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Breves considerações sobre a jurisprudência dos tribunais superiores quanto ao artigo 594, CPP:

da recepção à não recepção perante o Ordenamento Constitucional de 1988

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28/03/2014 às 10:36
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Conclusões:

1) Durante grande parte dos vinte e cinco anos de vigência da Constituição Cidadã, o dispositivo legal do artigo 594, CPP, que determinava o recolhimento ao cárcere do condenado em primeiro grau como condição de admissibilidade de eventual recurso de apelação, foi referido pelos Tribunais Superiores e pela doutrina majoritária como recepcionado por aquela e, por conseguinte, concorde com os princípios da presunção de inocência, da ampla defesa e do devido processo legal;

2) Como forma de legitimar tal posicionamento, que se fazia majoritário na época, o E. Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 9, que tendia a pacificar o tema;

3) Doutrina minoritária manteve-se firme e ativa durante o período acima apresentado, tendo como expoente o Prof. Luiz Flávio Gomes, munindo Defensores Públicos e Advogados com argumentos favoráveis aos direitos dos acusados e, segundo nosso entendimento, corretos, para justificar o fenômeno da não recepção sobre o dispositivo legal em comento, o qual distante dos princípios da presunção de inocência, ampla defesa e devido processo legal;

4) O entendimento majoritário das Cortes Superiores sofreu uma guinada a partir, principalmente, do voto dedicado pelo Ministro Relator ao recurso em habeas corpus n. 83.810/RJ;

5) As conclusões aduzidas pelo Ministro Relator se aproximam daquelas expendidas pelos defensores da corrente outrora minoritária, segundo as quais a manutenção e aplicação do dispositivo albergado no art. 594, CPP, corresponde a negar vigência a dispositivos constitucionais gratos aos acusados em processo penal.


Bibliografia

CAMPOS, Francisco: O Estado Nacional. Coleção Biblioteca Básica Brasileira. Brasília, Editora do Senado, 2001;

GOMES, Luiz Flávio: Direito de Apelar em Liberdade. 2.ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1996;

NORONHA, Magalhães: Curso de Direito Processual Penal. 27.ed. São Paulo – Saraiva – 1999;

TOCQUEVILLE, Alexis de: O Antigo Regime e a Revolução. São Paulo. Editora Martins Fontes, 2009.


Notas

[1] Nesse sentido a tradicional lição de Tocqueville, que se refere, para além dos fenômenos da criação e interpretação legislativa, apresenta-se aos fenômenos sociais em geral, com especial atenção àqueles que permeiam e alteram significativamente a vida dos povos, como as revoluções bem sucedidas: De perto o evento não é mais corretamente avaliado que de longe. Na França, na véspera do dia em que a Revolução vai eclodir, ainda não se tem nenhuma ideia precisa sobre o que ela fará. (...) Parece que o momento de pesquisar isso e de dizê-lo chegou, e que hoje estamos colocados no ponto exato de onde melhor se pode ver e julgar esse grande objeto. Distantes da Revolução o bastante para sentirmos apenas francamente as paixões que turvaram a visão dos que a fizeram, estamos bastante próximos dela para podermos entrar no espírito que a conduziu e para compreendê-lo. Em breve isso será difícil, pois as grandes revoluções que são bem sucedidas, fazendo desaparecer as causas que as produziram, tornando-se assim incompreensíveis justamente por causa de seu sucesso (TOCQUEVILLE, Alexis de: O Antigo Regime e a Revolução. São Paulo. Editora Martins Fontes, 2009, p. 5/7).

[2] In: Direito de Apelar em Liberdade. 2.ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1996, p. 32.

[3] Vale notar que o artigo 594, CPP, foi revogado tardiamente pela lei n. 12.403/11. Diz-se tardiamente, pois, em verdade, o referido dispositivo legal não foi recepcionado pela nova ordem constitucional inaugurada em 1988, embora se observasse, até as portas de sua revogação formal, indiscriminada aplicação. É o que se observa na seguinte decisão do E. STJ, que se refere a decisão guerreada do E. TJSP: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. PACIENTE CONDENADO POR TRÁFICO DE DROGAS. RÉU QUE PERMANECEU SOLTO DURANTE A INSTRUÇÃO CRIMINAL, PORQUE, A PRINCÍPIO, INDICIADO POR MERO USO DE DROGAS. NEGATIVA DO DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. REINCIDÊNCIA COMPROVADA DURANTE A INSTRUÇÃO CRIMINAL. JUSTIFICATIVA IDÔNEA E SUFICIENTE. CONHECIMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO CONDICIONADO AO RECOLHIMENTO À PRISÃO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. PRECEDENTES DO STF E STJ. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA, PARA DETERMINAR O PROCESSAMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO DO PACIENTE (HC n. 66300/SP. STJ. Quinta Turma. Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho. DJe 05/11/2007), que contrariou, sabiamente, a Súmula STJ n. 9, de 06/09/1990, cuja redação asseverava que A EXIGENCIA DA PRISÃO PROVISORIA, PARA APELAR, NÃO OFENDE A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCENCIA.

[4] A doutrina clássica dedicava a tal instituto a natureza de condição de admissibilidade do recurso de apelação (NORONHA, Magalhães: Curso de Direito Processual Penal. 27.ed. São Paulo – Saraiva – 1999. p. 473).

[5] Referiu-se o Relator, em seu voto, aos processos de habeas corpus n. 80.174 e 82.007, que tramitaram perante o E. STF e cujas decisões representavam a tradicional doutrina sobre o tema acima exposta.

[6] Referimo-nos ao Estado Novo de Vargas, que nos legou significativa parcela da legislação contemporânea. Tanto o Código de Processo Penal quanto a Parte Especial do Código Penal datam dessa época, chamada por Francisco Campos de Democracia Dirigida (Cf. CAMPOS, Francisco: O Estado Nacional. Coleção Biblioteca Básica Brasileira. Brasília, Editora do Senado, 2001, p. 76 e ss).

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Sobre o autor
Ricardo Cesar Franco

Defensor Público do Estado de São Paulo, nível IV, que atua perante o E. Tribunal de Justiça Militar de São Paulo. Pós-graduado em Direito Processual Coletivo. Mestre em Filosofia do Direito pela PUC/SP. Professor de Filosofia do Direito Penal e de Direito Processual Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANCO, Ricardo Cesar. Breves considerações sobre a jurisprudência dos tribunais superiores quanto ao artigo 594, CPP:: da recepção à não recepção perante o Ordenamento Constitucional de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3922, 28 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27139. Acesso em: 18 abr. 2024.

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