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Direito à sucessão legítima do nascituro concebido após a morte do pai

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CONCLUSÃO

Os chamados direitos fundamentais têm sua motivação nos princípios constitucionais, normas de cúpula do ordenamento jurídico que devem irradiar-se por toda a pirâmide normativa, orientando a atividade legiferante e sua aplicação em cada caso concreto.

O Brasil, enquanto Estado Social e Democrático de Direito e membro de organismos internacionais protetores dos direitos humanos resguarda em sua Constituição a proteção desses direitos, zelando pela ordem social e pela segurança jurídica, com fins a convivência harmoniosa dos indivíduos em sociedade.

Por vezes, é necessário, na análise do caso concreto, realizar devida ponderação de interesses ou sopesamento de princípios para que haja justiça, pois em certas situações existem conflitos de vontades, seja entre dois indivíduos, ou na relação deste com o Estado.

Associado às evoluções constitucionais e legais adquiridas nos últimos anos, mormente, após a Segunda Guerra Mundial, avanços científicos e tecnológicos ganharam notoriedade, principalmente, os relativos à informática e à reprodução humana, trazendo uma infinidade de benefícios à sociedade, possibilitando, inclusive, o efetivo exercício de garantias constitucionais, como o direito à procriação, que tem gerado grandes discussões no âmbito doutrinário e jurisprudencial.

Notadamente, a partir de 1948, quando do surgimento da Declaração Universal de Direitos Humanos, a dignidade da pessoa humana alçou a categoria de direito fundamental, devendo ser respeitado por todas as nações, sob pena de intervenção da Organização das Nações Unidas (ONU). Tal significa que, não basta garantir ao indivíduo o direito à vida, á integridade física, mas que seja oportunizado a todos uma vida digna, especialmente, ás crianças, de responsabilidade não só da família, mas da sociedade e do Estado.

Durante muitos anos casais desejosos de formarem uma família se viram impedidos por limitações de ordem biológica, fisiológica, psicologia, social, etc., todavia, nas últimas décadas a ciência médica logrou satisfatoriamente a fecundação artificial, utilizando-se de técnicas de reprodução assistida, pela qual é possível superar as barreiras naturais e propiciar a concepção.

Como visto, as novas tecnologias conceptivas reprodutivas podem ser de alta ou baixa complexidade, respectivamente a fecundação in vitro (FIV), na qual o óvulo e o sêmen são unidos em um tubo de proveta e posteriormente se introduzem alguns embriões no útero da mulher; e a inseminação artificial (IA), em que se introduz no aparelho reprodutor feminino o esperma anteriormente coletado.

Os progressos científicos que permitiram aos casais, ou mesmo mulheres solteiras, em consonância com a atual redação do projeto de lei 90/99, a possibilidade de conceber um filho através das técnicas de fertilização continuam sendo uma grande celeuma no sistema jurídico, que ainda não possui uma legislação capaz de regulamentar as questões que surgem diariamente.

O ilustre doutrinador Silvio Salvo Venosa reconhece a amplitude e complexidade do tema que ainda não foi regulamentado por lei específica, apresentando apenas o Código Civil como instrumento ineficaz para solucionar as numerosas problemáticas que surgem diariamente, abrangendo exclusivamente o aspecto da filiação.

O presente trabalho mostra, por exemplo, a polêmica existente no caso do nascituro concebido pelas vias artificiais após a morte do pai doador do sêmen, comprovando que a temática é bastante nebulosa e está largo passo de obter soluções favoráveis à criança, que pode ficar absolutamente desprovida de condições financeiras.

A fecundação artificial homóloga hipótese em que o doador do material genético mantém convivência estável ou é casado com a mulher doadora do óvulo e que receberá em seu útero o embrião formado em laboratório, é reconhecida pela legislação pátria. O Código Civil de 2002 concedeu ao filho nascido após a morte do pai, por fecundação homóloga, o direito à filiação, sendo presumida a paternidade.

A temática, contudo, não se esgota com tal disposição normativa, ao contrário, persistem lacunas no ordenamento jurídico que prejudicam a condição do menor concebido pelos métodos de inseminação artificial, mesmo que homologamente, após a morte do genitor.

A capacidade sucessória do nascituro, como explanado, é relativa e depende do seu nascimento com vida. A personalidade deste é tema de grandes discussões na doutrina, para alguns doutrinadores, defensores da teoria concepcionista, dentre eles Francisco do Amaral, a personalidade é adquirida com a concepção; para outros, o Brasil adotou a teoria natalista, assim sendo, somente os nascidos com vida são dotados de personalidade, e capazes de adquirir patrimônio, destaca-se Maria Helena Diniz.

É sabido que somente são capazes de suceder os já nascidos ou os já concebidos até o momento da abertura da sucessão, conforme redação do art. 1829 do CPC, e, em casos excepcionais, aqueles que ainda não foram gerados poderão, por testamento, terem garantidos alguns direitos sucessórios, chamados prole eventual.

Uma das formas de fecundação artificial é aquela em que criopreservado o material genético do doador, este pode, mais tarde, ser inseminado no útero da mulher; outro modo de fecundação artificial é a chamada “in vitro”, em que, grosso modo, a união do óvulo com o espermatozoide se dá fora do útero e o embrião é fecundado em uma proveta no laboratório. Neste caso, o embrião não é prole eventual, posto que já concebido, tampouco é nascituro, pois não se encontra dentro do útero. Resta, assim, controvertido o direito sucessório do ente concebido pelos métodos de reprodução assistida, ainda, que seja de forma homóloga.

De acordo com o Conselho Federal de Medicina, com o Projeto de Lei nº. 90/99 e para a doutrina majoritária, dentre eles, Maria Helena Diniz, Silvio Salvo Venosa, somente nos casos em que o autor da herança e pai da criança, cabe salientar, deixar expresso seu consentimento, em testamento, poderá a viúva utilizar o material genético criopreservado para fecundação, assemelhando o filho concebido por fecundação artificial homóga post mortem à prole eventual. E inadmitindo, em qualquer caso, a sucessão legítima deste. Outros, ainda mais conservadores, não reconhecem, o direito á sucessão testamentária, e mais, lutam pela exclusão da sentença “ainda que concebidos após a morte do pai”, do art. 1799 do CPC, por preservação do direito à paternidade da criança e do patrimônio dos demais herdeiros.

Parece inadequada as duas soluções encontradas, pois não guardam proporção com os avanços científicos dos dias de hoje, com os direitos fundamentais do livre planejamento familiar, do direito à procriação, do direito á herança, da isonomia, do fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana, e do melhor interesse da criança. Ainda, considerar que a prole eventual, que sequer se refere a um filho do testador, a um filho legítimo, reconhecido pelo ordenamento jurídico, é absurdo. E, de todo modo, o embrião crioconservado em proveta permanece sem caracterização, também ficando prejudicado com a ausência de norma regulamentadora sobre a reprodução assistida.

Pelo exposto pretendeu-se demonstrar a premente necessidade de se legislar acerca da reprodução assistida, em especial às questões relativas ao direito à herança dos filhos concebidos através de tais técnicas, em atenção às novas demandas sociais e aos princípios constitucionais que zelam pela defesa da família e do melhor interesse da criança e do adolescente garantindo á sociedade segurança jurídica, dando ao menor gerado por fecundação artificial homóloga, o direito, inclusive, à sucessão legítima, posto que, acima de tudo, é filho.


REFERÊNCIAS

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Nota

[1] Expressão utilizada por José Luiz Gavião de Almeida, em sua obra Código Civil Comentado. p. 104.

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Sobre a autora
Tatyana Mayara Gurgel de Oliveira Lima dos Santos

Advogada, consultora jurídica, Professora de direito tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Tatyana Mayara Gurgel Oliveira Lima. Direito à sucessão legítima do nascituro concebido após a morte do pai. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3745, 2 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25442. Acesso em: 24 abr. 2024.

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