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O respeito ao princípio do devido processo legal e julgamento das contas do Poder Executivo municipal perante o Legislativo:

vícios insanáveis e reapreciação das contas prestadas pelo gestor perante a Câmara Municipal, à luz da Súmula 473 do STF

30/01/2014 às 13:24

Resumo:


  • O estudo aborda a possibilidade de anulação de uma Resolução do poder legislativo municipal que julgou as contas do gestor público, com base nos Princípios Constitucionais e na Súmula 473 do STF.

  • São apresentadas considerações sobre a fiscalização das contas do Poder Executivo Municipal pelo Legislativo, destacando a necessidade de observância do contraditório e da ampla defesa.

  • É discutida a legalidade da anulação do julgamento das contas pelo próprio Legislativo, com base na Súmula 473 do STF, ressaltando a importância do devido processo legal e dos princípios constitucionais aplicados à matéria.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

É ilegal o ato de não permitir ao gestor público que se manifeste por ocasião do julgamento de suas contas, por desrespeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Resumo: Pretende-se demonstrar com o presente trabalho a possibilidade de se anular Resolução, eivada de vício insanável,  do poder legislativo municipal que julgou as contas do gestor público,  à luz dos Princípios Constitucionais e da Súmula 473 do STF.

Palavras-chave: Gestão. Competência. Legislativo. Princípios. Nulidade. Vícios.


I - INTRODUÇÃO

O presente estudo possui a pretensão de se debruçar sobre o poder de controle e de fiscalização da Câmara de Vereadores perante o poder executivo municipal, analisando os procedimentos adotados por essa Casa para o seu regular julgamento, à luz dos princípios constitucionais que devem, indubitavelmente, nortear tal procedimento administrativo.

Por certo, ao iniciar um processo desta natureza, há de se questionar se a inobservância da ampla defesa e do contraditório, conforme prescrito no art. 5º, LV, da CR/88, poderia resultar em um vício suficientemente grave, para acarretar a anulação do julgamento.

Por outro norte, poderia levantar ainda, o questionamento relativo à legalidade do próprio poder legislativo, que em constatando uma eventual irregularidade, poderia conduzir um processo interno de anulação do julgamento das contas prestadas, promovendo em seguida uma nova apreciação das mesmas, sanando eventuais vícios formais.


II – DO PROCESSO CONSTITUCIONAL DE JULGAMENTO DAS CONTAS PÚBLICAS DO PODER EXECUTIVO

Conforme preconiza o ordenamento jurídico pátrio, o Poder Legislativo Municipal é o responsável pela fiscalização contábil, financeira e orçamentária patrimonial e operacional do Município, conforme determina a Constituição da República de 1998, em seu artigo 31, in verbis:

"Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.

§ 1º. O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas, dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver.

§ 2º. O parecer prévio emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal".

A esse respeito, são os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles:

"A função de controle e fiscalização da Câmara sobre a conduta do Executivo tem caráter político-administrativo e se expressa em decretos legislativos e resolução do plenário, alcançando unicamente os atos e agentes que a Constituição Federal, em seus arts. 70-71, por simetria, e a lei orgânica municipal, de forma expressa, submetem à sua apreciação, fiscalização e julgamento. No nosso regime municipal, o controle político-administrativo da Câmara compreende a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, através do julgamento das contas do prefeito e de suas infrações político-administrativas sancionadas com cassação do mandato". (Direito Municipal Brasileiro, 13ªed., São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 588, grifei).

 Desta forma, conforme vislumbrado, a Constituição Federal delega ao Poder Legislativo Municipal a fiscalização das contas do Poder Executivo, mediante controle externo, exercido com o auxílio do Tribunal de Contas, este incumbido de emitir o parecer prévio, que será oportunamente submetido à deliberação legislativa (art. 31, §§ 1º e 2º). 

Ora, é certo que a tomada de contas pela Câmara Municipal consiste em ato de gestão da despesa pública, que envolve o exame da conformidade das contas com a lei, o pronunciamento sobre o parecer técnico emitido pelo Tribunal de Contas e o julgamento das contas em si, que, caso rejeitadas, pode até mesmo sujeitar o agente político à sanção de perda da elegibilidade por cinco anos, a teor do art. 1º, inc. I, alínea "g", da Lei Complementar n.º 64, de 18/05/1990. Diante disto, não há como se negar que a tomada de contas realizada pela Câmara Municipal, com o auxílio do Tribunal de Contas, corresponde a uma espécie de processo administrativo, que, portanto, se submete às formalidades e às garantias do contraditório e da ampla defesa e todos os seus consectários (art. 5º, inc. LV).

 Neste sentido, segue firmemente a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

"EMENTA Medida cautelar. Referendo. Recurso extraordinário. Apreciação das contas do prefeito. Observância do contraditório e da ampla defesa pela Câmara Municipal. Precedentes da Corte. 1. A tese manifestada no recurso extraordinário, relativa à necessidade de observância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa pela Câmara Municipal quando da apreciação das contas do prefeito, após parecer prévio do Tribunal de Contas, encontra harmonia na jurisprudência desta Suprema Corte. Presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora. 2. Decisão concessiva da cautelar referendada pela Turma" (STF, 1ª T. AC 2085 MC/MG, rel. Min. Menezes Direito, j. em 21/10/2008, grifei).

É salutar ressaltar ainda que, se aos termos do §2º, do Art. 31, da CR/88, o parecer prévio emitido pelo órgão competente, sobre as contas que o Prefeito anualmente presta, pode deixar de prevalecer, por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal, conclusão lógica é a de que seja ao Chefe do Executivo dada a oportunidade de se defender, perante o Legislativo, apresentando dados suficientes a alcançar a reversão da situação anteriormente apresentada, e a ele contrária, pelo Tribunal de Contas.


III – DOS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS APLICADOS À MÁTERIA

O Direito Constitucional Brasileiro, seguindo os ditames de outros ordenamentos jurídicos vigentes ao redor do globo, se cercou de Princípios basilares, utilizados em larga escala para nortear e regular a atuação do Estado e seus entes, a fim de se manterem firmes na consolidação de um Estado Democrático de Direito e não caírem nas tentações decorrentes do exercício efetivo do poder.

 Desta forma, diante desta perspectiva, o Princípio do Devido Processo Legal, se apresenta como um dos mais importantes reguladores das atividades do Estado brasileiro, sendo que o mesmo se encontra devidamente descrito, na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso LIV, que determina que:

Art.5º - “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LIV _ ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”

Há bem da verdade, este Princípio do Estado Democrático de Direito, encartada em nosso ordenamento jurídico como uma garantia constitucional, é considerada desde 1948, como um direito fundamental do homem consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que afirma que:

Art.8º - “Todo o homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.”

Consubstanciando em tal entendimento, o próprio Pacto de São José da Costa Rica, - maior referência em relação a Tratado Internacional de proteção aos Direitos Humanos nas Américas -, ressaltou mais uma vez, a importância de tal princípio para a proteção dos indivíduos perante o Estado, senão vejamos:

Art. 8º – “Garantias judiciais:

1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

(...)”

Desta forma, o princípio do devido processo legal possui como escopo, segundo Alexandre de Morais, viabilizar a intitulada “dupla proteção ao indivíduo”, atuando:

“no âmbito material, proteção ao direito de liberdade e no âmbito formal, para assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-Persecutor”. (MORAES, 2002, p. 123)

Diante destas ponderações, também no Processo para julgamento das contas prestadas por gestor publico perante a Câmara Municipal, os atos devem ser conduzidos, de forma a garantir a plenitude da defesa, desde a citação, publicidade, ampla produção de provas, argumentação técnica e um julgamento pautado na razoabilidade e proporcionalidade.

Ressalta-se que dada à natureza do processo administrativo, a intimação do gestor para os atos que antecedem ao julgamento, é fator indispensável para não se afrontar o principio do devido processo legal. Fato que se ocorrer, sem o devido cuidado a publicidade dos atos, pode acarretar ainda, ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa.

De fato, o princípio do contraditório e da ampla defesa vem esculpido de forma expressa na Constituição Federal, podendo ser encontrado no artigo 5º inciso LV, que assevera que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Ademais, conforme ressalta a ilustre doutrinadora Odete Medauar, é por intermédio do princípio do contraditório é que ocorre a “manifestação do ponto de vista do acusado, que poderá apresentar argumentações, documento e conteúdo probatório no sentido de contradizer a parte contrária” (MEDAUAR, 2006, pag. 115), fator que não pode ser dispensado aos edis, ao julgarem as contas do gestor público.

In casu, o ato de não permitir ao gestor público que manifeste por ocasião do julgamento das contas apresentadas pelo mesmo padece de ilegalidade, em desrespeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa, já que às margens de qualquer possibilidade do Chefe do Poder Executivo de apresentar seus argumentos, em prol de sua defesa. As garantias constitucionais não podem ser afastadas, mormente aquelas relacionadas ao due process of law, princípio basilar do Estado Democrático de Direito.

E de longa data assim tem se manifestado o colendo Supremo Tribunal Federal, conforme seguintes julgados:

"JULGAMENTO DAS CONTAS DO PREFEITO MUNICIPAL. PODER DE CONTROLE E DE FISCALIZAÇÃO DA CÂMARA DE VEREADORES (CF, ART. 31). PROCEDIMENTO DE CARÁTER POLÍTICO- ADMINISTRATIVO. NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA DA CLÁUSULA DA PLENITUDE DE DEFESA E DO CONTRADITÓRIO (CF, ART. 5º, LV). IMPRESCINDIBILIDADE DA MOTIVAÇÃO DA DELIBERAÇÃO EMANADA DA CÂMARA MUNICIPAL. DOUTRINA. PRECEDENTES. TRANSGRESSÃO, NO CASO, PELA CÂMARA DE VEREADORES, DESSAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. SITUAÇÃO DE ILICITUDE CARACTERIZADA. CONSEQÜENTE INVALIDAÇÃO DA DELIBERAÇÃO PARLAMENTAR. RE CONHECIDO E PROVIDO. - O controle externo das contas municipais, especialmente daquelas pertinentes ao Chefe do Poder Executivo local, representa uma das mais expressivas prerrogativas institucionais da Câmara de Vereadores, que o exercerá com o auxílio do Tribunal de Contas (CF, art. 31). Essa fiscalização institucional não pode ser exercida, de modo abusivo e arbitrário, pela Câmara de Vereadores, eis que - devendo efetivar-se no contexto de procedimento revestido de caráter político-administrativo - está subordinada à necessária observância, pelo Poder Legislativo local, dos postulados constitucionais que asseguram, ao Prefeito Municipal, a prerrogativa da plenitude de defesa e do contraditório. - A deliberação da Câmara de Vereadores sobre as contas do Chefe do Poder Executivo local, além de supor o indeclinável respeito ao princípio do devido processo legal, há de ser fundamentada, sob pena de a resolução legislativa importar em transgressão ao sistema de garantias consagrado pela Constituição da República" (RE n.º 235.593/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO, j. 31.03.2004, "DJ" 22.04.2004);

"EMENTA: PREFEITO MUNICIPAL. CONTAS REJEITADAS PELA CÂMARA DE VEREADORES. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DO DIREITO DE DEFESA (INC. LV DO ART. 5º DA CF). Sendo o julgamento das contas do recorrente, como ex-Chefe do Executivo Municipal, realizado pela Câmara de Vereadores mediante parecer prévio do Tribunal de Contas, que poderá deixar de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Casa Legislativa (arts. 31, § 1º, e 71 c/c o 75 da CF), é fora de dúvida que, no presente caso, em que o parecer foi pela rejeição das contas, não poderia ele, em face da norma constitucional sob referência, ter sido aprovado, sem que se houvesse propiciado ao interessado a oportunidade de opor-se ao referido pronunciamento técnico, de maneira ampla, perante o órgão legislativo, com vista a sua almejada reversão. Recurso conhecido e provido." (STF. RE 261885 / SP - SÃO PAULO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO. Julgamento: 05/12/2000. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publ. DJ 16-03-2001 PP-00102. EMENT VOL-02023-05 PP-00996).

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Em caso similar ao debatido no presente estudo, assim se manifestou este Relator:

AÇÃO DE DESCONSTITUIÇÃO DA DECISÃO DECORRENTE DO JULGAMENTO DE CONTAS PÚBLICAS REALIZADO POR CÂMARA LEGISLATIVA MUNICIPAL. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. DESRESPEITO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. DECISÃO INSUBSISTENTE. Hodiernamente, não há espaço para que se proceda a julgamentos, sejam eles políticos, administrativos ou judiciais, em desrespeito aos postulados democráticos da ampla defesa e do contraditório. Assim, a decisão decorrente do julgamento realizado nessas circunstâncias é insubsistente. (Reexame Necessário-Cv 1.0708.03.004776-3/001. Rel. Des. Geraldo Augusto. 1ª CÂMARA CÍVEL. Julgado em 04/07/2006 e publicado em 21/07/2006).

Os julgamentos do Eg. TJMG não discrepa do entendimento esposado:

Ementa: PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. PRESCRIÇÃO. INOVAÇÃO RECURSAL. PRESTAÇÃODE CONTAS. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PARA DEFESA. VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. RECURSO PROVIDO. PRECEDENTES DO STF. Não se aprecia a alegação de prescrição, porquanto se trata de inovação recursal. Esta tese exposta no recurso de apelação está dissociada do tem discutido na instância inferior, logo, vedada a sua cognição. (Precedentes do Superior Tribunal de Justiça: Edcl no REsp 692.280 e 530.693). O devido processo legal e seus princípios corolários devem ser aplicados também no processo administrativo, principalmente, naqueles em que há possibilidade de punição. O julgamento das contas de Prefeito Municipal não escapa dessa conclusão, principalmente, se considerado os seguintes aspectos: a) a rejeição das contas traz sérias e gravosas conseqüências jurídicas para o Prefeito; b) a atuação dos vereadores pode ser motivada por razões políticas, e não técnicas; c) a inobservância do devido processo legal e seus princípios corolários pode dar margem a retaliações políticas e ao abuso de poder político. Tais conseqüências nefastas podem ser evitadas ou rechaçadas se observado o devido processo legal formal e material. Da análise dos documentos juntados aos autos, com destaque para certidão de f. 13 - TJ e ata de f. 12, restou comprovado que o julgamento foi realizado sem que fosse dada a oportunidade ao autor para apresentação de defesa ou produção de provas para exercer o seu direito ao contraditório e ampla defesa. (Apelação Cível 1.0432.04.005822-9/001. Relatora Des(a). Maria Elza. Julgado em 19/10/2006 e publicado em 22/11/2006).

Ementa: JULGAMENTO DE CONTAS DO CHEFE DO EXECUTIVO MUNICIPAL PELA CÂMARA DOS VEREADORES - LEGITIMIDADE PASSIVA DA CÂMARA MUNICIPAL - DEVER DE OBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA - PEDIDO INICIAL JULGADO PROCEDENTE - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ADEQUADOS - SENTENÇA CONFIRMADA, EM REEXAME NECESSÁRIO, PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO. O controle das contas do Município será feito, externamente, pela Câmara Municipal, bem como pelo Tribunal de Contas do Estado, ex vi do disposto no art. 31, §§ 1º, 2º da CF. Ao Poder Judiciário assiste apenas o poder-dever de apreciar o aspecto formal da apreciação das contasrealizada pela Câmara de Vereadores, sendo-lhe vedado o exame de questões atinentes ao mérito do ato de rejeição das contas prestadas. Encontra harmonia na jurisprudência da Suprema Corte o entendimento de ser necessária a observância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, pela Câmara Municipal, quando da apreciação das contas do prefeito, após parecer prévio do Tribunal de Contas. Honorários advocatícios adequados no caso sub judice. Sentença confirmada, no reexame necessário, restando prejudicado o recurso voluntário interposto pela Câmara Municipal de Presidente Juscelino. (Ap Cível/Reex Necessário 1.0209.08.082762-6/001. Rel. Des. Eduardo Andrade. Julgado em 12/04/2011 e publicado em 13/05/2011).

Ementa: ADMINISTRATIVO - AÇÃO ANULATÓRIA - CÂMARA MUNICIPAL - REJEIÇÃO DE CONTAS - PARECER DO TRIBUNAL DE CONTAS - DEVIDO PROCESSO - NÃO-OBSERVÂNCIA - TUTELA ANTECIPADA - CONCESSÃO. - O julgamento das contas do Prefeito Municipal mediante o exame do parecer prévio do Tribunal de Contas não dispensa o respeito ao devido processo, em especial à notificação do agente político para apresentar a defesa. - Hipótese na qual as regras do regimento interno não foram respeitadas e a rejeição das contas pode implicar causa de inelegibilidade e restringir temporariamente e de forma indevida, o direito de concorrer às eleições. (Agravo de Instrumento 1.0123.08.027922-7/001. Rel. Des. Alberto Vilas Boas. Julgado em 17/03/2009 e publicado em 17/04/2009). 

Diante das ponderações acima elencadas, além dos posicionamentos dos Tribunais pátrios, podemos afirmar com tranquilidade, que não há espaço em nosso ordenamento jurídico para que se proceda a julgamentos, sejam eles políticos, administrativos ou judiciais, em desrespeito ao postulado democrático do devido processo legal.

Na hipótese apresentada no presente estudo, tendo sido demonstrado que a votação realizada de maneira secreta e sem a notificação dos interessados, o argumento em relação a sua ilegalidade encontra-se respaldada na alegação de violação ao devido processo legal, justificando-se a anulação do procedimento.


IV – DA LEGALIDADE DA ANULAÇÃO DO JULGAMENTO PELO PODER LEGISLATIVO À LUZ DA SUMULA N° 473 DO STF

A priori, urge ressaltar, que a violação de princípios constitucionais, em casos similares ao relatado acima, enseja ao gestor público o direito de recorrer à via judicial, para vislumbrar sanada tal irregularidade.

Em relação ao tema a professora Hely Lopes Meirelles nos ensina que, a impetração do mandado de segurança seria a ação mais condizente em sanar eventuais irregularidades descritas no caso em tela, senão vejamos:

"Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitada na sua extensão e apto a ser exercido no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante. Se sua existência for duvidosa, se sua extensão ainda não estiver delimitada, se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser definido por outros meios judiciais" (in "Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção e Habeas Data", Malheiros, p. 28).

No entanto, a fim de evitar a jurisdicionalização do caso, o presente estudo almeja analisar a viabilidade da anulação do julgamento das contas eivadas de vício, pela própria Câmara de Vereadores, amparada pela Súmula n° 473 do STF.

Segundo a citada Súmula, a:

“Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.

Sendo assim, em um primeiro momento, nos parece claro o entendimento no sentido da legalidade da anulação, no entanto, existem inúmeras contradições e polêmicas envolvendo o tema, já que parte da doutrina e jurisprudência se posicionam no sentido de que a Câmara Municipal apenas possui a autorização de julgar as contas do prefeito, sem a possibilidade de abertura de nova instrução, conforme destaca a respeitada doutrinadora Hely Lopes Meirelles:

"As contas já chegarão à Edilidade com o parecer do tribunal ou do órgão equivalente, facilitando, assim a apreciação e julgamento do Plenário, que após a votação na forma regimental consubstanciará a deliberação concernente às do prefeito em Decreto Legislativo, e às do Presidente da Mesa em Resolução. Para este julgamento a Câmara poderá ouvir previamente os seus órgãos internos, a fim de esclarecer os vereadores sobre as contas apresentadas e respectivo parecer do Tribunal ou órgão equivalente, mas não se nos afigura possível qualquer diligência externa, pois àquela altura já está encerrada a fase instrutória do processo, realizada pelo próprio Tribunal de contas. A admitir-se novas diligências ou inspeções, ficaria superada a apreciação prévia do órgão estadual e, consequentemente invalidado o parecer instituído pela Constituição, como ato final da instrução, e antes do qual o prestador das contas deve ter oportunidade de defesa sobre os pontos impugnados."("Direito Municipal Brasileiro", 5ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, pág. 509)

Entretanto, em sentido contrário se posiciona a mais alta Corte deste País, lastreada em respeito ao Princípio do contraditório e da ampla defesa. Senão vejamos:

"EMENTA: Medida cautelar. Referendo. Recurso extraordinário. Apreciação das contas do prefeito. Observância do contraditório e da ampla defesa pela Câmara Municipal. Precedentes da Corte. 1. A tese manifestada no recurso extraordinário, relativa à necessidade de observância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa pela Câmara Municipal quando da apreciação das contas do prefeito, após parecer prévio do Tribunal de Contas, encontra harmonia na jurisprudência desta Suprema Corte. Presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora. 2. Decisão concessiva da cautelar referendada pela Turma." (STF. AC 2085 MC / MG - MINAS GERAIS. MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO CAUTELAR. Relator(a): Min. MENEZES DIREITO. Julgamento: 21/10/2008. Órgão Julgador: Primeira Turma).

Sendo assim, constatando que o ato do ente público encontra-se eivado de vício insanável, este não possui apenas a prerrogativa, mas o dever de anular seu ato e conduzir novo processo de julgamento das contas prestadas, respeitando os princípios basilares do Estado Democrático de Direito, sob pena de ferir de morte a Constituição Federal de 1988.


V – CONCLUSÃO

De fato, não se pode admitir que contas municipais de responsabilidade do Prefeito sejam julgadas pela Câmara Legislativa Local, sem observância dos princípios norteadores do Estado Democrático de Direito encartados na Constituição da República, não havendo espaço para que se proceda a julgamentos, sejam eles políticos, administrativos ou judiciais, em desrespeito ao postulado democrático do devido processo legal.

No entanto, deve-se observar ainda, que se nos termos do §2º, do Art. 31, da CR/88, o parecer prévio emitido pelo órgão competente, sobre as contas que o Prefeito anualmente presta, pode deixar de prevalecer, por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal, conclusão lógica é a de que seja ao Chefe do Executivo dada a oportunidade de se defender, perante o Legislativo, apresentando dados suficientes à alcançar a reversão da situação anteriormente apresentada, e a ele contrária, pelo Tribunal de Contas.

Caso tal fato não ocorra, possui a Câmara Municipal o dever de anular seu ato e iniciar imediatamente novo processo de julgamento das contas do Prefeito Municipal, respeitando os princípios basilares encartados na Constituição Federal de 1988 e o atual posicionamento do Supremo Tribunal Federal.

 


VI – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

MEIRELLES, Hely Lopes; Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção e Habeas Data, Malheiros, 2010;

MEIRELLES, Hely Lopes; Direito Municipal Brasileiro, 5ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais: 2003;

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2002.


Résumé: L'objectif est de démontrer le présent ouvrage la possibilité de résolution annulant, criblé de dépendance incurable, le législateur municipal comptes jugés de la gestion publique, à la lumière des principes constitutionnels et la jurisprudence 473 de la STF.

Mots-clés: Gestion. Compétence. Assemblée législative. Principes. Nullité. Vices.

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Sobre o autor
Hugo Lázaro Marques Martins

Pós-graduado em Direito Internacional pelo Centro de Direito Internacional (CEDIN). Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Hugo Lázaro Marques. O respeito ao princípio do devido processo legal e julgamento das contas do Poder Executivo municipal perante o Legislativo:: vícios insanáveis e reapreciação das contas prestadas pelo gestor perante a Câmara Municipal, à luz da Súmula 473 do STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3865, 30 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26564. Acesso em: 22 dez. 2024.

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