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A necessidade de especialização do Poder Judiciário com vistas à efetivação da Lei 11.101/2005

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4. Os aspectos procedimentais da recuperação de empresas.

A recuperação de empresas, prevista na lei 11.101/2005, veio substituir a concordata, instituto que só interessava aos credores quirografários e ao devedor. Segundo Waldo Fazzio a concordata apresentava um âmbito muito estreito, sem efetivar o real significado da empresa. A recuperação judicial, por sua vez, não se restringe ao saneamento da crise da empresa insolvente e à satisfação dos credores, mas busca, sobretudo, a conservação da fonte produtora e resguardar o emprego, efetivando a função social da empresa, conforme mandamento constitucional.19

Nas palavras do autor, “Por oposição ao caráter liquidatório da falência e, até mesmo, como prevenção desse remédio extremo, a recuperação judicial é uma tentativa de solução construtiva para a crise econômico- financeira do agente econômico.”20

A lei de recuperação de empresas traz as normas disciplinadoras da recuperação e seu procedimento, apresentando as espécies de planos de recuperação, momento da apresentação da proposta, legitimação para dedução do pleito de reorganização, conteúdo do plano, parâmetros aferidores da viabilidade da empresa, administração e seus órgãos, e as condições e efeitos de sua efetivação positiva ou negativa. 21

Cumpre fazer breves esclarecimentos acerca desse procedimento apresentado pela Lei nº 11.101/05.

4.1 O processo de recuperação judicial

Antes de adentrar na sequência de atos procedimentais da recuperação judicial, faz-se mister analisar o preenchimento dos polos ativo e passivo da demanda.

O sujeito ativo do processo de recuperação é aquele que poderia figurar como sujeito passivo do processo de falência, excluindo-se, pois, por disposição legal, as empresas públicas, sociedades de economia mista, instituições financeiras públicas ou privadas, cooperativas de crédito, consórcios, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência de saúde, sociedade seguradora e sociedade de capitalização e outras entidades equiparadas. Ou seja, somente o devedor insolvente, sendo empresário individual ou sociedade empresária, poderia, de acordo com Coelho, pleitear o benefício da recuperação judicial.22

Vale ressaltar que a Lei 11.101/2005, em seu artigo 48 exige ainda requisitos para que a sociedade empresária possa requerer a recuperação judicial. No que tange ao empresário individual, a lei legitima o devedor a requerer a recuperação judicial, ainda que tenha sido decretada a falência desde que tenha cumprido todas as suas obrigações naquele processo.

De acordo com Maria Eugênia Finkelstein, não sendo devedor empresário, como é o caso das sociedades simples e cooperativas, não cabe o pedido de falência, mas execução por quantia certa contra devedor insolvente. Ressalta ainda que a lei 11.101/2005 é direcionada não apenas aos empresários regulares, como também ao empresário de fato, não havendo proibição de que sua falência seja decretada, excetuando-se apenas o pedido de autofalência, por disposição expressa da lei, que exige a apresentação de prova da condição de empresário requerente. Os ex-empresários também poderão requerer falência, desde que tenham encerrado a atividade em até dois anos. É possível ainda a decretação da falência do espólio do empresário, quando este, em vida, encontrava-se em situação de insolvência.23

No que tange aos atos procedimentais, segundo Fábio Ulhoa Coelho, há três fases bem definidas no processo de recuperação judicial, quais sejam as fases postulatória, deliberativa - que configuram a etapa de processamento - e a fase de execução do plano.

A primeira fase é marcada pela apresentação de petição inicial, com os requisitos exigidos por lei, e o despacho do juiz, que ordenará o processamento da recuperação.

O pedido de recuperação judicial deve cumprir algumas exigências constantes no artigo 51, da Lei 11.101/05: A exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira; as demonstrações contábeis; relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção; a relação nominal completa dos credores, a relação integral dos empregados; certidões de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores; a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor; os extratos bancários e investimentos; certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial e a relação de todas as ações judiciais em que figure como parte.

Em seguida, o juiz deverá analisar a petição e proferir despacho ordenando o processamento do pedido. Somente após esse despacho atuará o Ministério Público.

Do despacho judicial até a aprovação do plano de recuperação judicial configura-se, na lição de Fábio Ulhoa Coelho, a fase deliberativa. Nessa fase, os credores irão deliberar sobre o plano.24

Segundo o autor, esse despacho difere daquele referente à distribuição do pedido, não se confundindo com a ordem de autuação ou outros despachos de mero expediente. A mera distribuição do pedido de recuperação judicial produz o efeito de sustar a tramitação dos pedidos de falência aforados contra a devedora requerente. Porém, quando a instrução da peça inicial não está completa e o autor requer prazo para emendá-la, o juiz profere despacho com ordem de autuação e deferimento do pedido. Esses atos judiciais não produzem nenhum efeito além do relacionado à tramitação do processo, só dizem respeito à adequação da petição inicial, de modo que não se confundem com o despacho de processamento do pedido.25

O despacho de processamento da recuperação também difere da decisão que concede a recuperação judicial. Ulhoa explica que o pedido de tramitação é acolhido no despacho de processamento, analisando– se apenas a legitimidade ativa e a instrução nos ditames legais. Somente ao longo da fase deliberativa se obterá os elementos necessários para concluir sobre a viabilidade da empresa devedora e, portanto, sobre a concessão da recuperação judicial.26

Conforme o autor: O conteúdo e efeitos do despacho de processamento da recuperação judicial estão previstos em lei: a) nomeação do administrador judicial; b) dispensa do requerente da exibição de certidões negativas para o exercício de suas atividades econômicas, exceto no caso de contrato com o Poder Público ou outorga de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios; c) suspensão de todas as ações e execuções contra o devedor com atenção às exceções da lei; d) determinação à devedora de apresentação de contas demonstrativas mensais; e) intimação do Ministério Público e comunicação por carta às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que a requerente estiver estabelecida. Por fim, a decisão será publicada na imprensa oficial, onde constará a relação dos credores, o resumo do despacho do processamento e o prazo para os credores se manifestarem no processo de recuperação judicial.27

Na terceira e última fase, ocorre a execução do plano de recuperação. Após a aprovação do plano apresentado pela sociedade empresária devedora, que pode, inclusive, ter sido alterado pela assembleia de credores, o processo seguirá conforme acordado, respeitando-se os seus prazos e valores nele descritos.

Nessa fase, além da execução do quanto estabelecido no plano, ocorre também a fiscalização do seu cumprimento, que deve ser realizada, de preferência, pelos próprios credores, de modo a possibilitar que, em se verificando irregularidades, seja denunciado ao juízo para que o magistrado adote medidas legais necessárias, havendo a possibilidade inclusive de transformação da recuperação judicial em falência, a depender da amplitude do descumprimento pelo devedor.

Vale destacar que a fase de execução somente ocorrerá se a assembleia de credores aprovar o plano de recuperação judicial. Isso acontece porque, conforme expõe Ulhoa, três podem ser os resultados da votação na assembléia: a) aprovação do plano de recuperação, por deliberação que atendeu ao quorum qualificado da lei; b) apoio ao plano de recuperação, por deliberação que quase atendeu a esse quorum qualificado; c) rejeição de todos os planos discutidos. 28

Qualquer que seja o resultado será submetido à análise do juiz, que poderá, respectivamente, homologar a aprovação do plano que passou pelo crivo dos credores; ele mesmo aprovar ou não o plano que quase alcançou o quorum; ou decretar a falência da requerente. O processo de recuperação judicial se encerra com a sentença do processo.

4.2. Regime eficiente de insolvência

A lei 11.101/05 é inspirada no ideal de eficiência. Conforme ensinamento de Fazzio, que expõe sobre o tema que dá título a esta subseção, a eficiência, sob o ponto de vista dos processos de insolvência,

Não está restrita à simples celeridade procedimental; não se confina nos domínios da satisfação creditícia; não se exaure, singelamente, no atendimento das prioridades e privilégios legais; não se cifra na especial atenção dedicada sancionatório da má administração empresarial. Sem ser nada disso em especial, é a síntese de todas essas facetas. Um processo de insolvência eficiente é aquele capaz de atender a todas essas metas.29

Nesse sentido é fundamental a escolha da solução mais adequada à situação da empresa para que se alcance a produtividade e eficiência que se deseja. Isso porque as dificuldades que circundam os procedimentos de falência e recuperação judicial, inclusive a conversão de um em outro, podem levar, nas palavras de Waldo Fazzio, ao insucesso das soluções legais, uma vez que desestimulam os credores e deixam pouca margem de resgate para o devedor. O mal direcionamento do processo pode levar ao definhamento do já debilitado patrimônio remanescente e minimização da viabilidade da recuperação da empresa em crise e da satisfação dos credores. Dessa eficiência deriva, segundo Fazzio, a eficácia substancial. 30

O autor ressalta, ainda, que a questão é muito complexa, na medida em que as soluções não podem estar restritas à relação bilateral entre devedor e credores, mas atentar à repercussão do processo nas relações de trabalho, bem como à projeção socioeconômica da empresa, cuja debilidade financeira e eventual quebra poderia levar outras empresas a sair do mercado. A solução da situação de insolvência importa não somente à satisfação dos créditos, como também os efeitos mínimos residuais para o mercado e interesses sociais paralelos. 31


5. A necessidade de especialização do Judiciário para efetivação da Lei nº 11.101/2005.

5.1. A atuação do magistrado na recuperação judicial.

Waldo Fazzio Jr. afirma que o pensamento que percorre toda a Lei nº 11.101/05 estima que maiores serão as chances de obter bons resultados quanto menor a interferência estatal via Administração Pública ou Poder Judiciário No seu entendimento, legislação mínima, fiscalização construtiva e adoção responsável de mecanismos de mercado constituem o “trinômio do sucesso na recuperação de empresas”.32

Olavo Rigon expressa que Fábio Ulhoa Coelho coaduna com esse entendimento. Por seu turno, o referido autor expressa dúvida se esse posicionamento amorfo do Judiciário deveria ser seguido. Em sua opinião, deve prevalecer uma atuação decisiva do magistrado, especialmente no que diz respeito ao instituto da recuperação judicial, que representa a grande novidade no sistema de insolvência.33

Rigon explica que a lei prevê uma atuação decisiva do magistrado, por exemplo, para a hipótese de o plano promover tratamento desfavorável aos credores que a ele não estejam sujeitos (art. 161, §2º). O juiz deve, bem assessorado, verificar se a empresa é realmente viável. Depois, deverá analisar se o plano de recuperação é adequado e preservar o interesse coletivo, e dos hipossuficientes no processo.34

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De acordo com Carlos Henrique Abrão, com a nova lei de falências e recuperação de empresas, o juiz recebe dupla responsabilidade. A primeira seria de cunho formal no que tange à apreciação do pedido e a outra, de cunho substancial, diz respeito ao encaminhamento da matéria ao menor formalismo e à efetividade plena na aprovação do plano de recuperação, bem como realização de assembleia e a participação dos interessados.35

É, pois, fundamental que o magistrado esteja atento aos requisitos gerais e específicos da reorganização societária por ocasião da homologação do requerimento de recuperação judicial ou extrajudicial. De acordo com o autor, caminha-se para um andamento mais rápido da prestação jurisdicional, priorizando a ética empresarial, a moralidade e, sobretudo, a transparência. 36

A legislação atual confere amplos poderes ao juiz para superar os impasses que surgirem durante o procedimento, embora não seja “quase soberano”, nas palavras de Abrão, como ocorre em legislações estrangeiras, como nos Estados Unidos, Espanha, França e Alemanha, onde o magistrado pode impor plano, retirar privilégios de credores, reduzir valores, desclassificar créditos, entre outras medidas.37

Assim, o magistrado, na recuperação judicial, não seria apenas um fiscalizador e um condutor no processo. Ele tem amplo poder, embora limitado, podendo interferir, inclusive, na decisão quanto à aprovação do plano, no caso, por exemplo, de não haver quorum suficiente para deliberação, e conceder a recuperação visando à função social da empresa, manutenção dos empregos etc. O juiz poderá conceder a recuperação judicial ainda que o plano não tenha sido aprovado pela assembleia, em determinadas situações previstas na legislação, como por exemplo, o artigo 58, § 1° e artigo 45, da citada lei.38

O referido dispositivo legal traz também uma espécie de contraditório específico, em que, ao ser requerida a decretação de falência, em dez dias tem o devedor a possibilidade de pedir a recuperação, demonstrando a viabilidade e liquidez da atividade empresarial. Nesse sentido, apresenta o magistrado o poder de adaptar, flexibilizar o plano de recuperação, nomear gestor provisório, demitir administrador, convocar assembleia e até decretar a quebra da empresa caso não vislumbre medida útil à sua recuperação.

Trata-se de procedimento em que o magistrado deve estar mais entrosado com a “sorte da empresa”, com seus destinos, e consciente da importância de cada decisão tomada ao longo do processo de recuperação. O Judiciário, com a Lei 11.101/05, tem participação ativa, colaborando diretamente para nortear o rumo da empresa em crise, tendo em vista a necessidade de venda antecipada de bens, esclarecimentos técnicos, laudos e relatórios a serem apresentados ao juiz etc.39

Quanto à necessidade de acompanhamento técnico e célere dos atos processuais no procedimento de recuperação judicial, interessante se faz a consideração feita por Abrão:

Recicla-se o conhecimento diariamente, aprimora-se a boa técnica e as decisões surgem quase em tempo real, porque qualquer demora é a própria negação do princípio geral da recuperação; assim, cabe estabelecer um poder- dever de conferir a legalidade somada à legitimidade, e, sobretudo, a responsabilidade de dirigir os atos voltados para o exame e processamento do plano e sua apresentação, no prazo legal de 60 (sessenta) dias, com a função de acompanhar atividade recuperatória pelos balanços, relatórios e a manifestação do administrador judicial.40

Assim, deve o juiz estar pautado na conveniência e oportunidade, bem como reger o processo com transparência e seriedade para que os procedimentos ocorram de forma célere e eficiente com o intuito de preservar a atividade empresarial e resguardar a sua credibilidade entre os credores. 41

Poderá o juiz ser complacente, como diz Rubens Requião, mero homologador da vontade do mercado, ou agente principal dessa mudança, protegendo os reais interesses da sociedade. Conforme o autor, para o magistrado ser o ator principal, e não mero coadjuvante, “o primeiro passo é conhecer o que terá em mãos daqui para frente”.42

5.2 A necessidade de especialização do Judiciário

O projeto de novo Código Comercial, o projeto de Lei nº 1.572/11, e a criação de câmaras especializadas para processar demandas que envolvem questões empresariais levantam a discussão sobre a necessidade de formar magistrados especializados no assunto.43

Roberto Senise Lisboa, promotor de justiça do Consumidor do ministério público de São Paulo, em comitê de Legislação da Amcham (Câmara Americana de Comércio- Brasil), ocorrida em São Paulo, no dia 13/03/2012, afirmou que “precisamos das câmaras especializadas, mas também de formação nas escolas de magistratura e no Ministério Público compatível com a realidade social”, ponderando ainda que “a falta de especialização está gerando um desânimo muito grande na sociedade, que espera muito mais do Judiciário”.44

Fábio Ulhoa Coelho, que também participou do evento, por sua vez, ressaltou que a realidade das empresas é muito específica e decidir questões de Direito Empresarial envolve uma complexidade que justifica a especialização do Judiciário. Para o professor, a maioria dos magistrados julga questões relativas a conflitos entre empresas sob a ótica do consumidor. Isso porque a experiência que os juízes têm de economia é a do consumidor e isso sabidamente influencia a decisão que tomam. 45

A criação de câmaras especializadas em questões empresariais reforça a necessidade de especialização do Judiciário. Conforme explica Ulhoa, “conversando com os desembargadores que lideram essas câmaras, vemos que existe um momento propício para discutir dentro do Poder Judiciário uma Justiça especializada em Direito Empresarial”.46

Conforme Carlos Henrique Abrão,

Embrenhada na Lei 11.101/05, a Judicatura moderna, do século XXI, pede espaço para a criação de varas especializadas; na maioria dos Estados, isto acontece e com resultados positivos; ultimamente, o Estado de São Paulo criou duas varas especializadas e Câmara Temática no Tribunal de Justiça; com isso, os juízes se aprimoram e têm noções muito próximas dos acontecimentos que assolam a atividade empresarial. 47

Mas somente isto é insuficiente. No entendimento do autor, necessita-se de uma revolução no corpo de funcionários, nos equipamentos, na informática, nos acessos aos bancos de dados, comunicações com os Registros de Empresas, Juntas Comerciais, Banco Central, Receita Federal, e todo o conjunto de instrumentos que de subsidiam o procedimento e que se incorporam a favor da reorganização da sociedade empresária.48

Desse modo, conjugam-se esforços voltados para dinamizar a efetividade da decisão, transforma-se o coração do processo no panorama do procedimento, com a maior intervenção possível e o maior resultado desejado, no sentido de reduzir os recursos e priorizar soluções.49

Ressalta Abrão que, com a Lei atual, saem de cena o antigo comissionário e síndico dativos, e passa a participar o administrador judicial, profissional de notável conhecimento e técnica aprimorada, seja advogado, economista, administrador de empresa ou contador, não se vedando, ainda, a nomeação de pessoa jurídica que possua reputação ilibada, idoneidade e larga visão sobre o tema. As intervenções sucedem com transparência, a partir da assembleia de credores, do comitê de credores, do administrador judicial, das classes e categorias dos credores e fundamentalmente do Ministério Público e da magistratura.50

Nota-se uma ruptura com o passado, e o surgimento, em todas as etapas, de um instrumento assinalando o interesse público, em detrimento da lide antiga entre credor e devedor. O principal objetivo trazido pela nova lei é conservar e preservar a empresa, de maneira ampla, direta e absolutamente complexa.51

Nesse sentido, o professor Nelson Abrão afirma que os juízes ganham uma importante função visando alcançar a justiça social, não apenas comutativa. Necessita a magistratura, sobretudo, de independência e capacitação. A reforma do sistema empresarial afigura-se urgente, mas, sem autonomia plena, dificilmente se efetivará os propósitos do Direito Concursal.52

5.3. A criação de varas especializadas.

As vantagens da especialização do Judiciário com a criação de varas e câmaras de falência e recuperação judicial já foram reconhecidas por diversos Tribunais de Justiça no país, a exemplo dos tribunais de São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Paraná, Ceará, Minas Gerais, entre outros.

No Estado do Rio Janeiro, a criação de Varas Empresariais pelo Tribunal de Justiça apresenta um resultado positivo. Segundo pesquisa realizada com base em acórdãos do tribunal fluminense, no período entre 2004 e 2006, a probabilidade de decisões dadas nos juízos especializados em Direito Empresarial serem reformadas em segundo grau é de 12,5% a 15% menor do que as sentenças proferidas nas Varas Cíveis da Capital.53

A pesquisa foi realizada pelo editor-chefe da Review of Economic Development, Public Policy and Law, Ivan César Ribeiro (FEA-USP), no âmbito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a partir de levantamento feito junto ao site do próprio tribunal, utilizando-se 136 decisões que tratavam de temas de Direito Empresarial, como dissolução de sociedade, sucessão de sociedade, desconsideração de pessoa jurídica, entre outros.54

A partir dos resultados obtidos, o pesquisador concluiu que os juízos especializados proferem decisões com mais consistência. Ademais, o baixo número de reformas de sentenças dadas por juízes de Comarcas do Interior sinaliza que a carga de trabalho dos juízos também influencia sobre a qualidade das decisões. Para Ribeiro, os juízes com conhecimento especializado saberão restringir seu campo de atuação àqueles que lhes forem reservados por lei específica. Ou seja, os juízes atuantes em varas empresariais decidem com um maior grau de certeza, o que reduz a insegurança dos participantes deste mercado.55

A Justiça de Minas Gerais, por sua vez, possui três Varas Empresariais. Com o advento da Lei nº 11.101/2005, as Varas de Falências e Concordatas receberam nova denominação, passando a serem chamadas de Varas de Falências e Recuperações Judiciais. Houve sugestões de ampliação de competência, de modo que passassem a ser denominadas Empresariais. Em 2006, houve a alteração de nomenclatura, mas ficaram restritas às ações que envolvem liquidação e dissolução de sociedades empresariais.56

Em São Paulo, foram criadas, em junho de 2005, por meio da Resolução nº 200/2005, três Varas de Falências e Recuperações Judiciais na capital, com competência para processar, julgar e executar os processos relativos à falência, recuperação judicial e extrajudicial, acessórios e incidentes, disciplinados pela Lei nº 11.101/2005, incluídas as ações penais (art. 15 da Lei Estadual nº 3.947/83). 57

Segundo Ronnie Herbert, juiz assessor da Presidência do TJSP, o volume de processos que tramitam em cada vara especializada é de aproximadamente 620, número compatível com a necessidade de atenção devida para permitir a recuperação de uma empresa.58

Em fevereiro de 2012, o Tribunal de Justiça de São Paulo criou também uma Câmara Reservada Empresarial, foro que terá competência para julgar questões de Direito Empresarial previstas na lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76) e Lei de Propriedade Industrial (9.279/96). No estado, também foi criada uma Câmara reservada para questões de Falências e Recuperações Judiciais.59

No caso do Paraná, a competência é das Varas de Fazenda Pública, Falências e Recuperação Judicial. Elas enfrentam dificuldades e atrasos na liquidação de empresas. Segundo o Tribunal de Justiça do estado, encontraram-se possíveis irregularidades na conduta de alguns síndicos de massas falidas, gestores designados por magistrados para administrar os bens das empresas e cumprir seus débitos.60

A Corregedoria, por ocasião da inspeção finalizada em março de 2012, sugeriu mudanças no código de normas do tribunal e propôs soluções a exemplo do deslocamento da competência dos processos de insolvência para as varas cíveis ou então a criação de varas especializadas apenas em falências. O corregedor-geral do TJPR, o desembargador Noeval de Quadros, afirmou que a conclusão é de que os processos de falência e de execução fiscal devem ser retirados das quatro varas de Fazenda Pública, para que haja um número compatível de procedimentos em cada uma delas, em conformidade com a capacidade de fiscalização.61

Por fim, Tribunal de Justiça do Distrito Federal também possui varas especializadas. No entanto, por meio da Resolução nº 23, em decisão de novembro de 2010, foi ampliada a competência da Vara de Falências e Recuperações Judiciais e alterado o seu nome, passando a se denominar Vara de Falências, Recuperações Judiciais, Insolvência Civil e Litígios Empresariais. 62

Dentre os 26 estados federativos e Distrito Federal, somente o Paraná, Piauí e Amapá distribuem os processos de liquidação de empresas entre as Varas de Fazenda Pública. Dez estados distribuem demandas dessa natureza para Varas Cíveis. Mas a maioria das unidades federativas, totalizando 14 estados, possui varas especializadas. 63

Nota-se, pois, que os Tribunais de Justiça que optam pela especialização de varas para processar e julgar ações cujo regime esteja presente na Lei nº 11.101/05 apresentam resultados positivos, na medida em que a redução do número de processos por unidade, bem como a dedicação a matérias específicas, seja de forma mais ampla (empresarial) ou mais restrita (falência e recuperação de empresas), proporciona maior qualidade de decisões e eficiência no acompanhamento dos processos, evitando-se, inclusive, que a decisão do magistrado seja reformada em segundo grau.

5.4. A instauração de setor para auxílio técnico.

Como já demonstrado anteriormente, o magistrado deve conduzir o processo com agilidade e zelar para que a recuperação seja bem sucedida, função que é mais complexa do que aparenta, já que versa sobre interesses diversos, e muitas vezes conflitantes, e por estar relacionada com fatores de mercado e financeiros.64

Sem dúvida, a realização desse papel é ainda dificultada não só pela amplitude de conhecimentos jurídicos e extra jurídicos, como também em razão da deficiência de estrutura específica para a condução de tais processos. Revelam-se dificuldades, inclusive, para nomeação de peritos e avaliadores (por necessidade de conhecimento técnico específico), nomeação de administradores (na medida em que tal atividade exige também que o indivíduo tenha conhecimentos jurídicos, de gestão, de contabilidade e de mercado, além de ser, muitas vezes, um grande ônus, de modo que se torna comum a recusa).65

Diversos empecilhos que surgem ao longo do procedimento, a exemplo dos já citados, bem como impugnações, multiplicidade de habilitações, formalismos e lacunas da lei, estrutura estatal deficiente, ausência de treinamento contábil- econômico para os juízes ou mesmo ausência de setor técnico de suporte ao magistrado, entre outras dificuldades, promovem uma morosidade que é indesejada, na medida em que esses entraves a aspectos práticos inviabilizam a concretização do objetivo almejado, qual seja, a reinserção ou manutenção da empresa no mercado, garantindo sua função social, e satisfazendo os múltiplos interesses que circundam a causa. 66

Por isso, o eventual plano de recuperação deverá ser supervisionado com competência técnica e o Poder Judiciário deverá se cercar de bons profissionais e proporcionar a especialização de seus magistrados. Em verdade, caberá ao magistrado decidir se a empresa é um estorvo para a sociedade e se não está cumprindo com sua função social e, portanto, deve ser liquidada. Ou, ao contrário, se se vislumbra, com elementos científicos, sua viabilidade e, consequentemente, sua recuperação.

Nesse sentido, Jorge Lobo expõe sobre as causas de crises das empresas, mostrando como é complexo e técnico decidir a respeito da sua viabilidade e a necessidade de o magistrado estar preparado e acompanhado de profissionais idôneos.

De acordo com Lobo, citado por Olavo Rigon, há causas externas, que se referem ao aperto da liquidez, liberação de importação, surgimento de novos produtos, retração no mercado internacional ou nacional, inadimplemento dos devedores, inclusive do próprio Estado; causas internas ou imputáveis às próprias empresas ou aos empresários, envolvendo questões como a sucessão do controlador, o desentendimento entre os sócios, operações de alto risco, capital insuficiente, má administração, avaliação incorreta de possibilidades de mercado, falta de profissionalização da administração, mão-de-obra não qualificada, baixa produtividade, obsolescência dos equipamentos, excesso de imobilização e de estoques, redução das exportações e de investimento em novos equipamentos; e, por fim, causas acidentais, como o bloqueio de papel moeda no Banco Central, a maxidesvalorização da moeda nacional, a situação econômica anormal da região, do país ou do mercado consumidor estrangeiro e conflitos sociais.67

Portanto, em face da exigência de conhecimentos específicos em economia, contabilidade e administração empresarial, que fogem à formação jurídica do magistrado, tornando-se um dos grandes entraves à atividade jurisdicional, a especialização do Judiciário para a efetivação da Lei nº 11.101/05 pode também estar relacionada à criação de setores técnicos que auxiliem o magistrado e demais servidores das varas competentes para processar demandas empresariais, principalmente casos que envolvam o regime de insolvência.

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Sobre a autora
Samara Moura Valença de Oliveira

Estudante de Direito da Universidade Federal da Bahia, estagiária do Ministério Público Federal na Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Samara Moura Valença. A necessidade de especialização do Poder Judiciário com vistas à efetivação da Lei 11.101/2005. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3951, 26 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27897. Acesso em: 26 abr. 2024.

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