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Apontamentos sobre a aplicabilidade da multa do art. 475-J nas execuções provisórias de alimentos

06/06/2014 às 10:26
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Entende-se aplicável o regramento do cumprimento de sentença às execuções de alimentos, inclusive provisórios, não havendo qualquer razão para se afastar a incidência da multa de dez por cento prevista no caput do art. 475-J do CPC.

I – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Discute-se na doutrina e na jurisprudência se a multa prevista no artigo 475-J do atual Código de Processo Civil tem ou não aplicabilidade nas execuções provisórias de alimentos, isto é, quando deferida liminar ou antecipação dos efeitos da tutela sem haver ocorrido o trânsito em julgado.


II – A MULTA PREVISTA NO ART. 475-J E A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE ALIMENTOS

Ao ser deferida a tutela antecipada ou a liminar na ação de alimentos, inclusive no primeiro caso com base em prova inequívoca (art. 273 do CPC), a próxima etapa é executar o título provisório de urgência, com a máxima efetividade possível, afinal, estão em cheque diversos direitos fundamentais, tais como os ligados à moradia, à alimentação, ao vestuário, à educação, à saúde, enfim, sob enfoque amplo, à dignidade e à vida.

Nas relações jurídicas continuativas, como as que envolvem a obrigação alimentar de pagar quantia certa, a cláusula rebus sic stantibus dá ensejo ao ajuizamento de ação revisional, a qualquer tempo, diante de fato superveniente que altere a originária aferição no caso concreto no tocante ao binômio possibilidade-necessidade (art. 1.694 e 1.695 do CC).

Sem adentrar nas questões doutrinárias sobre a existência de coisa formal ou material em sede de ação de alimentos, importa transcrever o art. 15 da Lei 5.478/1968, ainda vigente, que revela o espírito da cláusula rebus sic stantibus em torno da matéria, litteris:

Art. 15. A decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a qualquer tempo ser revista, em face da modificação da situação financeira dos interessados.

Como o título executivo de alimentos além de envolver os mais comezinhos direitos fundamentais tem implícita a cláusula rebus sic stantibus, surge o questionamento se para a execução provisória de alimentos seria mesmo razoável exigir a existência de comando judicial definitivo – sentença – para possibilitar a aplicação da coercitiva multa prevista no art. 475-J do CPC, na parte “do cumprimento de sentença”, inserto no capítulo X, do título VIII, do livro I do CPC.

É do caput do referido artigo 475-J do CPC, inserido pela Lei n. 11.232/2005, verbis:

Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005) (g.n.)

Note-se que o caput do artigo acima transcrito, apesar de estar no capítulo “do cumprimento de sentença”, não traduz a obrigatoriedade de existência de sentença para sua aplicabilidade, pois literalmente dispõe ser cabível a multa de dez por cento, “caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa”, não efetue o depósito no prazo de quinze dias.

Ensina Yussef Said Cahali que tanto a sentença como a decisão que fixe alimentos provisórios têm natureza de definitiva no sentido de obrigar, desde logo, ao pagamento da prestação, verbis:

"A execução alimentar pode provir ou de sentença final de alimentos ou de decisão que fixe os alimentos provisionais (provisórios), no pressuposto de que "ambas têm força executória de natureza definitiva no sentido de que obriguem, de logo, ao pagamento da prestação", com a possibilidade de utilização pelo credor de qualquer das vias enunciadas nos arts. 732-735 do CPC. [...] Em princípio, portanto, a opção é do credor." (CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 981).

Na mesma direção, é o escólio de Alexandre Freitas Câmara, in litteris:

A execução de alimentos poderá ser fundada na sentença condenatória que impuser ao devedor a obrigação de pagar alimentos, mas também na decisão interlocutória que fixar os alimentos provisórios ou na decisão (lato sensu, interlocutória ou sentença) que fixar alimentos provisionais, ou em qualquer outra decisão que fixe alimentos, ou que homologue os alimentos convencionados. Seguirá, porém, o procedimento aqui regulado, pouco importando qual das decisões referidas abriu caminho para a execução forçada.

(...)

É interessante notar, porém, que o legislador da Lei n. 11.232/05 "esqueceu-se" de tratar da execução de alimentos, o que pode levar à impressão de que esta continua submetida ao regime antigo, tratando-se tal módulo processual executivo como um processo autônomo em relação ao módulo processual de conhecimento. Assim, porém, não nos parece. Não seria razoável supor que se estivesse feito uma reforma no Código de Processo Civil destinada a acelerar o andamento da execução de títulos judiciais e que tal reforma não seria capaz de afetar aquela execução do credor que mais precisa de celeridade: a execução de alimentos. [...] assim sendo, nos parece inegável que a Lei n. 11.232/05 deve ser interpretada no sentido de que é capaz de alcançar os dispositivos que tratam da execução de prestação alimentícia (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. II. 14ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 366/367)

No sentido de que é aplicável a multa prevista no art. 475-J do CPC nos casos de execução provisória de alimentos tem-se, ainda, a lição de Maria Berenice Dias, mutatis mutandis:

Sobre alimentos provisórios ou provisionais, incide a multa de 10%. Ainda que a lei faça referência à "condenação" (CPC, 475-J), não se pode retirar o caráter condenatório dos alimentos fixados em sede liminar. Basta lembrar que se trata de obrigação pré-constituída e que os alimentos são irrepetíveis. O pagamento precisa ser feito mesmo que os alimentos não sejam definitivos. Ainda que o valor do encargo venha a ser diminuído ou afastado, tal não livra o devedor da obrigação de proceder ao pagamento das parcelas que se venceram neste ínterim. Não admitir a incidência da multa pelo fato de os alimentos não serem definitivos só estimularia o inadimplemento e a eternização da demanda.

[...]

Não é possível dispensar a intimação do réu. Precisa ser intimado pessoalmente para ser constituído em mora. Só então começará a fluir o prazo para o cumprimento da sentença, ainda que eventualmente haja o risco de se estar perpetuando o velho sistema que o legislador fez tanta questão de banir. A intimação serve também para dar ciência ao devedor da incidência da multa, caso não proceder ao pagamento no prazo de quinze dias.[1]

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É ementa de aresto oriundo do egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS PROVISÓRIOS. INCIDÊNCIA DA MULTA DE 10%. ARTIGO 475-J DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. APLICABILIDADE. REDUÇÃO DOS ALIMENTOS PROVISÓRIOS. EFEITOS EX NUNC. Aplica-se o regramento do cumprimento de sentença às execuções de alimentos, inclusive provisórios, não havendo qualquer razão para se afastar a incidência da multa de 10% prevista no caput, do artigo 475-J, do Código de Processo Civil. Precedentes Jurisprudenciais e doutrinários. [...] RECURSO DO ALIMENTANTE IMPROVIDO, POR MAIORIA. RECURSO DAS ALIMENTADAS PROVIDO À UNANIMIDADE. (TJRS, Apelação Cível nº 70024742447, Oitava Câmara Cível, Relator: CLAUDIR FIDELIS FACCENDA, j. em 28.08.2008).

Contudo, lamentavelmente, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento pacífico contrário à aplicabilidade da multa do art. 475-J do CPC nos casos de execução provisória, conforme se lê da seguinte ementa:

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. ARTIGO 475-J. MULTA. INAPLICABILIDADE.

1. A jurisprudência do STJ consolidou o entendimento de que a multa disposta no artigo 475-J do CPC não tem aplicabilidade à hipótese de execução provisória ante a inexistência de decisão transitada em julgado. Aplicação ao caso de jurisprudência consolidada desta Corte.

2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ. AgRg no Ag 1305337/SP. Min. Relator: LUIS FELIPE SALOMÃO. Quarta turma. Julgado em: 15/08/2013. DJe 21/08/2013)

A celeuma persistirá após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil - PL 8.046/2010[2]  -, caso seja aprovado conforme o texto atualmente se encontra, dada a inexistência de alterações legais no sentido de solucionar, inequivocamente, a discussão em comento.


III – CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Em razão das peculiaridades inerentes à execução de alimentos, verba necessária para conferir efetividade a diversos direitos fundamentais – moradia, alimentação, saúde, educação, transporte, vestuário, dentre outros - , aplica-se o regramento do cumprimento de sentença às execuções de alimentos, inclusive provisórios, não havendo qualquer razão para se afastar a incidência da multa de dez por cento prevista no caput do art. 475-J do CPC, conforme precedentes doutrinários e jurisprudenciais.


IV – REFERÊNCIAS

CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. II. 14ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

DIAS, Maria Berenice. Execução dos alimentos e a reforma do CPC. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=253> Acesso em: 20/12/2013.

TJRS, AC n. 70024742447, Oitava Câmara Cível, Relator: CLAUDIR FIDELIS FACCENDA, j. em 28.08.2008.

STJ. AgRg no Ag 1305337/SP. Min. Relator: LUIS FELIPE SALOMÃO. Quarta turma. Julgado em: 15/08/2013. DJe 21/08/2013.


Notas

[1] DIAS, Maria Berenice. Execução dos alimentos e a reforma do CPC. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=253> Acesso em: 20/12/2013.

[2] Cf. http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=CB2EB7F011A22AAD7023B25ABD110533.node2?codteor=831805&filename=PL+8046/2010. Acesso em: 20/12/2013.

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Sobre a autora
Suzana Gastaldi

Procuradora Federal junto à Procuradoria Federal no Estado do Paraná. Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GASTALDI, Suzana. Apontamentos sobre a aplicabilidade da multa do art. 475-J nas execuções provisórias de alimentos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3992, 6 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29250. Acesso em: 28 mar. 2024.

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