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Gênero, crime e sistema de Justiça

uma discussão sobre o processo de racionalização da decisão penal

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Este artigo discute a possível influência de representações sociais de gênero, incorporadas aos sistemas de orientações e valores dos magistrados, no processo de tomada da decisão condenatória, bem como na natureza e quantidade das penas aplicadas.

RESUMO: Os estudos sobre o universo legal e judiciário, focando a descrição e compreensão de sua estrutura e entraves cresceram nos últimos anos. Recentemente, a discussão sobre a eficiência ou ineficiência do Sistema de Justiça Criminal em processar adequadamente os delitos que chegam ao seu conhecimento tem motivado a produção de estudos sobre o fluxo do sistema de justiça criminal no Brasil. E embora a criminalidade, geralmente, seja interpretada como um fenômeno masculino, observamos um crescente interesse acadêmico pela agência feminina criminosa, impulsionado pelo incremento no número de mulheres no Sistema Prisional na última década, especialmente pelo envolvimento com o tráfico de drogas. Neste trabalho, apresentaremos uma breve revisão das teorias sociológicas que buscaram explicar a subrepresentação da mulher nas estatísticas criminais e o crescente aprisionamento por tráfico. Dedicaremos especial atenção à análise de uma etapa específica do fluxo do sistema de justiça criminal: o sentenciamento, ou seja, a tomada de decisão. Para tanto, apresentaremos uma breve revisão da literatura sobre a “Theory of Sentencing”, corpo teórico de projeção internacional, mas ainda pouco debatido no Brasil. Os estudos de “sentencing” concentram-se na análise do processo decisional e das disparidades nas penas, promovendo a desmistificação da ideia de imparcialidade na tomada de decisões judiciais ao analisar a atuação dos magistrados, bem como as variáveis sócio-históricas, filosóficas e jurídicas incorporadas no processo de racionalização da decisão, influenciando sua práxis e dinamizando uma cultura jurídica capaz de aplicar penas distintas para acusados pela prática de crimes semelhantes. Essa perspectiva teórica se apresenta como significativo instrumento de análise em estudos de sentenças, capaz de fornecer elementos conceituais aplicáveis à compreensão das condicionantes diretivas que envolvem a atividade judicante. O objetivo deste trabalho é promover a discussão teórica sobre a possível influência de representações sociais de gênero, incorporadas aos sistemas de orientações e valores dos magistrados, no processo de tomada da decisão condenatória, bem como na natureza e quantidade das penas aplicadas. A definição do objeto da pesquisa decorre da constatação da escassez de estudos sobre a atuação dos magistrados brasileiros no processo decisório, bem como do incremento da participação da mulher nas estatísticas criminais.

Palavras-chave: Gênero, Crime, Sistema de Justiça, Decisão Penal.

1. Introdução.

Os estudos sobre o universo legal e judiciário, focando a descrição e compreensão de sua estrutura e entraves, cresceram nos últimos anos. Recentemente, a discussão sobre a eficiência ou ineficiência do Sistema de Justiça Criminal em processar adequadamente os delitos que chegam ao seu conhecimento tem motivado a produção de relevantes estudos sobre o fluxo do sistema de justiça criminal no Brasil, que demandam o levantamento de numerosas informações e a construção de bancos de dados sobre uma modalidade de infração penal, desde sua notificação à Polícia até o julgamento (MISSE & VARGAS, 2007). E embora a criminalidade, geralmente, seja interpretada como um fenômeno masculino, observamos um crescente interesse acadêmico pela agência feminina criminosa, impulsionado pelo incremento no número de mulheres no Sistema Prisional, especialmente pelo envolvimento com o tráfico de drogas (LEMGRUBER, 1983; SOARES & ILGENFRITZ, 2002; VOEGELI; 2003).

Neste trabalho, apresentaremos uma breve revisão das teorias sociológicas que buscaram explicar a subrepresentação da mulher nas estatísticas criminais e o crescente aprisionamento por tráfico. Dedicaremos, também, especial atenção à análise de uma etapa específica do fluxo do sistema de justiça criminal: o sentenciamento, ou seja, a tomada de decisão. Para tanto, apresentaremos uma breve revisão da literatura sobre a Theory of Sentencing, corpo teórico de projeção internacional, mas ainda pouco debatido no Brasil. Os estudos de sentencing concentram-se na análise do processo decisional e das disparidades nas penas, promovendo a desmistificação da ideia de imparcialidade na tomada de decisões judiciais ao analisar a atuação dos magistrados, bem como as variáveis sócio-históricas, filosóficas e jurídicas incorporadas no processo de racionalização da decisão, influenciando sua práxis e dinamizando uma cultura jurídica capaz de aplicar penas distintas para acusados pela prática de crimes semelhantes. Essa perspectiva teórica se apresenta como significativo instrumento de análise em estudos de sentenças, capaz de fornecer elementos conceituais aplicáveis à compreensão das condicionantes diretivas que envolvem a atividade judicante.

O objetivo deste trabalho é promover a discussão teórica sobre a possível influência de representações sociais de gênero, incorporadas aos sistemas de orientações e valores dos magistrados, no processo de tomada da decisão condenatória, bem como na natureza e quantidade das penas aplicadas. A definição do objeto da pesquisa decorre da constatação da escassez de estudos sobre a atuação dos magistrados brasileiros no processo decisório, bem como do incremento da participação da mulher nas estatísticas criminais.

2. As diferentes abordagens sobre a criminalidade feminina.

Historicamente, o debate acadêmico vem tratando o crime e a criminalidade como um domínio do masculino, ponto de vista endossado pelas estatísticas oficiais, que há muito indicam os homens como indivíduos mais propensos, que as mulheres, a figurar como agressores e vítimas de uma grande variedade de atos criminosos (HERRINGTON & NEE, 2005). Assim, graças à inexpressividade das taxas de criminalidade feminina, bem como à quase exclusividade masculina na criminalidade violenta, os estudos criminológicos conferem maior destaque à violência praticada contra as mulheres, sendo estas frequentemente negligenciadas enquanto sujeitos criminosos (RATTON, GALVÃO & ANDRADE, 2011).

No Brasil encontramos um grande número de estudos sobre a constante vitimização da mulher em diferentes contextos e sobre a violência de gênero, adiante veremos que, apenas recentemente, a academia brasileira tem se esforçado para desenvolver estudos sobre a agência feminina criminosa, a fim de promover a compreensão deste fenômeno em nosso país. O mesmo não acontece em outras partes do mundo, em especial nos países anglo-saxões, onde a produção de trabalhos e estudos sobre a criminalidade feminina tem proliferado desde os anos 1940-1950, oferecendo uma vasta literatura sobre gênero e delinquência. Atualmente, os estudos criminológicos sobre a mulher têm considerado a especificidade da condição feminina e apreciado os efeitos positivos e negativos das circunstâncias que permeiam sua socialização. Tal premissa representa um importante avanço frente a teorias desacreditadas no âmbito da análise criminológica em geral, como as que recorriam aos paradigmas biopsicológico e psicossocial, mas que foram largamente utilizadas para explicar a delinquência feminina. A seguir, faremos uma breve incursão sobre as abordagens teóricas que versaram sobre a agência feminina criminosa, enfatizando o debate sobre se e como as diferenças de gênero repercutem na representação feminina nas estatísticas criminais.

2.1. Do determinismo biológico ao gênero: explicações para a subrepresentação da mulher nas estatísticas criminais.

Muitas são as interpretações sobre as causas da desigualdade entre as taxas de criminalidade feminina e masculina, sendo que por um longo tempo as explicações fundaram-se em distinções entre homens e mulheres decorrentes de características físicas e psicológicas. A princípio, fatores sócio-estruturais receberam pouca atenção da literatura criminológica.

Desconsiderando questões sociais, econômicas e culturais, Lombroso e Ferrero, em seu trabalho A Mulher Criminosa (1895), analisam a questão da criminalidade feminina e da subrepresentação desta nas estatísticas criminais a partir de uma perspectiva puramente biológica, segundo a qual a mulher apresentaria menor tendência ao crime porque evoluíra menos que os homens, sendo organicamente mais passiva e conservadora devido à imobilidade do óvulo comparada à mobilidade do espermatozoide. Na análise sobre a mulher criminosa, Lombroso e Ferrero constataram que esta não apresentava de forma consistente e em igual número os mesmos sinais de degenerescência[2] característicos do homem criminoso. Os autores atribuíram esta constatação ao fato de as mulheres terem evoluído menos que os homens, basicamente porque o estilo de vida delas era menos ativo, mais sedentário e desprovido de desafios. Ademais, Lombroso argumentou que a representação das mulheres nas estatísticas criminais se aproximaria à dos homens caso as atividades de prostituição fossem computadas como crime, ou seja, para o autor a prostituição feminina seria um equivalente funcional do crime (HEIDENSOHN, 2010).  De um lado a prostituição seria uma alternativa à criminalidade para as mulheres, e de outro, a estreita conexão da prostituição com o crime levaria à pratica de condutas penalmente relevantes.

Atualmente, o mito lombrosiano na criminologia e os poucos partidários contemporâneos da abordagem biofisiológica para a gênese do crime são amplamente criticados por desenvolverem argumentos fundados na falsa premissa de que comportamentos ditos masculinos ou femininos são determinados biologicamente, ignorando a influência de fatores culturais sobre a estruturação de comportamentos sociais (SMART, 2008).

De outro lado, Sigmund Freud refere-se à possível relação entre criminalidade e superego. Segundo a psicanálise, a formação do superego esta ligada às diferentes relações do indivíduo com objetos de afeto que atuam na construção da personalidade.  Para Freud, o primeiro objeto de qualquer individuo é a mãe, sendo que enquanto os meninos permanecem ligados à esse primeiro objeto, as meninas atravessam um período de transição, entre os 06 e os 07 anos, passando a reconhecer como objeto o pai. Essa transição pode causar um trauma: a chamada inveja do pênis, que levaria a menina a afastar-se da mãe e aproximar-se do pai, num complexo de Édipo às avessas. A maneira como se dá a solução desse complexo de Édipo reflete na personalidade posterior do indivíduo e, para Freud, as diferenças na resolução do complexo masculino frente o feminino seriam a base para características psicológicas distintas entre os sexos (VOEGELI, 2003). Assim, as mulheres delinquentes seriam aquelas com conflitos decorrentes da resolução do complexo de Édipo feminino, cuja atividade inconsciente do superego impusesse a necessidade de expiação e autopunição por desejos reprimidos através da prática de crimes com punição certa. Para Freud, a mulher destina-se às funções de esposa e mãe, papéis que lhes são biológica, social e culturalmente atribuídos[3], assim, o crime feminino representa uma rebelião contra esses papéis representando um complexo de masculinidade. Nessa perspectiva, a mulher criminosa é aquela que tenta ser um homem, por não conseguir se adequar ou aceitar os papéis que lhe são atribuídos.

Embora apresentem fundamentos distintos, a argumentação de Lombroso, Ferrero e Freud se aproxima ao caracterizar a mulher criminosa como desviante de seus papéis e masculinizada. Esse mito produz uma dupla condenação da mulher delinquente, efetivada através do processo penal e da rotulação (BECKER, 2008) e estigmatização social (GOFFMAN, 1988) como biológica e sexualmente anormal.

Em 1950, Otto Pollak publicou o seu The Criminality of Women, introduzindo algumas ideias novas e explicações, aparentemente, relacionadas a fatores sócio-estruturais. Ele foi pioneiro ao defender a tese de que a quantidade de crimes praticados por homens e mulheres seria muito próxima. Contudo, os crimes femininos seriam menos detectados e, por isso, sub-representados nas estatísticas criminais (RATTON et al., 2011). O autor afirmou que os crimes ditos tipicamente femininos[4] seriam mais facilmente dissimulados e raramente relatados às agências de controle social formal (polícias e judiciário). O argumento congrega a afirmação de uma suposta habilidade para falsear inerente às mulheres, combinada à influência hormonal e às circunstâncias tipicamente femininas (menstruação, gravidez, menopausa e estado puerperal, por exemplo). Além de serem beneficiadas pela existência da chamada cifra negra da criminalidade feminina, Pollak aponta que as mulheres seriam agraciadas com uma maior indulgência paternalista dos homens de seu convívio, bem como uma suposta condescendência do Sistema de Justiça Criminal na detecção, na persecução e no julgamento dos seus crimes. Esse tratamento diferenciado da mulher infratora ocorreria pela menor incidência de crimes violentos favorecendo uma maior tolerância por parte da opinião pública, das polícias e do Judiciário no julgamento da conduta praticada, bem como do Legislativo que ao definir os crimes preocupa-se com as condutas que afetam negativamente as relações de produção na ordem pública, sendo esta essencialmente masculina (DI GENNARO, 1975).

Embora, à primeira vista os argumentos de Pollak pareçam baseados em fatores sócio-estruturais, surge como central em sua tese sobre a subrepresentação da criminalidade feminina a noção de que a mulher é dotada de uma capacidade natural para enganar, relacionada à sua fisiologia alinhando-se à tradição ideológica de Lombroso e Ferrero (LEMGRUBER, 1983). Mas as conclusões do trabalho de Pollak apresentam algumas variações interessantes, como indicar que as mulheres seriam biológica e socialmente favorecidas com uma maior habilidade para a prática de crimes alcançando a impunidade, pois estão bem equipadas para mentir, enganar e trapacear, sendo capazes de instigar a prática de crimes e manipular o crédulo  sexo masculino, enganando-o. Essa capacidade de manipulação, de acordo com Pollak, é devida ao fato fisiologicamente fundamentado de que as mulheres podem esconder suas emoções positivas durante a relação sexual, enquanto os homens não podem (SMART, 2008).

Nos anos 1960-1970 houve uma mudança significativa nos estudos sobre criminalidade feminina. A partir da teoria dos papéis de gênero desenvolveram-se abordagens que negavam as explicações biofisiológicas e psicológicas, direcionando o foco da análise para fatores relacionados a diferenças na socialização entre indivíduos do sexo masculino e feminino e nas reações sociais ao crime. Hoffman e Bustamante (apud LEMGRUBER, 1983) buscaram demonstrar que a diferente socialização das meninas em nossa cultura relaciona-se ao tipo de ofensas cometidas por mulheres e à natureza de sua participação em delitos. Segundo os autores, socializadas para adotar um comportamento passivo e não agressivo, as mulheres tendem a se envolver em crimes não violentos e a assumir papéis secundários e auxiliares ao lado dos homens de seu convívio. Neste caso, a subrepresentação nas estatísticas criminais seria explicada pelo curso não aparente da violência feminina[5]ou pela participação criminosa juridicamente irrelevante[6] (DI GENNARO, 1975). Carol Smart indica duas principais limitações sobre a teoria dos papéis. Primeiro, a teoria não analisa as origens sociais dos papéis[7] e, segundo, não levanta a questão da motivação e da intenção como parte integrante da criminalidade feminina, deixando de elucidar porque determinado número de mulheres chegam à pratica efetiva de crimes (LEMGRUBER, 1983).

Com o fortalecimento dos Movimentos Feministas a partir dos anos 1960-1970, surgiram também inúmeros estudos sobre a mulher e o crime em reação ao androcentrismo criminológico, que excluiu ou estereotipou as mulheres através de análises fundadas num reducionismo biológico da identidade feminina (HEIDENSOHN, 2010 & KLEIN, 1973). A chamada criminologia feminista, com um perfil mais crítico, buscou questionar os estereótipos sexistas que alimentam as teorias da criminologia clássica e positivista, cujas premissas inadequadas converteram-se em instrumento de controle sobre as mulheres, reproduzindo e intensificando as condições de opressão pela imposição de um padrão de normalidade (ESPINOZA, 2002). Mesmo as teorias que analisaram o crime sob uma perspectiva gender-neutral não foram poupadas pela crítica feminista, um problema apontado é a generalização de resultados obtidos através de estudos sobre delinquentes masculinos, a inexistência de pesquisas qualitativas e de estudos de caso sobre mulheres delinquentes. Segundo as teorias criminológicas tradicionais, ditas gender-neutral, a mulher cometeria menos crimes porque estaria menos exposta do que os homens às pressões por sucesso material (anomia), à influência de amizades delinquentes (associação diferencial e ou aprendizagem social); porque teria vínculos sociais mais fortes e estaria sujeita a maior supervisão (controle social) e porque seria menos afeita à participação em grupos criminosos (comportamento imitativo/transmissão cultural). Contudo, estas teorias explicariam os padrões gerais da criminalidade feminina e masculina, bem como as diferenças de gênero atreladas aos crimes de menor potencial ofensivo, mas não a origem dos crimes femininos mais graves e a diferença de gênero na criminalidade violenta (STEFFENSMEIER & ALLAN, 1996).

Os teóricos feministas elegeram como objeto de estudo as circunstâncias sociais e históricas que afetam as mulheres infratoras e as mulheres em geral. Seus estudos compõem uma vasta literatura sobre a existência de diferenças qualitativas entre os crimes femininos e masculinos; sobre como a estrutura social de gênero inibe e molda a criminalidade feminina ao mesmo tempo em que estimula a masculina; sobre a falta de proteção das mulheres dentro do sistema de Justiça Penal frente à violência masculina, a baixa taxa de incriminação feminina, assim como sobre formas específicas de criminalidade (como aborto e infanticídio), retirando essas temáticas da marginalidade acadêmica.

Com os estudos da criminologia feminista ganhou força a ideia de que a modernização das sociedades promoveria a equalização das oportunidades para os sexos, inclusive nas práticas ilícitas. Segundo esta perspectiva, por exemplo, a diferença entre os gêneros nas estatísticas criminais seria menor em países economicamente desenvolvidos em comparação com países em desenvolvimento, pois as mulheres assumiriam papéis sociais mais próximos daqueles desempenhados por homens (STEFFENSMEIER & ALLAN, 1996). Essa proposição ficou conhecida como a tese da igualdade de gênero. A mulher, ainda que de forma enviesada e negativa, ganharia voz através de um ato de violência, saindo do espaço privado e adentrando o espaço público, antes dominado pelo homem (SOUZA, 2009). Freda Adler e Rita Simon publicaram trabalhos defendendo que a participação feminina nas estatísticas criminais aumentaria com a maior emancipação das mulheres e uma aparente masculinização do comportamento feminino a partir do Movimento de Libertação da Mulher na década de 1970 (HERRINGTON & NEE, 2005). Contudo, essa tendência de crescimento da criminalidade feminina, decorrente das conquistas feministas, não se confirmou. As transformações nos crimes femininos foram menos quantitativas, e mais qualitativas, ou seja, no lugar do incremento das estatísticas, ocorreu a diversificação e o agravamento dos tipos penais praticados por mulheres (RATTON et al., 2011).

Na década de 1980, surge a hipótese da desigualdade de gênero, proposta, dentre outros, por Meda Chesney-Lind e Kathleen Daly. As autoras apontam para a contradição em se considerar que a melhoria das condições econômicas das mulheres conduziria a um aumento da criminalidade feminina, quando grande parte da literatura criminológica destaca o papel desempenhado pela discriminação e pobreza na criação do crime. Segundo essa corrente, relações patriarcais de poder moldam as diferenças de gênero no crime, empurrando as mulheres para a criminalidade através da vitimização e da marginalização econômica (STEFFENSMEIER & ALLAN, 1996).

Destacamos que as teses da igualdade e da desigualdade de gênero divergem dos paradigmas biológico e psicossocial, pois se fundamentam no conceito de gênero como construção social. Dessa forma, percebemos na produção criminológica uma crescente mitigação da relevância anteriormente conferida às diferenças biopsicológicas de gênero sob o viés determinista, cujos limites explicativos são amplamente reconhecidos.

Como vimos, cada uma dessas abordagens criminológicas sobre a mulher como sujeito criminoso aventou hipóteses explicativas da pouca visibilidade destas nas estatísticas criminais. A seguir, veremos que estudos recentes apontam um crescimento da criminalidade feminina, sobretudo pelo envolvimento com o tráfico de drogas.

3. O crescente aprisionamento de mulheres no Brasil.

Mesmo com taxas de incriminação e penalização, em muito, inferiores às masculinas, diversos estudos apontam para o relevante crescimento da população carcerária feminina no Brasil. Embora persista a grande diferença entre os totais absolutos de homens e mulheres encarcerados, dados disponibilizados pelo Ministério da Justiça brasileiro, através do Departamento Penitenciário Nacional revelam que, no período entre 2000 e 2010, a população carcerária feminina saltou de 10.112 para 34.807 detentas, revelando crescimento de 244% em uma década[8]. Ainda segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional, o panorama da violência feminina no Estado de Minas Gerais não difere da realidade nacional. No ano de 2003 havia 238 mulheres presas, número que em 2010 saltou para 2.442 presas, revelando crescimento de 926%[9]. A crescente evolução do encarceramento feminino, também, foi constatada nos demais estados da região sudeste do Brasil por estudos realizados em São Paulo por Moki (2005), Rita (2006) e Braunstein (2007); no Rio de Janeito por Soares e Ilgenfritz (2002) e no Espírito Santo por Frinhani (2004).

3.1. A mulher no tráfico de drogas.

Vimos que o avanço nas taxas de incriminação e aprisionamento de mulheres no Brasil foi evidenciado em diversos estudos. Um aspecto que chama a atenção é a relação entre as mulheres e o tráfico de drogas, principal causa de aprisionamento destas segundo estatísticas oficiais. Soares e Ilgenfritz (2002) registram que em 1988, 32,6% (89 mulheres) das prisioneiras cumpriam pena no estado do Rio de Janeiro por crimes relativos a drogas (uso, tráfico, formação de quadrilhas), enquanto nos anos de 1999 e 2000 o percentual de presidiárias condenadas por esses crimes subiu para 56% (294 mulheres). Segundo as autoras, esse acréscimo de mulheres presas por tal modalidade de ilícito teria como causa o desempenho de funções subalternas na escala hierárquica dessas organizações criminosas, quais sejam: bucha (pessoa que é presa por estar presente na cena em que são efetuadas outras prisões), consumidoras, mula ou avião (transportadoras da droga), vapor (que negocia pequenas quantidades no varejo), cúmplice ou assistente/fogueteira. Embora as mulheres presas por tráfico de entorpecentes ocupem, em geral, posição subalterna, Souza (2009, p. 655), ressalva que esse fato “não exclui a possibilidade, nos dias atuais, de uma maior prática da mulher como abastecedora/distribuidora, traficante, gerente, dona de boca-de-fumo e caixa/contabilidade”.

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Para Assis e Constantino (apud SOUZA, 2009, p.655), a inserção da mulher no tráfico de drogas se daria através de duas formas principais: “por meio de namorados bandidos ou de uma forma mais independente. Neste último caso, embora não se exclua a participação da influência masculina, esta não é fator determinante da entrada e da continuidade no tráfico”. Já Moki (2005, p. 85) aponta como fatores da inserção da mulher no tráfico de drogas, assim como em outros crimes, “o desemprego feminino, os baixos salários quando equiparados aos salários dos homens e o aumento de mulheres responsáveis financeiramente por suas famílias”. Em sua maioria, provenientes dos mais baixos extratos sociais, as mulheres presas são vitimadas por uma segunda exclusão social, marcada pela diferenciação de papéis sexuais. De acordo com Almeida (apud MOKI, 2005, p. 85) “essa dupla exclusão desfavorece a mulher presa, que se torna acusada de não apenas transgredir a lei, mas também o modelo feminino previamente estabelecido para ela pela cultura”. De outro lado, Guedes (2006, p. 568) não exclui os fatores até aqui mencionados, mas acrescenta a busca “por reconhecimento, inclusão e visibilidade social”; pela “afirmação de poder via criminalidade”; pela “sensação do ganhar dinheiro fácil, da ‘autoridade de bandido’ com poder absoluto sobre o outro”; pela “não-subjugação às regras sociais”; e, finalmente, pela inclusão no “ideal de consumo e acesso a bens materiais tão difundido pelo modelo neoliberal”.

Em estudo realizado na Cadeia Pública de Montes Claros/MG, Carvalho (2007), além de verificar a preponderância do desempenho de funções subalternas no tráfico de drogas, nos informa sobre o perfil socioeconômico da mulher delinquente em Minas Gerais – a maioria mulheres pobres, jovens, não brancas e pouco escolarizadas. Através de entrevistas, o autor buscou identificar quais as suas interpretações sobre por que se envolveram com o tráfico de drogas. Segundo Carvalho (2007), três foram as interpretações recorrentes, a saber: 1) dificuldades financeiras, aliadas à falta de perspectiva de emprego e à atração pelo dinheiro que as drogas proporcionam; 2) influencia de terceiros (homens com quem mantinham relações afetivas); e 3) submissão à chantagem (por parentes estarem em situação de risco). O autor também obteve relatos em que as mulheres elaboram discursos de negação, ou seja, discursos nos quais aparecem como vítimas por estarem “no lugar errado e na hora errada”.

Acrescentamos que as taxas de criminalidade (independente da variável gênero) podem oscilar, conforme o rigor da política de segurança pública implementada pelos governos, com a ênfase na repressão a determinados delitos, o que promoveria uma menor condescendência por parte do Sistema de Justiça Penal em relação às mulheres envolvidas, por exemplo, com o tráfico de drogas (SOARES & ILGENFRITZ, 2002).

Dados do Departamento Penitenciário Nacional sobre o estado de Minas Gerais mostram que entre as 1.464 presas condenadas em junho de 2011, 46% (673) cumpriam pena por envolvimento com o tráfico de drogas, 38% (561) pela prática de crimes contra o patrimônio e 9% (135) pela prática de crimes contra a pessoa. Ademais, o conjunto de 2.459 custodiadas (condenadas ou em prisão provisória) em junho de 2011 é composto em sua maioria por mulheres jovens, não brancas e pouco escolarizadas.

Por fim, destacamos que segundo dados da Subsecretária de Administração Prisional da Secretaria de Defesa Social de Minas Gerais, em julho de 2012, havia 87 mulheres internadas na ala feminina da Penitenciária Ariosvaldo de Campos Pires em Juiz de Fora, sendo que destas 61 encontravam-se em prisão provisória, 12 cumpriam pena em regime fechado e 14 em regime semiaberto. Do total de 87 mulheres custodiadas, 34 foram presas por tráfico ilícito de entorpecentes, 04 por crimes contra a vida (homicídio); 26 por crimes contra o patrimônio (furto, roubo e latrocínio); 04 por estelionato; 02 por receptação e 17 por outros crimes.

Após a revisão das perspectivas teóricas que buscaram explicar a subrepresentação feminina nas estatísticas criminais e constatado o crescente aprisionamento de mulheres por tráfico de drogas em nosso país, passaremos à análise de se e como representações sociais de gênero, incorporadas aos sistemas de orientações e valores dos magistrados, podem repercutir no processo de racionalização da decisão penal.

4. O sentenciamento como etapa do fluxo do sistema de justiça criminal.

Através dos chamados estudos de fluxo[10] os pesquisadores pretendem reconstituir o fluxo de pessoas e procedimentos que atravessam as diferentes instituições que compõem o Sistema de Justiça Criminal, possibilitando o cálculo das taxas de esclarecimento, processamento, sentenciamento, condenação e aprisionamento dos envolvidos em ocorrências criminais. O cálculo dessas taxas permite a reconstituição do fluxo do processamento de crimes e a mensuração da eficiência do Sistema de Justiça Criminal na persecução daqueles que infligiram a lei e lesionaram direitos de terceiros.  Em última análise, permite uma avaliação global do sistema e de sua capacidade de prevenção (dissuasão da intenção de se cometer um crime), visto que desvela a probabilidade de se sofrer (ou não) uma punição pela transgressão da lei penal, indicada pela grande diferença (afunilamento) entre o número de ocorrências registradas pelas Polícias e o número de processos sentenciados pelo Judiciário, com condenação e aprisionamento. Vargas (2000) chamou a atenção para o fato de que a etapa do fluxo processual referente ao sentenciamento, ou seja, à tomada de decisão pelos magistrados, é um tema instigante a ser explorado, motivo pelo qual apresentaremos, a seguir, as contribuições da Theory of sentencing no estudo do processo de tomada de decisões criminais. Porém, inicialmente, consideramos relevante uma breve incursão no debate sobre a significação da atividade judicativa.

5. A significação na atividade judicativa.

Frequentemente as teorias sobre as práticas sociais e de punição discutem a conexão entre sistemas simbólicos e outros níveis da vida social. Nesse sentido, Cicourel (1968) critica as abordagens sociológicas sobre o crime e o desvio fundadas unicamente em estatísticas oficiais e que ignoram o fato destas serem produto de práticas organizacionais e do raciocínio prático dos funcionários das agências de controle social formal, que definem e constituem o significado do que vem a ser considerado certo, errado, criminoso ou não criminoso.  Para Cicourel, na justiça criminal a resolução deste problema estaria em pesquisas que identificassem como são elaborados os autos criminais pelos atores envolvidos em atividades socialmente organizadas (como a comunidade, a família, a polícia, os tribunais, etc.), e como esses autos fornecem descrições corretas da estrutura de caráter, moral, justiça, legalidade, criminalidade aos membros daquelas organizações. Assim, uma alternativa seriam as pesquisas realizadas com o emprego da técnica da observação participante ou que interpretem as estatísticas como representações das práticas dos agentes da lei (policiais, juízes, promotores, advogados), mais do que uma medida das taxas de criminalidade. Formulações de inspiração fenomenológica sobre a justiça criminal encontradas em Cicourel foram retomadas e desenvolvidas por Anthony Giddens (2003), Pierre Bourdieu (2006), e William Sewell Jr. (1992), os quais compartilham a opinião de que as práticas materiais e os sistemas simbólicos se constituem reciprocamente ou são dualisticamente estruturados.

No contexto do presente trabalho, surge a questão da constituição mútua das práticas punitivas (e.g. a decisão na sentença criminal) e da cultura (e.g. o significado destas sentenças) que tem sido abordada em estudos da sociologia punitiva. David Garland (1990, p. 198) nos oferece uma relevante análise sobre a relação entre a cultura e a punição. Segundo o autor a punição deve ser entendida como “um artefato cultural complexo que codifica em suas próprias práticas os signos e os símbolos da cultura mais ampla”. Assim, a punição envolve uma rede de práticas sociais materiais (ações) em que as formas simbólicas são sancionadas tanto pela força, quanto pelo uso. Também quando tratamos de práticas punitivas, devemos pensar a cultura (símbolos e seus significados) e as práticas sociais (ação social e práticas instrumentais) como mutuamente constitutivas.

Conforme leciona Garland (1990, p. 249), "os padrões gerais de significação cultural indubitavelmente influenciam as formas de punição. Mas também é verdade que a punição e as instituições penais ajudam a modelar a cultura e contribuem para a criação dos seus termos". Corroborando esse entendimento, Ribeiro (1999) destaca que entre as diversas práticas por meio das quais a punição influencia e propaga significados culturais estão as do julgamento por sentença, sendo que o momento da sentença reifica simultaneamente a significação da atividade judicativa e o significado de outras categorias culturais.

Em estudo realizado com detentas da Penitenciária Feminina do Paraná, Claudia Priori (2011, p. 2726) coletou passagens de decisões judiciais que “evidenciam como as representações sociais e os estereótipos atribuídos ao feminino, bem como ao rompimento do normativo de gênero são ressaltados pelo discurso do judiciário a fim de produzirem argumentos e definições jurídicas para a condenação”. A autora registra, por exemplo, que na sentença condenatória de uma mulher pelo crime de tráfico de drogas, o Juiz lamentou a prática do delito pela “ré primária, de bons antecedentes, com residência fixa, casada e mãe de um filho”. Fica claro que a prática do tráfico de drogas por uma mulher que, a princípio, se enquadrava nos clássicos papéis sociais atribuídos à mulher em nossa sociedade, foi encarada com certo espanto pelo magistrado, demonstrando como representações sociais de gênero podem influenciar o processo decisório. Priori (2011, p. 2727) aponta que através dos discursos dos juízes podemos perceber que as mulheres pesquisadas foram julgadas e condenadas não apenas pela infração cometida, mas também por romperem “com as normas sociais definidas como essencialmente femininas, tais como mãe e esposa fiel, cuidadora dos afazeres domésticos, sóbria, honesta, pacífica, educadora, guardiã dos bons costumes, etc.”.

Embora seja afirmada a imparcialidade do julgador na interpretação e aplicação da lei, percebemos que, mesmo inconscientemente, o magistrado no exercício da prática jurisdicional atua impulsionado por padrões gerais de significação cultural, sejam próprios ou oriundos da sociedade e do ambiente institucional em que está inserido. Sejam eles chamados de regras e recursos da estrutura (GIDDENS, 2003); esquemas culturais (SEWEL JR., 1992); habitus (BOURDIEU, 2006), representações sociais, ideologia, valores ou princípios éticos-morais, importa destacar que esses padrões gerais de significação cultural orientam e organizam a ação do magistrado na prática decisional, sendo que esta, simultaneamente, constitui, reproduz e inova esses padrões, transformando-os.

Sendo assim, o estudo do processo de tomada da decisão criminal pode auxiliar na busca por explicações sobre os significados culturais que definem e são definidos por práticas punitivas. A seguir, destacamos a relevância dos estudos de sentencing na análise do papel do sistema penal no contexto social e da relação entre as práticas punitivas e a cultura, apresentando os fundamentos teóricos que orientam tais estudos.

6. A contribuição dos estudos de sentencing.

Diante de tudo que vimos até aqui, podemos concluir que a decisão judicial, não pode ser concebida apenas como o resultado de uma racionalidade técnico-cientifica; posto que na realidade reflete um complexo sistema de orientações composto por representações, valores, pressões políticas e visões de mundo que influenciam o julgador no momento de proferir sua decisão. E muitas vezes lacunas, imprecisões legislativas ou normas sujeitas à integração interpretativa possibilitam certa margem de discricionariedade aos seus intérpretes. Diante de tais situações, os magistrados recorrem à experiência profissional, à intuição, a valores e representações sociais, aos sistemas de orientação da cultura jurídica, enfim, a categorias que informam as práticas humanas ao mesmo tempo em que são por estas constituídas, reproduzidas e transformadas.

É sob esta perspectiva que surge a Theory of sentencing, caracterizada por Vanhamme e Beyens (apud MARTINS, 2011, p. 112), como “um vasto campo de pesquisas empíricas sociocriminológicas, centradas nas disparidades das penas, a partir da tomada de decisão do julgamento penal”, com foco na figura do juiz e nas disposições jurídicas incorporadas à sua práxis social e profissional.

Em artigo dedicado à revisão da bibliografia sobre a sentencing, Prates Fraga (2008) observa que, em geral, as pesquisas sobre o processo decisório eram marcadas por certa negligência com a figura do juiz, elas buscaram demonstrar a relação entre vários fatores extralegais e a jurisprudência, mas disseram-nos muito pouco sobre a ligação entre o universo social e a decisão. Estudos sobre a sentença são largamente empreendidos na América do Norte (Estados Unidos e Canadá) e na Europa (França, Holanda e Inglaterra), enquanto no Brasil começa a aflorar o interesse pela sentencing. Esta promove a desmistificação da ideia de imparcialidade na tomada de decisões judiciais ao centrar sua análise na atuação dos magistrados e nas práticas e variáveis sócio-históricas, filosóficas e jurídicas incorporadas no processo de racionalização da decisão, influenciando sua práxis e dinamizando uma cultura jurídica capaz de aplicar penas distintas para crimes semelhantes. Martins (2011) chama a atenção para o fato de que a sentencing encara a análise do processo decisório como prática social complexa e subjetiva, em que convergem questões sobre os critérios eleitos pelos magistrados na interpretação da lei e no exercício do poder discricionário.

Vanhamme e Beyens (2007) salientam que a temática central dos estudos de sentencing, ou seja, a disparidade das penas na atividade judicativa envolve a discussão acerca da igualdade de tratamento. A desigualdade de tratamento dos casos criminais afronta um princípio basilar do Estado de Direito, qual seja, a afirmação da igualdade de todos perante a lei. Segundo a lógica integradora do Estado de Bem-estar Social, o ideal de igualdade é uma preocupação central, motivo pelo qual a investigação sobre os determinantes da condenação alcançou grande desenvolvimento no período que marcou o auge do welfare state, final dos anos 1960 e início dos anos 1970. Momento em que emerge a abordagem interacionista e a criminologia da reação social.

Vanhamme e Beyens (2007) identificam duas abordagens dominantes nos estudos de sentencing: 1) a abordagem tradicional (neopositivista), preocupada com o resultado das decisões e a identificação das variáveis ??que produziram resultados diferentes. Produz estudos quantitativos/correlacionais, levantam dados estatísticos de fatores previamente identificados, buscando detectar e explicar as disparidades; e 2) a abordagem sociológica, que baseada na ideia de reflexividade da modernidade tardia, critica os estudos de tradição neopositivista, pois considera que, ao focarem o resultado, estes estudos deixam de apreender o processo de interpretação e classificação do tomador de decisão enquanto indivíduo, bem como todo o contexto profissional, organizacional e social em que a decisão é tomada, o que pode levar a limitações significativas. Como alternativa, propõe a utilização de técnicas de pesquisa qualitativa, como observações e entrevistas orientadas para a interpretação e percepção de dados objetivos. Essas abordagens interpretativas focalizam o processo em contexto e não apenas o resultado.

6.1. Categorias de análise e metodologia em estudos de sentencing.

Como vimos, existem duas abordagens dominantes nos estudos de sentencing: a abordagem tradicional e a abordagem sociológica. Em revisão da literatura sobre o tema, Prates Fraga (2008) considera a metodologia e as categorias de análise utilizadas na identificação das disparidades das penas para diferenciar essas duas tradições. A abordagem tradicional da sentencing baseia-se na investigação das disparidades das penas a partir de correlações estatísticas entre a decisão e fatores legais[11] e extralegais[12] que podem influenciar as variações das penas no processo de incriminação. Considera também como a compreensão dos magistrados sobre os objetivos ou funções da pena (punitiva/preventiva ou retributiva/ressocializadora) interfere nas suas orientações decisórias. Sendo que os fatores legais e extralegais são apreendidos a partir de um corpus de análise quantitativa sobre o crime. Portanto, uma pena baseada na dissuasão geral será aplicada quando o juiz pretende concentrar-se sobre a gravidade da infração e enviar uma mensagem para a sociedade (prevenção/dissuasão geral), enquanto a sanção mais individualizada será usada nos casos em que o magistrado pretende influenciar o comportamento futuro do acusado (prevenção/dissuasão individual) (PRATES FRAGA, 2008).

No tocante aos critérios legais se destaca a análise da natureza e da gravidade dos fatos. Na avaliação da gravidade o magistrado revela suas preocupações, sua disposição sobre a realidade ao seu redor, pois é nesse item que ele enquadra os fatos e circunstâncias (agravantes ou atenuantes) que envolvem a conduta do acusado no disposto na norma jurídica. Além disso, a sentencing demonstra que na avaliação da gravidade do fato, os juízes também levam em conta a finalidade atribuída à sua função institucional, a preservação da ordem social e a defesa de valores da cultura judiciária penal no contexto social aos quais aderem (VANHAMME & BEYENS, 2007).

No tocante aos critérios extralegais, a abordagem tradicional considera as características dos acusados: os antecedentes criminais, o gênero, a posição social e a origem étnica. A avaliação dos antecedentes criminais (reincidência) envolve a discussão sociológica dos estudos sobre o passado do agressor e repercute em desfavor do acusado no processo de incriminação. Isso porque a existência de antecedentes criminais pode justificar a prisão, indicando uma tendência do acusado à delinqüência latente e à insubordinação social.

O gênero do acusado é outra característica importante, porém, as altas taxas de encarceramento masculino e a subrepresentação feminina nas estatísticas criminais, fizeram com que grande parte dos estudiosos da sentencing não se preocupassem em promover a diferenciação entre homens e mulheres condenados. Vanhamme e Beyens (2007) registram que geralmente as pesquisas em sentencing adotam uma perspectiva masculina, motivo pelo qual não são unânimes os resultados obtidos nas investigações sobre a influência do gênero sobre a decisão. De um lado, há pesquisas estatísticas que indicam que, mesmo depois de aferir os antecedentes criminais e a gravidade do fato, as mulheres recebem um número menor de condenações[13] à prisão e suas penas são menos longas. De outro, citam estudos que associam à relativa leveza das sentenças atribuídas às mulheres ao cometimento de crimes menos graves, aos antecedentes criminais leves ou ausentes, bem como à conduta social positiva. Ou, ainda, estudos norte-americanos que não encontraram relação entre o gênero e a pena aplicada na sentença. Já Herrington e Nee (2005), citando Hedderman e Gelsthorpe, destacam pesquisas que verificaram um aumento significativo da aplicação de penas de prisão mais severas nas condenações de mulheres se comparadas às condenações de homens. E Heidensohn (1985) observou que na justiça criminal há uma representação coletiva da violência masculina contra mulheres como um fenômeno natural, isto é, bastante relativizado pelas práticas jurídicas, enquanto, os delitos femininos são, em geral, justificados através de argumentos fundados em desequilíbrios psicológicos, desqualificando suas autoras.  Ainda segundo o autor, os tribunais penais são mais severos com mulheres cujos comportamentos delituosos afrontam os papéis socialmente atribuídos às mulheres, em especial pela comparação entre a mulher promíscua e o homem trabalhador[14]. Ao passo que os tribunais são mais indulgentes quando o crime praticado denota certa precariedade social e está associado à uma condição essencialmente feminina, como no caso da mãe que rouba um mercado para alimentar um filho.

Como vimos, existem numerosas teorias na literatura sociológica sobre as diferenças entre a criminalidade feminina e masculina, bem como sobre a resposta do Sistema de Justiça Criminal a ambas. Lembremos, porém, algumas das explicações para o tratamento diferenciado das mulheres nos tribunais. Pollak (1950) afirma que um comportamento paternalista dos magistrados (homens) em relação às mulheres leva à aplicação de penas mais brandas. Para Daly (1987), o custo social e familiar da pena é levado em conta, quando a mulher ou homem são condenados, remetendo a questão para a proteção familiar. Segundo Gelsthorpe (apud VANHAMME & BEYENS, 2007), os juízes enquadram os acusados em duas categorias: aqueles que têm problemas e aqueles que fazem o problema. Segundo a autora, as mulheres estariam na categoria de acusados que têm problemas, por isso, antes da punição, necessitam de ajuda. E Martins (2011) lembra que a indulgência dos magistrados é menor quando a mulher é masculinizada ou se aproxima de papéis masculinos. O que se relaciona à expectativa dos juízes quanto ao desempenho dos papéis femininos na sociedade, situação, que como vimos, também foi percebida por Priori (2011).

A variável classe social do acusado está relacionada à clássica discussão sociológica presente nos estudos de classe, estratificação, desigualdade social e na teoria do conflito (MARTINS, 2011). Vanhamme e Beyens (2007) explicam que a maior representatividade de grupos sociais desfavorecidos nas prisões, fez com que os estudos de sentencing procurassem saber se há alguma relação entre a classe social do acusado e a probabilidade de pronúncia pelos Juízes, bem como de condenação à prisão (tese da discriminação). Grande parte destes estudos limitou-se à análise da probabilidade de prisão dos réus desempregados. Kannegieter (apud VANHAMME & BEYENS, 2007) constatou, por exemplo, que os desempregados são frequentemente condenados  à prisão, salvo nos grupos de criminosos em que a diferença entre trabalhadores e desempregados desaparece. Esta seria uma demonstração de que o custo social da punição é levado em conta pelos Juízes. Assim, ter um emprego é um critério para uma discriminação positiva. Kannegieter conclui que, embora a posição social do acusado tenha alguma influência nas decisões judiciais, os fatores relacionados com a gravidade do crime e os antecedentes criminais têm mais peso.

A variável origem étnica recebeu grande atenção dos pesquisadores em países onde se verifica uma proporção significativa de estrangeiros e de minorias étnicas na prisão. Em países com um grande número de imigrantes, as minorias étnicas são mais facilmente associadas à alteridade cultural e à periculosidade, muitas vezes em razão do contexto social e histórico de desenvolvimento dos países de origem. Para Vanhamme e Beyens (2007), a diferenciação dos acusados conforme a origem étnica relaciona-se intimamente com a variável classe social. Martins (2011) ressalta que uma das dificuldades dessa variável está na dispersão das categorizações de raça/cor, conforme o contexto histórico e social do acusado. Além disso, a pertença étnica muitas vezes é declarada pelo acusado e depende da padronização da autoridade policial, o que abre margem para distorções. No Brasil diversos estudos constataram que a população carcerária nacional é composta por uma esmagadora maioria de indivíduos não brancos[15].

Uma vez exposta a metodologia e as categorias de análise empregadas pela abordagem tradicional da sentencing, cumpre registrar que esta foi alvo de duras críticas. As pesquisas desta tradição foram acusadas de não alcançarem elementos capazes de definir um paradigma interpretativo do magistrado, enquanto ator em seu contexto organizacional; de limitarem a análise aos resultados das decisões cognitivas, com ênfase em decodificações do comportamento dentro de formulações matemáticas; e de promoverem o isolamento de cada variável relacionada à decisão do juiz descontextualizando-a (PRATES FRAGA, 2008).

Como alternativa para as dificuldades apontadas pelos críticos da perspectiva tradicional, surge a abordagem sociológica da sentencing que assume espectro mais holístico, contextualizando o fenômeno da tomada de decisão e empregando métodos qualitativos no dimensionamento do contexto social e organizacional em torno do processo decisório. As categorias elencadas pela abordagem sociológica para explicar as disparidades das penas envolvem aspectos contextuais da sentencing[16] e características do juiz[17] (PRATES FRAGA, 2008).

Os estudos de sentencing que abordam o processo decisório como fenômeno social complexo e contextualizado podem se localizar numa dimensão macrossocial, considerando o processo punitivo num contexto mais amplo, ou numa dimensão microssocial, que considera o mesmo processo como uma prática localizada, enquanto atividade colaborativa, uma vez que ela converge numa cadeia mais ampla, interagindo com diferentes atores penais. Ambas as dimensões são partes integrantes do mesmo universo contextual, caracterizando a cultura jurídica (MARTINS, 2011). O conceito de cultura jurídica é essencial para o entendimento da articulação entre as instâncias judiciais e a esfera política. Segundo Souza Santos et al. (1996, p. 19), a cultura jurídica é o “conjunto de orientações a valores e interesses que configuram um padrão de atitudes diante do direito e dos direitos e diante das instituições do Estado que produzem, aplicam, garantem ou violam o direito e os direitos”. Para o autor, nas sociedades contemporâneas, um elemento central da cultura jurídica é o Estado, motivo pelo qual aquela é sempre uma cultura jurídico-política, razão pela qual só pode ser plenamente compreendida no âmbito mais amplo da cultura política. De outro lado, a cultura jurídica reside também nos cidadãos e em suas organizações, sendo também uma parte integrante da cultura de cidadania. E, nesse nível, distingue-se da cultura jurídico-profissional, que se refere apenas aos profissionais do foro assumindo características próprias relacionadas com a formação, a socialização e o associativismo.

Desta forma, a abordagem sociológica da sentencing visa compreender a prática judicante a partir do contexto institucional e da cultura jurídica em que estão inseridos os magistrados. Segundo as pesquisas de Beyens, Tata e Hutton (apud MARTINS, 2011), há uma cultura penal tácita apreendida pelos magistrados em início de carreira através do processo de socialização profissional, que demanda uma rede de relações e cooperação sobre o perfil de boas práticas na tomada de decisão, estabelecendo uma uniformização de certos padrões de penalização. Assim, as disparidades das penas seriam relativamente controladas por essa cultura penal, não obstante seja reconhecida a primazia do poder decisional dos magistrados. Werneck Vianna, Carvalho, Melo e Burgo (1997) atribuem um diferencial para a análise da cultura jurídica da magistratura brasileira, decorrente de especificidades no processo de seleção e socialização dos juízes, fator que não poderá ser olvidado pelos pesquisadores que, por ventura, venham a realizar estudos de sentencing em nosso país.

Ainda no âmbito da abordagem sociológica da sentencing surge a compreensão da prática decisional como uma atividade colaborativa e interacional. Prates Fraga (2008) aponta que essa perspectiva revela o holismo metodológico ao considerar a influência dos fatos sociais sobre o processo decisório. Essa colaboração e interação ocorre entre os juízes e os demais atores e instituições do Sistema de Justiça Criminal, que dispõem de um canal penal de circulação de informações, vínculos e trabalho, além de uma estrutura organizacional em que coabitam, interagem e se relacionam durante o processo. Segundo Manning (apud PRATES FRAGA, 2008), dessa estrutura institucional emerge um contexto social com padrões de interação próprios, que dinamizam papéis e status numa ordem cerimonial, dentro de um mandato expresso em termos ideológicos. Nesse ambiente dinâmico de interação surgem diferentes percepções sobre os fatos e diferentes interpretações dos conceitos legais.

Por fim, a abordagem sociológica da sentencing reconhece o caráter prático e intuitivo da tomada de decisão. Sudnow (apud MARTINS, 2011, p. 138), um dos primeiros pesquisadores a trabalhar essa perspectiva, “observou que a experiência profissional desenvolve saberes práticos e estratégicos, que são forjados no exercício desse meio”. Ou seja, no cotidiano da prática profissional se desenrola um processo de socialização que diferencia aqueles dotados de experiência, daqueles que ainda estão construindo-a. Os saberes assim adquiridos são influenciados por aportes ideológico-profissionais e servem à familiarização dos atores e processos envolvidos, a partir de um meio informal e menos complexo.

Embora as duas abordagens metodológicas da sentencing sejam geralmente contrapostas, uma não exclui a outra. Conforme salienta Martins (2011), estes aportes metodológicos podem ser utilizados de forma complementar, na medida em que o método qualitativo baseado na técnica de análise de conteúdo de documentos, ou seja, da sentença criminal, pode ser ilustrado por elementos provenientes do método quantitativo, interpretados e contextualizados pelo pesquisador.

7. Considerações finais.

Ainda que de forma bastante sucinta, trouxemos à baila as principais perspectivas sociológicas sobre a criminalidade feminina, sobre a subrepresentação desta nas estatísticas criminais e sobre o crescente aprisionamento de mulheres pelo tráfico de drogas. Também apresentamos, brevemente, os aportes teóricos da sentencing para o estudo e análise do atuar dos magistrados na tomada da decisão criminal. Evidenciamos nossa concordância com a observação de Vargas (2000), no sentido de que o sentenciamento é uma interessante etapa do fluxo da justiça criminal que merece pesquisas mais detalhadas. Por fim, destacamos a carência de estudos sobre a possível influência de representações sociais de gênero, incorporadas aos sistemas de orientações e valores dos magistrados brasileiros, no processo de tomada da decisão condenatória, bem como na natureza e quantidade das penas aplicadas, na esperança de que esse quadro se modifique no futuro.

GENDER, CRIME AND JUSTICE SYSTEM: A DISCUSSION OF THE PROCESS OF RATIONALIZATION IN CRIMINAL DECISION.

 

ABSTRACT: Studies about the legal and judicial universe, focusing on the description and understanding of its structure and barriers have grown in recent years. Recently, the discussion about the efficiency or inefficiency of the criminal justice system to prosecute properly the crimes coming to your knowledge has motivated the production of flow studies of the criminal justice system in Brazil. And although crime usually be interpreted as a male phenomenon, we observe a growing academic interest in female criminal agency, driven by the increase in the number of women in the prison system in the last decade, especially for involvement with drug trafficking. In this paper, we present a brief review of sociological theories that sought to explain the underrepresentation of women in crime statistics and increasing imprisonment for trafficking. We will devote special attention to the analysis of a particular stage of the flow of the criminal justice system: sentencing, i.e. decision making. To this end, we present a brief review of the literature on the "Theory of Sentencing" theoretical body of international renown, yet little debated in Brazil. Studies of "sentencing" focus on the analysis of decision making and disparities in criminal penalties, promoting the demystification of the idea of impartiality in making judgments to analyze the performance of judges, as well the socio-historical, philosophical and legal variables incorporated in the process of rationalization of the decision, influencing your praxis and fostering a juridical culture able to apply different legal penalties for defendants that practice similar crimes. This theoretical perspective is presented as meaningful analytical tool in studies of sentencing, capable of providing conceptual elements applicable to the understanding of constraints directresses that involve adjudicative activity. The objective of this work is to promote theoretical discussion on the possible influence of social representations of gender incorporated into the systems of guidelines and values of the magistrates in making the sentencing decision, as well as the nature and amount of penalties. The definition of the object of the research stems from the scarcity of studies on the role of Brazilians judges in decision process as well as the increase of women's participation in the crime statistics.

Keywords: Gender, Crime, Justice System, Criminal Decision.

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[1] Trabalho apresentado no GT de Pós-Graduação – Instituições, Cultura e Atores Sociais da I Jornada de Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) entre os dias 17 e 19 de setembro de 2012.

[2] Lombroso defendeu a tese do criminoso nato apoiada sobre o determinismo biológico, concepção segundo a qual as ca­racterísticas genéticas/hereditárias determinam o comportamento agressivo, ou seja, alguns sujeitos teriam uma predisposição biológica ao crime. O criminoso seria reconhecível a partir de seus traços físicos e fenotípicos. Traços físicos de humanos considerados feios ou ameaçadores acabavam relacionados à violência. Para Lombroso, o criminoso nato seria aquele com pelo menos quatro das características biológicas (estigmas atávicos) que segundo o autor indicavam a predisposição ao crime. Estas constituíam sua tipologia, às quais denominava sinais de degenerescência.

[3] Segundo essa interpretação, a mulher saudável seria a mãe-narcisista, cuja satisfação está no culto à beleza e no exercício da maternidade, ou a mulher masoquista, cujo prazer reside na passividade no sexo e na dor infligida pelo homem.

[4] Como crimes praticados na esfera doméstica, contra parentes e pessoas próximas, determinados por alterações hormonais e psíquicas vivenciadas exclusivamente por mulheres.

[5] Pressupõe que a maioria dos delitos femininos é cometida em concurso de agentes, realidade encoberta nos registros policiais e judiciários devido ao interesse dos acusados em ocultar a existência de coautores ou partícipes, o que agravaria o juízo de reprovação. A participação criminosa da mulher também seria encoberta devido ao afastamento dos atos de execução.

[6] A mulher pode tomar parte em um delito sem que sua participação seja penalmente relevante, como através da execução de atos preparatórios para o crime, mas penalmente irrelevantes.

[7] Para o autor a teoria dos papéis não investiga o desenvolvimento da divisão social do trabalho entre os sexos, não explica a natureza da inferioridade de status feminino, sob os pontos de vista histórico, econômico e cultural.

[8] Conforme relatórios de novembro de 2000 e dezembro de 2010 do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen/DEPEN/MJ).

[9] Conforme relatórios sobre a situação do sistema prisional de Minas Gerais em 2003 e 2010, disponibilizados pelo Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen/DEPEN/MJ).

[10] Citamos: Vargas (2000); Misse e Vargas (2007); Souza (2009).

[11] Considera-se na análise dos fatores legais a natureza do delito e a gravidade do fato, relacionadas às circunstâncias atenuantes e agravantes.

[12] Considera-se na análise dos fatores extralegais as características do acusado, relacionadas aos antecedentes criminais, ao gênero, à posição social, à origem étnica, além de características sócio-biográficas e contextos organizacionais dos magistrados.

[13] No Brasil, citamos a pesquisa de Mariza Corrêa (1981), que analisando os casos de crimes passionais julgados pelo Tribunal do Júri na Cidade de Campinas/SP, entre 1952 e 1972, constatou um maior número de condenações entre os homens se comparados às mulheres.

[14] Nesse sentido, são as conclusões de Mariza Corrêa em seu Morte em Família de 1983.

[15]Dentre os quais, citamos: Lemgruber (1983); Soares e Ilgenfritz (2002); Ribeiro (2003); Voegeli (2003).

[16] Relacionando variáveis como: cultura jurídica, interdependência dos agentes penais e interação nas audiências.

[17] Conduzindo às seguintes variáveis: características sociobiográficas, juiz como transformador da informação e juiz como fator explicativo do juiz no contexto.

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Sobre a autora
Joyce Keli do Nascimento Silva

Advogada atuante em causas cíveis e de família, Bacharel em Direito, Especialista em Ciências Penais, Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Joyce Keli Nascimento. Gênero, crime e sistema de Justiça: uma discussão sobre o processo de racionalização da decisão penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3794, 20 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25896. Acesso em: 19 abr. 2024.

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