É indiscutível a repugnância às atitudes preconceituosas ocorridas recentemente no meio esportivo. Na Espanha, foi lançada uma banana na direção do brasileiro Daniel Alves, jogador do Barcelona. A reação dele foi imediata e genial: Daniel comeu a banana, atordoando, certamente, seu ofensor. Nos Estados Unidos, um dirigente de um time de basquete fez uma ligação (gravada) criticando e condenando asperamente a namorada que havia postado uma foto ao lado de um jogador negro em sua rede social. Ambos os fatos causaram enorme indignação no mundo e respostas à altura, inclusive de Barack Obama.
Cumpre corrigir, no entanto, uma impropriedade jurídica acerca destes fatos: não se tratam de crimes de racismo e sim de crimes de injúria qualificada, o que, tecnicamente, é bem diferente. Prevê, com efeito, o artigo 140, parágrafo 3º do Código Penal: Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: (...) 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Pena - reclusão de um a três anos e multa. É a tipificação, em nossa legislação, da injúria racial, o que de fato aconteceu nos episódios citados já que houve ofensa direta à honra subjetiva de determinadas pessoas em razão de sua raça ou cor.
O crime de racismo, por sua vez, está previsto na lei 7716/89. Ocorre quando se nega ou se impede o exercício de direitos a alguém com base em questões de raça ou cor. Aproximando-se dos fatos ocorridos, se daria caso o jogador Daniel Alves, por exemplo, fosse impedido de entrar em campo em virtude do fato de ser negro (ou mulato, como ele é de fato). São circunstâncias bastante diferentes. O crime de racismo, aliás, é imprescritível e inafiançável, ressalte-se.
Desfeita a impropriedade técnica, convém analisar um lado da repercussão do primeiro fato. Explodiu nas redes sociais, capitaneada por jogadores e por artistas que não perdem a oportunidade de aparecer por “boas causas”, uma campanha de repúdio à atitude contra o jogador brasileiro estampando a frase: “somos todos macacos”. Imaginam, parece, que estão igualando a todos, considerando-nos todos macacos.
Ora, não sou macaco! Absolutamente! Nem macaco, nem boi, nem girafa, nem urso, nem leão, nem qualquer bicho. E não pelo fato de ser branquelo. Sou humano, assim como os ofendidos e ofensores nos casos em comento. Ademais, ao assumir uma condição de “macaco” não poderia me incomodar com o fato de alguém me lançar uma banana. Nada mais normal, aliás. Não somos macacos, definitivamente. Somos humanos. É isso que nos iguala.
Por outro lado, é bom lembrar que esses episódios ocorreram bem longe e quem sofreu foram pessoas famosas e muito bem de vida financeiramente que, sinceramente, não sei se incomodam tanto. Devíamos aproveitar o ensejo, no entanto, para nos preocuparmos com o insidioso racismo real que vivenciamos diariamente aqui no nosso país, sobretudo contra negros pobres, e que não é exposto devidamente na mídia nem abraçado por artistas. Vimos há pouco um ator sendo preso confundido com o verdadeiro criminoso pelo fato de também ser negro. São fatos corriqueiros e, lamentavelmente de pouca repercussão e menos ainda de punição.
Não basta criticar o que aconteceu lá fora, nem fazer campanha em prol de negros de elite. Tem-se que corrigir e coibir o que há aqui, debaixo de nossos narizes e – pior- praticado por nós mesmos.