1. INTRODUÇÃO
Encontra-se assente na legislação e jurisprudência pátrias a possibilidade do portador de um cheque prescrito resgatar o seu crédito tanto por meio da propositura da ação de enriquecimento ilícito (pelo rito ordinário), quanto para propor ação monitória.
Tal assertiva ganha reforço quando trazemos à baila o teor da Súmula nº 299 do Superior Tribunal de Justiça – STJ “É admissível a ação monitória fundada em cheque prescrito.” (BRASIL, 2004a).
De outro rumo, há uma discussão paralela a esta situação e que reside na questão atinente à necessidade de demonstração da causa debendi do cheque que aparelha a ação monitória e representa o crédito pretendido. Em termos simples, a causa debendi neste caso seria o negócio jurídico que motivou a emissão da cártula, o que consequentemente confunde-se com a causa de pedir da ação.
Ainda, impende destacar que a ausência de demonstração da causa de pedir, entendida como os fundamentos fáticos e jurídicos que corroboram o pedido, é requisito essencial da petição inicial (art. 282, III do Código de Processo Civil – CPC) e a ausência de sua comprovação poderá culminar em indeferimento da petição inicial por inépcia, de acordo com a previsão do art. 295, I, § único, I do CPC.
Portanto, sendo necessária a manifestação da causa de pedir para as ações monitórias de cheques prescritos, e caso não cumprida tal deliberação pelo demandante, seria que o Juízo o intimasse para emendar a inicial. Permanecendo o descumprimento da determinação, a sentença de indeferimento da inicial seria a medida adequada, sem sequer determinar a citação da parte ré.
De outro vértice, é imperioso atentar-se às nuances do procedimento monitório, introduzido no sistema jurídico nacional pela Lei n.º 9.079, de 14 de julho de 1995, o qual trouxe amparo ao credor que tem em mãos débito representado por título escrito, porém que não dispõe de força executiva. Nas demandas desta natureza, há evidente dispensa de diversos formalismos para a constituição rápida de título executivo.
Esta finalidade essencial da via monitória não deve ser perdida de vista quando se examinam alguns dos seus aspectos mais debatidos. Por tal razão, compete verificar se a imposição da comprovação da causa petenti coaduna-se com a finalidade precípua do procedimento monitório.
Todavia, este embate fica por diversas vezes sobrepujado pela questão da admissibilidade das ações desta natureza, a qual já está pacificada pelo entendimento jurisprudencial do STJ por meio de súmula, como já afirmado acima.
Assim, o ensejo vetor do presente trabalho é estudar a problemática atinente à necessidade de demonstração da causa de pedir (a origem do débito) na ação monitória fundada em cheque prescrito.
Para tal mister, será imperativo fazer uma primeira análise sobre a causa de pedir e todas as questões intrínsecas a este termo, inclusive suas subdivisões, bem como será indispensável fazer um rápido estudo sobre os temas inerentes ao cheque; suas características, requisitos para sua validade e as formas para o resgate do débito representado pelo título.
Outrossim, devemos estudar a ação monitória como via de cobrança para cheque prescrito, fazendo uma abordagem sobre o procedimento das demandas desta natureza.
Até este ponto, o estudo far-se-á com utilização de material doutrinário e também jurisprudencial.
Depois de ultrapassados estes assuntos, entraremos na discussão atinente à necessidade de demonstração da causa de pedir na ação monitória fulcrada em cheque prescrito. Para tanto, será essencialmente utilizado o material extraído de arestos dos Tribunais Pátrios para que possamos apresentar uma resposta a este problema que impulsiona a presente pesquisa.
Para finalizar, insta destacar sobre a importância deste trabalho, que pretende apresentar uma análise à questão que encontra discussão na jurisprudência nacional e que por vezes não é estudada com a devida atenção.
2. DA CAUSA DE PEDIR
Como já dito anteriormente, o presente trabalho pretende analisar a necessidade de demonstrar a causa de pedir daquele que pretender resgatar crédito fundado em ação monitória, com arrimo em um cheque que já está prescrito, bem como todas as implicações atinentes a esta problemática.
Todavia, em um primeiro momento, é imperativo entender todos os elementos identificadores da ação, bem como trazer a lume todas as nuances da causa de pedir, o que será feito neste capítulo.
2.1. DOS ELEMENTOS IDENTIFICADORES DA AÇÃO
No plano da realidade concreta, não encontramos dificuldade para diferenciar um direito subjetivo à propositura de ação de outro. Como situação apta a ilustrar esta condição, podemos estabelecer a seguinte conjectura: um comerciante tem um crédito com Tício e outro contra Mévio, ou seja, há direito de ações diferentes contra ambos, pois são diferentes os obrigados. Se este mesmo comerciante possui ainda dois créditos contra Caio, todavia um quirografário e um real, também temos direito a ações distintas.
Ou seja, sempre que, invocada a prestação jurisdicional do Estado por meio da propositura de uma ação, esta deverá ser analisada de maneira individualizada, de forma a distingui-la de outras demandas que também tenham sido propostas, ou que futuramente possam ser aforadas.
Nada obstante, existem questões práticas e de repercussão processual imediatas, que decorrem direitamente da análise adequada dos elementos identificadores, “[...] quais sejam a coisa julgada, a litispendência, o pedido, a execução, e a própria conexão das ações, além de ser suscitadas para o bom entendimento de várias outras instituições processuais.” (SANTOS, 2004, p. 163).
Verificamos assim que a doutrina e também o Código de Processo Civil em seu art. 301, §2º, apontam como três elementos que identificam as ações, sendo estes: as partes, o pedido e a causa de pedir (causa petendi).
Contudo, para a análise do problema de pesquisa proposto pelo presente trabalho, abordaremos apenas a causa de pedir, nos termos que seguem.
2.2. DA CAUSA DE PEDIR
A causa de pedir é, sem duvida, o elemento identificador mais controverso, pois é aquele que apresenta maior subjetividade. Podemos defini-lo como o fundamento, o alicerce da pretensão inicial.
Ou seja, aquele que vai a Juízo por meio da propositura de uma demanda pleiteando um ou alguns pedidos, para o êxito de seu pleito, deverá indicar a razão deste, tanto fática quanto juridicamente. Por isto que Wambier, Almeida e Talamini (2007, p. 128-129) “[...] Grosso modo, portanto, é possível afirmar-se, com segurança, que a causa de pedir é o motivo em virtude do qual a parte autora dirige determinando pedido ao Poder Judiciário. [...]”.
A prestação jurisdicional pretendida pelo autor de uma ação existe em vista de fatos juridicamente e socialmente relevantes[1] e não para meras conjetura ou situações em que não exista um conflito que demanda a intervenção do Poder Judiciário para sua solução. No Direito, ainda quando determinada situação é considerado em tese, haverá escopo no aclaramento ou a atenção a um caso concreto; a um fato.
Por isto mesmo que Miranda (1983 apud DIDIER JUNIOR, 2009, p. 410-411), ensina que:
Cada regra de direito enuncia algo sobre fatos (positivos ou negativos). Se os fatos de que trata, se produzem, sobre eles incide a regra jurídica e irradia-se (feitos com incidência, jurídicos) a eficácia jurídica. Já aqui estão nitidamente distinguidos, apesar da confusão reinante, na ciência europeia: a eficácia da regra jurídica, que é a de incidir, ‘eficácia legal’ (da lei), eficácia nomológica (= da regra jurídica); e a eficácia jurídica, mera irradiação de efetivo dos fatos jurídicos.
Assim, primeiro item da causa de pedir é o fato jurídico que justifica a provocação do Judiciário. Contudo, é incontroverso que não adianta apenas descrever os fatos e fazer os pedidos. É imperativo, para validar o requerimento, que ao fato haja um arrazoado jurídico, que não necessariamente terá de ser legal ou ter previsão expressa em alguma normativa, pois uma situação não forçosamente justifica a outra.
Comumente o fundamento jurídico obedece a um ou mais fundamentos legais, porém encontramos outras fontes de Direito (doutrina, jurisprudência, costume, etc.); que podem também arrimar determinada pretensão pretendida em Juízo. Isto é, em diversas contendas, a justiça somente é alcançada através da invocação de uma determinada corrente jurisprudencial ou doutrinária, quiçá contrária à letra da lei. Nestes casos, vale um fundamento jurídico, não necessariamente legal.
Ressaltamos, deste modo, que à verificação da causa de pedir em demandas complexas, com mais de uma ordem de elementos, estabeleceu-se a distinção doutrinária entre causa de pedir próxima e causa de pedir remota.
A causa de pedir remota, ou mediata, é descrita como aquele fato ou negócio jurídico que dá gênese ao direito pretendido em Juízo. Já a causa de pedir próxima, ou imediata; é associada à fundamentação jurídica, ou seja, com relação à natureza do direito ofendido; relaciona-se com o arrimo jurídico da exordial.
É ainda importante observar que encontramos na doutrina outra subdivisão para a causa de pedir remota, como ativa e passiva. A causa de pedir remota ativa diz respeito aos fatos constitutivos do direito do demandante, na medida que a passiva está ligada ao fatos que violaram o direito do autor. (GRECO, 2003, p. 55).
Sobre esta temática, Wambier, Almeida e Talamini (2007, p. 129) discorre que “[...] A fundamentação jurídica é, via de regra, a causa de pedir próxima, enquanto o fato gerador do alegado direito se constitui, também na generalidade dos casos, na causa de pedir remota. [...]”.
Assim, para exemplificarmos, na ação monitória com o arrimo em um cheque prescrito, por exemplo, os elementos que constituem o título e que motivaram a suam emissão representam a causa de pedir remota. Já a inadimplência, a ausência do pagamento do valor descrito na cártula representa a causa de pedir próxima.
O TJSC já demonstrou entendimento semelhante:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO MONITÓRIA - CAUSA DE PEDIR PRÓXIMA E REMOTA - EMENDA PARA INDICAR CAUSA SUBJACENTE DA DÍVIDA PENA DE INÉPCIA DA INICIAL - INCONFORMISMO - ATO JUDICIAL REFORMADO - RECURSO PROVIDO. Tendo o agravante, na petição inicial, relatado as causas de pedir próxima e remota, não há o que se falar em inépcia da inicial. A causa de pedir próxima é o inadimplemento obrigacional, especificado através dos fatos narrados na exordial, enquanto que a causa de pedir remota consiste na especificação dos elementos constitutivos do título executivo. (SANTA CATARINA, 2003).
Esta segmentação da causa petendi tem raiz na adoção pelo nosso sistema jurídico da teoria da substanciação, contraposta à teoria da individualização, também denominada como da individuação.
Para os defensores da teoria da individualização, a demonstração da causa de pedir marca-se na petição inicial, com a descrição dos fatos que arrimam a relação jurídica que deu origem à contenda ora em análise pelo Juízo.
De outro rumo, encontramos a teoria da substanciação, pela qual formam as razões fundamentais da lide é exatamente o conjunto de fato em que o demandante fundamente a sua a ação.
A principal distinção entre estas duas teorias reside na necessidade de demonstração da causa de pedir remota no momento em que o autor descreve a sua pretensão em Juízo.
Neste prumo, a teoria da substanciação impõe que o autor descreva os fundamentos jurídicos de seu pedido (causa de pedir próxima) e também os fatos que motivaram tal pleito (causa de pedir remota). Já pra a teoria da individualização, bastaria que o autor demonstrasse o fundamento jurídico geral de sua demanda (causa de pedir próxima).
Irrebatíveis, pois, os ensinamentos de Didier Junior (2009, p, 411):
Adotou o nosso CPC a chamada teoria da substanciação da causa de pedir, segundo a qual se exige do demandante indicar, na petição inicial, qual o fato jurídico e qual a relação jurídica dele decorrente. Não basta a indicação da relação jurídica, efeito do fato jurídico, sem que se indique qual o fato jurídico que lhe deu causa – teoria da individualização. [...]
Esta é a corrente adotada pela doutrina nacional, situação esta também chancelada pela expressa previsão do inciso III do art. 282 do CPC[2], mas esta afirmação ainda deixa espaço para fervorosa discussão.
Uma das principais repercussões da causa de pedir vem na delimitação da matéria que será alvo da sentença e consequentemente na extensão e profundidade da coisa julgada.
Com observância ao princípio da demanda, pelo qual incumbe ao lesado provocar a prestação jurisdicional, e estando o magistrado condutor do feito limitado ao princípio da adstrição da sentença; podemos afirmar que a petição inicial delimita a causa, de modo que todo o cotejo fático não exposto não pode ser utilizado como razão de decidir, considerando que o art. 128[3] e 460[4] do CPC veda o magistrado de agir de maneira diversa.
A propósito, este é o principio da adstrição do juiz ao pedido da parte autora, sendo que o magistrado deve decidir a lide nos limites em que ela foi proposta, pois caso contrário a sentença será passível de reforma em razão de tratar-se de decisão ultra petita (que concede ao autor além do pedido inicial), citra ou infra petita (que deixa de se pronunciar sobre pedido do autor), ou extra petita (que concede pedido não guerreado na inicial).
Outrossim, como já dito outrora, a causa de pedir é elemento identificador da causa, e sua alteração somente ocorrerá com a aceitação do réu depois de operada a citação, e em nenhuma suposição após ser saneado o processo, consoante o art. 264[5] do CPC.
Porém, não se pode estender tal afetação aos fundamentos jurídicos. Isto porque a coisa julgada não atingirá os fundamentos da decisão, mas tão somente ao teor do dispositivo; nos exatos temos do art. 469[6] do CPC. Assim, os fatos e fundamentos jurídicos não serão cobertos pelo manto da coisa julgada.
Todavia, para os fins de análise de litispendência e coisa julgada, verificamos especial interferência da coisa julgada. É incontroverso que a causa de pedir é um dos elementos identificadores da ação e diante desta situação, aliada à expressa disposição contida no art. 301, §§ 1º e 2º[7], do CPC; será fator determinante para verificar tais questões.
Logo, dependendo do alcance da causa de pedir, uma nova demanda poderá ou não ser enquadrada dentro das hipóteses de litispendência ou coisa julgada.
3. ASPECTOS GERAIS SOBRE O CHEQUE E SOBRE A AÇÃO MONITÓRIA PARA O CHEQUE PRESCRITO
Feitos estes apontamentos preliminares atinentes à causa de pedir, para que possamos empreender a discussão a que este trabalho se propõe; necessário neste momento fazer um breve estudo sobre o título de crédito cheque, suas características principais, os prazos e procedimentos administrativos e judiciais para a obtenção da quantia por ele representado.
3.1. DOS PRINCÍPIOS DOS TÍTULOS DE CRÉDITO
A fim de garantir a segurança jurídica, a circulação segura do crédito, os títulos de crédito, assim como o cheque, têm intrínsecos a si determinados princípios e valores, que serão adiante apontados.
Coelho (2007, p. 233-236) cita três princípios, sendo estes da cartularidade, literalidade e autonomia.
De início, temos a cartularidade. Assim, há a exigência de que o título seja representado fisicamente e esteja reduzido a termo; no qual a obrigação seja descrita e também constem o credor, o devedor e o portador. Inclusive, há necessidade de que o demandante esteja na posse do título, inclusive do título original, considerando a ampla negociabilidade do título via endosso.
Com o advento de avanços tecnológicos, houve de certa forma mitigação deste princípio, sendo um dos principais exemplos, a duplicata virtual, o que convencionamos chamar de “boleto”, que pode permanecer o tempo todo em meio magnético desde a data da sua emissão até seu pagamento, sem que isto afete a sua validade e a existência do crédito por ele representado.
Ainda há a literalidade, na medida em que somente ganharão relevância no mundo jurídico as informações que constem expressamente do título. Ou seja, o titulo deverá ser interpretado de maneira literal. Assim, aquele que adquire o título consequentemente o contrai da maneira exata como está descrito na cártula, sendo que somente nela estarão descritos as obrigações decorrentes de sua emissão, inclusive em relação aos acessórios.
Tal princípio está intimamente ligado à segurança jurídica, pois diante da plena circulabilidade inerente aos títulos de crédito, a cártula poderá somente surtir os efeitos de acordo com o seu exato teor, para o que o adquirente saiba exatamente da extensão das obrigações e direitos por ela representado.
Também as obrigações assumidas pelo devedor em detrimento ao credor são autônomas e independentes e inclusive estas poderão ser endossadas ou transmitidas a terceiros. Portanto, ainda que uma das obrigações do título não seja válida, as demais serão. Daí decorre o princípio da autonomina.
Isto é, a partir do momento em que aquele que adquire o título não terá qualquer ligação aos portadores anteriores, ou seja, será titular autônomo do crédito estampado na cártula. Desta feita, o título poderá circular livremente, sem que perda sua higidez e certeza.
Todavia, Patrocínio (2009, p. 231-233) aponta ainda os princípios da abstração e da inoponibilidade das exceções pessoais; enquanto Bertoldi e Ribeiro (2003 p.33-43) os classificam como subprincípios.
A abstração, pois a partir do momento que o título é emitido e colocado em circulação, fica desvinculado do negócio jurídico que lhe deu origem. Assim, não haverá óbice para a discussão da causa de origem do título; todavia apenas o título será suficiente para a propositura da ação cambial que pretende sua cobrança.
Tal situação decorre diretamente da autonomia da obrigação cambial, pois novamente referindo-se à pela circulabilidade dos títulos, quando a cártula estiver em mãos de terceiro que não foi parte da relação causal que lhe originou, haverá total desvinculação do negócio jurídico subjacente à sua emissão, não havendo qualquer óbice à sua apresentação.
Ademais, verificamos da jurisprudência, utilizando oportunamente o exemplo do cheque, a aplicação prática do princípio da abstração e inoponibilidade das exceções pessoais, sem a possibilidade do devedor utilizar em sua defesa fatos ligados à emissão do título:
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. SENTENÇA QUE OS REJEITA. INSURGÊNCIA DO DEVEDOR. CIRCULAÇÃO DO CHEQUE EXEQUENDO A TERCEIRO DE BOA-FÉ. CAUSA DEBENDI. DISCUSSÃO. DESCABIMENTO. INOPONIBILIDADE DE EXCEÇÕES PESSOAIS. SUPREMACIA DO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DOS TÍTULOS DE CRÉDITO. O cheque constitui título de crédito essencialmente autônomo, pois cada obrigação que deriva do título é independente, de forma que não pode uma das partes da cártula invocar, a seu favor, fatos ligados aos obrigados anteriores. Disso exsurgem a abstração cambiária e a inoponibilidade das exceções pessoais; duas ramificações da autonomia que merecem toda atenção. Se a abstração garante que a obrigação cambiária (ordem de pagamento à vista, o cheque) não se vincule e nem dependa da causa que deu origem ao crédito (cada obrigação existe por si), a inoponibilidade das exceções pessoais impede que o devedor ressuscite defeitos jurídicos oriundos da relação primitiva em relação aos terceiros supervenientes, os quais estão imunes às defesas relativas à relação obrigacional originária, ressalvados os casos de má-fé. [...] (SANTA CATARINA, 2013).
Por isto mesmo, o título de crédito, a partir do momento em que é posto em circulação, se desvincula da relação fundamental que lhe deu origem. Assim fica evidente que a abstração apresenta como pressuposto a circulação do título de crédito e, então, quando a cártula é transferida para terceiros de boa-fé, opera-se a ruptura do documento cambial com a relação que o originou.
Do excerto acima, verificamos ainda a inoponibilidade das exceções pessoais. Como já dito alhures, a abstração permite a circulação do título. Assim, o terceiro de boa-fé que portar o título poderá exigi-lo do devedor sem que este possa suscitar a inexistência de relação jurídica que originou a cártula.
Neste rumo, quando o devedor principal for instado a realizar o pagamento, não poderá furtar-se da obrigação com arrimo em exceções relacionadas com a relação causal que originou a dívida representada pelo título. Este princípio tem arrimo no art. 17 da Lei Uniforme[8] e também no art. 916[9] do Código Civil.
3.2. ASPECTOS GERAIS SOBRE CHEQUE
Pode-se descrever o cheque como uma ordem de pagamento para determinada obrigação à vista, oferecida a banco ou a uma instituição financeira congênere, por pessoa que tem a devida provisão de fundos nesta; diligência esta feita em favor de si próprio ou de terceiro.
Encontramos ressonância na doutrina de Coelho (2007, p. 272):
O cheque é uma ordem de pagamento à vista, sacada contra um banco e com base em suficiente provisão de fundos depositados pelo sacador em mãos do sacado ou decorrente de contrato de abertura de crédito entre ambos. O elemento essencialdo conceito de cheque é a sua natureza de ordem à vista, que não pode ser descaracterizada por acordo entre as partes [...].
Quanto à natureza jurídica do cheque, encontramos intensa discussão doutrinária sobre tal temática. Há quem afirme que o cheque não pode sequer ser considerado um título de crédito, ou ainda que seja um título de crédito impróprio e sui generis. Todavia, o entendimento majoritário aponta para o norte de que, muito embora o cheque não passe de um instrumento de retirada dos fundos depositados em conta, também deve ser considerado um título de crédito.
Ainda, ganha especial reforço tal posicionamento por se considerar que os títulos de crédito devem ser assim considerados quando necessários para que a obrigação nele expressa possa ser exercida no plano do direito. Outrossim, deve-se considerar a circulabilidade do crédito representado pela cártula do cheque por meio de endosso ou cessão, o que permite a terceiro exigir tal valor.
Nada obstante, também devemos ressaltar que o cheque está no rol dos títulos de crédito extrajudiciais do CPC, consoante a previsão expressa do art. 585, I[10] deste diploma legal.
Quanto à regulação legal do cheque, encontramos que o cheque vem devidamente regulado pela Lei Uniforme de Genebra, representada pelo Decreto Lei n.º 57.595/66. Todavia, foi editada uma Lei específica para a regulação dos cheques, sendo esta a Lei n.º 7.357/85, que abrange as disposições da Lei Uniforme e também outras regras necessárias à utilização do cheque.
Podemos elencar os requisitos essenciais à validade do cheque, como “[...] a) a palavra “cheque” inserida em seu corpo; b) ordem incondicional de pagamento de quantia determinada; c) nome do banco a quem a ordem é dada (sacado); d) data do saque; e) lugar do saque; f) assinatura do emitente (sacador).” (PATROCÍNIO, 2009, p. 268). A Lei n.º 7.357/85, inclusive, traz no seu art. 1º[11] este rol taxativo.
Assim valendo-se das palavras de Coelho (2007, p. 273-274) e de Bertoldi e Ribeiro (2003, p. 124-125), podemos explicar cada um destes requisitos da seguinte forma:
- A palavra cheque: deverá constar na cártula a palavra cheque, em vernáculo semelhante àquele em que a título está redigido, para que sua natureza seja demonstrada de maneira incontroversa e também para que o cheque seja diferenciado de outros títulos de crédito, mormente da letra de câmbio;
- Ordem incondicional de pagar: no momento em que o emitente emite a ordem de pagamento pelo cheque, não subsiste qualquer dúvida quanto a intenção de pagamento do valor descrito a terceiro Será um ato de vontade puro e não deverá ser condicionado a qualquer outra situação, conforme o art. 32 da Lei n.º 7.357/85[12]. Deverá ainda constar a quantia certa e determinada que será paga e em moeda corrente. Embora não haja exigência legal para a discriminação do valor por extenso, há a Circular n.º 131/69 do Banco Central do Brasil que impõe tal exigência. Já no atinente à necessidade de constar moeda nacional na cártula, o art. 42 da Lei n.º 7.357/85[13] admite a emissão de cheque em moeda estrangeira, o qual deverá ser pago em moeda nacional no câmbio do dia do pagamento;
- O nome da instituição financeira de deve pagar – o sacado: aqui deverá constar o banco ou a instituição financeira responsável pelo pagamento. E também é importante destacar que em se tratando de cheque, não existe a possibilidade de emissão em desfavor de comerciantes;
- Indicação da data e lugar da emissão efetuado: embora deva constar no cheque a data e local de sua emissão, não há exigibilidade absoluta destas informações no título, pois no caso de sua ausência, considerar-se-á o cheque emitido no local indicado próximo ao nome do sacador, ou emitente;
- A soma do pagamento que será efetuado: deve constar a quantia que será paga em algarismos e também por extenso. Existindo divergência entre as duas expressões, prevalecerá aquela designada por extenso. Ainda, constando várias quantias na cártula, valerá aquela de menor quantia, isto de acordo com a dicção do art. 12 da Lei n.º 7.357/85[14];
- A assinatura do emitente do cheque de mandatário especial: este é o requisito fundamental do título. Deverá estar presente assinatura emitida de próprio punho pelo emitente. Para o caso de analfabeto, este não poderá por si só emitir o cheque, sendo necessário para a emissão de cheque procurador especial constituído para tal mister mediante instrumento público. Outrossim, não será admitido a emissão de cheque “a rogo” ou por carimbo. Todavia, há possibilidade de ser emitido cheque por assinatura abreviada; ainda por assinatura autorizada que ficará em poder do sacado, ou mecanizada, que dependerá de prévio ajuste entre sacador e sacado e chancela de entidade cartorária de documentos e títulos.
Existe de acordo com a Lei n.º 7.35/85 a possibilidade de emissão de cheques por representação, como é o caso das pessoais jurídicas, quando seus representantes legais assumem tal responsabilidade.
Ainda sobre a assinatura, como já dito anteriormente, é o principal requisito à validade do cheque. Todavia, sua ausência poderá ser suprida a falta de assinatura, desde que o faça mediante declaração escrita em que possa constar a vontade daquele que deveria ter assinado.
Estabelecidos os requisitos necessários à validade plena dos cheques, também é necessário esclarecer quais são as partes que fazem parte do cheque, ressaltando desde já que são três as figuras principais: o sacado, o sacador e o beneficiário. Novamente citamos Bertoldi e Ribeiro (2003, p. 122), que afirmam:
[...] Tem-se, portanto, três sujeitos que participam da operação: a) o emitente ou sacador do cheque, que é aquele que detém fundos previamente depositados em uma instituição financeira e, por meio do cheque, emite ordem de pagamento; b) o sacado, contra quem a ordem é passada, que, necessariamente, é um banco ou instituição financeira assemelhada; e c) tomador ou beneficiário, que é aquele favorecido com a ordem de pagamento.
O sacado é a instituição financeira ou banco no qual está depositada a quantia que será paga, e devera providenciar o pagamento.
O sacador, ou emitente, é aquele que emite o cheque e promete o pagamento por meio do cheque.
E ainda há o beneficiário para quem é emitida a ordem de pagamento e que poderá ser a própria pessoa que emite o cheque, ou também um terceiro.
3.3. DO PRAZO PARA APRESENTAÇÃO, PRESCRIÇÃO E DAS AÇÕES CABÍVEIS PARA O RESGATE DO CRÉDITO REPRESENTADO PELO CHEQUE
Aquele que pretende resgatar o débito representado pelo cheque deverá como primeira diligência levar a cártula à apresentação junto ao sacado. Para tal mister, terá o credor o prazo 30 (trinta) dias se o cheque for apresentado na mesma praça, isto é, caso o local de emissão do cheque seja o mesmo do banco sacado.
De outro norte, sendo o cheque emitido em praça diversa daquela onde está situada a agência bancária sacada, poderá a apresentação ser realizada no prazo de 60 (sessenta) dias. Também deve ser ressaltado que no caso de haver emissão de cheques em locais de calendários diferentes, considerar-se-á o dia de emissão como aquele do lugar do pagamento. Encontramos esta previsão junto ao art. 33, da Lei nº 7.357/85[15].
Apresentar o cheque junto a instituição sacada dentro do prazo supra descrito é de fundamental importância, pois somente assim poderá exercer seu direito de regresso em face aos coobrigados ao pagamento do cheque, sendo estes os avalistas e endossantes. Caso contrário, de acordo com o art. 47, II da Lei n.º 7.357/85[16] poderá apenas exercer a faculdade da cobrança em face ao devedor principal.
Outrossim, ex vi do § 3º do art. 47 da Lei n.º 7.357/85[17], no caso de não ser apresentado cheque dentro do prazo legalmente, enquanto havia a devida provisão de fundos para a quitação da cártula; o portador perderá o direito a exigir o pagamento da dívida se tais fundos deixarem de existir por fato que não seja imputável ao sacador.
Decorrido, pois, o prazo da apresentação, terá ainda o credor o direito à liquidação da cártula junto ao sacado, o que poderá ser feito por crédito em conta corrente do portador ou ainda por intermédio de desconto em dinheiro. Todavia, para que tal prerrogativa seja exercida, o cheque deve ser exibido no banco em prazo não superior a 06 (seis) meses contados a partir da conclusão do limite para apresentação da cártula.
Ademais, dentro do lapso temporal de 06 (seis) meses contados a partir do prazo final para a apresentação do cheque, poderá ser proposta a ação judicial de execução para exigir seja a dívida quitada. Podemos observar esta situação nos termos do art. 59 da Lei n.º 7.357/85[18]. Com mesma ordem de ideias, citamos Patrocínio (2009, p. 275):
[...] Assim, a execução fundada no cheque no cheque poderá ser ajuizada dentro do prazo de 30 (trinta) ou 60 (sessenta) dias, contado da data da emissão, segundo seja o cheque da mesma ou de outra praça, prazo este acrescido de 6 (seis) meses.
Como dito acima, ação de cunho executivo somente poderá ser proposta contra os avalistas e endossantes no caso de ter sido o cheque apresentado em tempo hábil e ainda o título deve ser levado a protesto ou constar do sacado ou câmara de compensação bancária que o cheque foi apresentado em tempo hábil e houve recusa do pagamento.
Decorrido o prazo de 06 (seis) meses, prescreverá o direito do credor à resgatar o seu crédito mediante a ação execução de execução e seu rito obviamente mais célere. Todavia ainda terá direito à ação cambial de enriquecimento ilícito prevista no art. 61 da Lei n.º 7.357/85[19].
Esta demanda, embora seja mais lenta que a execução, o credor tem determinadas prerrogativas para perseguir a satisfação de seu crédito, pois a causa de pedir da demanda é o próprio cheque, sem haver a necessidade de comprovação do negócio jurídico subjacente à cártula. O prazo para propor a esta ação será de dois anos, constados a partir da fluência do prazo para o ingresso com a ação de execução.
Oportuno destacar mais uma vez o que ensinam Bertoldi e Ribeiro (2003, p. 132):
[...] A ação de enriquecimento sem causa prescreve em 2 (dois) anos a contar do momento em que se deu o término do prazo prescricional da ação executiva. Por meio da ação de enriquecimento sem causa o credor irá buscar perante o Poder Judiciário sentença judicial que lhe garanta a satisfação do seu crédito, o que se dará em caso de procedência da ação, em futuro processo de execução, só que dessa vez de execução de sentença judicial e não te título executivo extrajudicial.
Todavia, caso ultrapassados os prazos da execução e também para o ingresso com a ação de enriquecimento ilícito, restará ao portador do cheque ingressar com a ação monitória para ver o seu crédito satisfeito.
Apesar de por algum tempo ter persistido alguma discussão sobre o cabimento de ação monitória fulcrada em cheque prescrito, o STJ fulminou qualquer dúvida quanto ao cabimento desta lide com a edição do verbete sumular n.º 299, que possui o seguinte teor “É admissível a ação monitória fundada em cheque prescrito.” (BRASIL, 2004a). Outrossim, o prazo para o exercício desta demanda é de 05 (cinco) anos[20], matéria que foi inclusive sumulada pelo STJ, de acordo com o verbete n.° 503, que assim dispõe: “O prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente de cheque sem força executiva é quinquenal, a contar do dia seguinte à data de emissão estampada na cártula.” (BRASIL, 2013c).
3.4. DA AÇÃO MONITÓRIA
A ação monitória consiste em uma alternativa para aquele que possui uma prova escrita de determinada dívida, a qual não dispõe de eficácia executiva do crédito e pretende obter soma em dinheiro, coisa fungível ou determinada bem móvel por ela representada. Santos (2007, p. 183) diz que o objeto da ação de injunção são “[...] os títulos que revelem obrigação líquida, certa e exigível sem terem a forma executiva, as legislações mais avançadas utilizam-se do chamado procedimento monitório ou de injunção [...]”.
A importância do procedimento monitório é incontroversa, pois represente uma forma rápida para obtenção de um crédito não exequível. De acordo com Marinoni e Arenhart (2009, p. 157) é que:
O legislador infraconstitucional concebe o procedimento monitório como técnica destinada a propiciar a aceleração da realização dos direitos e assim como instrumento capaz de evitar o custo inerente à demora do procedimento comum. Partindo da premissa de que um direito evidenciado, mediante prova escrita em regra não deve sofrer contestação, o procedimento monitório objetiva, através da inversão do ônus de instaurar a discussão a respeito da existência ou inexistência do direito, desestimular as defesas infundadas e permitir a tutela do direito sem as delongas do procedimento comum.
Assim, como consta o art. 1.102 a do CPC[21] os objetos da ação monitória consistem em soma de dinheiro, coisa fungível ou determinado bem móvel.
A soma de dinheiro equivale a quantia certa que está sendo reclamada na execução regulada pelos arts. 646 e seguintes do CPC. Não há cabimento o pedido de quantia incerta, na pendência de liquidação posterior, sendo que a ação monitória é instaurada por meio de mandado de pagamento.
A entrega de coisa fungível refere-se na obrigação de dar coisas genéricas ou incertas, assim sendo as obrigações de dar coisas que são indicadas pelo gênero e quantidade.
E por fim, determinado bem móvel que pode ser exigido pela ação monitória é o que se apresenta como objeto de obrigação de dar coisa certa. Somente a coisa certa móvel é exigida, os imóveis alcançam o juízo contencioso ordinário.
Wambier, Almeida e Talamini (2008, p. 267) destacam que:
Serão veiculáveis por meio de ação monitória as pretensões relativas a pagamento de soma em dinheiro e à entrega do bem fungível ou de coisa determinada móvel (art. 1.102a). Excluem-se as pretensões referentes a fazer, não fazer e entregar bens imóveis. Trata-se de mera opção do legislador. Essas outras pretensões poderiam perfeitamente ter sido abrangidas pela tutela monitória, quando houvesse prova escrita.
No atinente à legitimidade, qualquer pessoa que se pretenda titular de uma prestação consistente em pagar ou entregar coisa fungível ou bem móvel poderá propor a ação monitória.
Na realidade, a legitimidade ativa da demanda monitória, não diverge daquela que autoriza a propositura de ação que visa o cumprimento de qualquer prestação.
Consoante Marinoni e Arenhart (2009, p. 158), havendo credores solidários, qualquer deles está habilitado a propor a demanda; sendo em coisa indivisível, qualquer um pode exigir a prestação desde que apresente caução de ratificação aos outros credores, conforme o art. 260, II do CC. Por isto que a ação monitória é admissível em face ao devedor da prestação.
Havendo vários devedores comuns, a ação poderá ser ajuizada contra qualquer contra todos eles, ou então ficará o suposto credor limitado às frações da dívida correspondentes aos réus citados. De outro norte, havendo solidariedade, a ação poderá ser proposta contra qualquer um dos devedores para cobrar a totalidade da dívida.
De igual modo, os mesmos autores seguem explicando que sendo indivisível o bem, a ação é exigida de todos ou de qualquer um deles, competindo àquele que for demandado apresentar a coisa integralmente. Assim havendo a indivisibilidade do objeto, implicará a necessidade de satisfação integral e nunca parcial da prestação assumida. Como positiva o art. 259 do CC, todos os devedores da prestação de entrega de coisa são responsáveis pela entrega integral do bem.
3.4.1. O Requisito da Prova Escrita da Obrigação
Conforme verificamos acima, o procedimento monitório é a alternativo àquele que pretende cobrar judicialmente um título que já não é mais dotado da característica da exequibilidade. Todavia, o principal requisito à propositura da demanda será uma prova escrita, a qual passamos a conceituar.
O conceito de prova escrita é doutrinário/jurisprudencial, sem que haja qualquer dispositivo que apresente uma definição neste sentido. Parte-se da premissa de que, havendo prova escrita, demonstrando a probabilidade do direto, o devedor poderá preferir cumprir o mandando a correr o risco de perder a demanda.
De acordo com a exigência da prova escrita, determinam Marinoni e Arenhart (2009, p.160) que:
A exigência de prova escrita, portanto, nada tem a ver com a instituição de um procedimento semelhante ao do mandado de segurança, em que se exige direito líquido e certo e não se aceita a produção de prova diferente da documental. Ora, capaz de demonstrar o fato constitutivo do direito. Contudo, quando se exige prova escrita como requisito da ação monitória, considera-se apenas que o devedor, diante de tal prova, poderá não apresentar embargos, permitindo ao credor um acesso mais rápido à execução forcada.
O cabimento da ação depende de prova escrita que sustente o crédito, sendo prova que não demonstre o fato constitutivo, mas mereça fé em relação à autenticidade e eficácia probatória, e não constitua título executivo.
É necessário frisar que qualquer escrito particular, ainda que não reconhecido – não importando se expresso mediante carta, telegrama, fax ou email, constitui prova escrita.
Com propriedade, Santos (2007, p. 184) esclarece sobre a prova escrita:
O documento escrito mais comum do título monitório é o que vem assinado pelo próprio devedor, não importando qual seja a forma, a exemplo dos contratos, das declarações unilaterais com informação ou não da causa da obrigação, das missivas ou dos meros bilhetes. A lei e, às vezes o próprio teor das disposições contratuais fazem presumir que certas formas escritas, embora não contendo assinatura do devedor, revelam certeza e liquidez processual da obrigação. A duplicata mercantil sem aceite só tem executividade quando há prova do contrato e do recebimento da mercadoria, mas, na pressuposição de que ela nunca se expede sem que haja negócio comercial, sua emissão faz considerar-se a existência da dívida em dado momento, embora falte ao título executividade. As contas expedidas pelas empresas de água, luz e telefone e os saldos bancários com prova do contrato do correntista são também, exemplificativamente, formas hábeis de se presumir, em um primeiro momento, a existência da dívida e de permitir a instauração do procedimento monitório.
Considerando que qualquer prova escrita é merecedora de fé em relação à sua autenticidade e eficácia probatória, ela é considerada assim prova suficiente para a expedição do mandado de pagamento ou de entrega de coisa conforme os arts. 1.102 b do CPC[22]. No caso de apresentação de embargos ao mandado, contestando o embargante a autenticidade da assinatura, o processo de verá caminhar de acordo com o art. 389, II do CPC, recaindo o ônus da prova sobre o embargado.
O documento particular não reconhecido pelo embargante não é prova suficiente para improcedência dos embargos
3.4.2. Procedimento Monitório
A petição inicial será de acordo com o art. 282 do CPC, contendo a descrição do fato constitutivo do direito do autor, já que este não dispõe de título executivo capaz de dispensá-lo da demonstração da causa debendi (origem do débito). É um documento essencial na propositura da ação e haverá de ser produzido na petição, a prova escrita do crédito ajuizado.
Após o deferimento da inicial, réu será citado não para se defender, mas para pagar a soma de dinheiro ou entregar a coisa, oportunidade em que é expedido o mandando de pagamento conforme.
É possível citação por edital e citação por hora certa na ação monitória, pois a Súmula n.º 282 do STJ é enfática neste sentido: “Cabe a citação por edital em ação monitória.” (BRASIL, 2004c).
Não é recorrível a decisão que defere o mandando de pagamento, pela falta de interesse do réu, sendo que a consequência imediata da citação é faculdade de defender-se por meio de embargos.
O devedor citado para pagar, de acordo com Marinoni e Arenhart (2009, p.163-165) e Theodoro Júnior (2012b, p.373-374), poderá tomar três providências distintas:
Efetuar o pagamento, no prazo de citação (15 dias): Se o réu resolver resgatar o débito, tal como ordenou o mandado, estará livre de custas e honorários advocatícios; e o processo será extinto por exaustão da prestação jurisdicional buscada pelo credor. O Juiz ordenará o arquivamento, sendo essa isenção de encargos processuais um estimulo ao abreviamento da solução do caso.
Permanecer inerte – revelia: Ocorrida a revelia, por ausência de pagamento e de embargos no prazo da citação, estará automaticamente constituído o título executivo judicial. O mandado de pagamento transforma-se em mandado executivo. Tal operação ocorre de pleno direito.
De acordo com Theodoro Júnior (2012b, p.373):
A revelia do demandado provoca a transformação da ação monitória em execução por título judicial, motivo pelo qual, uma vez efetuada a segurança do juízo, não caberão mais embargos do devedor, mas apenas eventual impugnação, nos limites do art. 475- L, na redação da Lei n.11.232/05, que substitui o regime do antigo art. 741.
Oferecer embargos – art. 1.102 c: Oferecidos embargos, a monitória torna-se um procedimento de cognição exauriente e o provimento será realizado por uma sentença que confirmará ou não o mandando de pagamento inicialmente deferido. O recurso cabível é a apelação, com duplo efeito legal. O mesmo se passa com a rejeição liminar dos embargos, sem apreciação de mérito – art. 520, V do CPC.
3.4.3. Dos Embargos à Ação Monitória
A defesa do demandado da ação monitória é feita por meio de embargos monitórios. Como o credor não dispõe ainda de título executivo, o réu não precisa garantir o juízo, para embargar a ação monitória.
Manifestados os embargos dentro de quinze dias, o mandado de pagamento fica suspenso, e a matéria de defesa arguível pelo devedor é a mais ampla possível. Toda exceção, material ou processual, que tiver pertinência com uma ação de cobrança poderá ser aventada na resposta ao procedimento monitório:
A realização plena do contraditório, que faz surgir cognição exauriente, é condicionada à instauração de embargos por parte do réu. É exato dizer que a cognição exauriente dar-se-á, no procedimento monitório, secumdum eventum defensionis. A não apresentação de embargos, é certo, permite que o credor realize, mediante execução forçada, o seu direito; mas o devedor tem a oportunidade de instaurar o procedimento que abre oportunidade à sua ampla defesa e que faz surgir cognição exauriente.(MARINONI; ARENHART, 2009, p. 165).
Após os embargos, o rito é ordinário do processo de conhecimento, até a sentença, que poderá acolher ou não a defesa.
Quando os embargos são rejeitados, há execução de título judicial. Nas obrigações de quantia certa, há a expedição de mandado de penhora e avaliação; e na entrega de coisa há a expedição de mandado de busca e apreensão.
Acolhidos os embargos, o mandando de pagamento é revogado e o processo, extinto. Se ocorrer o acolhimento parcial dos embargos, haverá a execução sobre o remanescente do pedido do autor, não alcançado pela sentença. Como a ação monitória se torna, com a impugnação do réu, ação de conhecimento em rito ordinário, pode o réu dar ensejo às exceções processuais e reconvenção (Súmula n.º 292 do STJ[23]).
Assim, de acordo com Wambier, Almeida e Talamini (2008, p. 272) ressaltam que sobrevindo sentença de procedência ou improcedência, resolvendo o mérito dos embargos, haverá coisa julgada. Se a decisão analisar o mérito dos embargos, haverá coisa julgada material. Contudo, se forem suscitadas apenas questões processuais, sobrevindo a declaração de invalidade do procedimento monitório, haverá coisa julgada formal.
Grinover (1997) explica ainda que havendo pagamento cumprimento espontâneo pelo réu, formar-se-á coisa julgada material, pois destaca que “[...] A decisão do juiz que expediu o mandado injuncional foi uma decisão de mérito, uma sentença definitiva. [...]”. Por isto, há cumprimento espontâneo da decisão judicial de mérito, o que culmina em coisa julgada material.
Por isto mesmo que, na ação monitória, forma-se coisa julgada material quando: a) há revelia do demandado; b) este não propõe embargos dentro do prazo; c) pelo cumprimento espontâneo da obrigação; d) e pela sentença que julga o mérito dos embargos. Nas demais situações haverá apenas coisa julgada formal