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As implicações do direito urbanístico no desenvolvimento sustentável das cidades sob o enfoque do plano diretor da cidade do Natal/RN

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4 IMPLICAÇÕES DO PLANO DIRETOR DE NATAL (LC nº 082/07) NO DESENVOLVIMENTO DA CIDADE

O Plano Diretor de Natal foi um marco na história da construção da legislação urbana municipal, cuja análise se faz indispensável para a compreensão das implicações que trouxe para a cidade.

Assim sendo, o presente capítulo analisará se o Plano Diretor do Natal está cumprindo o seu papel em ordenar a função social da cidade e da propriedade urbana (também sob o enfoque ambiental), quanto ao seu texto redacional e sua efetividade nas políticas urbanas.

4.1 PLANO DIRETOR DE NATAL (LC nº 082/07)

O Plano Diretor de 1994 se tornou um instrumento marcante na história do planejamento urbano de Natal devido a efetivação e concretização dos direitos fundamentais ao meio ambiente e à moradia (proteção ambiental e interesse social), no entanto pouco foram os avanços para a implementação dos direitos, que são observados no período da sua regulamentação. Assim, a referida norma teve processo em 2004, e encerrou-se em 2007, através da LC nº 082, que deu origem ao Plano Diretor de Natal.[32]

A fragilização da concretização dos direitos na vigência do Plano de 1994 se deu pela ocupação de áreas ambientalmente protegidas na cidade pela população pobre, bem como a contaminação do aquífero (falta de esgotamento sanitário) e a impermeabilização do solo. A partir desse cenário, viu-se a necessidade da construção do atual Plano Diretor da cidade do Natal que teve a participação da população no processo de elaboração do Projeto de Lei antes de ter sido encaminhado à Câmara Municipal.[33]

O novo Plano Diretor seguiu os rumos do Plano anterior  quanto à construção de um modelo de planejamento urbano, com caráter democrático, objetivando atender os princípios constitucionais da função social da cidade e função social da propriedade, bem como houve uma evolução nos seus fundamentos e conteúdo.

Dentre essas positivas mudanças,  tem-se no o artigo 3º que acrescentou incisos com preocupações quanto à garantia da manutenção equilibrada dos recursos naturais, desenvolvimento sustentável urbano, proteção ao patrimônio histórico e cultural da cidade, preocupação com a qualidade de vida dos habitantes, a criação de condições para o estabelecimento de uma política habitacional que contemple tanto a produção de novas habitações, em localizações e condições dignas, quanto à regularização e urbanização dos assentamentos informais e parcelamentos irregulares, priorizando o interesse social; no artigo 4º  foram incluídos instrumentos ambientais, há uma maior preocupação com a integração entre políticas de desenvolvimento urbano e ambiental com as questões metropolitanas.

No artigo 5º foi introduzido a função socioambiental da propriedade urbana, que qualificou a função social da propriedade urbana definida no Plano anterior. Nesse artigo acrescentaram-se novos requisitos, bem como atividades urbanas a serem cumpridas.

Importante mencionar que foi mantido alguns  instrumentos presentes no  Plano Diretor de 1994, nesse sentido, preleciona Marise Duarte[34]

Foi mantido o zoneamento em nível macro, com a divisão do território em três zonas (adensável, adensamento básico e proteção ambiental) e em um nível mais específico, considerando os atributos (ambientais, sociais, culturais e socioeconômicos) de algumas áreas especiais como “porções da Zona Urbana situadas em zonas adensáveis ou não, com destinação especifica ou normas próprias de uso e ocupação do solo”, compreendendo: Áreas  de Controle de Gabarito (ACG); Áreas Especiais  de Interesse Social [AEIS]; Áreas de Operação Urbana, além das Áreas non aedificandi (ANAE) (art. 20 e §1º)

Mantidos do Plano anterior os instrumentos da outorga onerosa [art. 65], da transferência do potencial construtivo [art. 96 e 97], do IPTU Progressivo no tempo, do parcelamento e edificação compulsória e do consórcio imobiliário; o Plano de 2007 traz como novidades a introdução: do direito de perempção [art. 77 e 78], das operações urbanas consorciadas [art. 84], dos planos setoriais [art. 92], além da adição da utilização compulsória (ao instrumento do parcelamento e edificação compulsórios) e da desapropriação com pagamento em títulos (artigo 8º do Estatuto da Cidade).

Nesse cenário, no que diz respeito ao meio ambiente e seus espaços especiais (ZPAs, ACGs e ANAEs) tem-se uma reafirmação do contido no Plano de 1994, incluindo-se normas voltadas a proteção legal a essas áreas. Quanto os espaços especiais sociais (AEIS), constata-se um avanço normativo do direito a moradia da população que reside em favelas, loteamentos irregulares, vilas, entre outros. No entanto, constatam-se evidências de fragilização em ambos espaços especiais, principalmente no campo Legislativo, tendo em vista a tentativas de modificação dessa legislação protetiva, como ocorreu na Via costeira e na ACG do entorno do Parque das Dunas no primeiro caso e, no setor de construção civil, nas AEIS de Mae Luiza, de Ponta Negra e do Alto do Jururá.[35]

No título VI do novo Plano que trata do “Sistema de Planejamento e Gestão Urbana do Município” (art. 93 a 110) foi trazido algumas mudanças quanto à composição de órgãos ou unidades administrativas de planejamento, política urbana e meio ambiente,trânsito, transporte e mobilidade urbana, habitação de interesse social e saneamento ambiental.

O parágrafo 1º, do artigo 93, trouxe a participação da população que será assegurada, por representantes do Poder Público e da sociedade civil organizada, através da indicação por seus pares, mediante composição paritária garantindo os critérios de diversidade, pluralidade e representatividade, e através dos seguintes conselhos:

I - Conselho da Cidade do Natal – CONCIDADE

II - Conselho Municipal de Planejamento Urbano e Meio Ambiente – CONPLAM

III - Conselho Municipal de Trânsito e Transportes Urbanos – CMTTU

IV - Conselho Municipal de Habitação de Interesse Social – CONHABIN

V - Conselho Municipal de Saneamento Básico - CONSAB

Por fim, Marise Duarte apud Ordenamento Urbano de Natal – SEMURB[36] considera que “a maior conquista [do Plano] foi à participação popular, vez que, desde meados de 2004 (quando se iniciou o processo de revisão), houve um profícuo e permanente diálogo entre o Poder Executivo e a sociedade civil.”. Havendo, dessa forma, avanços relevantes, como a introdução da “Política de Habitação de Interesse Social, o tratamento da questão da regularização fundiária e da questão ambiental.”.

4.1 AS IMPLICAÇÕES DO PLANO DIRETOR DE NATAL

 O atual Plano Diretor do Natal objetivou, do ponto de vista formal e material, se aperfeiçoar no processo de elaboração de normas voltadas a uma cidade sustentável e includente.

No entanto, passa-se ao momento de analisar se esse resultado serviu para compor o quadro da trajetória dos direitos ao meio ambiente e à moradia e seus espaços especiais no Município do Natal, observando-se suas evidências de fragilização e indicadores de consolidação da proteção conquistada.

Inicialmente, urge ressaltar sobre a atuação do Poder Executivo no planejamento urbano em direção ao mercado imobiliário. Houve dois períodos distintos quanto ao foco do planejamento da cidade, antes de 2009 e depois de 2009, devido a mudança de gestão administrativa da cidade.

Nesse sentido, Marise Duarte ensina[37] que

No primeiro momento, tem-se no Executivo o mesmo Prefeito (Carlos Eduardo Nunes Alves) que promoveu o processo de revisão, tentou impedir alterações substanciais na proposta de lei encaminhada à Câmara Municipal, contando com o importante apoio de diversas organizações não governamentais, de órgãos técnicos, da UFRN e do Ministério Público Estadual, além de grande parte da imprensa e da sociedade em geral. (...) Desse modo, podemos dizer que, quanto ao planejamento urbano, o período compreendido entre a entrada em vigor do  Plano de 2007 e o final do Governo Municipal (em 2008) caracteriza-se pela continuidade das posições administrativas que até então vinham sendo adotada por aquela Administração. E ainda: seguindo o referencial teórico plasmado no Plano de 2007, reflexo do marco em que se constituiu o Plano de 1994. Contudo, sendo um período de final de gestão, pouco  mais havia a ser feito por aquele Governo; que, contudo, deu inicio ao processo de regulamentação do Plano.(...)

Em 2009, no início da gestão da Prefeita Micarla de Sousa, houve uma desaceleração da economia no setor imobiliário em Natal, com a saída de grande parte do capital internacional dos negócios imobiliários. Além disso, no mesmo ano, tem o lançamento do programa imobiliário “Minha Casa, Minha Vida”, através da Lei Federal nº 11.977/09 que incentivou o crescimento da construção civil. Porém, o objetivo deste programa era beneficiar a população que é verdadeiramente excluída do mercado formal de moradia e com precárias condições de habitabilidade.

Assim, apesar do ano de crise, houve crescimento de empregos, de renda e do volume de crédito no mercado.

A partir de 2009 foram envidados esforços para  se estimular à construção civil, oferecendo benefícios nas áreas tributária, ambiental, social e fiscal nessa área. Além disso, devido ao Decreto nº 8.688, de 6 de abril de 2009, foi permitido à alteração da tipologia (de uso não residencial para uso residencial) dos projetos imobiliários que estavam em processo de licenciamento na SEMURB e os que já tinham sido licenciados, sem custo adicional para o construtor.

Ocorre que, o Ministério Público Estadual e a sociedade civil organizada não ficaram satisfeitos com tal medida. Como consequência, o Ministério Público Estadual auferiu decisão judicial em 2010, através de ACP, que declarou a nulidade todos os alvarás de construção, licenças ou autorizações quanto alteração na classificação do uso dos empreendimentos tipo hotel-residência para residencial. [38]

 Nesse cenário, a SEMURB realizou um mutirão para analisar os processos de licenciamento (que estavam em tramitação naquele órgão). Essa medida foi uma forma que a Administração Pública encontrou para arrecadação, essa prática foi denominada “guinada de 180º da SEMURB”, cujos beneficiários foram os empresários da construção civil. Ao lado desse processo de licenciamento estava a escolha da cidade do Natal como uma das sedes da Copa do Mundo de 2014.

Quanto à autorização dos processos de licenciamentos, tem-se a concessão de novas licenças na área do entorno do Morro do Careca, denominado “espigões de Ponta Negra”, que provocou reação da sociedade e do Ministério Público Estadual. A Ação Civil Pública gerou laudo técnico conclusivo cujos empreendimentos pretendidos naquela área causariam impactos diretos ao conjunto paisagístico da enseada e dunas da Praia de Ponta Negra.[39]

No quesito Natal como sede de Copa do Mundo de 2014, observa-se que esse evento mundial deixaria de ter caráter primordialmente esportivo para passar a ser visto no âmbito do mercado (como forma de negócio). Há novamente uma preocupação da sociedade e do Ministério Público Estadual no sentido de uma incerteza quanto à possibilidade de uma “Copa Sustentável”, em que se observem os princípios da função social da cidade e da função socioambiental da propriedade, bem como os princípios de Política Urbana expressos no Estatuto da Cidade e que foram concretizados no seu texto no atual Plano Diretor de 2007. [40]

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Ou seja, constata-se uma mudança de paradigma do Poder Executivo, tendo em vista um interesse voltado ao mercado imobiliário e, a partir do ano de 2009, esse interesse anda juntamente com a escolha de Natal como uma das sedes para a realização dos jogos da Copa do Mundo de 2014. Ressaltando que a sociedade não opinou sobre a relação daquele evento esportivo com as normas de planejamento urbano postas no atual Plano.

Outra tentativa de alteração do Plano Diretor de 2007, proposta pela gestão municipal iniciada em 2009, foi à questão de mudar as prescrições para a AEIS de Mãe Luiza e, sem qualquer discussão com a sociedade.

Essa mudança das prescrições urbanísticas nos limites  das zonas adensáveis e de adensamento básico, teve origem através do Projeto de Lei enviado a Câmara Municipal em 6 de abril de 2007 (PL nº 87/09). Assim houve uma forte movimentação pela comunidade de Mãe Luiza e a sociedade organizada e o Ministério Público Estadual que provocou ACP. Como resultado teve a determinação da retirada do mencionado Projeto, já que não houve a participação da sociedade, que é obrigatório.[41]

Acrescenta, ainda, a autora Marise Duarte[42] que

o projeto modificava as normas de construção nas ruas que ficavam nos limites entre zonas adensáveis e as zonas de adensamento básico, vindo atingir as Áreas Especiais de Interesse Social. Como exemplo tem-se a Rua Guanabara, que divide os bairros de Petrópolis (zona adensável) e Mãe Luiza (...). Aprovada aquela proposta de lei, a Rua Guanabara  poderia receber empreendimentos imobiliários com um grande número de pavimentos, o que não se permite naquela área.

Nesse sentido, não restam dúvidas de que a aprovação do Projeto de Lei supramencionado trariam pontos negativos para a AEIS de Mãe Luiza, configurando uma incisiva  atuação da sociedade e do Ministério Público no sentido de defesa do patrimônio paisagístico dessa área.

Ao  final de 2010, o processo de regulamentação do Plano Diretor de 2007 se encontrava com algumas evidências negativas.

Inicialmente é relevante mencionar que a regulamentação do Plano foi objeto de preocupação por parte da gestão, permanecendo após sua aprovação. Nesse sentido, houve a contratação do Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM para elaboração de regulamentação das ZPAs, da ZET-2 (Via Costeira) e outras que foram determinadas no atual Plano. A AEIS ficou sob a custódia da SEHARPE (art. 99, I, §2º do Plano Diretor). No entanto, durante o ano de 2010 não existia por parte do Poder Público nenhuma providencia concreta nesse aspecto.[43]

Além da mencionada omissão administrativa, durante o ano de 2010, não foi editada normas necessárias à efetivação do Sistema Municipal de Habitação de Interesse Social – SMHIS, e não foi implantado nem posto em funcionamento o CONHABINS e o FUNHABINS, previstos no artigo 99 do Plano, que versa:

Art. 99 – Fica instituído o Sistema Municipal de Habitação de Interesse Social – SMHIS que se destina a implementar a Política Habitacional de Interesse Social para o Município de Natal.

§1° - O SMHIS é composto por uma unidade administrativa, sua instância de gestão e controle, pelo Conselho de Habitação de Interesse Social – CONHABIN e pelo Fundo de Habitação de Interesse Social – FUNHABIN, seu instrumento econômico.

§2° - Cabe à unidade administrativa de Habitação de Interesse Social, além de outras contidas em legislação específica, as seguintes atribuições:

I - implementar a Política Habitacional de Interesse Social do Município;

II - presidir o CONHABIN e gerir o FUNHABIN;

III - elaborar Plano de Urbanização para cada uma das áreas de interesse social, que deverá ser aprovado pelo CONHABIN obedecendo ao disposto no artigo 24 desta Lei.

Parágrafo único. O Poder Público deverá no prazo máximo de 1 (um) ano da vigência deste Plano editar as normas necessárias à efetivação da Política Habitacional de Interesse Social para o Município de Natal. (grifo nosso).

Como visto, com relação aos prazos estabelecidos para a edição de leis regulamentadoras por Poder público, constatam-se algumas omissões, na qual mesmo que a SEMURB tenha informações compiladas da base cartográfica da cidade, registra-se ausência de qualquer nova regulamentação após a aprovação do Plano de 2007.

No entanto, ressalta-se que no ano de 2010, o Poder Executivo noticiou a regulamentação das ZPAs ainda não regulamentadas (ainda não consumadas) sem à submissão da assunto à sociedade, ferindo, dessa forma, o principio urbanístico da gestão democrática de cidade e do principio da concessão de ampla publicidade. Nesse sentido, apesar do principio da democracia nas normas de direito urbanístico em Natal/RN possuir um avanço, a atuação do CONPLAM permanece bastante abaixo das exigências que se colocam no para efetivação/concretização do mencionado principio.[44]

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Sobre a autora
Hemily Samila da Silva Saraiva

Mestranda em Direito/UFRN. Especialista em Direito Administrativo/UFRN, Direito Privado: Civil e Empresarial/UNP e Direito Processual Civil/UNI-RN. Advogada. Natal - RN – Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SARAIVA, Hemily Samila Silva. As implicações do direito urbanístico no desenvolvimento sustentável das cidades sob o enfoque do plano diretor da cidade do Natal/RN. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3926, 1 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27336. Acesso em: 26 abr. 2024.

Mais informações

Orientador: Aurino Lopes Vila- Doutorando pela Universidade do país Basco; Mestre em Direito pela Universidade do Ceará.

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