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Aspectos processuais da obrigação alimentar:

análise do artigo 1.698 do Código Civil brasileiro

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09/11/2013 às 10:11
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O art. 1.698 do Código Civil cria hipótese de chamamento ao processo, denunciação da lide, ou nova espécie de intervenção de terceiros na ação de alimentos?

Resumo: A redação do artigo 1.698 do Código Civil, de 2002, tem causado grande repercussão prática no direito processual e, em virtude de sua redação ambígua, doutrinadores divergem se o dispositivo pretendeu criar hipótese de chamamento ao processo, denunciação da lide, ou nova espécie de intervenção de terceiros na ação de alimentos. Dirimindo a controvérsia, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 964.866/SP, em março do corrente ano, consagrou o entendimento de que nos casos em que a obrigação seja dos pais, responsáveis originários pela obrigação de prestar alimentos, e a demanda tenha sido proposta em desfavor de apenas um deles, cabe o chamamento do outro. Com o pronunciamento de tal entendimento, os questionamentos acerca do tema foram retomados, uma vez que a estrutura dessa espécie de intervenção de terceiro não condiz com as características da obrigação alimentar. O instituto do chamamento ao processo se funda na existência de um vínculo de solidariedade entre o chamante e o chamado, o que não seria possível no âmbito da obrigação alimentar, divisível e não solidária. Em que pese as diversas críticas quanto ao posicionamento do colendo Tribunal, essa decisão consagrou a eficácia e celeridade processual pretendida pelo legislador ao inserir o art. 1.698 no Código Civil brasileiro, priorizando, com efeito, a instrumentalidade do processo.

 

Palavras-chave: Alimentos. Aspectos processuais. Intervenção de terceiros.

Sumário: 1. introdução. 2. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. 2.1 Noções gerais. 2.2 A obrigação de prestar alimentos em decorrência do parentesco. 2.3 Obrigação alimentar decorrente do parentesco na perspectiva processual. 3. LITISCONSÓRCIO NA AÇÃO DE ALIMENTOS. 3.1 litisconsórcio: conceito e classificação. 3.2 O litisconsórcio passivo, facultativo, ulterior e simples. 3.3 A intervenção iussu iudicis. 4. A INTERVENÇÃO DE TERCEIROS NA AÇÃO DE ALIMENTOS. 4.1 Intervenção de terceiros: conceito e classificação. 4.2 O art. 1.698 do Código Civil e a denunciação da lide. 4.3 O art. 1.698 do Código Civil e o chamamento ao processo. 4.3.1 Posicionamento do Superior Tribunal de Justiça. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS. 


1.  INTRODUÇÃO 

A obrigação de prestar alimentos é um tema que tem causado grande repercussão prática no direito processual e, em virtude da redação ambígua e mal redigida do artigo 1.698 do Código Civil brasileiro, a intervenção de terceiros, nessa espécie de ação, tem-se tornado um verdadeiro tormento para os aplicadores do direito.

Dispõe o texto do dispositivo que, se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.

Na primeira parte do artigo, acolheu-se a orientação já consolidada na doutrina e jurisprudência, pela qual se podem pleitear alimentos complementares ao parente de outra classe se o mais próximo não estiver em condições de suportar totalmente o encargo.

Em um segundo momento, o legislador consagra a tese de que, havendo pluralidade de devedores, cada um concorre com parcela proporcional aos seus recursos.

Já a terceira e última parte do dispositivo legal prevê expressamente a possibilidade de serem chamados a integrar o processo todos os demais obrigados, quando proposta a ação apenas contra um, invadindo, sobremaneira, as regras e institutos previstos no ordenamento processual brasileiro.

É essa nova modalidade de intervenção de terceiros, trazida pelo Código Civil em matéria de ação de alimentos, que se pretende aqui analisar, uma vez que o emprego do verbo ‘chamar’, sem atribuir a quem cabe providenciar esse chamamento, causou grande polêmica na doutrina, fazendo com que, basicamente, três correntes fossem formuladas, empenhadas em definir não só a quem caberia fazer esse chamamento bem como sua a natureza jurídica.

Uma primeira corrente entendeu que o artigo 1.698 pretendeu possibilitar hipótese de chamamento ao processo nas ações de caráter alimentar; outras entenderam que, apesar de o artigo utilizar o verbo ‘chamar’, a intervenção cabível seria a denunciação da lide e, ainda, houve quem entendesse se tratar de litisconsórcio nas modalidades passiva, facultativa, ulterior e simples, causado por provocação do autor, ou nova espécie de intervenção não prevista pelo CPC, de 1973, uma vez que tal litisconsórcio não seria autorizado pelo regime do ordenamento processual civil vigente.

Dirimindo a controvérsia, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 964.866/SP, consagrou o entendimento de que, nos casos em que a obrigação seja dos pais, responsáveis originários pela obrigação de prestar alimentos e a demanda tenha sido proposta em desfavor de apenas um deles, cabe o chamamento do outro[1].

 Com o pronunciamento de tal entendimento, os questionamentos acerca do tema foram retomados na seara processual, uma vez que a estrutura dessa espécie de intervenção de terceiro não condiz com as características da obrigação alimentar. Como se sabe, o instituto do chamamento ao processo se funda na existência de um vínculo de solidariedade entre o chamante e o chamado, o que não seria possível no âmbito da obrigação alimentar, divisível e não solidária.

Não há dúvida de que a decisão do STJ pretendeu conferir uma maior efetividade ao processo, pois ao possibilitar que o réu chame a integrar a relação processual parente de grau imediato para responder, desde logo, os termos da ação proposta originalmente apenas contra um dos devedores, evita que o alimentando tenha que promover outra ação de alimentos em face de outro devedor comum se a pensão, ao final definida, for insuficiente.

Apesar dos benefícios evidentes, há quem entenda que essa intervenção feita pelo réu da ação seja um incidente processual capaz de gerar o retardamento da ação de alimentos, processada por rito especial e avessa a incidentes de tal natureza.

O assunto demanda grande reflexão, não só em virtude de a natureza jurídica atribuída a um instituto processual influir completamente na realização prática do direito material, mas também em virtude da segurança jurídica, uma vez que a flexibilização do formalismo pautada numa visão mais instrumentalista do processo não pode desrespeitar a sistematização dos institutos para que o direito material não fique carente de realização concreta.

Dessa forma, a determinação do procedimento adotado pelo art. 1.698, do CC brasileiro, é fundamental para a concreta efetivação, com o menor dispêndio de tempo e custos, na obtenção de alimentos por quem deles necessita.

Tendo em vista a controvérsia que o art. 1.698 do Código Civil de 2002 traz, a pesquisa parte do pressuposto de que, não obstante o fenômeno processual preconizado no referido dispositivo não encontrar correspondente processual adequado no código de processo civil vigente, concretiza, de forma rápida e célere , a necessidade do alimentando, uma vez que a possibilidade de o réu poder trazer para o polo passivo da demanda outros coobrigados representa maior provisionamento para alimentando, pois evita que o alimentando promova outra ação por insuficiência de recursos do réu originário[2].

O objetivo geral da pesquisa é a elucidação das consequências práticas trazidas pela redação do art. 1.698 do CC brasileiro. Os objetivos específicos são: proceder à análise das peculiaridades da obrigação alimentar; avaliar as diversas correntes formuladas em torno da natureza jurídica do fenômeno processual criado pelo art. 1.698 do CC brasileiro e sua relação com o litisconsórcio, e as intervenções de terceiro em suas espécies: iussu iudicis, denunciação da lide e chamamento ao processo; comentar o posicionamento do STJ.

Para tanto, pretende-se responder os seguintes questionamentos: Como norma de caráter especial que tem se mostrado, como podemos enquadrar o art. 1.698 do Código Civil nas hipóteses de intervenção de terceiros? Quem provoca a intervenção, autor ou réu? Qual a situação jurídica processual desses chamados? Até que momento é possível se chamar esse terceiro? A decisão do Superior Tribunal de Justiça em enquadrar o art. 1.698 do Código Civil brasileiro como hipótese de chamamento ao processo foi acertada?

Para a condução dessa pesquisa, se optou pela adoção de um método capaz de proporcionar ao leitor uma maior elucidação da problemática posta, que permite enveredar pelo caminho da pesquisa bibliográfica, uma vez que facilitará o conhecimento das diferentes contribuições doutrinárias disponíveis sobre o tema, possibilitando, assim, a compreensão das controvérsias existentes para que, a partir daí, possa haver um maior esclarecimento da matéria e a consequente validação de conteúdo analisado.

A análise e interpretação dos dados poderão ser classificadas como tipo de abordagem predominantemente qualitativa, que, compreende um conjunto de diferentes técnicas interpretativas que visam a descrever e a decodificar os componentes de um sistema complexo de significados. Tem por objetivo traduzir e expressar o sentido dos fenômenos do mundo social; trata-se de reduzir a distância entre indicador e indicado, entre teoria e dados, entre contexto e ação.

O segundo capítulo expõe as noções gerais sobre a obrigação alimentar, como forma de situar o leitor para as considerações posteriores acerca dos aspectos processuais de tal obrigação; para tanto, traz o conceito de alimentos, bem como os requisitos e características dos alimentos decorrentes da relação de parentesco.

O terceiro capítulo traz o conceito e a classificação do litisconsórcio; expõe os argumentos da corrente que o defende como sendo a hipótese referida pelo art. 1.698 do CC, além das críticas feitas pelas correntes contrárias.

O quarto capítulo se preocupa em examinar o fenômeno processual da intervenção de terceiros, e mais especificamente, as modalidades de denunciação da lide e chamamento ao processo, expondo os argumentos utilizados pelas correntes que defendem esses posicionamentos, assim como as críticas. Traz, ainda, a análise de recente julgado do STJ sobre o tema em questão, em que onde se posicionou pela possibilidade de chamamento ao processo pelo réu nas ações alimentares, porém, apenas, nos casos de alimentos complementares na situação de obrigação originária (dos pais).

Ao final, a presente pesquisa conclui pela positividade da decisão do STJ, mostrando que, apesar de não se enquadrar, formalmente, nos requisitos do chamamento ao processo, o entendimento adotado redunda numa maior efetivação do direito daquele que entra em juízo para obter alimentos, e que, se não fosse pela possibilidade da intervenção dos coobrigados e a ação de alimentos tenderia a ser inócua ou menos útil para o alimentando porque, mesmo admitindo-se o “dever” de pagar alimentos, a condenação poderia não superar as reais necessidades do alimentando. Destaca, ainda, a necessidade de se instrumentalizar o processo visando contribuir para efetivar o direito material, deixando de lado o formalismo exacerbado que, cada vez menos, contribui para o aprimoramento da prestação jurisdicional[3]. 

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 2.    OBRIGAÇÃO ALIMENTAR  

Por se tratar de um instituto intimamente relacionado com a sobrevivência, e, consequentemente, com a própria vida, a obrigação alimentar é um tema bastante profundo e lastreado de conflitos, que provém, sobretudo, da complexidade das relações sociais e de algumas omissões legais. Por tal motivo, o presente capítulo irá ater-se, apenas, aos aspectos essenciais para que se possa melhor enfrentar a questão proposta inicialmente, qual seja, elucidar a natureza jurídica da intervenção criada pelo art. 1.698, do Código Civil, nas ações de alimentos.

2.1         Noções gerais

Apesar de não ter significado expresso no ordenamento civil brasileiro, o conceito do termo alimentos, em sua acepção jurídica, pode ser extraído da previsão contida no art. 1.694, desse diploma legal, quando dispõe que podem os parentes, os cônjuges ou companheiros, pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

Percebe-se que a expressão ‘alimentos’ significa um conjunto de prestações necessárias para que um indivíduo viva de forma digna, ou seja, o que é estritamente necessário à vida de uma pessoa, como a alimentação, o vestuário, a habitação, a educação, o lazer, variando conforme a posição social da pessoa necessitada[4]. Nesse mesmo sentido, manifesta-se Orlando Gomes, afirmando que:

Alimentos são prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si. A expressão designa medidas diversas. Ora significa o que é estritamente necessário à vida de uma pessoa, compreendendo, tão somente, a alimentação, a cura, o vestuário e a habitação, ora abrange outras necessidades, compreendidas as intelectuais e morais, variando conforme a posição social da pessoa necessitada[5].

Os alimentos legítimos ou originários da lei, ou seja, previstos no art. 1.695, CC/02, – quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele de quem se reclamam pode fornecê-los sem desfalque do necessário ao seu sustento – são embasados no direito de família e encontram fundamento legal no princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e da solidariedade social e familiar (CF, art. 3 º), uma vez que, ao serem requeridos em virtude dos laços de parentesco, do casamento ou de união estável, garantem, no âmbito familiar, a proteção de forma igualitária a todos os seus membros, que devem se ajudar quando surgirem adversidades para a conservação da vida.

Assim, em face da lei, verifica-se que há quatro classes de pessoas obrigadas à prestação alimentícia, formando uma hierarquia no parentesco: primeiro, pais e filhos reciprocamente; na falta desses, os ascendentes, na ordem de sua proximidade como alimentado; depois os descendentes, na mesma ordem, incluindo o direito de representação; e, finalmente, os irmãos, unilaterais ou bilaterais[6]. Dessa forma, apenas diante da impossibilidade parcial de um parente mais próximo, complementa-se a prestação necessária através da responsabilização de parentes mais distantes.

É importante ressaltar que o Código Civil de 2002 inovou em diversos pontos a disciplina legal da prestação de alimentos, unificando em um só subtítulo o dever alimentar decorrente das relações de parentesco e o dever alimentar entre cônjuges ou companheiros, que, no regime anterior, só era encontrado em legislação especial.

Interessa ao presente estudo, especificamente, o disposto no artigo 1.698, do Código Civil, que se refere, exclusivamente, à obrigação alimentar em virtude de parentesco, trazendo a possibilidade de ingresso de terceiros no processo. A compreensão da natureza jurídica da obrigação de alimentos é ponto fundamental para a correta interpretação da regra processual inserta no Código Civil de 2002.

2.2 A obrigação de prestar alimentos em decorrência do parentesco

Nas palavras de Venosa, o ser humano, desde o nascimento até a sua morte necessita de amparo e de bens essenciais ou necessários para a sua sobrevivência. Nessa linha de pensamento, quem não pode prover a própria subsistência nem por isso deve ser relegado ao infortúnio, devendo a sociedade prestar-lhe auxílio[7].

Dessa maneira, o ordenamento brasileiro consagra a possibilidade de os parentes pedirem uns aos outros os alimentos de que necessitam para viver de modo compatível com a sua condição social. Assim, todo aquele que, potencialmente, tem o dever de prestá-los, da mesma forma pode vir a juízo exigi-los para si, se incidir em situação de necessidade; é, portanto, um direito recíproco e, extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros, ou seja, na mesma linha de parentesco.

Entre ascendentes e descendentes não há limites de grau para a fixação de tal obrigação, podendo esta ser estendida a avós, bisavós e outros, indefinidamente, enquanto houver atendimento aos pressupostos de necessidade e possibilidade.

É importante observar que, existindo vários parentes do mesmo grau, em condições de alimentar, não existe solidariedade entre eles, pois a obrigação é divisível, podendo cada um concorrer com parte do valor devido e adequado ao alimentando, na medida de suas possibilidades.

A característica da solidariedade faz com que a obrigação de pagar alimentos seja fixada em conformidade com as necessidades de quem requer, bem como nas possibilidades de quem paga, à luz de um critério de proporcionalidade e razoabilidade. Na definição de Rodolfo Pamplona e Pablo Stolze, existe solidariedade passiva quando, na mesma obrigação, concorre uma pluralidade de devedores, cada um obrigado à dívida por inteiro.   Para que houvesse solidariedade em alimentos, todos teriam, portanto, que ser responsáveis simultaneamente pela mesma soma[8].

O motivo principal pelo qual a obrigação alimentícia não pode ser considerada solidária é, sem dúvida, a impossibilidade de exigir de apenas um dos obrigados o total da quantia necessitada. A ilusão da solidariedade ou indivisibilidade, afirmada por alguns autores, ocorre, conforme lembra Luiz Gonçalves, em virtude do fato de que se um só dos parentes do mesmo grau tiver meios suficientes, sendo os restantes pobres ou remediados, só esse terá de pagar a totalidade dos alimentos. Porém, na realidade, em relação aos parentes que não dispõem de recursos para prestar alimentos, a obrigação nem chegou a surgir[9].

Destarte, impor que em uma demanda alimentar em que exista mais de um alimentante, apenas um dos demandados fique obrigado ao pagamento de toda a dívida, colidiria com o próprio fundamento da obrigação de prestar alimentos que deve se ater, não somente nas necessidades do autor, mas também nas possibilidades financeiras do devedor, sob pena de inviabilizar a própria vida do prestador de alimentos[10].

Devido à observância do binômio necessidade/utilidade, o Código Civil, no art. 1.698, permite que, se um parente que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato e, sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, podendo, intentada ação contra uma delas, as demais serem chamadas a integrar a lide.

Assim, na hipótese de pluralidade de devedores de alimentos ao mesmo indivíduo, deve-se entender que não existe uma só obrigação divisível entre eles (que induziria solidariedade), mas tantas obrigações distintas quantas sejam as pessoas a que possam ser demandadas.

O art. 1.698 do Código Civil vem, justamente, para estabelecer parâmetros a serem observados em caso de conflito de interesses envolvendo pluralidade de sujeitos passivos igualmente obrigados à prestação de alimentos em favor do parente necessitado. Assim, na ausência de ascendentes, a obrigação passa para os descendentes, guardada a ordem de sucessão e, na ausência desses últimos, aos irmãos, assim germanos como unilaterais[11]. Portanto é uma obrigação sucessiva[12].

É importante registrar que a norma legal não autoriza a extensão da responsabilidade pela obrigação alimentar a outros colaterais, como tios, sobrinhos e primos e, em virtude de ser uma regra impositiva de um dever, não deve ser interpretada extensivamente[13].

2.3 Obrigação alimentar decorrente do parentesco na perspectiva processual

Para que exista, na vida jurídica, a obrigação legal de prestar alimentos, não basta a mera concorrência dos pressupostos da obrigação, mas se deve adentrar com pedido judicial ou acordo alimentar, momento em que se fixa a existência da obrigação.

Assim, caso um filho necessite de alimentos, deverá acionar primeiro seu genitor e, comprovado que este não possui condições de prover sua subsistência, poderá entrar com uma nova ação requerendo pensionamento alimentar em relação aos avós paternos e maternos na medida de seus recursos, diante de sua divisibilidade e possibilidade de fracionamento. Ressalta-se, contudo, que essa obrigação avoenga é subsidiária, complementar, não se traduzindo na mesma obrigação originária dos genitores.

Antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, havia na doutrina dúvida se todos os parentes do mesmo grau deveriam ser colocados no polo passivo da demanda, a posição ortodoxa da doutrina era no sentido afirmativo, assim, mesmo que se soubesse que apenas um dos genitores possuía condições de alimentar, a ação deveria ser movida contra o pai e contra a mãe, por exemplo. A sentença, como regra, deveria ratear, de acordo com as condições dos réus, o montante da pensão. No entanto, nada impedia, no sistema de 1916, que a ação fosse movida contra um só dos parentes do mesmo grau. Este não podia defender-se, em tese, alegando que existem outros em melhores condições de alimentar, mas o autor da ação se sujeitaria à eventual improcedência ou à condenação de pensão inferior ao valor de que necessitasse, sendo possível a proposição de uma nova ação contra outros parentes, para eventual complementação do valor. Tal situação decorria da divisibilidade da obrigação

Em 2002, com a entrada do novo Código Civil, o legislador, dirimindo essas dúvidas e visando garantir a satisfação da necessidade do alimentando, introduziu a possibilidade de extensão da obrigação de prestar alimentos a parentes de grau imediato, sem exoneração do devedor originário. Nesse contexto, o réu de uma ação de alimentos, consoante defesa que venha a apresentar, poderá chamar ao processo 'os parentes de grau imediato' ou 'os demais', respectivamente, para virem, desde logo, responder os termos da ação proposta originalmente contra um só dos obrigados que, na visão do autor, seria suficiente para responder pela totalidade dos alimentos pedidos[14].

Nesse sentido, se o filho não pode pretender alimentos em face do pai, pois este não se mostra capaz economicamente de cumprir o dever, dispõe este artigo, baseado no artigo 1.697 do CC, que deverão ser chamados a responder os parentes de grau imediato, no caso, os avôs e avós; não existindo eles, os descendentes; e na falta destes, os irmãos[15]. Tal possibilidade não só atende ao princípio da divisibilidade da obrigação alimentícia como representa, conforme entendimento consolidado no STJ, maior o provisionamento para o alimentando, uma vez que, sendo a necessidade alimentar pautada não por quem paga, mas por quem recebe, quanto mais coobrigados no polo passivo da demanda maior o provisionamento do alimentando[16].

Ocorre que essa possibilidade de se trazer outros coobrigados pela pensão alimentícia à demanda originária, introduzida pelo art. 1.698 do novo Código Civil, deixou a cargo da lei processual o dever de traçar normas concretas para sua efetivação, ocasionando, assim, uma grande polêmica doutrinária acerca do instituto processual cabível nessa espécie de intervenção de terceiro no Processo, uma vez que nenhuma das intervenções de terceiros existentes no Código de Processo Civil de 1973 se enquadra nos aspectos daquela criada pela lei civil.

Diante dessa questão, doutrinadores começaram a se posicionar sobre o tema. Parte da doutrina entende que a utilização do verbo “chamar” certamente relacionou esse instituto ao chamamento ao processo, outra parte, afirma que a tradução processual correta do dispositivo da lei civil é a denunciação da lide; corrente contraposta às duas anteriores afasta de plano a hipótese de chamamento ao processo e denunciação da lide, e defende se tratar de litisconsórcio passivo, facultativo, ulterior e simples, por provocação do autor, o qual não é possível pelo regime do ordenamento processual civil vigente e, portanto, é hipótese de uma nova modalidade de intervenção de terceiros sem precedentes no ordenamento processual brasileiro.

Cada uma dessas espécies será, pois, analisada.

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Sobre a autora
Suzana Carolina Dutra

Advogada<br>Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela UFRN.<br>Extensão em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito.<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACÊDO, Suzana Carolina Dutra. Aspectos processuais da obrigação alimentar:: análise do artigo 1.698 do Código Civil brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3783, 9 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25750. Acesso em: 21 nov. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de Especialista em Direito Civil e Processual Civil.

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