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As especificidades para colocação da criança indígena em família substituta

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O nome de criança indígena não poderá constar no Cadastro Nacional de Adoção, pois não há como se garantir o respeito à identidade social e cultural nem a prioritária colocação no seio da mesma etnia.

 Nos termos do art. 28 do ECA, são três as modalidades de colocação em família substituta: guarda, tutela e adoção. Entendo despiciendo tratar da tutela porque, embora possível sua utilização para garantir o direito à convivência familiar, a esmagadora maioria de crianças indígenas em situação de risco não possui bens que reclamem o cuidado patrimonial por família substituta. Do mesmo modo, deixarei de abordar a adoção internacional de crianças indígenas pela singela razão de necessitarmos envidar todos os esforços a fim de evitá-la, uma vez que a adoção desses menores por família não-indígena acarreta irremediável ruptura cultural, o que significa não apenas um prejuízo ao desenvolvimento psíquico-social do menor como também uma perda irreparável para a própria comunidade indígena, que deixa de ter consigo um de seus “parentes”1.

Observa-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente disciplinou genericamente, nos arts. 165 a 170, normas processuais às três modalidades mencionadas, fazendo constar as particularidades de cada uma delas de forma dispersa no restante do texto legal.

Assim, podemos dizer que o procedimento de colocação em família substituta é sumário, sendo que às regras traçadas nos arts. 165 a 170 do ECA se aplicam subsidiariamente o Código de Processo Civil, conforme expressa previsão constante do art. 152 da norma estatutária. Também importa acrescer que poderá apresentar natureza de jurisdição voluntária ou constituir verdadeiro processo contencioso, a depender de o caso concreto demandar ou não a existência de lide.

Os requisitos da petição inicial listados pelo ECA para as ações de guarda e adoção não sofreram alterações pela Lei nº. 12.010/09, de modo que continuam sendo, além dos listados no art. 282 do Código de Processo Civil, os seguintes: qualificação completa do requerente e de seu eventual cônjuge, ou companheiro, com expressa anuência deste; indicação de eventual parentesco do requerente e de seu cônjuge, ou companheiro, com a criança ou adolescente, especificando se tem ou não parente vivo; qualificação completa da criança ou adolescente e de seus pais, se conhecidos; indicação do cartório onde foi inscrito nascimento, anexando, se possível, uma cópia da respectiva certidão; declaração sobre a existência de bens, direitos ou rendimentos relativos à criança ou ao adolescente.

Na hipótese de concordância dos pais, estes serão ouvidos pela autoridade judiciária e pelo representante do Ministério Público em audiência, na qual se garantirá a livre manifestação de vontade e se tomarão a termo as declarações. A audiência também se fará necessária nos casos de consentimento prestado por escrito, a fim de ratificá-lo, sem o que o consentimento não terá validade. Antes de prestá-lo, os titulares do poder familiar receberão orientações e esclarecimentos por parte da equipe interprofissional da Justiça da Infância e da Juventude, que advertirá, no caso de adoção, sobre a irrevogabilidade da medida e sobre a impossibilidade de retratação após a publicação da sentença.

No ponto, é de se atentar para o fato de que, por ocasião dessas audiências, o juízo da Infância e da Juventude deverá guardar observância à disposição constante do art. 12 da Convenção 169 da OIT sobre povos indígenas e tribais, segundo o qual “os povos interessados deverão ter proteção contra a violação de seus direitos, e poder iniciar procedimentos legais, seja pessoalmente, seja mediante os seus organismos representativos, para assegurar o respeito efetivo desses direitos. Deverão ser adotadas medidas para garantir que os membros desses povos possam compreender e se fazer compreender em procedimentos legais, facilitando para eles, se for necessário, intérpretes ou outros meios eficazes”. Dadas as relevantes implicações que o consentimento acarreta para o poder familiar, é imprescindível que, na audiência designada para colhê-lo, ratificá-lo ou simplesmente para ouvir os interessados indígenas, seja garantido o auxílio de intérprete.

Durante a fase instrutória, o juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou do Ministério Público, determinará a realização de estudo social ou, se possível, perícia por equipe interprofissional, que deverá opinar sobre a concessão de guarda provisória, bem como, no caso de adoção, sobre o estágio de convivência. Aqui, necessário observar que, a partir da vigência da Lei nº. 12.010/09, por força do art. 161, §2º2, a equipe interprofissional do juízo da Infância e da Juventude está expressamente obrigada a ouvir a FUNAI nos casos de perda ou suspensão do poder familiar cujos titulares sejam indígenas. Desse modo, o simples acolhimento institucional, como medida restritiva do poder familiar que é, já reclama a oitiva da FUNAI pela equipe interprofissional do juízo desde o procedimento que se instaurar para acompanhar a reavaliação semestral da criança, não se restringindo a oitiva da fundação indigenista às ações de destituição do poder familiar nem às ações destinadas à colocação da criança em família substituta, que são providências consequentes àquele. O mesmo é de se dizer da oitiva de antropólogo, já que o art. 161, §2º, determina a observância ao art. 28, §6º, o qual, de sua vez, prevê a obrigatoriedade de oitiva de tal profissional pela equipe interprofissional do juízo.

Deferida a guarda provisória ou o estágio de convivência, a criança será entregue ao interessado, mediante termo de responsabilidade.

Apresentado o relatório social ou o laudo pericial, e ouvida, sempre que possível, a criança, dar-se-á vista dos autos ao Ministério Público, pelo prazo de cinco dias, decidindo a autoridade judiciária em igual prazo. A oitiva da criança indígena também deverá observar a garantia acima transcrita, conferida pela Convenção 169 da OIT3.

Nas hipóteses em que a perda ou a suspensão do poder familiar constituir pressuposto lógico da medida principal de colocação em família substituta, será observado o procedimento contraditório previsto nos arts. 155 a 163 do ECA4. Noutras palavras, não há proibição à cumulação do pedido de colocação em família substituta com o pedido de destituição do poder familiar, a lei apenas observa que, quando este consistir pressuposto lógico àquele, não se observará o procedimento sumário do art. 165 a 170 do ECA, mas sim o procedimento ordinário (art. 1525 do ECA c/c art. 292, §2º6, do CPC).

No presente tópico, cumpre ainda comentar a tão esperada e valiosa alteração promovida no texto do ECA pela Lei nº 12.010/09, que foi a inclusão do §6º ao art. 28, nos seguintes termos:

Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.

[…]

§ 6º. Em se tratando de criança ou adolescente indígena ou proveniente de comunidade remanescente de quilombo, é ainda obrigatório:

I - que sejam consideradas e respeitadas sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, bem como suas instituições, desde que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais reconhecidos por esta Lei e pela Constituição Federal;

II - que a colocação familiar ocorra prioritariamente no seio de sua comunidade ou junto a membros da mesma etnia;

III - a intervenção e oitiva de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista, no caso de crianças e adolescentes indígenas, e de antropólogos, perante a equipe interprofissional ou multidisciplinar que irá acompanhar o caso. (sem grifos no original)

As disposições acima transcritas trouxeram para a norma estatutária o efetivo reconhecimento de se conferir tratamento específico à comunidade indígena, de modo a garantir sua identidade social e cultural, assim como seus costumes e tradições, da maneira como já determinavam a Convenção 169 da OIT, a Declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos Povos Indígenas e a Constituição Federal de 1988. Não obstante o respeito à diferença já constar de todos esses diplomas normativos, precisou advir a vigência da alteração legislativa acima transcrita para que a Procuradoria Federal pudesse observar o Judiciário se dobrando à necessidade de ouvir a FUNAI e, ainda, de determinar a realização de perícia antropológica, até então considerada um requerimento meramente protelatório!

Como se pode observar, a perspectiva agora é outra. O que antes se entendia estar a critério do magistrado, a Lei 12.010/09 considerou uma obrigação, não restando mais a possibilidade do juiz prescindir da opinião do profissional de antropologia. De se lamentar, apenas, a necessidade dessa oitiva precisar constar expressamente de dispositivo de lei quando o Código de Processo Civil já havia estabelecido, em 1973, que o juiz se valeria de perito quando carecesse de conhecimento técnico ou científico para decidir. Por conta de muitos magistrados desconsiderarem a relevância dessa opinião ou até mesmo por se acharem em condições de adentrar seara restrita à formação do profissional sob comento é que muitas crianças indígenas chegaram a ser entregues à adoção internacional, equívoco esse causador de profundo pesar não só à comunidade indígena diretamente afetada mas a todos aqueles que de alguma forma compreendem as implicações que isso acarreta.

No ponto, oportuno mencionar que a oitiva de antropólogo é uma providência a ser realizada pela equipe interprofissional do juízo da Infância e da Juventude, não se conferindo ao Judiciário a possibilidade de transferir o custo dessa obrigação legal à FUNAI. Dessa sorte, fere frontalmente o texto da lei a decisão judicial que determina intimação da Fundação para depositar os honorários do perito antropólogo.

Outro esclarecimento necessário acerca do novel dispositivo de lei acima transcrito é que a mencionada intervenção da FUNAI no feito se dá através de seus procuradores federais e com o objetivo de resguardar a melhor solução para a criança, razão por que não pode a Procuradoria Federal assumir ainda a curadoria do réu revel citado por edital. E isso porque, nos processos de destituição do poder familiar, certamente colidirão os interesses do réu com os da criança que se busca proteger, o que recomenda, a fim de se garantir o efetivo exercício do contraditório e da ampla defesa, a designação da Defensoria Pública para o exercício de tal mister.

Também importa esclarecer que a atuação da FUNAI no feito não se fundamenta na eventual incapacidade dos índios para os atos da vida civil, pois a Constituição Federal, ao reconhecer aos indígenas capacidade processual para ingressar em juízo7, sepultou o que ainda hoje é motivo de imbróglios judiciais e entraves na esfera cível: a tutela. Como sabemos, apenas as pessoas capazes possuem capacidade processual plena. A tutela de pessoas estabelecida no Estatuto do Índio foi substituída pela tutela de direitos a partir da promulgação do texto constitucional vigente. Dessa sorte, qualquer distinção entre indígenas que tenha como critério o nível de integração à comunhão nacional é inconstitucional e discriminatória.

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Por derradeiro, importa registrar que tal inovação trazida pela Lei nº 12.010/09 alimenta a esperança de se pôr um fim à adoção indiscriminada de crianças indígenas por pessoas que não façam parte de sua comunidade. No ponto, oportuno mencionar a diferença verificada por Tatiana Azambuja Ujacow Martins “entre o olhar do índio sobre a criança, no aspecto de prioridade e atitude da sociedade envolvente, na qual não há lugar para os velhos e para as crianças, considerados seres improdutivos”. Acrescenta ainda a mencionada autora:

É costume, entre os índios, a adoção de crianças por parentes, quando estas ficam órfãs, ou quando a família não tem condições de criá-las. Na maioria das famílias visitadas, encontra-se um sobrinho, ou outro parente, morando junto, que é criado e educado como se fosse filho.

Conforme o Capitão L. esclarece, no caso de crianças órfãs, quando os pais não têm condições de sustentar a criança, ou quando algumas famílias moram mais perto das escolas, é comum um “parente” entregar a criança para morar com o outro, que passa a criá-lo como filho. […]

Observa-se que, para os índios, a adoção é algo que faz parte do seu modo de ser.8

Desse modo, vê-se que colocar uma criança indígena para viver em ambiente completamente alheio ao seu universo, não apenas contraria, a partir da vigência da Lei nº 12.010/09, expressa disposição de lei, mas também subtrai da criança a oportunidade de viver em ambiente onde ela é culturalmente mais valorizada, o que chega a ser, não posso deixar de dizer, perverso.


DA GUARDA

A guarda é a modalidade de colocação em família substituta que obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais, e ao infante a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários.

Salvo expressa e fundamentada determinação em contrário da autoridade judiciária competente, ou quando a medida for aplicada em preparação para adoção, o deferimento da guarda de criança a terceiros não impede o exercício do direito de visitas pelos pais, assim como o dever de prestar alimentos, que serão objeto de regulamentação específica, a pedido do interessado ou do Ministério Público.

A competência para o julgamento da ação de guarda dependerá da situação em que se encontra a criança. Se em algumas das hipóteses do art. 98 do ECA, ou seja, em situação de risco ou de violação de direitos, sem qualquer responsável pelo infante, a competência será do juízo da Infância e da Juventude. Noutro passo, “se a criança ou o adolescente encontra-se sob a guarda fática de pessoas com as quais mantenha vínculo de parentesco e os pais desejam também exercer a guarda ou a ela anuíram, a competência para apreciar o pedido será da Justiça de Família, isto porque o infante não estará desassistido”9.

Entre os indígenas, a guarda é bastante solicitada como forma de regularizar a posse de fato sobre crianças que ficaram órfãs ou foram abandonadas pelos genitores que constituíram nova família, tal como esclareceu alhures a pesquisa do antropólogo Levi Marques Pereira. Nesse caso, oportuno mencionar a situação de muitas famílias que, em busca de regularizar a posse de fato, trazem ao conhecimento da Procuradoria Federal ou do Ministério Público, da Defensoria Pública e do Judiciário, a situação de um neto, sobrinho ou irmão cujo(a) genitor(a) faleceu ou encontra-se recluso(a). Nessas hipóteses, em reverência ao princípio da proteção integral10, é de todo recomendável que o agente público correspondente dê conhecimento do fato à FUNAI a fim de que esta empreenda as providências necessárias para que o menor passe a auferir o benefício previdenciário de pensão por morte ou auxílio-reclusão a que eventualmente tenha direito, uma vez que a grande maioria dos indígenas é enquadrada na qualidade de segurado especial11. Não raro ocorreu de mães chegarem à Procuradoria Federal trazendo consigo o filho recém-nascido sem sequer saber da existência do salário-maternidade.

A recomendação também se deve ao fato da celebração de Termo de Cooperação Técnica entre INSS e FUNAI haver atribuído à fundação indigenista a incumbência de realizar a inscrição e comprovação do período de atividade na condição de segurado especial dos indígenas e, bem assim, de efetuar o registro da declaração anual na condição de segurado especial. No cotidiano das aldeias, são os Coordenadores Técnicos locais da FUNAI que dão encaminhamento aos requerimentos de benefício previdenciário dos indígenas.

Não obstante, deve-se atentar para a situação oposta, ou seja, para as hipóteses em que se busca a guarda de uma criança especialmente para se ter acesso ao benefício previdenciário que ela já aufere ou está por auferir. Situações do tipo devem ser veementemente rechaçadas a fim de garantir ao menor um guardião que, liberto de qualquer torpeza, comprometa-se a exercer os deveres inerentes à guardiania.

A guarda poderá ser revogada a qualquer tempo, mediante ato judicial fundamentado, ouvido o Ministério Público. Por autorização do parágrafo único do art. 169 do ECA, a perda ou a modificação da guarda poderá ser decretada nos mesmos autos do procedimento.


DA ADOÇÃO

A adoção é medida excepcional e irrevogável, a qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança na família natural ou extensa e, ainda, quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos. Por meio desse instituto, cuja apreciação é de competência exclusiva do juízo da Infância e da Juventude, atribui-se ao adotado a condição de filho, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.

Por inovação da Lei nº 12.010/09, os maiores de 18 anos poderão adotar, mas deverão apresentar, assim como os maiores de 21 anos, uma diferença de pelo menos dezesseis anos de idade em relação ao adotando. Embora a concessão da adoção independa do estado civil do interessado, deverão comprovar o casamento civil ou a comunhão estável aqueles que a postularem de forma conjunta. Ascendentes e irmãos estão proibidos de adotar.

Aos divorciados, judicialmente separados ou ex-companheiros se permitirá a adoção somente se acordarem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de convivência tenha-se iniciado na constância do casamento ou da união estável, devendo-se comprovar ainda a existência de vínculos de afinidade e afetividade, que justifiquem a excepcionalidade da concessão, entre o adotando e aquele que não detiver a guarda. Mencionada previsão legal é de pouca utilidade entre os indígenas porque, conforme alhures explanado, os filhos do casamento desfeito acabam sendo absorvidos pela parentela de um dos cônjuges.

Conforme bem observa Sávio Bittencourt, “a adoção só pode ser deferida quando os pais biológicos faleceram, são desconhecidos, concordaram livremente ou foram destituídos do poder familiar. Nas três primeiras hipóteses não existe qualquer dificuldade jurídica para a disponibilização da criança ou adolescente para a adoção, além dos cuidados ordinários para verificação da veracidade das informações. É justamente na hipótese de destituição do poder familiar que reside um dos pontos nodais da questão da adoção, por pressupor processo judicial contencioso para decretar a desfiliação originária.”12 Não obstante, conforme a necessidade de se postular a adoção ou a guarda de criança cujos pais ainda não tenham sido destituídos do poder familiar, poder-se-á ajuizar uma única ação, cumulando-se assim os pedidos, uma vez que causa de pedir da destituição constitui pressuposto lógico para a concessão do pedido de adoção ou de guarda, conforme alhures mencionado.

A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso, podendo ser dispensado se o adotando já estiver sob a guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo. Não obstante, a Lei nº 12.010/09 considerou que a simples guarda de fato não autoriza, por si só, a dispensa da realização do estágio de convivência.

O estágio de convivência será acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida.

Concedida a adoção, esta passará a produzir seus efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença, a qual conferirá ao adotado o nome do adotante e, a pedido deste, poderá determinar a modificação do prenome. Outrossim, a sentença será inscrita no registro civil mediante mandado, que determinará o cancelamento do registro original do adotado. A inscrição consignará o nome dos adotantes como pais, bem como o nome de seus ascendentes, sendo que nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar nas certidões do registro. Havendo pedido do adotante, o novo registro poderá ser lavrado no Cartório do Registro Civil do Município de sua residência. No caso de criança indígena, também se faz necessária a expedição de mandado à FUNAI, para ultime idênticas providências em relação ao registro administrativo de nascimento, mais conhecido como RANI, com previsão legal no art. 13 do Estatuto do Índio.

Ainda acerca do registro de nascimento, importa registrar que o Conselho Nacional de Justiça decidiu inaugurar no Mato Grosso do Sul o projeto intitulado “Cidadania: direito de todos”, por meio do qual se garantiu aos indígenas a emissão de registro civil de nascimento e carteira de identidade com a inscrição do nome na língua materna, da etnia e da aldeia de origem. No mesmo Estado mencionado, a Corregedoria-Geral de Justiça do TJMS, em relação ao assento de nascimento indígena no Registro Civil, já havia reconhecido tal direito através do Provimento nº 18, de 04 de agosto de 2009.

Dessa sorte, o mandado a ser direcionado ao Cartório de Registro Civil deverá observar o direito do indígena a ser reconhecido como tal. O receio de possuir registro de nascimento sem qualquer referência a essa condição é que motivava muitos indígenas a não obtê-lo. A partir do momento que o Conselho Nacional de Justiça passou a abraçar essa causa, a tendência será o RANI cair em desuso.

Por derradeiro, é de se registrar uma conclusão lógica que se retira da leitura do §6º do art. 28 do ECA, qual seja: as providências ali elencadas são incompatíveis com a inscrição de criança indígena no Cadastro Nacional de Adoção. Com efeito, não há como se garantir o respeito à identidade social e cultural nem a prioritária colocação familiar no seio da comunidade ou junto a membros da mesma etnia inscrevendo o nome dessa criança numa lista que a habilitaria a ser adotada por qualquer pessoa de qualquer lugar do país. Dessa sorte, ainda que a lei não o tenha dito com todas as palavras, ainda que não conste do rol das exceções inscritas no art. 50, §13, do ECA, é meramente lógico concluir que o nome de criança indígena não poderá constar do mencionado cadastro. No Estado do Mato Grosso do Sul, afortunadamente, muitos juízes deixaram de fazê-lo e até mesmo retiraram os nomes de crianças indígenas que já constavam do CNA.


Notas

1Reza o art. 9º da Declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos Povos Indígenas: “Os povos e indivíduos indígenas têm o direito de pertencerem a uma comunidade ou nação indígena, em conformidade com as tradições e costumes da comunidade […].”

2“Art. 161. […]

§2º. Em sendo os pais oriundos de comunidades indígenas, é ainda obrigatória a intervenção, junto à equipe profissional ou multidisciplinar referida no § 1o deste artigo, de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista, observado o disposto no § 6o do art. 28 desta Lei.”

3Além da convenção mencionada, reza o art. 13 da Declaração das Nações Unidas sobre os direitos do Povos Indígenas: “[...] Os Estados adotarão medidas eficazes para […] assegurar que os povos indígenas possam entender e ser entendidos em atos políticos, jurídicos e administrativos, proporcionando, para isso, quando necessário, serviços de interpretação ou outros meios adequados.”

4Reza o art. 169 do ECA: “Nas hipóteses em que a destituição da tutela, a perda ou a suspensão do pátrio poder poder familiar constituir pressuposto lógico da medida principal de colocação em família substituta, será observado o procedimento contraditório previsto nas Seções II e III deste Capítulo.”

5“Art. 152. Aos procedimentos regulados nesta Lei aplicam-se subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação processual pertinente.”

6 “Art. 292. É permitida a cumulação, num único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão.

[...]

§ 2º. Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, admitir-se-á a cumulação, se o autor empregar o procedimento ordinário.”

7Reza o art. 232 da Constituição Federal: “Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.”

8UJACOW MARTINS, Tatiana Azambuja. Direito ao Pão Novo: o princípio da dignidade humana e a efetivação do direito indígena. 1. ed. São Paulo: Pillares, 2005. 171 p.

9MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Ação de Guarda. In: IBDFAM. Curso de Direito da Criança e do Adolescente – aspectos teóricos e práticos. Rio de Janeiro, 2010. p. 627-634.

10Ensina Sávio Bittencourt: “O princípio da proteção integral sugere que a criança e o adolescente devem encontrar no poder público todo o apoio necessário para que seus interesses sejam atendidos, propiciando uma criação sadia e em condições de proporcionar a formação de seus caráter e personalidade. Destarte, se insere nesse contexto a inclusão do atendimento em todas as necessidades, como alimentação, educação, vida familiar e social, dentre outras. A própria família da criança deve ser amparada através de uma rede de atendimento que lhe dê condições de criá-la com carinho e cuidado.” BITTENCOURT, Sávio. A Nova Lei de Adoção – Do Abandono à Garantia do Direito à Convivência Familiar e Comunitária. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. 36 p.

11De acordo com o Art. 7º, §3º, da Instrução Normativa INSS/PRES Nº 45, DE 6 DE AGOSTO DE 2010 – DOU DE 11/08/2010, “enquadra-se como segurado especial o índio reconhecido pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI, inclusive o artesão que utilize matéria-prima proveniente de extrativismo vegetal, desde que atendidos os demais requisitos constantes no inciso V do § 4º deste artigo, independentemente do local onde resida ou exerça suas atividades, sendo irrelevante a definição de indígena aldeado, indígena não-aldeado, índio em vias de integração, índio isolado ou índio integrado, desde que exerça a atividade rural em regime de economia familiar e faça dessas atividades o principal meio de vida e de sustento.”

12BITTENCOURT, Sávio. A Nova Lei de Adoção – Do Abandono à Garantia do Direito à Convivência Familiar e Comunitária. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. 127 p.         

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Sobre a autora
Karine Martins de Izquierdo Villota

Procuradora Federal. Membro da Advocacia-Geral da União. Atuou como responsável pela Procuradoria Federal Especializada da FUNAI em Dourados/MS e na Consultoria da sede da Funai em Brasília. Atualmente atua na Procuradoria Seccional Federal em Campina Grande/PB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VILLOTA, Karine Martins Izquierdo. As especificidades para colocação da criança indígena em família substituta. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3969, 14 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28377. Acesso em: 24 nov. 2024.

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