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Função do Poder Judiciário na perspectiva do neoliberalismo econômico e na perspectiva do Estado democrático de direito:

a busca de uma identidade

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3 O PODER JUDICIÁRIO NO PARADIGMA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

O Judiciário possui algumas funções formais, como por exemplo, a função jurisdicional e o controle de constitucionalidade; mas não se pode esquecer que o Judiciário também é uma instituição encarregada de administrar a justiça, propondo e promovendo formas eficientes e eficazes para contornar e minimizar os transtornos do sistema judicial brasileiro.

Para que se viabilize a compreensão das funções do Poder Judiciário, principalmente, a função de Administrar a justiça, se faz necessário compreender o que vem a ser um Estado Democrático de Direito, que possui uma definição no artigo 1º da Constituição. A referida definição está consubstanciada a partir de elementos constitutivos dos fundamentos primordiais do também chamado Estado Constitucional, Estado Pós-Social ou Estado Pós Moderno, cujos fundamentos não se assentam apenas na proteção e efetivação dos direitos humanos de primeira dimensão (direitos civis e políticos), de segunda dimensão (direitos sociais, econômicos e culturais), mas também nos direitos de terceira dimensão (direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos) e nos direitos de quarta geração (direto de proteção social contra os reflexos do processo de globalização desenfreada). [7]

Os fundamentos Constitucionais que definem o Estado Democrático de Direito e que possibilitam a compreensão da verdadeira função do Poder Judiciário em um Estado Constitucional consubstancia-se no art. 1º da Constituição:

Art. 1º: A república Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II – a cidadania

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa

V – o pluralismo político

Parágrafo único: Todo poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos diretamente, nos termos desta constituição.

Segundo o entendimento de José Afonso da Silva, o conceito de Estado Democrático de Direito é tão amplo que engloba uma fusão entre os princípios do Estado Democrático e do Estado de Direito.

O Estado Democrático de Direito reúne os princípios do Estado Democrático e do Estado de Direito, não como simples reunião formal dos respectivos elementos, porque, em verdade, revela um conceito novo que os supera, na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo. (SILVA, 2001, p.116)

Conclui-se que um Estado Democrático de Direito é um Estado que promove o exercício dos instrumentos que tem a sua disposição para concretizar a justiça social fundando-se em valores e princípios que levem em conta à dignidade da pessoa humana. Em suma, um Estado Democrático de Direito é aquele que prioriza e cumpre efetivamente os Direitos Humanos, tendo por objetivos primordiais e fundamentais a construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária, a correção das desigualdades sociais e regionais, a promoção do bem-estar e justiça sociais para todas as pessoas, o desenvolvimento socioambiental, a paz e a democracia almejada pelo constituinte originário.

Para compreender a verdadeira função do poder judiciário, é necessário compreender que o Estado Democrático de Direito não objetiva apenas justificar os direitos sociais como direitos humanos, mas sim garanti-los e efetivá-los. Nesse viés, exsurge a importância do Poder Judiciário, da sua função, da sua identidade eficaz tanto interna como externamente para promover a defesa dos direitos fundamentais e da inclusão social, especialmente por meio do controle judicial de políticas publicas capazes de transformar a realidade social.

Frente à Constituição, a função do judiciário passa a ser enxergada como instrumento de transformação da realidade social, não excluindo as funções formais positivadas, mas sim ampliando um leque de atuação do Poder Judiciário, transformando todos os seus membros, principalmente os magistrados, em atores sociais de suma importância para se concretizar os fundamentos e os objetivos da República.

A função do Poder Judiciário não pode e não deve ser compreendida apenas como uma função axiológica fundamental, relacionada à implementação dos valores fundamentais concebidos em uma sociedade democrática e pluralista. Deve-se ir além, pois o Estado Democrático de Direito é em sua essência, um Estado Social, cuja função primordial repousa na plena realização de valores e direitos humanos por intermédio da justiça social.

O Estado Democrático de Direito não mais aceita uma postura omissa e passiva do Poder Judiciário, “este deixou de ser um Poder distanciado da realidade social, para tornar-se um efetivo partícipe da construção dos destinos da sociedade e do país, sendo, além disso, responsável pelo bem da coletividade”. (TEIXEIRA, 1999, p. 182)

Para que o judiciário seja protagonista de suas próprias funções, se faz necessário um ativismo judicial inspirador da conduta habitual do magistrado que auxilia na formação de material jurídico positivo, é o que depreende dos dizeres de José Alfredo de Oliveira Baracho:

No Estado de direito exige-se grande esforço do juiz, para o exercício do desenvolvimento da função promocional do direito: – construção de uma jurisprudência que consagre os valores constitucionais da igualdade e da solidariedade, realizando-se os avanços normativos necessários à sociedade. (BARACHO, 1995, p. 29)

Boaventura de Sousa Santos, em pesquisas sobre “Os tribunais nas sociedades contemporâneas”, destacou o Brasil como o país no qual, apesar do predomínio de uma cultura jurídica cínica e autoritária, se multiplicam os sinais do ativismo dos juízes comprometidos com a tutela judicial eficaz de direitos. (SANTOS, 1996, p.45)

Apesar da afirmação feita por Boaventura quanto à multiplicação de ativismo por parte de muitos magistrados comprometidos com a função de transformação da realidade social, cabe a realização de uma análise crítica sobre as mazelas do Poder Judiciário, pois as propostas de fortalecimento[8] se tornam cada vez mais incompatíveis com as premissas de um Estado Democrático de Direito.

Para promover um judiciário transformador da realidade é necessário conhecer profundamente as necessidades sociais dos indivíduos que compõe determinado Estado.  Tal premissa, somente é viabilizada com um Poder Judiciário dialógico, plural e próximo da sociedade. 

Nesse aspecto, ultrapassada a ideia de democracia representativa e se atendo a uma democracia substancial, onde os cidadãos participem efetivamente das escolhas e do processo decisório, faz-se necessário uma relação dialógica. A abertura ao diálogo consubstancia um ambiente propício ao debate e enfrentamento de problemas, capaz de construir um judiciário efetivamente democrático e transformador da realidade.

Diante disso, “somente no bojo de uma ação comunicativa conduzida por uma teoria discursiva se poderá falar efetivamente em pluralismo e participação no sentido de democracia pretendida pelo Estado brasileiro”. (VASCONCELOS, 2009, p. 369)

João Bosco da Encarnação aduz que: “o agir comunicativo é caracterizado pela interação de ao menos dois sujeitos capazes de linguagem e ação (com meios verbais e extras verbais) estabelecem uma relação interpessoal”. (HABERMAS apud ENCARNAÇÃO, 1999, p.71).

Habermas esquematizou a teoria da ação comunicativa e Oliveira acrescentou a devida complementação:

Um dos propósitos de Habermas ao traçar a teoria da ação comunicativa, foi estabelecer parâmetros de discussão sobre a ação e linguagem tendo como consequência direta deste processo deliberativo, o sentimento de empatia social como reflexo da deliberação e também a participação cívica por excelência. Essa teoria propõe a isonomia de tratamento, e uma isonomia na instrumentalização nas ferramentas políticas de participação social. Democracia deliberativa nasceu nesta teoria, e essa ideia de um debate permanente nada mais é do que deliberação política instrumentalizada através de todos os elementos do grupo. (OLIVEIRA, 2011, p. 11)

Ressalte-se que, a prática do discurso deve ser embasada em princípios e em garantias constitucionais. Nesse aspecto, o Estado necessita mirar na igualdade entre os homens e no solidarismo como alicerce da organização do Estado, para que as prestações sociais assumidas sejam realizadas por meio do consenso. Antônio Gomes de Vasconcelos destacou:

Se em Habermas a legitimação das pretensões de validade se verifica por meio de uma Ética do Discurso e do consequente consenso dos participantes em terno delas, o acolhimento da teoria garantista coloca na base do consenso preconizado os princípios e as garantias constitucionais norteadores de sua prática. (VASCONCELOS, 2002, p. 370)

De acordo com o entendimento de Antônio Gomes de Vasconcelos (1999, p.11) “o Poder Judiciário somente será democrático se adotado, o mais amplamente possível, o modelo de Rousseau, com a mais ampla participação de todos os interessados”. [9]

O mesmo autor ainda reforça sua tese da dialogicidade nos seguintes fundamentos:

Com efeito, o enfrentamento da complexidade, a dinâmica das relações socioeconômicas e as contínuas e cada vez mais amíudes transformações da sociedade nacional contemporânea devem ser realizados pelo diálogo e pelo entendimento. Porém, se as deficiências do paradigma tradicional assim o determinam, não há como deixar de admitir a sua existência nas práticas institucionais de gestão da organização do trabalho e de aplicação do direito, impondo-se democraticamente uma revisão paradigmática dos códigos de conduta e do modo modus operandi das instituições.  (VASCONCELOS, 1999, p.20)

O Judiciário de um Estado Democrático de Direito, deveria se constituir em meio ou instrumento para a equânime consecução dos fins legítimos dos cidadãos, pois ele não é um fim em si mesmo, mas um meio de se alcançar premissas Constitucionais que estabelecem um projeto de sociedade com menor teor de desigualdade.[10]

Para que o Poder Judiciário promova sua função de maneira transparente e eficiente, com garantia de agilidade, controle administrativo e processual, foi criado em 2004, O Conselho Nacional de Justiça, previsto no artigo 103-B da Constituição. Assim, no próximo tópico se faz necessário discorrer sobre a nova identidade do Poder Judiciário frente às diretrizes e metas estabelecidas pelo CNJ.


4 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA: UMA PROPOSTA DE NOVA IDENTIDADE JUDICIAL

A Emenda Constitucional nº 45/2004 incluiu na estrutura orgânica do Poder Judiciário Nacional o Conselho Nacional de Justiça, a quem fora atribuído controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes.

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O CNJ exerce uma espécie de controle externo, considerado como uma verdadeira política judicial que impede inexoravelmente que os integrantes do Poder Judiciário atuem em desconformidade com o regime democrático, disposto no inciso VII, alínea “a” do art. 34 da CR/88.

 O Conselho Nacional de Justiça, previsto no artigo 103-B da Constituição da República de 1988 assume algumas funções, dentre elas, a função de prestação jurisdicional eficiente, e administração do Judiciário no sentido de realizar justiça, consoante disposição constitucional para se efetivar a democracia substancial. [11]

Nesse aspecto, Antônio Gomes de Vasconcelos aduz que a administração da justiça passa e está passando por profundas transformações, conforme disposto abaixo:

A administração da Justiça brasileira, por sua vez, passa por profunda transformação, coordenada e implementada pelo Conselho Nacional de Justiça. Pela primeira vez na história da Justiça brasileira, em coerência com a atribuição dada ao Estado pela Constituição de 1988, atribui-se ao Poder Judiciário a missão estratégica de realizar a justiça (Plano Estratégico do Poder Judiciário Nacional). Esta perspectiva, ao pôr em foco o problema da efetividade dos direitos fundamentais e da aptidão do Poder Judiciário para conformar condutas sociais, traz à evidência o problema da administração da Justiça em nosso País.

De outro lado, a filosofia da ciência e a epistemologia clássicas são confrontadas com a insuficiência de seus paradigmas para dar conta dos problemas da sociedade contemporânea segundo as premissas do Estado Democrático de Direito e, no caso nacional, para reformular os códigos de conduta e o modus operandi das instituições do Estado e as de defesa de interesses sociais, de modo a torná-las aptas a contribuir mais efetivamente para a realização do projeto constitucional de sociedade, incluídas as concepções teóricas que orientam suas práticas jurídico institucionais, de gestão pública e de administração da Justiça. (VASCONCELOS, 2012, p.13, Grifo nosso)

De acordo com o citado acima, o CNJ passou a ter incumbência da elaboração das políticas nacionais de administração da justiça e da coordenação e da gestão estratégica do Poder Judiciário, onde passou a editar normas relativas a tais assuntos, destacando-se especialmente a Resolução n. 70/2009 que diz respeito ao Plano Estratégico do Poder Judiciário Nacional. Transcreve-se abaixo as diretrizes do presente plano:

Art. 1° Fica instituído o Planejamento Estratégico do Poder Judiciário, sintetizado nos seguintes componentes:

I - Missão: realizar justiça.

II - Visão: ser reconhecido pela Sociedade como instrumento efetivo de justiça, equidade e paz social.

III - Atributos de Valor Judiciário para a Sociedade:

a) credibilidade; b) acessibilidade; c) celeridade; d) ética; e) imparcialidade; f) modernidade; g) probidade: h) responsabilidade Social e Ambiental; i) transparência.

IV - 15 (quinze) objetivos estratégicos, distribuídos em 8 (oito) temas: a) Eficiência Operacional: Objetivo 1. Garantir a agilidade nos trâmites judiciais e administrativos; Objetivo 2. Buscar a excelência na gestão de custos operacionais; b) Acesso ao Sistema de Justiça: Objetivo 3. Facilitar o acesso à Justiça; Objetivo 4. Promover a efetividade no cumprimento das decisões; c) Responsabilidade Social: Objetivo 5. Promover a cidadania; d) Alinhamento e Integração: Objetivo 6. Garantir o alinhamento estratégico em todas as unidades do Judiciário; Objetivo 7. Fomentar a interação e a troca de experiências entre Tribunais nos planos nacional e internacional; e) Atuação Institucional: Objetivo 8. Fortalecer e harmonizar as relações entre os Poderes, setores e instituições; Objetivo 9. Disseminar valores éticos e morais por meio de atuação institucional efetiva; Objetivo 10. Aprimorar a comunicação com públicos externos; f) Gestão de Pessoas: Objetivo 11. Desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes dos magistrados e servidores; Objetivo 12. Motivar e comprometer magistrados e servidores com a execução da Estratégia; g) Infraestrutura e Tecnologia: Objetivo 13. Garantir a infraestrutura apropriada às atividades administrativas e judiciais; Objetivo 14. Garantir a disponibilidade de sistemas essenciais de tecnologia de informação; h) Orçamento: Objetivo 15. Assegurar recursos orçamentários necessários à execução da estratégia.

Observa-se que, como descreve o inciso I do art.1º da Resolução 70/2009 o novo perfil traçado para o Judiciário Brasileiro é que este que tenha como missão a realização da justiça, visando o reconhecimento pela sociedade no sentido de ser um órgão na busca efetiva de justiça, equidade e paz social. Além de ter como valores: credibilidade, acessibilidade, celeridade, ética, imparcialidade, modernidade, probidade, responsabilidade social, ambiental, e transparência.

Diante do disposto pela Resolução 70/2009, pode-se deduzir que a busca precípua do Conselho Nacional de Justiça é contribuir para que a prestação jurisdicional seja realizada com moralidade, eficiência e efetividade, em benefício da sociedade. Nesse viés, Antônio Gomes de Vasconcelos demonstra as transformações implementadas por iniciativa do CNJ:

As significativas transformações endógenas por que passam as instituições públicas são elementos indispensáveis à recuperação da legitimidade e da credibilidade destas como corresponsáveis pela realização do projeto de sociedade inscrito na Constituição Federal. Mencionem-se, exemplificativamente, as transformações paradigmáticas concebidas e implementadas por iniciativa e coordenação do Conselho Nacional de Justiça no campo da gestão judiciária e da administração da Justiça e o Processo de inserção da tecnologia da informação na atividade jurisdicional, com destaque especial para a informatização do processo ? Processo Judicial Eletrônico, ora em curso. Essa intensa movimentação do Poder Judiciário é, no plano endógeno (interna corporis), indispensável, mas insuficiente.

[...]

Por isso mesmo, o Plano Estratégico do Poder Judiciário aponta, além das medidas atinentes à gestão judiciária e à administração da Justiça, no plano interno, para um novo paradigma de jurisdição, que implica a abertura da Justiça para um modelo institucionalizado de interação com as demais instituições do Sistema de Justiça e com a sociedade, de modo a cumprir a missão institucional de realizar a justiça. O complemento das transformações preconizadas se dá, agora, no plano das relações externas do Poder Judiciário, que, passa a ser compreendido também como um agente de transformação social. E, ainda mais, inclui-se no âmbito da jurisdição a atuação da Justiça na busca da prevenção dos conflitos sociais, da efetividade da ordem jurídica e do tratamento dos conflitos de massa (VASCONCELOS, 2012, p. 47-48).

Nesse aspecto, além do Plano Estratégico disposto pela Resolução 70/2009, O CNJ passou a disciplinar medidas de cunho empresarial (metas, estatísticas) para gerir as atividades do Judiciário, focando em celeridade por meio de metas de curto, médio e longo prazo; o que de fato, requer que o Judiciário Nacional venha a ter um modus operandi objetivando aumentar a produtividade do órgão, a fim de cumprir a razoável duração do processo.

Em uma análise superficial, o estabelecimento de metas, como a de maior produtividade, por exemplo, poderia ser a solução da morosidade processual, garantindo aos jurisdicionados uma razoável duração do processo. Todavia, o estabelecimento de metas não levam em consideração as peculiaridades regionais de cada tribunal, pois trazem medidas de cunho nacional.

Nessa perspectiva, Repolês assenta:

O planejamento estratégico deve considerar as diferenças regionais de modo que não se pode apenas pensar medidas nacionais, gerais, mas sobretudo, buscar respeitar as especificidades de cada lugar, valorizar as soluções locais e considerar as dificuldades que se apresentam de modo e em graus distintos. (REPOLÊS, 2012, p. 230)

De fato, quando o CNJ utiliza-se de meios estatísticos e metas para aferir a produtividade dos tribunais, acaba por incutir no Judiciário a ideia de que este é o elemento que move o poder, sem levar em consideração a que “custo” prima-se por produtividade. Assim, o que está sendo prejudicado é a qualidade das sentenças proferidas.

De outra sorte, não se pode olvidar que essa “política” traz grande importância no tocante às estatísticas; entretanto, o que importa para o sistema de gestão judiciária posto em prática pelo CNJ são quantos processos foram distribuídos, quantos foram julgados em determinado ano, quantos estão pendentes, quais são os tribunais que detêm maior déficit em processos pendentes.

A utilização desse estratagema (maximização de metas) de forma estritamente objetiva, despreza as peculiaridades processuais, regionais e pessoais, pois os magistrados e serventuários passam a ser encarados como máquinas, porém incumbidos de sentenciar. Dessa forma, o que importa é “aumentar a quantidade de processos julgados” sem um mínimo de responsabilidade nas consequências produzidas pelas decisões.

O Judiciário passa a ser entendido como se empresa fosse, onde os jurisdicionados são clientes e ao magistrado cabe resolver a lide (conflito de interesses) dentro de menor tempo possível, tendo em vista que, quanto maior a produtividade do órgão, falaciosamente entende-se que será maior o resgate da legitimidade do Judiciário.

Não cabe aqui, tecer críticas quanto ao Plano Estratégico, mas sim demonstrar que, a tentativa do CNJ em gerir o Judiciário por meio de estratégicas de mercado (metas, estatísticas), deixando de garantir os direitos fundamentais e inserindo postura mecanicista, acaba por agravar a formação da identidade judicial.

As transformações trazidas pelo CNJ são superficiais[12] e não atingem o âmago do problema da crise de identidade do Judiciário, apresenta-se com um discurso belíssimo tendo como ápice a realização de justiça, mas carrega consigo instrumentos de viés puramente de mercado em detrimento de valores como o verdadeiro acesso à justiça, proposto por Mauro Cappelletti (1997).

Desta feita, o Judiciário entra em um conflito de identidade. Num primeiro olhar, percebe-se que a intenção do CNJ é promover uma mudança de perfil do Judiciário como um todo, tendo como pano de fundo, a concretização dos direitos fundamentais. Isso pode ser observado pela sua missão “máster”, que é a de realizar justiça, “no sentido de Judiciário como garantidor dos direitos constitucionais dos cidadãos”. (REPOLÊS, 2012, p. 231)

Em um segundo aspecto, o CNJ busca incutir no Judiciário, valores mercadológicos onde a produtividade é entendida como sinônimo de lucratividade, o que por si só é capaz de desviar o objetivo principal do Judiciário Nacional que seria realizar justiça.

Dessa maneira, o Judiciário deixa de ser um ator protagonista, que transforma a realidade social, e se torna engrenagem do sistema capitalista desorganizado[13].

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Sobre as autoras
Gabriela de Campos Sena

Mestranda em Direito pela UFMG. Graduada em Direito pela PUC MINAS. Advogada.

Mirelle Fernandes Soares

Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Daniela Rodrigues Machado

Mestranda em Direito pela UFMG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SENA, Gabriela Campos ; SOARES, Mirelle Fernandes et al. Função do Poder Judiciário na perspectiva do neoliberalismo econômico e na perspectiva do Estado democrático de direito:: a busca de uma identidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3878, 12 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26684. Acesso em: 22 dez. 2024.

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