No último dia 26 de março, a Câmara dos Deputados concluiu a votação do Novo Código de Processo Civil – NCPC (Projeto de Lei nº 8.049/2010, em trâmite atualmente no Senado), cujo objetivo é atualizar os dispositivos do atual CPC, em vigor desde 1973, e, assim, tornar mais célere a tramitação das ações cíveis, incluindo as de família, do consumidor e tributárias.
Nessa seara, questionamento que se faz é acerca do fato de o magistrado se tornar, ou não, muito poderoso no NCPC, concluindo-se, aqui, pela negativa de excesso de poder do juiz, pelos motivos a seguir.
De fato, como sabido, a morosidade, a complexidade e a ineficiência são os principais problemas da justiça brasileira.
O NCPC, por sua vez, criando um sistema processual pautado pela simplificação, organização, flexibilização, adequação e efetividade, busca implementar mecanismos para solucionar (ou ao menos amenizar) tais problemas. Nas palavras de Trícia Navarro Xavier Cabral (in Poderes do Juiz no Novo CPC. Revista de Processo. V. 208, p. 278), “o Projeto do novo CPC (...) procurou não só aprimorar as técnicas processuais, mas mexer na própria fisionomia do processo, para que este pudesse ser mais maleável e adaptável aos diversos tipos de conflitos sociais levados a juízo, permitindo um tratamento individualizado às demandas judiciais quando assim o caso merecesse, (...) trazendo mais fluidez ao processo”.
Em realidade, segundo a sua exposição de motivos, o Novo CPC objetiva:
“1) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal; 2) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa; 3) simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo, o recursal; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; e, 5) finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente alcançado pela realização daqueles mencionados antes, imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão” (PNCPC, Exposição de Motivos, p. 04).
Assim, no contexto dos referidos mecanismos, o novo CPC, ciente da importância da figura do juiz (legítimo representante da atividade estatal de prestação jurisdicional) para o atingimento de seus objetivos (fulcrados nos princípios constitucionais da efetividade e da segurança jurídica), confere novos poderes de direção e gerenciamento processuais (modulação processual) ao magistrado, de modo a melhor atender aos anseios da Constituição Federal e das partes, que nada mais almejam do que uma prestação jurisdicional adequada, célere e justa (benefício para o Estado e para os jurisdicionados).
Não se pode esquecer, contudo, que o mencionado acréscimo de poderes ao juiz não significa o estabelecimento de privilégios processuais em seu favor, já que, ao mesmo tempo, ele (o ventilado acréscimo) gera o direito das partes à aplicação da modificação procedimental mais adequada à sua específica situação jurídica (causa), com vistas a solucionar mais eficazmente cada lide processual. Por isso é que se pode afirmar que o desiderato principal do novo CPC não é criar super juízes, e sim estabelecer condições para o fortalecimento das finalidades intrínsecas do direito processual, mormente a pacificação eficiente dos conflitos sociais.
Ademais, impende salientar que o aumento dos poderes do magistrado (com o novo CPC) não significará elevação de riscos quanto ao autoritarismo ou à arbitrariedade por parte desse membro do Judiciário. Em verdade, como registrado por Trícia Cabral (in Op. cit., p. 279):
“Primeiro porque não há que se falar em discricionariedade dos atos do juiz, eis que sempre estarão vinculados aos preceitos normativos. Segundo porque a variação procedimental é sempre em favor do jurisdicionado e não do magistrado. Terceiro porque qualquer adaptação dos preceitos legais requer o necessário diálogo e cooperação das partes. Quarto porque quanto mais poderes são atribuídos ao juiz, mais sujeito a responsabilização pelos seus atos ele estará, (...) e sempre será possível o controle judicial – e às vezes até mesmo administrativo – das posturas abusivas do juiz. E quinto, porque a rigidez processual não é garantia de passividade do juiz, podendo, por vezes, representar um efetivo descompromisso com as finalidades do processo e com os objetos das partes”.
Não bastasse, urge registrar que o papel de destaque do magistrado não é novidade. Isso porque ele, na sistemática jurídica em vigor, já detém uma relevante função, máxime quando se fala em Ativismo Judicial, onde, ante a omissão dos Poderes Executivo e Legislativo, o Poder Judiciário acaba sendo chamado para suprir a aludida omissão inconstitucional do Estado e garantir a concretização dos direitos fundamentais e a implementação das políticas públicas constitucionalmente assegurados. Trata-se, pois, do ativismo judicial, acerca do qual Luiz Roberto Barroso Barroso (in Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em: <http://www.oab.org.br/editora/users/revista/1235066670174218181901.pdf>. Acesso em: 11 jan. 2014. P. 06) professa:
“A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público”.
Averbe-se que o ativismo judicial sofre, porém, algumas críticas. Com efeito, na visão dos críticos, ele gera uma supervalorização do Poder Judiciário em detrimento dos outros Poderes, sobretudo do Poder Legislativo, causando, com isso, prejuízo à democracia (ausência de legitimidade democrática do Judiciário) e à separação dos Poderes (intromissão do Judiciário nos outros Poderes).
Todavia, a atuação proativa do Judiciário busca a concretização das normas constitucionais, principalmente das prescritivas de direitos e garantias fundamentais, inclusive com a proteção e o respeito aos direitos das minorias (princípio democrático), pelo que alcança os objetivos previstos na CF (promulgada por representantes do povo) e, assim, detém legitimidade democrática. Do mesmo modo, não há falar em violação da separação dos Poderes, já que, no neoconstitucionalismo, tal separação carece de rigidez (princípio sem caráter absoluto), razão pela qual é perfeitamente possível um Poder interferir na esfera do outro com o objetivo de dar eficácia aos anseios democráticos da coletividade insculpidos na CF.
Não se pode olvidar, de qualquer forma e por fim, que a atuação do magistrado, quer na permissão vinda com o Novo CPC ou quer na seara do ativismo judicial, encontra limites no princípio da inércia e na própria Constituição Federal, mormente nos princípios constitucionais.