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Responsabilização subsidiária da administração pública por encargos trabalhistas e inversão do ônus da prova no processo do trabalho

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31/12/2013 às 07:23
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Caso se afigure inconstitucional a distribuição estática o ônus da prova, num determinado caso concreto, deverão ser incidentalmente declarados inconstitucionais os arts. 333 do CPC e 818 da CLT.

I – INTRODUÇÃO

A proteção do trabalhador pela Justiça Trabalhista se justifica, em primeiro lugar, pela origem desse ramo do Poder Judiciário, a exemplo dos antigos juízes classistas. Sob outro ponto de vista, o protecionismo judicial no âmbito laboral tem fundamento na necessidade de efetivação da justiça social. Ainda que seja discutível essa aparente parcialidade, não há dúvidas de que cumpre relevante papel na consecução dos objetivos da República Federativa do Brasil.

No entanto, não é menos certo que tal proteção deve se dar nos limites do Direito e da Justiça. Especificamente no que tange às lides decorrentes dos chamados empregados terceirizados[2], o Poder Judiciário trabalhista tem reiteradamente se desviado dos referidos limites, por vezes deturpando o ordenamento jurídico-constitucional para fundamentar uma conclusão alcançada previamente ao exame dos autos.

Nesse sentido, o primeiro passo foi a criação judicial de uma responsabilidade subsidiária, a despeito do disposto no art. 71 da Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993, que integra a Seção que trata da execução dos contratos administrativos. Eis sua redação:

Art. 71.  O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§ 1o  A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.

§ 2o  A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.

Como se percebe, o legislador foi expresso ao prever que a única hipótese em que a Administração Pública poderia ser responsabilizada é a de inadimplência referente a encargos previdenciários.

Já quanto aos encargos trabalhistas, fica claro que a mens legis é no sentido de não se responsabilizar a Administração Pública, até mesmo porque os “empregados terceirizados” são vinculados à sociedade empresária empregadora, sendo inviável, por imperativo constitucional (concurso público), considerar existente qualquer vínculo empregatício com a Pessoa Jurídica de Direito Público. Esse, aliás, o teor do enunciado n.º 363 da súmula do TST:

SUM-363    CONTRATO NULO. EFEITOS (nova redação) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.

Pois bem, como dito, a despeito da redação explícita do art. 71 da Lei n.° 8.666/93, a Justiça Trabalhista criou uma responsabilidade subsidiária para a Administração Pública, pelo descumprimento de obrigações trabalhistas por parte de sociedade empresária contratada, argumentando, em suma, que a referida lei administrativa veda a responsabilização solidária, mas não a subsidiária. Tal entendimento ficou cristalizado no enunciado n.º 331 da Súmula da Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, abaixo transcrito nos trechos que interessam (versão anterior à última alteração, ocorrida em maio de 2011):

SUM-331 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

[...].

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).

Com o tempo, como se não bastasse a posição contra legem da súmula, sua aplicação passou a se dar de forma objetiva: uma vez provado que o trabalhador não recebeu o que tinha direito, bem como que a Administração Pública usufruiu de sua força de trabalho, esta deveria responder, caso a sociedade empresária empregadora não adimplisse seus deveres trabalhistas.

Nesse mesmo sentido, as petições iniciais das reclamações trabalhistas passaram a pleitear a responsabilização do Estado também de forma objetiva, sem qualquer demonstração de ação ou omissão da Administração, de nexo de causalidade e, menos ainda, de culpa (em sentido amplo), e, com frequência ainda maior, sem qualquer comprovação dessa culpa. Consequentemente, na fase probatória o reclamante não se desincumbia do ônus de provar a culpa da Administração, justamente porque sabia que a responsabilização ocorreria de forma objetiva.


II – DO ENTENDIMENTO DO STF CONSUBSTANCIADO NO JULGAMENTO DA ADC N.º 16

Com o objetivo de pôr fim ao apocalipse jurídico relatado acima, o Distrito Federal ajuizou, no Supremo Tribunal Federal, a Ação Declaratória de Constitucionalidade n.º 16, com o fito de tornar absoluta a presunção relativa de constitucionalidade de que gozava o art. 71 da Lei n.º 8.666/93.

Em suma, as conclusões do STF no julgamento da ADC n.º 16 foram: (i) o art. 71, § 1º, da Lei n.º 8.666/93, é constitucional, de modo que “a inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, [...] não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento”, e, (ii) excepcionalmente, desde que reste patentemente comprovada a culpa da Administração (o que não pode ser feito de forma objetiva), pode haver responsabilização do Poder Público. Com efeito, eis a transcrição de trecho de notícia veiculada no sítio do STF (em 24.11.2010) e do informativo n.º 610, in verbis:

Notícia: “Ao decidir, a maioria dos ministros se pronunciou pela constitucionalidade do artigo 71 e seu parágrafo primeiro, e houve consenso no sentido de que o TST não poderá generalizar os casos e terá de investigar com mais rigor se a inadimplência tem como causa principal a falha ou falta de fiscalização pelo órgão público contratante”.

Informativo n.º 610: “Quanto ao mérito, entendeu-se que a mera inadimplência do contratado não poderia transferir à Administração Pública a responsabilidade pelo pagamento dos encargos, mas reconheceu-se que isso não significaria que eventual omissão da Administração Pública, na obrigação de fiscalizar as obrigações do contratado, não viesse a gerar essa responsabilidade. Registrou-se que, entretanto, a tendência da Justiça do Trabalho não seria de analisar a omissão, mas aplicar, irrestritamente, o Enunciado 331 do TST. O Min. Marco Aurélio, ao mencionar os precedentes do TST, observou que eles estariam fundamentados tanto no § 6º do art. 37 da CF quanto no § 2º do art. 2º da CLT (‘§ 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.’). Afirmou que o primeiro não encerraria a obrigação solidária do Poder Público quando recruta mão-de-obra, mediante prestadores de serviços, considerado o inadimplemento da prestadora de serviços. Enfatizou que se teria partido, considerado o verbete 331, para a responsabilidade objetiva do Poder Público, presente esse preceito que não versaria essa responsabilidade, porque não haveria ato do agente público causando prejuízo a terceiros que seriam os prestadores do serviço. No que tange ao segundo dispositivo, observou que a premissa da solidariedade nele prevista seria a direção, o controle, ou a administração da empresa, o que não se daria no caso, haja vista que o Poder Público não teria a direção, a administração, ou o controle da empresa prestadora de serviços. Concluiu que restaria, então, o parágrafo único do art. 71 da Lei 8.666/93, que, ao excluir a responsabilidade do Poder Público pela inadimplência do contratado, não estaria em confronto com a Constituição Federal”.

Como se percebe, para que a força normativa da Constituição e a autoridade da decisão do STF sejam respeitadas, é imperativa a cabal demonstração da culpa da Administração Pública para a sua responsabilização, o que não costuma acontecer nos julgados proferidos na Justiça Trabalhista acerca da matéria, como afirmado acima e conforme consignado, inclusive, no informativo de jurisprudência transcrito: “registrou-se que, entretanto, a tendência da Justiça do Trabalho não seria de analisar a omissão, mas aplicar, irrestritamente, o Enunciado 331 do TST”.

Diante do julgamento da ADC 16, a Justiça Trabalhista, mormente pelos seus Tribunais Regionais do Trabalho (TRT's), começa a sinalizar com a utilização de uma válvula de escape para continuar responsabilizando a Administração Pública, independentemente de prova nos autos. Trata-se da aplicação da inversão do ônus da prova como técnica de julgamento, que se passa a analisar.


III – DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

Eis, portanto, o objeto deste estudo: possibilidade (ou não) de inversão do ônus da prova nos processos em que se discute a responsabilidade subsidiária do Estado, bem como os requisitos para tal inversão.

Preliminarmente, registre-se que, nos casos em que o reclamante não demonstra, nem mesmo na fundamentação da inicial, a culpa da Administração, estará o Judiciário impossibilitado de afirmar a existência dessa culpa, pois, se assim agir, estará atuando de ofício em campo permeado pelo princípio dispositivo (também chamado de princípio da demanda ou da inércia), de modo que a decisão ofenderia o princípio da congruência objetiva, por extrapolar os limites objetivos da demanda, especificamente quanto aos fatos, integrantes da causa de pedir.

Assim, se a petição inicial pretender a responsabilização objetiva, ainda que não o diga expressamente, o Poder Judiciário deverá se limitar a afirmar sua inviabilidade jurídica; jamais poderá reconhecer de ofício um fato (culpa da Administração) inexistente no processo, por não ter sido alegado nem provado, e, consequentemente, sem ter passado pelo crivo do contraditório, que faz do processo um meio dialógico para a efetivação da justiça.

Dito isso, cumpre analisar alguns aspectos relativos ao ônus da prova. Inicialmente, é necessário definir ônus da prova subjetivo e objetivo. O primeiro é uma regra de atividade, ou de conduta, para as partes; o segundo é regra de julgamento a ser aplicada pelo magistrado em caso de insuficiência probatória.[3] Pelo critério subjetivo, verifica-se a quem incumbe provar, e o que se deve provar. Já pelo critério objetivo, verifica-se quem sofre as consequências caso o arcabouço probatório seja deficiente.[4]Em regra, a parte que tem o ônus subjetivo terá, também, o ônus objetivo.

No que tange à distribuição do ônus da prova, existem duas correntes teóricas principais: (i) teoria da distribuição estática do ônus da prova e (ii) teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova.

Quanto à teoria estática, Didier assim se manifesta:

Compete, em regra, a cada uma das partes o ônus de fornecer os elementos de prova das alegações de fato que fizer. A parte que alega deve buscar os meios necessários para convencer o juiz da veracidade do fato deduzido, como base de sua pretensão/exceção, afinal é a maior interessada no seu reconhecimento e acolhimento.[5]

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Como se percebe, essa foi a teoria adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro nos artigos 818 da CLT e 333 do CPC, ora transcritos:

CLT: Art. 818 - A prova das alegações incumbe à parte que as fizer.

CPC: Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Quanto à teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, tem-se que foi adotada pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), nos seguintes termos:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...];

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.

No que tange à natureza dessa inversão prevista no CDC – se é matéria de instrução ou técnica de julgamento –, a doutrina diverge. Fredie Didier, Daniel Neves[6], Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero[7], por exemplo, entendem que a regra do art. 6º, VIII, do CDC é matéria de instrução. Por todos, eis a lição de Didier:

Reservar a inversão do ônus da prova ao momento da sentença representa uma ruptura com o sistema do devido processo legal, ofendendo a garantia do contraditório. Não se pode apenar a parte que não provou a veracidade ou inveracidade de uma determinada alegação sem que se tenha conferido a ela a oportunidade de fazê-lo (lembre-se que o ônus subjetivo acaba por condicionar a atuação processual da parte).[8]

Por outro lado, parte da doutrina afirma que a referida norma contempla regra de julgamento. Filiam-se a essa corrente, por exemplo, José Geraldo Brito Filomeno, Kazuo Watanabe[9], Nelson Nery e Rosa Nery[10], sendo que os três primeiros foram, inclusive, autores do anteprojeto do CDC. Por todos, eis as lições de Kazuo Watanabe:

Quanto ao momento da aplicação da regra de inversão do ônus da prova, mantemos o mesmo entendimento sustentado nas edições anteriores: é o do julgamento da causa. É que as regras de distribuição do ônus da prova são regras de juízo, e orientam o juiz, quando há um non liquet em matéria de fato, a respeito da solução a ser dada à causa. Constituem, por igual, uma indicação às partes quanto à sua atividade probatória. [...]

Efetivamente, somente após a instrução do feito, no momento da valoração das provas, estará o juiz habilitado a afirmar se existe ou não situação de non liquet, sendo caso ou não, conseqüentemente, de inversão do ônus da prova.[11]

Quanto à alegação de que o fornecedor seria pego de surpresa com a inversão realizada na sentença, eis a doutrina de Nelson Nery Jr., a refutá-la:

[...] a parte que teve contra si invertido o ônus da prova [...] não poderá alegar cerceamento de defesa porque, desde o início da demanda de consumo, já sabia quais eram as regras do jogo e que, havendonon liquet quanto à prova, poderia ter contra ela invertido o ônus da prova. Em suma, o fornecedor (CDC 3.°) já sabe, de antemão, que tem de provar tudo que estiver a seu alcance e for de seu interesse nas lides de consumo. Não é pego de surpresa com a inversão na sentença.[12]

Ocorre que a aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova demanda previsão legal expressa, como consta do CDC, no caso das relações de consumo. Isso porque, da mesma forma que o ônus da prova é uma regra de julgamento, é, também, uma regra de atividade, pois as partes pautam sua conduta processual de acordo com as previsões legais aplicáveis (arts. 818 da CLT e 333 do CPC, no caso do processo do trabalho), como bem ressaltou Didier, em trecho já transcrito acima.

Ao analisar o art. 6º do CDC, a segunda corrente doutrinária apresentada acima afirma que não restariam violados os princípios da não-surpresa, cooperação, segurança jurídica, ampla defesa, contraditório e devido processo legal, porque o fornecedor já sabe, de antemão (devido à previsão expressa contida no art. 6º do CDC), que poderá sofrer a inversão do ônus da prova, sendo que a ninguém é dado o desconhecimento da lei. Daí não se falar, no caso das relações de consumo, em violação aos referidos princípios.

Ademais, em se tratando de relação consumerista, o art. 333 do CPC é afastado devido ao princípio da especialidade. Diferente é a situação em relações jurídicas diversas das de consumo, como é o caso da relação de trabalho.

No caso das relações de trabalho, a única forma de aplicação da teoria dinâmica para redistribuir à Administração um ônus que originariamente cabe ao reclamante é a declaração incidental de inconstitucionalidade dos arts. 818 da CLT e 333 do CPC (com todas as suas consequencias, inclusive a necessidade de se respeitar a regra da reserva de plenário, no caso de declaração de inconstitucionalidade por tribunal).

Isso porque não há falar em aplicação analógica do art. 6º do CDC, eis que a analogia só tem cabimento no caso de lacuna na lei, a qual permite aplicar analogicamente à situação não prevista na lei um dispositivo aplicável a situação diversa, mas semelhante. Havendo, no caso, os referidos artigos da CLT e do CPC, impossível aplicar-se o CDC por analogia.

Assim, repita-se, a única forma de transferir o ônus de provar a inexistência de culpa da Administração ao Poder Público é a declaração incidental da inconstitucionalidade dos arts. 818 da CLT e 333 do CPC. Relevante anotar, neste ponto, que afastar a aplicação dos citados artigos é o mesmo que considerá-los inconstitucionais, de modo que é necessário, mesmo no caso de mero afastamento do dispositivo legal, o respeito à regra da reserva de plenário contida no art. 97 da Constituição Federal, como, aliás, consigna a Súmula Vinculante n.º 10 do STF:

Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.

Vistas essas questões, convém, agora, analisar o momento para a inversão do ônus da prova, caso se parta da premissa de que é possível a inversão, mesmo no processo do trabalho (neste caso, sempre e somente após a declaração incidental de inconstitucionalidade dos arts. 333 do CPC e 818 da CLT).

III.1 – DO MOMENTO ADEQUADO PARA INVERSÃO

Ultrapassadas as questões postas acima, resta abordar aquela relativa ao momento em que a inversão é cabível, na hipótese de declaração incidental de inconstitucionalidade dos arts. 818 da CLT e 333 do CPC, e aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova.

Como visto acima, a doutrina consumerista controverte-se a respeito do momento em que pode ser feita a inversão. A corrente mais acertada afirma que deve ser feita no despacho saneador, exatamente para permitir à parte onerada a oportunidade de se desincumbir do referido ônus, em atenção aos princípios da não-surpresa, cooperação, segurança jurídica, ampla defesa, contraditório e devido processo legal. Por outro lado, a outra corrente afirma a possibilidade dessa inversão na própria sentença.

Quanto aos princípios aventados pela primeira corrente, a parte da doutrina que defende a possibilidade de inversão na própria sentença afirma que eles são respeitados, no caso das relações de consumo, porque o fornecedor sabe, desde o início, que poderá ser a ele redistribuído ônus que cabe originariamente ao consumidor. Isso por causa da expressa previsão legal contida no art. 6º, VIII, do CDC, e do princípio de que a ninguém é dado alegar o desconhecimento da lei.

Entretanto, em relações trabalhistas, uma vez que não existe norma legal expressa acerca da possibilidade de inversão do ônus da prova, não há como defender a ausência de afronta aos princípios da não-surpresa, cooperação, segurança jurídica, ampla defesa, contraditório e devido processo legal no caso de inversão na própria sentença. Assim, no caso de o juízo entender aplicável a teoria dinâmica, deverá declarar incidentalmente a inconstitucionalidade dos arts. 818 e 333 do CPC, notificando tempestivamente a parte reclamada acerca da redistribuição do ônus da prova, para que esta possa dele se desincumbir.

Nos casos em que se verifica a inversão como técnica de julgamento, em sede de recurso ordinário, pelos TRT's, o desrespeito aos listados princípios regentes do processo ocorre de forma ainda mais afrontosa, pois a inversão se dá no acórdão que julga o recurso ordinário! Se já seria inconstitucional tal inversão na sentença, apesar de a Administração poder rediscutir os fatos na segunda instância, o que se dirá da inversão feita no julgamento do recurso ordinário, situação em que se tolhe em absoluto o direito fundamental à ampla defesa e ao contraditório, pois inviável a discussão fática na instância extraordinária?

Em casos como o narrado no parágrafo anterior, o que ocorre é que, por via transversa, viola-se o entendimento vinculante e dotado de eficácia erga omnes manifestado no julgamento da ADC 16.

Com efeito, se o STF entendeu que a Justiça Trabalhista deveria analisar a existência de culpa, inverter o ônus da prova, mormente em sede de julgamento de recurso ordinário, é, com todas as vênias, esquivar-se do referido dever, impondo as consequências maléficas dessa inversão à Administração, que pautou sua conduta processual nas regras que regem o procedimento probatório: arts. 818 da CLT e 333 do CPC.

Assim, na insuficiência da produção probatória relativa à culpa da Administração, o correto seria aplicar-se o ônus da prova como regra de julgamento, para o fim de julgar improcedente o pedido de condenação subsidiária do Poder Público, tendo em vista que cabe ao autor trazer essa causa de pedir na inicial e comprovar sua ocorrência ao longo da instrução probatória. Não o fazendo, deve ter seu pedido julgado improcedente.

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Sobre o autor
Maurício Saliba Alves Branco

Procurador do Banco Central do Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRANCO, Maurício Saliba Alves. Responsabilização subsidiária da administração pública por encargos trabalhistas e inversão do ônus da prova no processo do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3835, 31 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26274. Acesso em: 2 nov. 2024.

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