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Suspeita intuída

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3 CONCLUSÃO

Findo este estudo, constatou-se que a busca pessoal por suspeita intuída faz parte da cultura geral dos policiais militares e está arraigada nas atividades cotidianas de polícia ostensiva, gerando uma série de abordagens diárias que se dão por suspeita intuída e resultam em autos de prisão em flagrante delito, devidamente homologados pelos magistrados, que desconsideram a temática.

Gize-se que esta suspeita intuída se dá também por critérios objetivos, analisados num contexto em que o policial militar verifica a pessoa e seu comportamento perante a presença do policial, o local de atuação, as características demográficas e geográficas, o cometimento de crimes como comércio de drogas, etc, e que analisados conjuntamente, irão compor uma decisão do policial sobre abordar ou não o suspeito.

Verificou-se que a fundada suspeita é requisito fundamental para que a busca pessoal seja revestida de legalidade, e, ainda, esta mesma fundada suspeita pode ser revestida de certa dose de subjetividade e, mais especificamente, a suspeita intuída, que é o foco deste trabalho, é que irá sofrer mais quanto às análises de legalidade do procedimento e as provas produzidas a partir daí.

Não se pretende legitimar toda e qualquer abordagem feita por policiais sob o manto do poder de polícia, e sim legitimar aquelas em que o policial se utiliza da sua experiência pessoal, do conhecimento do local de atuação, do conhecimento da rotina da sociedade em geral, quanto a locais de frequência de criminosos, drogadição, ou até mesmo que fujam à normalidade, e que levam o policial a agir como se estivesse em fundada suspeita.

Os próprios doutrinadores entendem que a polícia deve visar sempre à manutenção da paz pública, e sob este prisma, o policial pode e deve adotar medidas de busca pessoal como nos casos da Receita Federal nos aeroportos, em suas alfândegas, em que as pessoas têm suas malas e seus pertences individuais revistados aleatoriamente, sem que pese contra elas qualquer acusação. E neste caso é mais gritante a desobediência à fundada suspeita, mas parte-se da premissa de que a busca pela paz social legitime ações como esta.

Não é o caso das polícias que não podem proceder a busca pessoal aleatoriamente, como no caso das alfândegas, mas sim quando determinada situação apareça e se configure como necessária a revista do suspeito, mesmo que intuído, como no caso em que o policial constata um determinado volume na cintura de determinada pessoa, que ronda uma área bancária, ou determinado local conhecido como ponto de venda e consumo de drogas. Nestes casos, a polícia deve agir de imediato, sob pena de deixar escapar criminosos que se encontrem nos atos preparatórios ao cometimento de um crime maior. Maior porque nestes casos os criminosos já se encontram em cometimento e flagrante de crimes como porte de armas e munições, de drogas, ou outros crimes.

Estes casos foram bem retratados pelos policiais militares, que justificaram suas ações de busca pessoal a partir de elementos concretos, embora revestidos de certa subjetividade, que embasam uma futura ação invasiva de direitos como no caso da abordagem e a consequente busca pessoal no corpo, nas vestes e no veículo.

As buscas pessoais realizadas são sempre embasadas pelo poder de polícia, e sua abrangência visa o bem estar da coletividade em geral, em detrimento dos bens individuais, como no caso dos direitos do cidadão, pois não se pode admitir que determinado cidadão infrator porte armas, munições, drogas ou outros ilícitos penais, e não seja importunado sob o argumento dos direitos e garantias individuais, pois certamente os direitos da sociedade imperam e se sobrepõem aos direitos do indivíduo, senão a paz social, tão almejada, seria uma mera utopia nunca alcançada.

Não se pode aceitar que as provas produzidas a partir de uma busca pessoal efetuada por uma suspeita intuída, sejam consideradas provas ilícitas e não aceitas pelo ordenamento jurídico, e como tal, gerando nulidade absoluta. Numa situação hipotética, em que suspeitos (intuídos) são abordados pela polícia e são flagrados com armas, munições, drogas, etc, encaminhados à Delegacia de Polícia e autuados em flagrante delito, se esta tese for aceita pelo magistrado, seria o respectivo Auto de Prisão em Flagrante Delito relaxado, todos os bandidos soltos e os policiais denunciados por abuso de autoridade, o que é algo impensável na atual conjuntura e fugiria à compreensão até do mais leigo cidadão.

Constata-se uma dificuldade de doutrina a respeito da temática proposta que é a suspeita intuída, carecendo-se assim, de conceituação que atenda às necessidades atuais da polícia, sob o poder de polícia, sem olvidar-se dos direitos e garantias individuais. O conceito emitido pela Brigada Militar, acredita-se, deva ser reformulado, pois considera a pessoa e não a situação fática, e que tal conceituação possa levar a arbitrariedades e ilações quanto à pessoa que nunca deixaria de ser suspeita, por ter, digamos, cometido um crime no passado, mesmo que remoto.

Encerrando o presente estudo, emite-se assim, um conceito de suspeita intuída, que não pretende ser taxativo, mas iniciar a temática, alavancando para pesquisas futuras, que não só tratem a temática proposta, mas que se verifiquem, numa pesquisa de campo, as condições reais das buscas pessoais procedidas pelos policiais. Assim:

Suspeita intuída:

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É determinada situação aparente, que, pelas características do momento, do local e de outros fatores visíveis, torna possível gerar a desconfiança de que um crime, um ilícito esteja sendo praticado ou esteja nos seus atos preparatórios podendo determinar uma ação imediata da polícia, em obediência ao princípio da oportunidade, visando a coibir ações delituosas, efetuar apreensões, prisões de criminosos que atentem contra a paz social, sem descuidar dos direitos e garantias individuais do cidadão.

A partir desta conceituação proposta, pretende-se estabelecer parâmetros da atuação da polícia no Estado Democrático de Direito, sem olvidar das missões constitucionais e dos direitos do cidadão, oportunizando condições ao cumprimento da missão por parte dos órgãos policiais, para que possam atuar com precisão e dentro dos limites estabelecidos pela lei.

 


4 REFERÊNCIAS

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ABSTRACT: This study addresses the issue of suspected intuited approaches used in police, in particular, the Military Police of Rio Grande do Sul State: Brigada Militar. This conceptualizes intuited suspect, but in the current social democratic state  the use of this qualification may lead to arbitrary actions and lacks a deeper analysis. The approaches made from the intuited suspect and  the evidences collected are being questioned by scholars, who consider them illegal, on the grounds of the theory of "poisonous tree." According to this theory, these evidences  contaminate the court documents, from which they were obtained, generating absolute nullity. Not what other scholars think, assuming that in a democratic state, the reason to suspect is a fundamental requirement for obtaining the legality of a personal search proceeded. Detemine a suspect. Still, they admit that the police should seek social peace, and act immediately, without ever forgetting to individual rights and guarantees. The doctrine does not conceptualize intuited suspect , but in practice, it exists and it is believed, should be analyzed further, so as not to derail the police service, avoiding the penalty of those who work under a cool obligation , without neglecting  individual rights and guarantees. The aim of this study was to analyze which criteria were used for the approaches of people, during routine patrolling activities, as well as its legality. The deductive method was being it was conducted a field research. It was concluded that the personal quest for suspected intuited is part of the general culture of the military police and is rooted in the everyday activities of patrolling, generating a series of approaches that culminate in daily records of arrest in flagrante delicto. The intuite suspicion happens also by objective criteria, analyzed in a context in which the police officer checks the person and their behavior in presence of the police, the place of work, geographical and demographic characteristics, the commission of crimes such as drug trade, etc., and analyzed together, will make a decision of the police about approaching not or the suspect.

KEY WORDS: INTUITED SUSPECTED; Founded Suspicion; Personal Search.

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Sobre o autor
Paulo Rogério Farias Medeiros

Coronel da BM/RS, formado pela Academia de Polícia Militar/BMRS em 1985 e em Direito pela Univates, pós-graduado pela Universidade Federal do RS em segurança cidadã, criminalidade, violência e polícia, bem como em Direito Penal, Constitucional e Direitos Humanos; doutorando pela Universidade Nacional Lomas de Zamora, Lomas de Zamora, Argentina.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, Paulo Rogério Farias. Suspeita intuída. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3715, 2 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25210. Acesso em: 26 abr. 2024.

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