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Da extensão da gratuidade da justiça ao depósito recursal para as micro e pequenas empresas

08/11/2014 às 08:28
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O presente artigo faz uma breve análise acerca da possibilidade de extensão do benefício da justiça gratuita até a isenção do depósito recursal para os empregadores micro e pequenos empresários que lograrem êxito em comprovar sua insuficiência de recursos

Embora ainda haja controvérsias, atualmente, em se tratando de microempresas e empresas de pequeno porte, mostra-se perfeitamente possível extensão da gratuidade da justiça até a isenção do depósito recursal, tendo em vista que seria ilógico isentar estes empregadores do pagamento de custas e emolumentos em decorrência de sua insuficiência econômica e ao mesmo tempo exigir que efetuem o depósito recursal sob pena de não conhecimento de seu recurso interposto. Tal posicionamento seria evidente afronta e limitação a um direito fundamental, o qual somente poderia ser restringido pela própria Constituição Federal.

Especificamente na seara justrabalhista a concessão do benefício da gratuidade da justiça ao empregador pessoa jurídica ocorre caso este logre êxito em comprovar efetivamente que não possui condições de arcar com as custas processuais e honorários advocatícios, como uma empresa familiar ou entidade filantrópica, porém, resta duvidoso e pouco aceito no ordenamento jurídico vigente a extensão dessa gratuidade ao depósito recursal, isentando o empregador nestas condições de efetuar seu recolhimento para fins de ver seu recurso admitido pelos Tribunais Superiores.

A possibilidade da extensão mencionada encontra óbice na natureza jurídica do depósito recursal bem como no fundamento protetivo da Justiça do Trabalho, tendo em vista que se constitui em garantia do juízo da execução, assegurando ao trabalhador o recebimento, ainda que futuro, de seu crédito trabalhista, de caráter alimentar, mesmo com a interposição de apelo pelo empregador vencido na lide trabalhista.

Ocorre que a negativa de extensão da gratuidade da justiça à isenção do recolhimento do depósito recursal, no caso específico do empregador pessoa jurídica – microempresário e empresa de pequeno porte, mostra-se inadequada, tendo em vista que, se a empresa, então considerada pobre nos termos da Lei não tem condições de arcar com as custas do processo, com maior razão não teria condições de efetuar o depósito recursal.

Ademais, é sabido que as micro e pequenas empresas não raras as vezes encerram suas atividades por falta de capital de giro, altos impostos e encargos sociais, razão pela qual a exigência do recolhimento do depósito recursal previsto na Consolidação das Leis do Trabalho inviabiliza e até mesmo impede que estas modalidades de empresas exerçam a ampla defesa de seus interesses na Justiça do Trabalho, já que não podem recorrer à instância superior para reavaliação da sentença de primeiro grau.

Ressalta-se que a égide protetiva da Justiça do Trabalho não pode transmudar-se para uma fonte de desigualdade entre as partes litigantes e afronta à preceitos já estabelecidos. Ao contrário, deve ser justa para ambas as partes, garantindo ao trabalhador seus direitos lesados e ao empregador pessoa jurídica a defesa daquilo que ele entenda como justo, cabendo aos magistrados a decisão fundamentada daquilo que considere como certo ou errado.

Desta feita, importante salientar que a exigência do depósito recursal é anterior à Constituição Federal de 1988, que garante a todo cidadão brasileiro, sem distinções à pessoa física ou jurídica, a assistência judiciária gratuita e integral, visando o amplo acesso à justiça e a inafastabilidade da jurisdição, em todas as searas da justiça, inclusive na Justiça do Trabalho.

Nesta esteira, há ainda uma corrente doutrinária no sentido de considerar inconstitucional a exigência do depósito recursal para as micro e pequenas empresas, tendo em vista que tal exigência viola expressamente o duplo grau de jurisdição, não previsto de forma expressa em nosso ordenamento jurídico, porém, previsto no Pacto de San José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário.

Não obstante, os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais favoráveis ao alcance do benefício da justiça gratuita até a isenção do depósito ainda são minoritários, prevalecendo a égide protecionista da Justiça do Trabalho em detrimento do exercício do amplo acesso à justiça preconizado em nossa Carta Magna. O amplo acesso à justiça garante àquele que teve seus direitos lesados ou ameaçados a faculdade de bater às portas do Poder Judiciário para que este, utilizando-se de sua atividade jurisdicional e seguindo o caminho do devido processo legal, dê –lhe o bem da vida ferido, sem a possibilidade desta apreciação ser afastada, conforme bem leciona NELSON NERY JÚNIOR (in Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: RT, 1994, p. 91):

Podemos verificar que o direito de ação é um direito cívico e abstrato, vale dizer, é um direito subjetivo à sentença tout court, seja essa de acolhimento ou de rejeição da pretensão, desde que preenchidas as condições da ação.

Por derradeiro, ainda que prevaleça o entendimento no sentido contrário à isenção do depósito, necessário se faz uma reestruturação no sistema judicial trabalhista a fim de que ele não se transmude para uma fonte de desigualdade e injustiça, pois, no que refere às microempresas e empresas de pequeno porte, a exigência do depósito recursal é de fato um enorme obstáculo, muitas vezes instransponível para que estas exerçam seu direito de defesa, tendo em vista que o valor do depósito, em alguns casos, chega até mesmo a ser maior que seus rendimentos mensais.

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Sobre a autora
Raíssa Varrasquim Pavon

Advogada, graduada em Ciências Jurídicas - Direito, pela Universidade Católica Dom Bosco; Especialista em Direito Material do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus e em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAVON, Raíssa Varrasquim. Da extensão da gratuidade da justiça ao depósito recursal para as micro e pequenas empresas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4147, 8 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29971. Acesso em: 19 abr. 2024.

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