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Função do Poder Judiciário na perspectiva do neoliberalismo econômico e na perspectiva do Estado democrático de direito:

a busca de uma identidade

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5 A CRISE DE IDENTIDADE DO PODER JUDICIÁRIO

 Diante da averiguação abordada nos capítulos anteriores, indaga-se sobre a possibilidade de conciliar um Judiciário “para o mercado” [14], com fulcro em políticas neoliberais, com um Judiciário primado na efetividade dos direitos fundamentais (sociais). Assim, questiona-se: como construir uma nova identidade?

 Retoma-se a crítica de que o Judiciário encontra-se em uma crise de identidade; por um lado: assenta-se em modelo de desenvolvimento em regras de mercado e nos contratos privados, logo, para que estes sejam cumpridos e os negócios tenham estabilidade é necessário um Judiciário eficaz, rápido e independente; por outro lado, tem-se por escopo os preceitos do Estado Democrático de Direito e a inefetividade dos direitos fundamentais com a precarização dos direitos sociais.

Certo é que existem ao menos duas facetas de perfil no Judiciário Nacional: de um lado incita um judiciário preso à planos, metas e estatísticas como forma de gestão da atividade jurisdicional em busca de uma celeridade processual a todo custo, noutro caminho busca-se um judiciário comprometido com uma ideia de justiça social e acessibilidade da sociedade a esse órgão.

Ressalta-se que a tentativa do CNJ no sentido de resgatar a credibilidade e a legitimidade ao Judiciário se mantém por meio a um discurso contraditório possuidor de dois vieses, um neoliberal e outro de justiça social. Destaca-se que essa identidade dicotômica agrava a crise sistêmica que “assola” o Judiciário Nacional, não conseguindo garantir a efetividade dos direitos fundamentais no momento da entrega da prestação jurisdicional.

Para corroborar cite-se Antônio Gomes de Vasconcelos, quando diz que:

Mencionem-se, exemplificativamente, as transformações paradigmáticas concebidas e implementadas por iniciativa e coordenação do Conselho Nacional de Justiça no campo da gestão judiciária e da administração da Justiça e o Processo de inserção da tecnologia da informação na atividade jurisdicional, com destaque especial para a informatização do processo ? Processo Judicial Eletrônico, ora em curso. Essa intensa movimentação do Poder Judiciário é, no plano endógeno (interna corporis), indispensável, mas insuficiente. Há, pelo menos, três desafios que a torna insuficiente: o citado déficit de efetividade da ordem jurídica, agravado por fatores culturais; o vício do demandismo; e a “explosão da litigiosidade”. Tais fatores mitigam os efeitos dessa movimentação interna e impede a instalação de um círculo virtuoso a partir das medidas adotadas. A aceleração do processo atende até certo ponto ao princípio da duração razoável do processo, mas deixa de fazê-lo na fase conclusiva, dado que a decisão e a intermediação da autocomposição dos litígios judiciais constituem tarefa eminentemente humana, e o que vinha se estacando no percurso do processo correrá o risco de saturação no final. (VASCONCELOS, 2012, p. 47- 48, grifo nosso)

Pelo transcrito, percebe-se que questões fundantes da crise não foram levantadas pelo CNJ como forma de construir uma identidade judicial, já que, questões culturais de fundo burocrático ainda permeiam esse Poder, tornando-o moroso e metódico. Ademais, o CNJ não buscou medidas que previnam o vício do demandismo e da explosão da litigiosidade dos grandes conglomerados que veem no judiciário seus parceiros empresariais.

Boaventura (1986) acredita que para superar essa crise de Identidade do Judiciário, faz se necessário uma série de reformas endógenas, sejam elas de caráter administrativos, de gestão, de desburocratização da relação processual, democratização do processo onde as partes sejam além de partícipes na relação. Isso quer dizer que, para superar a crise desse Poder deve-se ultrapassar mudanças relacionadas à gestão como vem sendo empregadas as metas, planos e estatísticas pelo CNJ.

Nesse diapasão, Boaventura (2011) em sua obra para uma Revolução Democrática da Justiça propõe uma democratização da justiça como requisito fundante para a mudança de perfil do Judiciário. Para ele, torna-se necessário pensar numa reforma da relação entre o órgão judicial e os jurisdicionado que favoreça o acesso ao serviço prestado. Nesse sentido inclui a criação de juizados especiais (juizados de “pequenas causas”), juizados especializados (julgam causas de determinado tema), eliminação dos obstáculos econômicos por meio de serviços gratuitos de assistência judiciária (núcleos de universidades, defensorias públicas), criação de um serviço que promova ações educativas com vista à educação para os direitos humanos (educação cidadã), que prima em emancipar os cidadãos sobre seus direitos, modos de defesa, estimulando outras formas de resolução de conflitos mais céleres e menos burocrático e menos conflituoso, tais ações acabam por repercutir na redução do demandismo, já que a população mais consciente de seus direitos e deveres não recorrerão ao Judiciário para promover lides temerárias.

Já no que concerne a uma mudança paradigmática no interior do processo judicial, Boaventura de Sousa Santos (2011) alvitra a necessidade de desburocratização judicial para sugerir uma maior participação das partes na condução processual, por meio de uma relação mais informal e horizontalizada entre juiz e partes.

Em consonância com o exposto, Repolês acrescenta que:

A simplificação dos atos processuais, a introdução de mecanismos de conciliação prévia e de mediação no interior do processo, a educação para a cidadania e até mesmo algo tão simples quanto a luta pela aplicação do direito vigente, são pontos importantes para a melhoria desse problema. (REPOLÊS, 2012, p. 235)

Como acima aduzido, tais mudanças melhoram o problema da crise do Poder Judiciário, entretanto, não eliminam. Tem-se que ater que o sistema neoliberal galgou todos os setores do Estado, inclusive o Judiciário, conforme já se apresentou.

Neste liame, deve-se ser prudente para compreender que vivemos num capitalismo desorganizado onde o poderio do mercado e sua força controlam o Estado, suas instituições e a sociedade, e que se livrar dessas amarras é um processo gradativo. Na visão de Boaventura de Sousa Santos (2011), vivemos atualmente em um contexto de transição paradigmática, no qual a morte de um paradigma contém o paradigma que o sucederá.

A transição de um paradigma dominante (capitalismo, consumismo, autoritarismo, desigualdades) para novos paradigmas (plurais e diversos) como quis o constituinte originário, deve ser uma ação conjunta por meio de um diálogo horizontalizado do Estado com a sociedade como forma de chegar ao âmago da crise.

Ana Paula Lucena da Silva Candeas dispõe que: “o mais importante nesse contexto é a permanência do diálogo entre os segmentos sociais na esfera nacional para que as instituições possam ser aprimoradas e os efeitos nocivos do Mercado possam ser corrigidos”. (CANDEAS, 2007, p. 40)

De sorte, para que haja a construção de uma identidade judicial que a sociedade almeja, deve-se ir ao foco do problema, retirar as falácias de toda dominação e manipulação das premissas neoliberais e caminhar rumo para a formação de um perfil judicial sob os paradigmas plural, social, solidarista, dialogal de uma democracia substancial que coadunam com os ditames da Constituição Cidadã de 1988.


6 CONCLUSÃO

Em plano programático, tem-se a perspectiva da construção de uma identidade judicial que priorize direitos humanos e abarque um comprometimento social efetivo e eficaz; mas para tanto, deve-se ir ao foco do problema, retirar as falácias de toda dominação e manipulação das premissas neoliberais e caminhar rumo para a formação de um perfil judicial sob os paradigmas plural, social, solidarista, dialogal de uma democracia substancial que coadunam com os ditames da Constituição Cidadã de 1988.

O Banco Mundial apresenta premissas de uma preocupação exclusivamente patrimonial (propriedade privada e manutenção dos contratos) com o consequente abandono da proteção da pessoa humana.  Legitima-se um documento (relatório 319S) que nega a prevalência dos direitos humanos. Segundo Antônio Gomes de Vasconcelos, (2002) a dignidade humana assegurada a todo cidadão somente é possível a partir da garantia do direito pautado pela justiça social, que se realiza na efetividade e não como uma função meramente simbólica dos direitos sociais fundamentais.

Destaca-se que se o Judiciário se apoiar por uma postura econômica haverá a perda da compatibilidade entre os "valores" do Estado Democrático de Direito estatuídos na Constituição de 1988; logo, o Judiciário não se preocupará com as consequências que podem advir das decisões judiciais, haja vista que eficiência será a razão de ser mais importante do órgão.

Ressalta-se que o Plano Estratégico do Poder Judiciário Nacional, no mesmo sentido do Relatório Técnico do Banco Mundial, viola as perspectivas do Estado Democrático de Direito, tornando incompatível a formação de uma identidade judicial. O Plano Estratégico possui, substancialmente, um viés econômico, adverso em muitos aspectos com o projeto de sociedade estatuído na Constituição de 1988. Primar por celeridade é sem dúvida algo importante, mas não é algo que deva prevalecer em detrimento de uma ordem jurídica justa.

O Relatório Técnico, anteriormente mencionado, visa a formação de uma identidade judicial pautada no neoliberalismo, incapaz de construir uma sociedade justa e solidária, bem como erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir as desigualdades regionais e sociais. Isso ocorre devido à ausência de preocupação com os fatores sociais, característica geradora do descaso com as consequências sociais provocadas pela excessiva valorização do mercado.

Por todo corroborado, o documento técnico número 319S do Banco Mundial não cumpre com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Há violação dos incisos I e III do artigo 3º da Constituição que trata da justiça social e traz nas entrelinhas a necessidade de um judiciário ator na transformação da realidade social.

Em sede conclusiva, pode-se dizer que o perfil do Judiciário contemporâneo é composto por diretrizes e atuações voltadas para um viés mercadológico, com ditames exclusivamente empresariais que objetivam promover gestão, economicidade e eficiência.


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Sobre as autoras
Gabriela de Campos Sena

Mestranda em Direito pela UFMG. Graduada em Direito pela PUC MINAS. Advogada.

Mirelle Fernandes Soares

Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Daniela Rodrigues Machado

Mestranda em Direito pela UFMG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SENA, Gabriela Campos ; SOARES, Mirelle Fernandes et al. Função do Poder Judiciário na perspectiva do neoliberalismo econômico e na perspectiva do Estado democrático de direito:: a busca de uma identidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3878, 12 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26684. Acesso em: 22 dez. 2024.

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