INTRODUÇÃO
O direito de propriedade, sem dúvidas, é fundamental para garantir a circulação de riquezas, bem como a segurança jurídica. Todavia, a concepção desse direito, atualmente, não mais possui o caráter absoluto que detinha no Estado Liberal. Portanto, hodiernamente, o direito de propriedade é flexibilizado a fim de serem privilegiados outros direitos e princípios de relevância equiparada, tais como a função social da propriedade rural e urbada, proteção do meio ambiente, defesa do patrimônio histórico, artístico e cultural, entre outros.
Esta relativização está intimamente ligada ao princípio da solidariedade, previsto constitucionalmente. Sob a perspectiva da solidariedade, conclui-se que a propriedade não deve ser destinada a beneficiar apenas aquele que a detém, mas, também, toda a coletividade. Em vista disto, existe uma série de previsões constitucionais e legais que impõe limites negativos e afirmativos ao proprietário e ao possuidor, que serão, adiante, analisadas.
I. NATUREZA JURÍDICA
As limitações ao direito de propriedade privada são restrições impostas ao seu exercício e a sua extensão, contudo, não acarretam diminuição do patrimônio de quem as suporta ou enriquecimento daquele que delas aproveite.
De acordo com Cunha Gonçalves, podem ser classificadas em: limitações de interesse público, que visam beneficiar a coletividade em detrimento de eventual abuso por parte do proprietário, e limitações de interesse privado, que tem por escopo conciliar interesses entre particulares. Por sua vez, as limitações de interesse privado são divididas em limitações de mero interesse privado e limitações de interesse semipúblico. Nas limitações de mero interesse privado, estão envolvidas questões de caráter, eminentemente particular. Por outro lado, pelas limitações de interesse semipúblico, visa-se atenuar os conflitos entre vizinhos, bem como proteger o interesse comum dos prédios contíguos[i].
I. LIMITAÇÕES AO DIREITO DE PROPRIEDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
O direito de propriedade é garantido como direito fundamental desde a Constituição de 1.824, flagrantemente influenciada pela doutrina liberal, sendo assegurado em todas as Constituições vigentes no Brasil até os dias de hoje. Afinal, trata-se de um direito basilar da ordem econômica, uma vez que constitui um dos elementos que garante a circulação de riquezas. Portanto, atualmente, é, ainda, um direito individual e inviolável, conforme estabelecido no artigo 5º, caput e inciso XXII, da Constituição de 1.988. Constitui, ainda, princípio geral da atividade econômica de acordo com o artigo 170, inciso III, da Constituição da República. Entretanto, apesar de preservado o direito de propriedade do indivíduo, reconheceu-se o interesse público em sua utilização[ii].
Afinal, a partir do século XIX a doutrina do individualismo perde força, tendo em vista a revolução industrial e as doutrinas socializantes. Mais recentemente, em face do empobrecimento geral das nações e do aumento populacional, a utilização da propriedade de maneira a atender as demandas da coletividade tornou-se um desafio para o Estado. Neste contexto, determina o artigo 5º, inciso XXIII, da Constituição da República que “A propriedade atenderá a sua função social.”, constituindo esta, portanto, uma grande limitadora do direito de propriedade.
Contudo, não há uma definição precisa do conceito de função social, salvo em relação a determinadas matérias. Por exemplo, a própria Constituição da República, em seu artigo 186 e respectivos incisos, estabelece, expressamente, as hipóteses nas quais a função social da propriedade imóvel rural é cumprida, ou seja, quando existe:
(...)
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV- exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores
Caso não atendida a função social da propriedade rural, esta será desapropriada para fins de reforma agrária mediante prévia e justa indenização a ser paga com títulos da dívida agrária, resgatáveis em até vinte anos, a partir do segundo ano de emissão.
Também em relação à propriedade imóvel urbana, a Constituição da República explicita de que forma será cumprida sua função social, determinando, em seu artigo 182, parágrafo 2º que será atendida quando atender às exigências fundamentais de ordenação expressa no plano diretor. O parágrafo 4º do mesmo artigo estabelece sanções aplicáveis na hipótese de imóvel não edificado, subutilizado ou não utilizado como forma de constranger o proprietário a observar a função social de seu imóvel. Nesse sentido, poderá incidir p parcelamento ou edificação compulsória, imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo e, por fim, a desapropriação, prévia e justa, mediante pagamento de títulos da dívida pública, cuja emissão deverá ser aprovada pelo Senado Federal, resgatáveis em até dez anos em parcelas iguais, anuais e sucessivas. Tais formas de desapropriação constituem hipóteses de desapropriação por interesse social, de modo a prestigiar a função social da propriedade.
São estas limitações de caráter positivo, afinal, limita-se a propriedade não em razão do que o proprietário não deve fazer, mas, sim, em função do que deve fazer. É, portanto, uma limitação de caráter teleológico, assim como no caso do abuso de direito.
De acordo com Stefano Rodotà, é possível a limitação interna do direito de propriedade mediante:
1) subtração de certas faculdades ao proprietário pela lei;
2) estabelecimento legal de um complexo de condições para o exercício das faculdades atribuídas; tais condições são pressupostos da validade dos atos do proprietário;
3) deveres jurídicos de exercitar determinadas faculdades.
Não observadas qualquer uma dessas limitações, falta ao proprietário legitimação e não capacidade, o que gera a possibilidade de sancionabilidade do comportamento[iii]. No caso da desapropriação em virtude de descumprimento da função social da propriedade, nos casos previstos na Constituição da República, há uma sanção, justamente, pela não observância do dever jurídico de exercitar determinada faculdade.
Há, ainda, a desapropriação de glebas de terra em que sejam cultivadas plantas psicotrópicas, prevista no artigo 243 da Constituição da República. Nesse caso, não há qualquer direito a indenização, sendo comparada ao confisco.
Em atendimento ao princípio da função social da propriedade, são previstas, ainda, hipóteses de perda da propriedade por usucapião. O artigo 191 da Constituição da República regula a usucapião especial rural, determinando que adquira o imóvel de até cinquenta hectares localizado em zona rural, aquele que o possua como seu por cinco anos ininterruptos, sem oposição, e que nele resida, tornando-o produtivo por seu trabalho ou pelo trabalho de sua família. O dispositivo é repetido no artigo 1.239 do Código Civil vigente. O artigo 183 da Carta de 1.988 prevê a usucapião especial urbana individual. De acordo com referido artigo, adquire o imóvel de até duzentos e cinquenta metros quadrados localizado em zona urbana, aquele que o possua também por cinco anos ininterruptos, sem oposição, e o utilize como sua moradia ou de sua família, desde que não seja proprietário de outro imóvel, urbano ou rural. Aludido artigo é repetido, nos mesmos termos, no artigo 1.240 do Código Civil. Conforme se observa, compreende-se que, nesses casos, o constituinte considera ausente o interesse do proprietário na utilização do imóvel, que resta inutilizado ou subutilizado em prejuízo à coletividade. Consequentemente, confere propriedade àquele que, em sentido oposto, usufrui da propriedade em atendimento a sua função social.
A Constituição da República restringe, ainda, a propriedade ao prever, em seu artigo 216, parágrafo 1º, a possibilidade de vigilância, tombamento, desapropriação e outras formas de acautelamento e prevenção com a finalidade de preservar o patrimônio cultural brasileiro. O tombamento é um procedimento administrativo que determina restrição parcial ao direito de propriedade e, em vista disso, em regra, não há direito à indenização. Por outro lado, a desapropriação constitui privação integral do proprietário ao seu direito e, por isso, deve ocorrer apenas após indenização justa[iv].
De acordo com o artigo 5º, inciso XXIV, da Constituição da República, a desapropriação pode ocorrer, ainda, mediante prévia declaração de necessidade ou utilidade pública. Haverá necessidade pública quando a Administração Pública estiver diante de um problema cuja solução demanda urgência, sendo a apropriação do bem particular é indispensável. Por outro lado, haverá utilidade pública quando a aquisição da propriedade particular mostrar-se conveniente e vantajosa, não sendo, contudo, essencial[v].
Outra restrição de previsão constitucional refere-se às jazidas e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica. De acordo com seu artigo 176, constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União. Disposição semelhante é encontrada no Código Civil de 2002, em seu artigo 1.230.
Por fim, a Constituição da República, em diversos dispositivos esparsos e em capítulo próprio, tratou da proteção ao meio ambiente. Nesse sentido, impôs diversas restrições ao direito de propriedade. Por exemplo, estabeleceu, em seu artigo 225, parágrafo primeiro, inciso IV, a exigência de estudo prévio de impacto ambiental para instalação de obras potencialmente causadoras de significativo impacto ambiental, ao que deve ser dada publicidade. Determinou, ainda, no parágrafo 2º do mesmo artigo, que aquele que explorar recursos minerais deverá recuperar o meio ambiente degradado. Estabelece, também, que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Nesse sentido, a preservação do meio ambiente passa a constituir valor constitucional a ser observado no exercício de qualquer direito, inclusive, em relação ao direito de propriedade.
II. LIMITAÇÃO AO DIREITO DE PROPRIEDADE NO CÓDIGO CIVIL
De acordo com o artigo 1.228, parágrafo primeiro, do Código Civil vigente, o direito de propriedade deve ser exercido “em consonância com a sua finalidade econômica e social e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.”.
Pode-se inferir, do aludido dispositivo legal, que houve um flagrante afastamento do individualismo histórico, uma vez que se passou a buscar a utilização da propriedade não apenas em benefício do proprietário, mas, também, de toda a coletividade. Houve, conforme se observa, flagrante preocupação em promover a função social da propriedade, bem como a defesa do meio ambiente e do patrimônio histórico, incentivando, assim, o exercício da cidadania. Nesse sentido, busca-se impelir a sua utilização abusiva e prestigiar o atendimento a sua função social. Esse objetivo é, claramente, identificado em diversos dispositivos espalhados pelo Código Civil vigente, conforme se verá a seguir.
II.1. LIMITAÇÕES LEGAIS
II.1.1. A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E A USUCAPIÃO
Como já aludido, a desídia e o abandono do bem, pelo seu proprietário, podem resultar na perda de sua propriedade em favor do possuidor que cumpre o dever social de exploração e aproveitamento. Portanto, a usucapião é um dos instrumentos adequados para conciliação do interesse coletivo e privado em relação à propriedade.
Além das hipóteses de usucapião previstas na Constituição da República, o Código de 2002 prevê, ainda, outras. Segundo o artigo 1.248, que prevê a usucapião extraordinária, adquire o imóvel o possuidor que ocupa o imóvel por quinze anos ininterruptos e sem oposição, independentemente de justo título ou boa-fé. Estabelece o parágrafo único do mesmo artigo que o prazo reduz-se para dez anos caso tenha fixado no imóvel sua moradia ou realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Em seu artigo 1.228, parágrafos 4º e 5º, prevê a usucapião especial de bem imóvel. De acordo com o aludido artigo, é possível que um considerável número de pessoas que ocupem extensa área por cinco anos ininterruptos e de boa-fé, caso estas tenham realizado, em conjunto ou em separado, obras e serviços considerados, a critério do juiz, de interesse social e econômico relevante, devendo ser paga justa indenização ao proprietário. O artigo 1.242, por sua vez, estabelece a usucapião ordinária de bem imóvel, cujos requisitos são a ocupação contínua por dez anos, sem oposição, com justo título e boa fé. Este prazo é diminuído para cinco anos caso os possuidores tenham adquirido o imóvel a título oneroso, sendo o registro, posteriormente cancelado, desde que tenham fixado no imóvel a sua moradia ou realizado investimentos de interesse social e econômico.
II.1.2. LIMITAÇÕES À PROPRIEDADE NO DIREITO DE VIZINHANÇA
As limitações do direito de propriedade na esfera da vizinhança possuem razões de ordem pública e particular. Nesse sentido, os direitos da vizinhança decorrem são direitos decorrentes da convivência próxima ou da interferência entre prédios, contíguos ou não. Sendo assim, o as limitações da propriedade derivadas do direito de vizinhança visam a harmonização social, respeitando-se as finalidades do direito de propriedade. Contudo, deve-se ressaltar que as ações que tutelam o direito do vizinho cabem a este, nesta qualidade. Portanto, podem ser intentadas pelo proprietário, mas também pelo detentor ou possuidor do bem. E da mesma forma ocorre em relação ao molestador[vi].
Rigorosamente falando, os direitos e vizinhança, segundo Cunha Gonçalves, não constituem, propriamente, limitações ao direito de propriedade. Afinal, o proprietário não sofre qualquer sacrifício, devendo, na verdade, exercer o seu direito apenas sem abusar de suas prerrogativas. Além disso, deve-se ressaltar, que os limites impostos são, na realidade, para o seu próprio interesse, uma vez que também deverão ser respeitados por outros proprietários.
Nesse sentido, as limitações decorrentes da vizinhança referem-se, sobretudo, ao uso não convencional da propriedade para a finalidade a que ela se destina. Mas, o abuso de direito não se refere apenas a isto. Abusa de seu direito de propriedade aquele que, utilizando-se de seu bem imóvel de forma extraordinária, não respeita os interesses de seus vizinhos, sem auferir, dessa maneira, benefício sério e legítimo. Abusa de seu direito, ainda, aquele que, apesar de exercer atividade legítima, cause efeitos nocivos à vizinhança ao assumir o risco de sua atividade, devendo, por isso, ser responsabilizado pelos danos que causar. Afinal, não é dado ao indivíduo exercer direito próprio ante o sacrifício do direito de outrem. Portanto, aquele que assume o risco de, com sua atividade, prejudicar terceiros, deve ser responsabilizado pelos danos que estes sofrerem[vii].
Resumindo a matéria, Louis Josserrand aponta que exercerá abuso de direito de propriedade no âmbito das relações de vizinhança aquele que praticar:
1) atos ilegais, contrários a uma disposição expressa de Lei;
2) atos abusivos, com os quais o direito é exercido com desvio de sua finalidade;
3) atos excessivos, nos quais, embora não tenha havido abuso propriamente dito, se verifica o prejuízo de outrem[viii].
Pode-se dizer, portanto, que os direitos de vizinhança, enquadrados tanto na matéria de direito obrigacional quanto real, têm por finalidade adequar a utilização social dos prédios[ix]. No Código Civil de 2002, o artigo 1.277 estabelece a regra geral do direito de vizinhança, segundo a qual:
Art. 1.277. O proprietário ou possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização da propriedade vizinha.
Nos artigos seguintes, são regulamentadas disposições específicas sobre o uso anormal da propriedade, árvores limítrofes, passagem forçada, direito de construir, etc. Contudo, ainda que não expressamente regulada uma determinada circunstância em Lei, observada a prática de atos supramencionados, haverá consequências para o vizinho que causar prejuízos.
II.1.3. LIMITAÇÃO DA PROPRIEDADE E A SUA EXTENSÃO VERTICAL. LIMITAÇÕES DO ESPAÇO AÉREO E DO SUBSOLO.
Dispõe o artigo 1.229 do Código Civil de 2002:
Art. 1.229. A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e a do subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-los.
Nesse sentido, existe uma limitação ao direito de propriedade, uma vez que não é permitido ao proprietário opor-se a intromissões de terceiros em altura ou profundidades tais que não poderia delas tirar qualquer proveito e, por isso não tem interesse em proibir[x].
Portanto, a partir de determinada altura, insuscetível de aproveitamento pelo proprietário tem-se res communis omminium. Por esse motivo, é admitida a passagem de aeronaves. Além disso, tal matéria é, ainda, permeada pelo direito público, uma vez que o Estado tem direito de soberania sobre o espaço aéreo atmosférico.
Além disso, cabe ao proprietário tolerar voos baixos de aeronaves sobre sua propriedade que deverão aterrissar em terreno próximo. Aliás, em relação a propriedades que circundam aeroportos e aeródromos pairam servidões administrativas, ou seja, direito real sobre coisa alheia, de natureza pública, instituído em benefício da entidade diversa da sacrificada. São dessa forma, impostas restrições, ao proprietário no que se referem a instalações, edificações e culturas que possam vir a atrapalhar a partida ou chegada de aeronaves. As servidões administrativas, em regra, não ensejam o dever de indenizar, entretanto, se privarem, por completo, direitos inerentes à propriedade, o proprietário deverá ser ressarcido devidamente[xi]. Cabe, ainda, indenização ao proprietário caso as aeronaves em voo causem dano[xii].
No que se refere ao subsolo, também é dado ao proprietário opor-se a sua ocupação até a profundidade que interfira em sua normal e atual utilidade, de acordo com as possibilidades das técnicas modernas. Nesse sentido, a parte não usufruível do subsolo deverá ser considerada res nullius e, assim sendo, pertencerá ao primeiro ocupante. Este ocupante deverá indenizar o proprietário apenas se a utilização do subsolo causar danos ao proprietário das camadas mais superficiais do terreno. Relevante questão sobre o tema envolve a construção, implantação e manutenção do transporte metropolitano. Afinal, muitas vezes, exige desapropriações, imposição de servidões administrativas ou mesmo de ocupação temporária[xiii], que é forma de limitação do Estado á propriedade privada que se caracteriza pela utilização transitória, gratuita ou remunerada, de imóvel de propriedade particular, para fins de interesse público[xiv].
II.1.4. LIMITAÇÕES URBANAS
As limitações urbanas estão, intimamente, ligadas a planos urbanísticos traçados pelo Estado que regulamentam, principalmente, o chamado “direito de construir”, limitando, sobremaneira, o direito de propriedade em prol do cumprimento de sua função social.
Nesse sentido, estabelece o artigo 1.299 do Código Civil:
Art. 1.299. O proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos.
Segundo Paul Roubier o “direito de construir” não constitui, propriamente, um direito subjetivo que integra o direito de proprietário. Trata-se, na verdade, de uma faculdade que este possui, entendendo-se por faculdade a prerrogativa cujo exercício é subordinado a condições fixadas pelo direito objetivo. Sendo assim, tendo em vista o interesse coletivo, deve a Administração estabelecer planos urbanísticos que, inevitavelmente, estabelecerão condições à faculdade de construir do proprietário. Pode, assim, determinar, por exemplo, a obrigação de edificação em determinadas áreas urbanas que contem com terrenos vagos, bem como inedificabilidade de regiões em que a construção é desaconselhável. A admissibilidade de tais restrições funda-se na ideia da cidade como “bem cultural” e não mero aglomerado de pessoas, o que está em plena consonância com o princípio da função social da propriedade[xv].
A Lei 10.257/01 regula os dispositivos 182 e 183 da Constituição da República, que dispõem sobre a política urbana.
Referida Lei repete as sanções constitucionais aplicáveis a não utilização, subutilização e não edificação em zonas urbanas. Além disso, estabelece o plano diretor como elemento central da função social da propriedade. De acordo com o artigo 39 do Estatuto da Cidade:
Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende ás exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades básicas dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta lei.
Adicionalmente, estabelece a usucapião especial urbana. Esta espécie de usucapião é aplicável quando se tratar de área superior a duzentos e cinquenta metros quadrados, ocupada por população de baixa renda de forma ininterrupta e sem oposição pelo prazo de cinco anos, de modo que seja impossível identificar a porção de terreno ocupada por cada possuidor e não sejam estes proprietários de outro imóvel urbano ou rural. Determina, ainda, a limitação da propriedade pelo instituto da superfície, também previsto no Código Civil.
Todavia, segundo o autor Carlos Alberto Dabus Maluf, as sanções constitucionais e legais previstas são demasiadamente severas para o proprietário. Defende que, muitas vezes, o proprietário não deixa de atender à função social da propriedade em virtude de culpa, mas por circunstâncias totalmente alheias a sua vontade. Cita, por exemplo, as dificuldades impostas para aprovação de loteamentos impostas pela Lei do Parcelamento do Solo Urbano, bem como problemas de titulação do imóvel derivados de causas sucessórias ou do condomínio[xvi].
II.1.5. LIMITAÇÕES DO DIREITO DE PROPRIEDADE NO CONDOMÍNIO
Relevante limitação ao direito de propriedade refere-se ao direito de preferência do condômino de coisa indivisível na aquisição da coisa comum, estabelecido nos artigos 1.322 e 504 do Código Civil.
De acordo com o artigo 1.322, caso os consortes não queiram adjudicar a coisa a um só condômino, mediante indenização, a coisa deve ser vendida, repartindo-se o produto da alienação. Entretanto, ressalta o artigo que o condômino tem preferência na aquisição em caso de concorrer em condições iguais de oferta com terceiro. Entre os condôminos, prevalecerá aquele que tiver benfeitorias mais valiosas no bem. Caso nenhum condômino seja responsável por benfeitorias, adquirirá o bem aquele que possuir maior quinhão da coisa. Contudo, se, ainda assim, houver igualdade de condições entre condôminos, haverá licitação entre estes. E, após a licitação, havendo condições iguais de oferta entre o vencedor e o terceiro, preferir-se-á o condômino.
Segundo o artigo 504, o condômino de coisa indivisível não pode vender sua parte a terceiro se outro condômino a quiser tanto por tanto. Na hipótese de não ter sido oferecido o quinhão vendido ao condômino que pretendia adquiri-la, poderá havê-la para si, se o requerer judicialmente em até 180 dias e efetuar o respectivo depósito do preço. Nesse caso também se prefere o condômino que tiver realizado benfeitorias de maior valor e, não as havendo, o que possuir maior quinhão. Todavia, sendo as partes iguais, haverá a parte vendida aquele que efetuar, primeiramente, o depósito.
II.1.6. LIMITAÇÃO AO DIREITO DE PROPRIEDADE NA DOAÇÃO
Reza o artigo 548 do Código Civil que é vedada a doação da totalidade dos bens sem que sejam reservados bens ou renda suficientes para a subsistência do doador. Em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, não se admite que, pela doação, o doador seja reduzido à situação de penúria. Portanto, esta liberalidade é nula mesmo que, na doação, haja sido imposto encargo ao donatário correspondente ao dever de subsistência do doador. Entretanto, encontra-se, em julgados, exceção ao regramento estabelecido pelo artigo 548 quando o doador estabelece a seu próprio favor usufruto de bens dos quais possa auferir meios para seu sustento[xvii].
Pelo artigo 549 veda-se, ainda, a doação inoficiosa, sob pena de nulidade, compreendida como aquela que supera a metade dos bens do doador, no momento da disposição, caso haja herdeiros necessários. Busca-se, dessa forma, resguardar a legítima. Por fim, artigo 550 determina, também, a anulabilidade de doações efetuadas por doador casado pelo seu cônjuge ou herdeiros até dois anos após a dissolução da sociedade conjugal.
II.1.7. LIMITAÇÃO AO DIREITO DE PROPRIEDADE E O TESTAMENTO
Relevante limitação imposta ao testador, estabelecida pelo artigo 1.846 do Código Civil, refere-se à legítima. Trata-se de porção da herança que será destinada, obrigatoriamente, aos herdeiros necessários. Há, ainda, limitação estabelecida em face da parcela disponível por testamento, ou seja, que não integra a legítima, segundo o artigo 1.801, inciso III. De acordo com referido dispositivo legal, o testador casado é vedado de deixar bens para sua concubina, salvo se estiver, sem sua culpa, separado do cônjuge, de fato, há mais de 5 anos.
II.1.8. LIMITAÇÃO AO DIREITO DE PROPRIEDADE E AS SERVIDÕES PREDIAIS
As servidões são direitos reais de gozo, estabelecidos pela vontade das partes ou pela Lei, que se impõem sobre bem imóvel alheio serviente em benefício de bem dominante[xviii]. Para que se configure a servidão, é necessário o preenchimento de determinados requisitos. Primeiramente, é necessário que exista um ônus a ser suportado pelo proprietário, como a obrigação de tolerar ato por parte do possuidor do prédio dominante ou não praticar determinada conduta. Deve-se ressaltar, contudo, que o encargo serve à coisa e não ao dono. Em segundo lugar, exige-se que haja uma relação entre prédios, em que um tenha uma relação de serviência em relação ao outro. Por fim, é preciso que os prédios sejam de propriedade de pessoas distintas[xix].
II. 1.9. LIMITAÇÕES À PROPRIEDADE E O CONDOMÍNIO EDILÍCIO
De acordo com o Código Civil, artigo 1.335, III, os condôminos devem usar as partes comuns em conformidade com a sua destinação e de modo a não excluir a utilização pelos demais copossuidores. Além disso, são impostos deveres legais ao condômino que, claramente, limitam o exercício do direito de propriedade. Entre eles, pode-se citar o dever de não alterar a cor das fachadas, partes e esquadrias externas, bem como o de abster-se de realizar obras que comprometam a segurança da edificação, bem como a obrigação de não utilizar o bem de modo a prejudicar o sossego, a salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes. Além dos deveres legalmente impostos, proprietários e possuidores, pelo bem da convivência harmoniosa, devem respeitar as cláusulas estipuladas pela convenção condominial e regulamento interno.
Atualmente, destacam-se, ainda, novas modalidades de condomínios, não previstos, especificamente, em Lei, como é o caso do time-sharing. Nessa forma de condomínio, existe um único bem, todavia, uma pluralidade de condôminos que se revezam, em períodos, para usufruir do imóvel.
II.2.LIMITAÇÕES VOLUNTÁRIAS
A limitação ao direito de propriedade pode dar-se por ato de vontade de seu próprio titular e, geralmente, ocorre pela constituição de outro direito real sobre o bem.
Pode ocorrer, portanto, pela instituição de um direito de superfície. Trata-se de direito real pelo qual o proprietário concede a outrem o direito de plantar em sua propriedade, por prazo certo, mediante escritura pública registrada em Cartório de Registro de Imóveis. Também pode haver limitação voluntária pelo usufruto, direito real transitório que concede ao seu titular o poder de usar e gozar por determinado tempo, sob determinada condição ou vitaliciamente de bem pertencente à outra pessoa. Modalidade mais simples de usufruto é o uso, também direito real sobre coisa alheia, mas que concede ao titular apenas o direito de usar a coisa e perceber seus frutos conforme sua necessidade e de sua família. Existe, ainda, o direito real de habitação, que é ainda mais restrito, uma vez que concede ao seu titular, unicamente, o direito de ocupar o imóvel, gratuitamente, com sua família. Adicionalmente, pode ser instituída uma servidão predial, direito real instituído sobre o bem que proporciona utilidade ao prédio dominante e grava o prédio serviente, cujo proprietário é diverso[xx].
Todavia, o proprietário pode, ainda, determinar determinadas imposições ao transferir o bem. Por exemplo, pode estabelecer que a pessoa a quem o bem fosse transferido deva cumprir determinado encargo. Pode, também, exigir que o bem não seja transferido ou que se torne inalienável por certo tempo. Adicionalmente, pode torná-lo incomunicável ou que deva ser conservado para, depois, ser transferido para determinada pessoa. Tais imposições podem ser impostas, em regra, por testamento, doação ou contrato de compra e venda.
Pelo testamento, é possível impor o fideicomisso, pelo qual a propriedade do adquirente será restrita e resolúvel, uma vez que deverá conservar o bem para, em determinado momento ou com a verificação de determinada condição, transferir sua propriedade para um terceiro identificado pelo testador. Por testamento, é possível, ainda, impor cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade sobre o bem. Todavia, essas cláusulas apenas poderão ser apostas sobre bens que integram a legítima se houver justa causa.
Pelo contrato de doação, é facultado ao doador estipular, também, cláusula de inalienabilidade sobre o bem. Além disso, pode estipular encargos em favor dele próprio, de terceiros ou da coletividade. Nesse sentido, apenas adquire a propriedade, em caso de doação modal, o donatário que cumprir a obrigação.
Pelo contrato de compra e venda, é possível que o vendedor estipule cláusulas limitativas da propriedade do comprador. É o que ocorre, por exemplo, na retrovenda, em que o vendedor reserva-se o direito, por certo período, de recobrar o imóvel que vendeu, restituindo o preço e as despesas realizadas pelo comprador[xxi].