1 - Introdução
Quando a Administração Pública firma um ajuste com um particular, tendo por suposto a aplicação das regras de direito público, afirma-se ter havido a celebração de um contrato administrativo. Nesse caso, o objeto do acordo de vontades será a realização de alguma atividade direcionada à satisfação do interesse coletivo.
É justamente esse regime especial (de direito público) que assegura a preponderância da Administração. Há, com efeito, uma primazia do interesse público sobre o particular, de modo que é forçoso admitir que a existência de uma relação desigual entre as partes contratantes.
Isso fica bastante evidente na leitura do art. 54 da Lei 8.666/93 (Lei de Licitações):
Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.
A referência que o texto de lei faz aos "preceitos de direito público" acentua precisamente a supremacia de uma das partes contraentes (no caso, a Administração Pública). Dessa forma, implícito ao contrato administrativo, encontra-se a admissão de certas cláusulas que privilegiem o interesse público posto como objeto da avença.
São esses os fundamentos que conduzem à admissão das chamadas cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos.
As cláusulas exorbitantes são aquelas que extrapolam, excedem e ultrapassam o padrão comum dos contratos em geral, a fim de consignar uma vantagem para a Administração Pública. Referem-se a certas prerrogativas da Administração que as coloca em situação de superioridade em relação ao particular contratado. Se essas cláusulas estivessem previstas em um contrato regido pelo direito privado, seriam cláusulas abusivas, ilícitas e, portanto, não lidas. (MARINELA, 2010, p. 421-422).
As cláusulas exorbitantes dos contratos administrativos encontram previsão no art. 58 da LL, senão vejamos:
Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:
I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;
II - rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei;
III - fiscalizar-lhes a execução;
IV - aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste;
V - nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo.
§ 1º As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado.
§ 2º Na hipótese do inciso I deste artigo, as cláusulas econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual.
Como se nota do texto legal, cominar sanções é um dos aspectos que revelam a posição de supremacia da Administração Pública nos contratos administrativos. Assim, em princípio, é perfeitamente possível ao Poder Público aplicar penalidades ao particular contratado sem recorrer ao Poder Judiciário, a valer-se, para esse fim, da autoexecutoriedade dos atos administrativos.
Dessa forma, sempre que houver falta do particular na execução do contrato, a Administração, assegurado o direito fundamental à defesa, poderá aplicar determinadas sanções, as quais, em última medida, representam consectários lógicos da cláusula de fiscalização contratual (LL, art. 58, III).
Sobre a fiscalização dos contratos, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2009, p. 271-272) leciona que
Trata-se de prerrogativa do poder público, também prevista no art. 58, III, e disciplinada mais especificamente no art. 67, que exige seja a execução do contrato acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração, especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição. A este fiscal caberá anotar em registro próprio todas as ocorrências relacionadas com a execução do contrato, determinando o que for necessário à regularização das faltas ou defeitos observados ou, se as decisões ultrapassarem sua competência, solicitá-las a seus superiores.
O não atendimento das determinações da autoridade fiscalizadora enseja rescisão unilateral do contrato (art. 78, VII), sem prejuízo das sanções cabíveis.
As "sanções cabíveis" referidas pela autora encontram-se previstas no art. 87 da LL. In verbis:
Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:
I - advertência;
II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;
III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;
IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.
§ 1º Se a multa aplicada for superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, que será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou cobrada judicialmente.
§ 2º As sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser aplicadas juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo processo, no prazo de 5 (cinco) dias úteis.
§ 3º A sanção estabelecida no inciso IV deste artigo é de competência exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso, facultada a defesa do interessado no respectivo processo, no prazo de 10 (dez) dias da abertura de vista, podendo a reabilitação ser requerida após 2 (dois) anos de sua aplicação.
Ao interpretar o dispositivo supracitado, a doutrina administrativista tem divergido seriamente quanto às sanções previstas nos incisos III e IV. Especificamente nesse ponto, o que se coloca em debate são os limites da extensão da penalidade aplicada. Sendo assim, meu objetivo neste artigo é descrever as correntes doutrinárias que se formaram em torno dessa controvérsia, para, ao final, elucidar de que maneira a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem lidando com a questão.
2 - A celeuma doutrinária em torno da extensão dos efeitos das sanções nos contratos administrativos
Com efeito, no plano doutrinal, há funda divergência no tocante à abrangência das sanções que a lei comina ao contratado quando houver inexecução total ou parcial do contrato. Discute-se se a penalidade de suspensão temporária de licitar e o impedimento de contratar com a Administração pelo período de até 2 anos (LL, art. 87, III), bem como a declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública (LL, art. 87, IV), estende-se para todos os entes da Federação ou, em sentido contrário, restringe-se tão somente aos certames organizados pelo ente da mesma natureza que o responsável por aplicar a punição.
José dos Santos Carvalho Filho (2012, p. 219-220) resume a celeuma doutrinária que cerca a matéria:
Questão que tem sido frequentemente discutida reside nos efeitos derivados das sanções de suspensão temporária de licitar e impedimento de contratar com a Administração (art. 87, III, Estatuto) e de declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração (art. 87, IV). Há três correntes de pensamento.
Para grande parte dos especialistas, o efeito é restritivo, vale dizer, limita-se ao ente federativo em que a sanção foi aplicada, invocando-se duas razões: (1ª) a autonomia das pessoas da federação (2ª) a ofensa ao princípio da competitividade, previsto no art. 3º, § 1º, I, do Estatuto.
Outra corrente, no entanto, advoga o entendimento de que o efeito sancionador é restritivo para a suspensão e extensivo para a declaração, ou seja, neste último caso, deve a sanção ser recepcionada por entidade federativa diversa. O argumento tem amparo no fato de que no art. 87, III, o Estatuto alude à Administração - definida no art. 6º, XII, como sendo o órgão, entidade ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente -, ao passo que no art. 87, IV, refere-se à Administração Pública - definida no art. 6º, XI, como sendo a administração direta e indireta dos diversos entes federativos.
Marçal Justen Filho é um dos autores que encampam a segunda das correntes doutrinárias descritas por Carvalho Filho, a defender efeito restritivo para a sanção do inciso III e extensivo para a do inciso IV. Eis as suas palavras (2005, p. 382):
A suspensão temporária do direito de participar em licitação e a declaração de inidoneidade (inc. IV) acarretam efeitos similares. Nos dois casos, veda-se ao particular a participação em licitações e contratações futuras.
É possível estabelecer uma distinção de amplitude entre elas. A suspensão do direito de participar de licitação produz efeitos no âmbito da entidade administrativa que a aplicar; a declaração de inidoneidade abarca todos os órgãos da Administração Pública. Essa interpretação deriva da redação legislativa, pois o inciso III utiliza apenas o vocábulo "administração", enquanto o inciso IV contém "administração pública".
Discordando desse entendimento, José dos Santos Carvalho Filho propõe uma terceira corrente de pensamento, que propugna pela extensão dos efeitos das penalidades a todos os entes da Federação.
Na verdade, não conseguimos convencer-nos, data venia, de qualquer dos pensamentos que concluem no sentido restritivo dos efeitos punitivos. Parece-nos que o efeito deva ser sempreextensivo. Em primeiro lugar, não conseguimos ver diferença de conceituação naqueles incisos do art. 6º, já que o que podemos constatar é apenas uma péssima e atécnica definição de Administração Pública; com efeito, nenhuma diferença existe entre Administração e Administração Pública. Além disso, se um contratado é punido por um ente federativo com a aplicação de uma daquelas sanções, a razão só pode ter sido a inexecução total ou parcial do contrato, isto é, o inadimplemento contratual, como está afirmado na lei (art. 87). Desse modo, não nos parece fácil entender por que tal infração também não acarretaria riscos para as demais entidades federativas no caso de alguma delas vir a contratar com a empresa punida. Quer dizer: entidade federativa, mas poderia licitar normalmente perante outra e, como é óbvio, sujeitá-la aos riscos de novo inadimplemento. Para nós não há lógica em tal solução, porque a Administração Pública é uma só, é una, é um todo, mesmo que, em razão de sua autonomia, cada pessoa federativa tenha sua própria estrutura. (CARVALHO FILHO, p. 220, grifos do autor).
Expostos esses argumentos, percebe-se que a questão que se reporta à abrangência dos efeitos das sanções aplicáveis ao particular faltoso, especificamente no que concerne aos incisos III e IV do art. 87 da Lei 8.666/93, é altamente controversa na doutrina. Agora resta investigar o posicionamento jurisprudencial.
3 - Extensão dos efeitos das sanções nos contratos administrativos: a posição da jurisprudência do STJ
Sem embargo do relevo do debate doutrinário quanto aos fundamentos extensivos ou restritivos das penalidades cominadas na Lei de Licitações, o pensamento do STJ já se encontra pacificado há alguns anos sobre esse tema. Em consulta ao repertório de jurisprudência do Tribunal, verifica-se notadamente a prevalência da corrente capitaneada por Carvalho Filho, isto é, que defende a extensão dos efeitos das sanções a todos os entes federativos.
É ilustrativo desse entendimento o acórdão paradigma firmado quando do julgamento do REsp 151.567/RJ. Colaciono:
ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – LICITAÇÃO – SUSPENSÃO TEMPORÁRIA – DISTINÇÃO ENTRE ADMINISTRAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - INEXISTÊNCIA – IMPOSSIBILIDADE DE PARTICIPAÇÃO DE LICITAÇÃO PÚBLICA – LEGALIDADE – LEI 8.666/93, ART. 87, INC. III.
- É irrelevante a distinção entre os termos Administração Pública e Administração, por isso que ambas as figuras (suspensão temporária de participar em licitação (inc. III) e declaração de inidoneidade (inc. IV) acarretam ao licitante a não-participação em licitações e contratações futuras.
- A Administração Pública é una, sendo descentralizadas as suas funções, para melhor atender ao bem comum.
- A limitação dos efeitos da “suspensão de participação de licitação” não pode ficar restrita a um órgão do poder público, pois os efeitos do desvio de conduta que inabilita o sujeito para contratar com a Administração se estendem a qualquer órgão da Administração Pública.
- Recurso especial não conhecido.
(STJ, T2 - Segunda Turma, REsp 151.567/RJ, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, j. 25/02/2003, p. DJ 14/04/2003).
No ano seguinte, a Segunda Turma do STJ, ao julgar o REsp 174.274/SP, decidiu novamente em favor da corrente extensiva. O acórdão ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DE PARTICIPAÇÃO EM LICITAÇÕES. MANDADO DE SEGURANÇA. ENTES OU ÓRGÃOS DIVERSOS. EXTENSÃO DA PUNIÇÃO PARA TODA A ADMINISTRAÇÃO.
1. A punição prevista no inciso III do artigo 87 da Lei nº 8.666/93 não produz efeitos somente em relação ao órgão ou ente federado que determinou a punição, mas a toda a Administração Pública, pois, caso contrário, permitir-se-ia que empresa suspensa contratasse novamente durante o período de suspensão, tirando desta a eficácia necessária.
2. Recurso especial provido.
(STJ, T2 - Segunda Turma, REsp 174.274/SP, Rel. Min. Castro Meira, j. 19/10/2004, p. DJ 22/11/2004).
Observa-se que a Corte fundamentou esse aresto na necessidade de salvaguardar a Administração Pública da contratação com particular faltoso em quaisquer esferas da Federação. De fato, as penalidades previstas no art. 87, III e IV, da LL restariam desapercebidas da sua dimensão de eficácia protetiva do interesse público acaso se permitisse que um particular punido viesse a contratar com outro ente federado, a colocar novamente em risco o Poder Público contratante.
Mas e o argumento de Marçal Justen Filho, que diferencia "Administração" (art. 87, III) de "Administração Pública" (art. 87, IV)? Para o STJ, ele não subsiste, consoante se verifica dos seguintes precedentes (grifos meus):
ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO.DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE EXARADA PELO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.IMPOSSIBILIDADE DE CONTRATAÇÃO COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.APLICAÇÃO A TODOS OS ENTES FEDERADOS. 1. A questão jurídica posta a julgamento cinge-se à repercussão, nas diferentes esferas de governo, da emissão da declaração de inidoneidade para contratar com a Administração Pública, prevista na Lei de Licitações como sanção pelo descumprimento de contrato administrativo.
2. Insta observar que não se trata de sanção por ato de improbidade de agente público prevista no art. 12 da Lei 8.429/1992, tema em que o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência limitando a proibição de contratar com a Administração na esfera municipal, de acordo com a extensão do dano provocado. Nesse sentido: EDcl no REsp1021851/SP, 2ª Turma, Relatora Ministra Eliana Calmon, julgado em23.6.2009, DJe 6.8.2009.
3. "Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: (...) IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública" (art. 87 da Lei8.666/1993).
4. A definição do termo Administração Pública pode ser encontrada no próprio texto da citada Lei, que dispõe, em seu art. 6º, X, que ela corresponde à "Administração Direta e Indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas".
5. Infere-se da leitura dos dispositivos que o legislador conferiu maior abrangência à declaração de inidoneidade ao utilizar a expressão Administração Pública, definida no art. 6º da Lei 8.666/1993. Dessa maneira, conseqüência lógica da amplitude do termo utilizado é que o contratado é inidôneo perante qualquer órgão público do País. Com efeito, uma empresa que forneça remédios adulterados a um município carecerá de idoneidade para fornecer medicamentos à União.
6. A norma geral da Lei 8.666/1993, ao se referir à inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública, aponta para o caráter genérico da referida sanção, cujos efeitos irradiam porto das as esferas de governo.
7. A sanção de declaração de inidoneidade é aplicada em razão de fatos graves demonstradores da falta de idoneidade da empresa para licitar ou contratar com o Poder Público em geral, em razão dos princípios da moralidade e da razoabilidade.
8. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento de que o termo utilizado pelo legislador - Administração Pública -, no dispositivo concernente à aplicação de sanções pelo ente contratante, deve se estender a todas as esferas da Administração, e não ficar restrito àquela que efetuou a punição.
9. Recurso Especial provido.
(STJ, T2 - Segunda Turma, REsp 520.553/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 03/11/2009, p. DJe 10/02/2009).
ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. HABILITAÇÃO SOMENTE DA MATRIZ. REALIZAÇÃODO CONTRATO POR FILIAL. IMPOSSIBILIDADE. DESCUMPRIMENTO DO CONTRATO.SANÇÕES. PROPORCIONALIDADE. ADMINISTRAÇÃO X ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.DISTINÇÃO. AUSÊNCIA.
1. Cuida-se, na origem, de mandado de segurança impetrado pela Petrobrás Distribuidora S/A contra ato do Presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, o qual, após rescindir o contrato celebrado entre as partes, para a aquisição de 140.000 litros de gasolina comum, com fornecimento parcelado em dozes meses, aplicou sanções de pagamento de multa, no valor de R$ 72.600,00 e de impedimento de licitar e contratar com o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, pelo prazo de um ano.
2. Inicialmente, cabe destacar que é incontroverso nos autos que a Petrobrás Distribuidora S/A, que participara da licitação com documentação da matriz, ao arrepio do que exigia o contrato, forneceu combustível por meio de sua filial sediada no Estado de São Paulo, a quem era devedora do ICMS.
3. Por sua vez, o artigo 87 da Lei n. 8.666/93 prevê expressamente entre as sanções para o descumpridor do acordo a multa, a suspensão temporária de participação em licitação e o impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos.
4. Na mesma linha, fixa o art. 7º da Lei n. 10.520/2002.
5. Ademais, o § 2º do artigo 87 da Lei de Licitação permite a aplicação conjunta das citadas sanções, desde que facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo processo no prazo de cinco dias úteis.
6. Da mesma forma, o Item 12.2 do edital referente ao contrato em questão estabelece a aplicação das sanções estipuladas nas Leis n.10.520/02 e n. 8.666/93, bem como na Resolução n. 5/93 do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo ao inadimplente.
7. Já o mencionado contrato dispunha na Cláusula Oitava sobre a possibilidade de aplicação ao contratado, diante da inexecução total ou parcial do ajuste, de qualquer das sanções previstas na Lei de Licitações, a juízo fundamentado da prefeitura, de acordo com a gravidade da infração.
8. Nesse contexto, não obstante as diversas advertências efetuadas pelo Tribunal de Contas no sentido de que não poderia a recorrente cometer as irregularidades que motivaram as sanções, esta não cuidou para que a unidade responsável pela execução do contrato apresentasse previamente a documentação que atestasse a observância das normas da licitação e das cláusulas contratadas, de modo que não há que se falar em desproporcionalidade da pena aplicada, sobretudo diante da comprovação das condutas imputadas à recorrente, o que autoriza a aplicação da multa e da sanção de impedimento de contratar com a Administração pelo prazo de um ano, tudo para bem melhor atender ao interesse público.
9. Note-se, ainda, que esta Corte já apontou pela insuficiência da comprovação da regularidade fiscal da matriz e pela necessidade de a filial comprovar tal regularidade se a esta incumbir o cumprimento do objeto da licitação. Precedente.
10. Por fim, não é demais destacar que neste Tribunal já se pontuou a ausência de distinção entre os termos Administração e Administração Pública, razão pela qual a sanção de impedimento de contratar estende-se a qualquer órgão ou entidade daquela. Precedentes.
11. Recurso ordinário não provido.
(STJ, T2 - Segunda Turma, RMS 326.628/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 06/09/2011, p. DJe 14/09/2011).
Recentemente, a discussão derredor da extensão das sanções previstas na Lei 8.666/93 voltou à tona na pauta de julgamento do STJ. No caso concreto, a Cozil Equipamentos Industriais Ltda. impetrou Mandado de Segurança contra ato do Ministro da Controladoria-Geral da União, o qual determinara a inclusão da empresa no Portal da Transparência e no Cadastro de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS). Para o impetrante, a inscrição seria ilegal, uma vez que, tendo sido a empresa penalizada no Estado de Minas Gerais, a sanção relativa ao impedimento de contratar e licitar com a Administração restringir-se-ia aos órgãos da Administração Estadual. Naturalmente, considerada toda a jurisprudência do STJ firmada na matéria - a concluir pelo efeito extensivo das penalidades previstas no art. 87, III e IV, do Estatuto Licitatório -, a segurança requerida pelo impetrante restou denegada. Colaciono o acórdão (grifo meu):
MANDADO DE SEGURANÇA. PENALIDADE APLICADA COM BASE NA LEI 8.666/93. DIVULGAÇÃO NO PORTAL DA TRANSPARÊNCIA GERENCIADO PELA CGU. DECADÊNCIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. LEI EM TESE E/OU ATO CONCRETO. DANO INEXISTENTE.
1. O prazo decadencial conta-se a partir da data da ciência do ato impugnado, cabendo ao impetrado a responsabilidade processual de demonstrar a intempestividade.
2. A Controladoria Geral da União é parte legítima para figurar em mandado de segurança objetivando atacar a inclusão do nome da empresa no PORTAL DA TRANSPARÊNCIA, por ela administrado.
3. O writ impugna ato concreto, oriundo do Ministro dirigente da CGU, inexistindo violação de lei em tese.
4. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a penalidade prevista no art. 87, III, da Lei 8.666/93, suspendendo temporariamente os direitos da empresa em participar de licitações e contratar com a administração é de âmbito nacional.
5. Segurança denegada.
(STJ, S1 - Primeira Seção, MS 19.657/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 14/08/2013, p. DJe 23/08/2013).
Não há dúvidas, conseguintemente, de que é pacífico no STJ o caráter extensivoa todos os entes da Federação das sanções cominadas no art. 87, III e IV, da Lei 8.666/93.
4 - Conclusão
A participação da Administração Pública na formação de um acordo de vontades com o particular implica o reconhecimento da sua posição de supremacia. É parte mesmo do contrato administrativo a regência não pelas normas aplicáveis ao direito comum, e sim por aquelas integrantes do regime de direito público - notadamente as cláusulas de privilégio ou cláusulas exorbitantes.
É fora de dúvida que uma das cláusulas exorbitantes assegura à Administração o poder de cominar penalidades pela inexecução total ou parcial do contrato, prerrogativa que inclusive encontra previsão expressa no art. 87 da Lei 8.666/93.
A polêmica que tratei neste artigo versa exatamente quanto às sanções do art. 87. Importa saber, nesse prisma, qual a extensão das penalidades de suspensão de licitar e declaração de inidoneidade, isto é, se ficariam restritas à esfera do ente que a aplicou ou se, ao revés, estender-se-iam a todos os entes federados.
Não obstante a celeuma doutrinária em torno da matéria, a jurisprudência do STJ hodiernamente é pacífica, no sentido de conferir abrangência nacional às sanções inscritas nos inc. III e IV do art. 87 da Lei de Licitações.
E creio que o posicionamento do STJ é, de fato, o mais acertado, na medida em que se amolda ao escopo protetor do interesse público, merecedor de proteção especial, na medida em que o que se busca, ao fim e ao cabo, é salvaguardar a coletividade. Nesse passo, não se deve atenuar os rigores da norma sancionatória, a permitir-se que um particular inadimplente viesse a contratar com órgãos integrantes de outras esferas da Federação. Tal circunstância só incentivaria a impunidade do particular faltoso, que, sabedor de que as penalidades a ele cominadas não teriam abrangência nacional, poderia dedicar-se a novo empreendimento em que estaria envolvido o dinheiro público. Por essa razão, entendo correta a linha jurisprudencial adotada pelo STJ, visto que prestigia, acima de tudo, a lisura do particular nos contratos administrativos, punindo-se severamente o faltoso, que descumpre seus deveres contratuais perante a Administração.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 174.274/SP, Rel. Min. Castro Meira, j. 19/10/2004, p. DJ 22/11/2004. Disponível em:www.stj.jus.br. Acesso em: 08 de set. 2013.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 520.553/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 03/11/2009, p. DJe 10/02/2009. Disponível em:www.stj.jus.br. Acesso em: 08 de set. 2013.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Mandado de Segurança nº 326.628/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 06/09/2011, p. DJe 14/09/2011. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 08 de set. 2013
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 19.657/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 14/08/2013, p. DJe 23/08/2013. Disponível em:www.stj.jus.br. Acesso em: 08 de set. 2013
BRASIL. Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Disponível em:www.planalto.gov.br. Acesso em: 08 de set. 2013.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25º ed. rev. atual. e ampl. até a Lei 12.587/12. São Paulo: Atlas, 2012. 1250 p.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22º ed. São Paulo: Atlas, 2009. 864 p.
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