legislativa plena, além de reestruturar os mecanismos que o Judiciário dispõe para exercer o controle de constitucionalidade.

Observando tanto a justificação da PEC como o voto do Relator, percebe-se que os principais argumentos são: i) O ativismo judicial praticado pelo STF desloca questões relevantes do Legislativo para o Judiciário, de modo que tal conduta carece de legitimidade democrática, violando a separação dos poderes e a soberania popular; ii) o STF vem atuando como legislador positivo, extrapolando sua competência constitucional; iii) A súmula vinculante tornou-se um instrumento inconstitucional tendo em vista que possui “força de lei”, permitindo que o STF sobreponha de oficio a competência delegada ao Congresso.

Feitas essas considerações, cito um comentário do Deputado Chico Alencar (PSOL) que caracteriza bem a polêmica envolvida: “Montesquieu deve estar se revirando no túmulo agora”.

Para ponderar sobre os argumentos da sua justificação, bem como sua viabilidade, devemos analisar a conjuntura do nosso modelo constitucional sob um enfoque, não só jurídico, mas também, histórico e político.

Em primeiro lugar, cumpre ressaltar que a análise feita pelo Poder Judiciário acerca da incompatibilidade de leis frente à Constituição, nos remete ao célebre caso Marbury v. Madison, decidido pela Suprema Corte dos EUA em 1802. Ao expor suas razões, o Presidente da Corte, John Marshal, enunciou três grandes fundamentos que justificariam o controle judicial de constitucionalidade: a supremacia de Constituição; a nulidade de leis que contrariem a Constituição; e que o Poder Judiciário é o intérprete final da Constituição.

Neste sentido, o caso inaugurou o controle de constitucionalidade moderno, deixando assentado o princípio da supremacia constitucional, como lei fundamental que rege a nação, a subordinação de todos os Poderes estatais à Constituição e a competência do Judiciário como seu intérprete final, podendo invalidar atos contrários a ela.

Como é cediço, o nosso modelo de controle de constitucionalidade é um modelo híbrido, posto que possui características do controle difuso norte-americano (onde qualquer juiz ou tribunal pode declarar a inconstitucionalidade de lei no caso concreto) e o modelo concentrado austríaco (onde existe um Tribunal específico que guarda a Constituição).

O modelo brasileiro de controle, sobretudo no que tange ao controle concentrado, tem ganhado espaço tanto no cenário político, quanto no imaginário da população. Tal fato decorre das recentes decisões do STF sobre temas polêmicos, como por exemplo, a interrupção da gestação de fetos anencefálicos, permissão de pesquisas com células-tronco embrionárias, possibilidade de união estável entre casais do mesmo sexo, dentre outros.

Esse fenômeno de ascensão de Cortes Constitucionais também é verificado em outros países como nos EUA, em 2001, onde a Suprema Corte decidiu as eleições e na França onde o Conselho Constitucional legitimou a proibição da burca. Tal processo é fruto do neoconstitucionalismo, que por sua vez, em síntese, se desenvolveu através de três marcos fundamentais: histórico, filosófico e teórico.

No Brasil o marco histórico do novo direito constitucional, se verificou com a Constituição de 1988 e a redemocratização que promoveram uma estabilidade institucional nas últimas décadas mesmo em momentos de crise. O marco filosófico se apresenta através do pós-positivismo, de modo que tal corrente não concebe o direito desatrelado da política e de questões morais. Ademais, reconhece a normatividade dos princípios e da sua diferença qualitativa em relação às regras, promovendo a formação de uma nova hermenêutica baseada na dignidade da pessoa humana. Por fim, no que tange ao marco teórico, a expansão da jurisdição constitucional e o reconhecimento da força normativa da Constituição possibilitaram a ascensão do novo direito constitucional que temos hoje.  

Neste sentido, segundo a justificação da PEC 33/11, existem duas vertentes por intermédio das quais se manifesta o protagonismo do Poder Judiciário, quais sejam, a judicialização das relações sociais e o ativismo judicial. 

Há causas diversas para ambos os fenômenos.

A primeira é o reconhecimento de que um Judiciário forte e independente é imprescindível para a garantia e proteção de direitos fundamentais. Outra questão que se impõe tem nítido viés político. Muitas autoridades preferem que o Judiciário decida questões polêmicas, como aborto e direitos dos homossexuais, para não se comprometer publicamente. Não se deve olvidar o caráter analítico da nossa Constituição que comporta inúmeros temas, permitindo, assim, uma judicialização ainda maior.

Em suma, judicialização é um fato que decorre do modelo institucional e da conjuntura política e social instaurada no Brasil.

No tocante ao ativismo, as causas que ensejam seu aparecimento repousam no papel hermenêutico desempenhado pelo Judiciário na busca por suprimir lacunas ou omissões deixadas pelo legislador. Ademais, visa-se efetivar políticas públicas quando ausentes ou insuficientes, com vistas a atender demandas sociais não amparadas por lei.

Uma das críticas que se faz a esse ativismo é que a concretização de direitos sociais implica estabelecer prioridades e implementar políticas públicas, tarefas estas que caberiam ao Executivo e ao Legislativo. Tais criticas caem por terra quando analisamos a própria teoria democrática. Se considerarmos que a Constituição resguarda direitos fundamentais, e cabe ao Judiciário a sua guarda, cabe também a ele o dever de concretizá-los, sobretudo quando há inércia do Executivo e do Legislativo.

Sob a ótica do controle difuso de constitucionalidade, o primeiro ponto da PEC/33 propõe o aumento do quórum mínimo para a declaração de inconstitucionalidade feita pelos Tribunais de maioria absoluta para 4/5.

Inúmeras críticas sustentadas por renomados juristas[1] no que tange ao alto quórum estabelecido se mostram extremamente pertinentes, todavia, penso que o escopo do dispositivo pode, e deve ser aproveitado.

Tal posicionamento repousa na crítica feita por Fábio Carvalho Leite[2] quanto ao quórum de maioria absoluta e os fundamentos divergentes das decisões proferidas pelos Tribunais em sede de controle difuso. Ele acredita que quando um órgão colegiado (fracionário ou não) decide pela inconstitucionalidade por diferença de 1 voto apenas, está invalidando uma lei cuja constitucionalidade (presumida, por ter sido aprovada pelos demais Poderes do Estado) fora confirmada praticamente pela metade dos magistrados do referido órgão, violando, assim, o principio da presunção de constitucionalidade. Ademais, muitas das decisões declaram a inconstitucionalidade por fundamentos diversos, de modo que cria-se uma insegurança jurídica acerca da matéria.

Destarte, o autor sugere que o quórum deveria ser majorado para 2/3, ou seja, maioria qualificada a fim de evitar que o voto de apenas um magistrado influencie no julgamento. Outrossim, o jurista afirma que os fundamentos deveriam ser homogêneos revelando o entendimento do Tribunal (opinion of the Court) para a declaração de inconstitucionalidade das leis.

O segundo ponto presente na PEC, condiciona o efeito vinculante de súmulas aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal à aprovação pelo Poder Legislativo.

Sabemos que a súmula vinculante foi instituída pela Emenda Constitucional 45/2004 (Reforma do Judiciário) com o fito de proporcionar celeridade processual e segurança jurídica dos julgados.

A crítica feita na justificação refere-se ao não preenchimento dos requisitos de decisões reiteradas e precedentes sobre a matéria, de modo que a súmula vinculante tornou-se um instrumento inconstitucional, tendo em vista que possui “força de lei”, permitindo que o STF sobreponha de oficio a competência delegada ao Congresso sem o escrutínio legislativo.   Ademais, argumenta-se que a sua submissão ao Legislativo não viola  a separação dos poderes posto que ele estaria preservando sua competência sem interferir na esfera do Judiciário.

Ora, a súmula vinculante, como todo instituto polêmico, é passível de críticas, contudo, tem desempenhado, a meu entender, papel relevante na efetiva prestação jurisdicional, inclusive no tocante à ética e a moralidade do Poder Judiciário, a exemplo da súmula vinculante nº 13 que veda o nepotismo.  Cabe ressaltar que a aprovação revisão ou cancelamento da súmula pode ser realizada pelos legitimados do art. 103 da CF/88, ai incluem-se, dentre outros: Mesa da Câmara, Mesa do Senado e Partido Político com representação no Congresso Nacional. Isto posto, nos termos da ordem vigente, basta que o próprio Legislativo se manifeste, não havendo que se falar em transferência de competência.  

Em que pesem os argumentos que sustentam ausência de óbice em transferir a eficácia vinculante da súmula para o Congresso, já que este seria o representante legítimo do povo, devemos concordar que há uma linha tênue, sob a ótica da separação dos poderes, entre o Supremo Tribunal Federal decidir determinada questão, e submeter essa mesma questão, após decidida, ao Legislativo para que a ratifique ou não.

A meu ver, condicionar o efeito vinculante da súmula aprovados pelo STF ao crivo do Legislativo, é uma tentativa clara de esvaziar a competência do Supremo.

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Por fim, no tocante ao ponto que submete ao Congresso Nacional a decisão sobre a inconstitucionalidade material de Emendas à Constituição, é quase um consenso entre os juristas que tal dispositivo é manifestamente atentatório à separação dos poderes, esvaziando a competência do Supremo no exercício da jurisdição constitucional. Virgílio Afonso da Silva[3], elucida casos onde emendas à constituição não são controladas pelo Judiciário, mas sim pelo povo por meio de seus representantes (EUA). Ademais cita o caso do controle de leis ordinárias, como é o caso do Canadá, cujo Parlamento não apenas pode anular uma decisão contrária da Suprema Corte, como também imunizar uma lei por determinado período de tempo contra novas decisões do Judiciário.

Todavia, ainda que tais hipóteses tenham clara relevância pela proximidade com o tema, esclarece o renomado professor que a nossa realidade é diametralmente oposta. A Constituição brasileira possui normas que sequer podem ser objeto de debate, dentre elas a separação dos poderes. Ademais, seria extremamente difícil submeter ao crivo da população temas extremamente técnicos e polêmicos, já que grande parte da sociedade não possui a total compreensão da complexidade do nosso sistema político e jurídico.

Creio que Alexandre de Moraes[4] elucidou de forma cristalina a consequência da aprovação da PEC 33/11 no tocante à submissão de decisões do STF ao Legislativo: A PEC 33 cria um controle externo do Poder Judiciário de modo a permitir a ingerência do Congresso em matéria jurisdicional.  

Em suma, a PEC/33 se revela uma reposta ao papel desempenhado pelo Judiciário no exercício das suas atribuições, que, em virtude da judicialização e do ativismo judicial, tem ganhado maior visibilidade e credibilidade social na efetivação de direitos fundamentais.

Não devemos, contudo, legitimar o Judiciário como um “superpoder” transformador da realidade. O Poder Judiciário é instituição essencial para a proteção do regime democrático, e deve sim agir de forma ativa na efetivação de direitos fundamentais, desde que respeitados os preceitos constitucionais.

O momento pelo qual passa o Legislativo é de crise de legitimidade. O Poder Legislativo deixou de ser rotulado como um Poder omisso, corrupto e sem credibilidade, e passou a ser efetivamente descrito como tal. A PEC 33/11 não se mostra o meio adequado para resgatar tal credibilidade e reequilibrar a balança entre os Poderes. A meu ver, cabe exclusivamente ao Legislativo o ônus de demonstrar o seu comprometimento com o interesse público através de políticas hígidas, efetivas e éticas, somente desta forma poderá resgatar sua legitimidade democrática frente à sociedade.


Referências Bibliográficas:

BARROSO, Luis Roberto. O novo Direito Constitucional Brasileiro: contribuições para construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. - Belo horizonte: Fórum, 2012;

_________ O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro - 6ª Ed. - Rio de Janeiro:  Saraiva, 2012;

LEITE, Fábio Carvalho. Pelo fim da cláusula de reserva de plenário. Disponível em: <http://direitoestadosociedade.jur.puc-rio.br/media/4artigo40.pdf > Acesso em: 21 de maio 2013;

SILVA, Virgílio Afonso da. A Emenda e o Supremo. Disponível em: <http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-emenda-e-o-supremo-por-virgilio-afonso-da-silva> Acesso em: 22 de maio 2013;

MORAES, Alexandre de. A PEC 33/2011 cria uma guerrilha institucional inútil. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-abr-26/justica-comentada-pec-332011-cria-guerrilha-institucional-inutil> Acesso em: 22 de maio 2013;

NETO, Cláudio Pereira de Souza. Teoria da constituição, democracia e igualdade. Disponível em <http://www.mundojuridico.adv.br/cgi-bin/upload/texto1129(3).pdf> Acesso em: 21 de maio 2013.


Notas

[1] O min. Marco Aurélio, por exemplo, sustentou publicamente que o quórum é muito alto, já que 4/5 levaria quase à unanimidade, sendo, na prática, inviável tal consenso.

[2] http://direitoestadosociedade.jur.puc-rio.br/media/4artigo40.pdf

[3] http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-emenda-e-o-supremo-por-virgilio-afonso-da-silva

[4] http://www.conjur.com.br/2013-abr-26/justica-comentada-pec-332011-cria-guerrilha-institucional-inutil

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAVES, André. PEC nº 33/11: conflito institucional e legitimidade democrática. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3668, 17 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24953. Acesso em: 21 nov. 2024.

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