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Os custos da pena privativa de liberdade e sua crise de legitimidade

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Ao que tudo indica, o aspecto financeiro da crise de legitimidade da privação da liberdade é manifestamente utilizado para justificar as decisões alocativas do Poder Público e os baixos investimentos do sistema prisional. Disto resulta o aprofundamento das distorções e o agravamento do desrespeito da dignidade humana dos “clientes” do sistema.

1 INTRODUÇÃO

Existe um consenso, entre os penalistas e a própria sociedade civil, sobre a falência das prisões enquanto instituições que existem para, de diversas formas e sob diversas perspectivas, fazerem frente ao problema da criminalidade.

Vistas como “máquinas de deteriorar” e como “fonte indiscutível de desmoralização”[1] humana, de há muito se vem reconhecendo, às cadeias e prisões:

Sua incapacidade para exercer influxo educativo sobre o condenado, sua carência de eficácia intimidativa diante do delinqüente entorpecido, o fato de retirar o réu de seu meio de vida, obrigando-o a abandonar seus familiares, e os estigmas que a passagem pela prisão deixam no recluso.[2]

Diante disso, vários países pelo mundo, assim como o Brasil, têm buscado a substituição da pena de prisão por medidas alternativas, sobretudo para aqueles casos de infrações de pequeno e médio potencial ofensivo. Tal medida se justifica pela necessidade de se afastar esses infratores do universo pernicioso da prisão, verdadeiro “sindicato do crime”[3], em que se entra um criminoso comum e do qual se sai “letrado”.

A adoção das penas alternativas veio ao encontro desse ideal de substituição da privação de liberdade por algo melhor e que representasse uma alternativa viável, dentre outras, aos problemas dos custos da pena de prisão.

O argumento da redução de custos é dos mais ponderados e sustentados como deslegitimadores das penas privativas. Dados estatísticos revelam diferença gritante entre o custo de um condenado custodiado e o custo de um condenado submetido a penas restritivas.

Entretanto, uma pergunta se anuncia: o baixo custo seria, de fato, um incentivo real para a adoção das penas restritivas de direito, ou uma forma de desviar a atenção para o não atendimento, pelo Estado, dos direitos que não são satisfeitos, graças à sua omissão?

Esse problema da omissão do Estado no atendimento aos direitos fundamentais de todo cidadão por conta da escassez de recursos é sustentado sob o argumento da “reserva do possível”, que vem em socorro das “escolhas trágicas” que são tomadas quando o Estado prefere destinar tais recursos para outros serviços tidos como mais importantes e úteis do que o sistema prisional. É muito mais fácil, sob esse prisma, a adoção de um novo sistema punitivo do que o enfrentamento do problema pelo Estado, em busca da sua correção.

Face a essa realidade, o presente estudo se propõe a verificar de que maneira o problema dos custos do encarceramento influencia a crise de legitimidade pela qual passam as penas privativas de liberdade.

Para tanto, será feita uma abordagem inicial sobre os custos do direito, tese que vem sendo enfrentada desde o final da década de 90 do século XX, como fator determinante das decisões alocativas do Estado frente à escassez de recursos.

Em seguida, serão avaliados os custos do crime e, mais especificamente, os custos da pena, identificando o significado orçamentário que os gastos com o sistema prisional representam para o Estado.

Por fim, tentar-se-á demonstrar de que maneira os custos da pena de prisão influenciam a crise de legitimação do sistema prisional, identificando os efeitos decorrentes da estrutura mesma do encarceramento e o que porventura é produzido pela escassez de recursos e pelas escolhas trágicas dos governantes.


2 OS CUSTOS DO DIREITO

“Direitos não nascem em árvores”. A afirmação de Flávio Galdino[4] revela muito mais do que a constatação de um simples não-acontecimento natural – ela reflete uma realidade presente e, nada obstante, ignorada por grande parte dos operadores do Direito.

Sabe-se que compete ao Estado a garantia dos direitos fundamentais. Contudo, ao lado dos variados desafios que encontra para a efetivação desses direitos, o Estado se depara com o problema dos custos. Como os direitos não são como os frutos de uma mangueira, nem podem ser achados por aí, a sua concretização depreende o dispêndio de recursos financeiros. Em um universo social de tantas carências e tantas pretensões, o Estado terá condições de arcar com todos os custos da garantia dos direitos reclamados pelos seus cidadãos?

No final do século XX, uma obra lançada nos Estados Unidos da América veio trazer novas luzes sobre a análise do direito, propondo sua abordagem econômica. Assim, de modo bastante sintético, é possível dizer que, em The cost of rights: why liberty depends on taxes, Stephen Holmes e Cass R. Sunstein defendem a ideia de que, a rigor, não existem direitos negativos e positivos – todos eles, sejam os chamados “direitos de liberdade”, sejam os “direitos sociais”, reclamam comportamentos positivos do Estado[5]. Tais comportamentos, seja numa proposta de concreção, seja numa perspectiva de proteção, sempre “implicariam um custo ao erário, [e] a sociedade sempre seria onerada com os direitos.” [6]

A nova lógica, com a consequente e inevitável subordinação do Direito ao econômico, estabelece que as normas constitucionais que declaram e garantem Direitos Fundamentais passem a ser interpretadas sob a égide da relação custo-benefício[7].

Tendo isso em conta, e como o próprio subtítulo do livro de Sustein e Holmes quer revelar, os autores vão defender que a efetivação das liberdades depende dos impostos pagos pelos contribuintes, ilustrando tal afirmativa com um exemplo, logo no início da obra:

On August 26, 1995, a fire broke out in Westhampton, on the westernmost edge of the celebrated Long Island Hamptons, one of the most beautiful areas in the United States. This fire was the worst experienced by New York in the past half-century. For thirty-six hours it raged uncontrollably, at one point measuring six miles by twelve.

But this story has a happy ending. In a remarkably short time, local, state, and federal forces moved in to quell the blaze. Officials and employees from all levels of government descended upon the scene. More than fifteen hundred local volunteer firefighters joined with military and civilian teams from across the state and country. Eventually, the fire was brought under control. Astonishingly, no one was killed. Equally remarkably, destruction of property was minimal. Volunteerism helped, but in the end, public resources made this rescue possible. Ultimate costs to American taxpayers, local and national, originally estimated at $ 1.1 million, may have been as high as $ 2.9 million.[8]

Sendo, portanto, a principal fonte de renda do Estado, é dos impostos que depende a atuação do Poder Público na promoção/proteção dos direitos fundamentais. Não há, pois, como efetivar direitos sem considerar os seus custos, pouco importando a sua natureza:

“Where there is a right, there is a remedy” is a classical legal maxim. Individuals enjoy rights, in a legal as opposed to a moral sense, only if the wrongs they suffer are fairly and predictably redressed by their government. This simple point goes a long way toward disclosing the inadequacy of the negative rights/positive rights distinction. What it shows is that all legally enforced rights are necessarily positive rights.

Rights are costly because remedies are costly. Enforcement is expensive, especially uniform and fair enforcement; and legal rights are hollow to the extent that they remain unenforced. Formulated differently, almost every rights implies a correlative duty, and duties are taken seriously only when dereliction is punished by the public power drawing on the public purse. There are no legally enforceable rights in the absence of legally enforceable duties, which is why law can be permissive only by being simultaneously obligatory. That is to say, personal liberty cannot be secured merely by limiting government interference with freedom of action and association. No right is simply a right to be left alone by public officials. All rights are claims to an affirmative governmental response. All rights, descriptively speaking, amount to entitlements defined and safeguarded by law. A cease-and-desist order handed down by a judge whose injunctions are regularly obeyed is a good example of government “intrusion” for the sake of individual liberty. But government is involved at an even more fundamental level when legislatures and courts define the rights such judges protect. Even thou-shalt-not, to whomever it is addressed, implies both an affirmative grant of right by state and a legitimate request for assistance to an agent of the state.[9]

Fica claro, portanto, a posição dos autores quanto à positividade de todos os direitos, mesmo aqueles considerados como negativos. Todos eles demandam custos, sobretudo porque, como enfatizam, todos os direitos implicam deveres correlativos, e os deveres somente são levados a sério quando do seu descumprimento resultam sanções do poder público. A concretização de todo esse aparato representa ônus para o erário público, que retira sua manutenção dos impostos pagos pelos indivíduos. Nas palavras de Flávio Galdino:

[...] enunciam os autores a tese central de que inexistem direitos ou liberdades puramente privadas, senão que o exercício de todo e qualquer direito ou liberdade depende fundamentalmente das instituições públicas, e em grande parte, sendo, portanto, igualmente públicos (e custosos).[10]

Um problema, porém, se desenha nesse nublado horizonte: já que a garantia de direitos por parte do Estado demanda custos, haverá recursos suficientes para assegurar o atendimento de todas as pretensões legítimas dos cidadãos? A resposta negativa se impõe, trazendo, consigo, um outro inquietante problema: o da escassez[11].

Assim, se existem demandas a serem atendidas e se, por outro lado, os recursos disponíveis não são insuficientes para atender a todas as demandas, torna-se necessário decidir onde os recursos serão empregados, o que leva ao problema da sua alocação.

Firmado que há menos recursos do que o necessário para o atendimento das demandas e que a escassez não é acidental, mas essencial, toma vulto a alocação de recursos. As decisões alocativas são [...] escolhas trágicas, pois, em última instância, implicam a negação de direitos [...].[12]

Tais “decisões alocativas” importarão, necessariamente, uma ponderação entre os direitos que poderão ser satisfeitos e aqueles que serão desatendidos, já que não há condição de se atender a todas as pretensões. Esta ordem de coisas transforma a realidade, gerando situações-limite, posto que “a decisão de proteger um dado interesse muitas vezes gera novas formas de ameaça, tornando as decisões alocativas ainda mais complexas.”[13]

É neste ponto que surge a chamada reserva do possível, que considera a limitação de recursos diante das necessidades quase infinitas que o Estado deve atender. No dizer de Scaf:

[...] o conceito de “reserva do possível” é oriundo do direito alemão, fruto de uma decisão da Corte Constitucional daquele país, em que ficou assente que “a construção de direitos subjetivos à prestação material de serviços públicos pelo Estado está sujeita à condição da disponibilidade dos respectivos recursos”. Neste sentido, a disponibilidade desses recursos estaria localizada no campo discricionário das decisões políticas, através da composição dos orçamentos públicos. A decisão do Tribunal Constitucional Alemão menciona que estes direitos a prestações positivas do Estado (os direitos fundamentais sociais) “estão sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade”. A decisão recusou a tese de que o Estado seria obrigado a criar uma quantidade suficiente de vagas nas universidades públicas para atender a todos os candidatos.[14]

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O Estado se vê impelido ao atendimento das pretensões sociais, apesar da escassez de recursos. Precisando tomar decisões alocativas, também precisará escolher entre atender a uns e não atender a outros, sob o argumento da reserva do possível. A decisão do atendimento/não atendimento é, por natureza, uma decisão política, situada no âmbito da discricionariedade mencionada por Scaf. Refletindo, assim, um posicionamento político por parte dos dirigentes Estatais, as decisões alocativas levarão em consideração não apenas a satisfação/não satisfação dos direitos, mas também tudo o que essa decisão representará, em termos sociais, econômicos e, consideravelmente, políticos.

Sendo assim, cabe um questionamento: em que nível de prioridade estarão as demandas no universo do crime, sobretudo os custos da privação de liberdade? Colinido-se interesses em que figurem direitos como à saúde da coletividade e a um cumprimento de pena de prisão com dignidade, de que maneira o poder público se posicionará, ponderando valores?

Antes de tentar responder a essa inquietação, convém traçar, ainda que brevemente, um panorama dos custos do crime e, especificamente, da privação da liberdade, a fim de que se possa melhor inferir a influência que o problema dos custos exerce sobre a tão decantada crise de legitimidade por quê passa a pena de prisão.


3 OS CUSTOS DO CRIME E DA PRIVAÇÃO DE LIBERDADE

A prática de um crime gera diversos custos a serem suportados pelo Estado.

Inicialmente, a mobilização do aparato policial. O crescente número da criminalidade tem forçado as polícias civil e militar a aumentarem seu contingente humano e sua logística operacional. Viaturas, armamento, coletes, instalações e alta tecnologia são empregados, seja no trabalho de investigação, seja para deter suspeitos e culpados.

Em seguida, há os custos do processo penal. Embora vigore, na sistemática processual penal brasileira, o princípio da duração razoável do processo, que preconiza a observância da presteza possível sem prejuízos para o acusado e para a sociedade, a realidade é revela que os processos criminais se arrastam por meses e, não raro, por anos a fio, sem solução de continuidade. Isto representa custos para o Poder Judiciário, para o Ministério Público, para as Defensorias Públicas e para o Poder Executivo, sobretudo nas ações em que acusados são mantidos presos cautelarmente. Aliás, aqui um dos mais graves e principais custos do processo penal, haja vista que, nada obstante a prisão sem pena ser exceção na sistemática processual penal, na prática ela vem se transformando em regra, contribuindo para o abarrotamento das cadeias públicas e das carceragens de delegacias.

Estima-se, em termos de Bahia, que cerca de 6000 (seis) mil presos ditos “provisórios”, ou seja, que não possuem condenação, estão disseminados pelas precárias instalações carcerárias das delegacias baianas. Esse número, que se encontra acima da capacidade de tais estabelecimentos, representa acréscimo em despesas de alimentação, saneamento, saúde e com pessoal, que termina por ser deslocado das tarefas de policiamento externo para cumprir função de vigilância interna.

Ao lado disso, também os estabelecimentos prisionais se encontram superlotados desses presos provisórios. Dados da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado da Bahia indicam que, dos cerca de 9600 (nove mil e seiscentos) presos que se encontram detidos no sistema prisional baiano, quase a metade são presos sem pena ou que aguardam, embora condenados, o trânsito em julgado de suas sentenças e expedição da competente guia de recolhimento.

Um terceiro momento em que o crime gera gastos superlativos para o Estado é após a condenação de acusados. Com a condenação e o início da execução, o indivíduo é inserido, em caráter definitivo, no sistema prisional, deixando de ser um preso cautelar ou provisório (caso já se encontre custodiado) para se tornar um “cliente” permanente do sistema. Tal “mudança de categoria” representa bem mais do que uma simples reclassificação jurídica; ela traz consigo a necessidade de observância de uma série de atenções por parte do Estado, atenções estas oriundas de direitos cuja prestação é dever público e representam obrigações a serem observadas, inafastavelmente, no curso da execução penal.

Somam-se, nessas prestações, as atenções básicas presentes em qualquer tipo de encarceramento, seja provisório, seja condenatório, e as prestações específicas, que surgem como decorrência da própria execução. Como exemplo das primeiras é possível citar as despesas com alimentação, fardamento, transporte para audiências, atendimento médico-odontológico, psicólogos, medicações diversas e lazer. São estruturas que, em regra, devem existir em todo estabelecimento prisional, independentemente de sua destinação.

As atenções específicas são próprias da execução da pena e de seus regimes. Nos estabelecimentos para cumprimento de regime fechado, por exemplo, há necessidade de espaços destinados ao trabalho do preso, explorados por particulares ou mesmo pelo Estado. Nestes, o Estado se utiliza da mão-de-obra do preso em serviços como limpeza e preparo de alimentos, embora não seja adotado na generalidade dos estabelecimentos. Naqueles, são as empresas privadas que arcam com a remuneração do preso, embora sem encargos trabalhistas e respeitando um limite mínimo de 75% (setenta e cinco por cento) do salário mínimo vigente. Em todas as situações, contudo, é o Estado que arca com os custos das contas de energia, fornecimento de água, manutenção dos espaços físicos e, algumas vezes, com fornecimento de maquinário especializado.

Afora isso, o reconhecimento do direito do preso à educação gera, também, a necessidade de uma prestação positiva do Estado nesse setor. Remuneração de professores e instrutores, em cursos de ensino fundamental, médio e profissionalizante, fornecimento de material didático, aparelhamento de salas de aula e equipamentos multimídia compõem um conjunto de gastos acrescidos a esse universo.

Nos regimes semi-aberto e aberto, embora a possibilidade do preso trabalhar e estudar fora dos estabelecimentos prisionais, o que, de certa forma, reduz custos, tal redução é incrementada pela necessidade de fiscalização e acompanhamento por parte, por exemplo, de assistentes sociais e outros servidores.

Além disso, com a edição da lei nº 12.258/10, que cria a possibilidade de monitoramento eletrônico, incrementa-se ainda mais os custos da pena privativa. A citada lei modifica a lei nº 7.210/84, acrescentando-lhe, dentre outros, o parágrafo único do art. 122:

Art. 122. Os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos:

I - visita à família;

II - freqüência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução;

III - participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.

Parágrafo único.  A ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução.

O dispositivo mencionado guarda relação com as saídas temporárias, concedidas ao preso em regime semi-aberto que tenha bom comportamento, permitindo-lhe passar 7 (sete) dias com a família, o que pode acontecer por, no máximo, cinco vezes ao longo de um ano. O monitoramento também poderá acontecer, nos termos da lei, em caso de prisão domiciliar.

É possível acrescentar ainda, ao universo de custos das penas privativas de liberdade, a expansão do próprio sistema prisional. Construção de presídios e mini-presídios elevam os gastos públicos à esfera dos milhões, entre gastos estaduais e federais, representando um desprendimento de recursos semelhantes ao da construção de hospitais.

Geder, analisando o problema dos custos das prisões e das penas privativas de liberdade, traça importante radiografia do problema, com dados colhidos entre 2003 e 2007. Dada a riqueza de detalhes das informações, vale a pena transcrever trechos de seu estudo:

É de complexo estudo o custo total do fenômeno criminal. Inúmeras investigações informam custos dos mais diversos, levando em conta, também, aspectos e tópicos do mais variados.

Pesquisa, em 2004, do National Council on Crime and Delinquency, órgão oficial dos Estados Unidos, em Washington, revela que, em média, cada crime cometido naquele país custa U$ 2.600,00 (dois mil e seiscentos dólares), sem contar com o custo do processo e do cumprimento da pena.

Dados do Ministério da Justiça divulgados em 2006, [...] informam que, somente no biênio 2003/2005, foi disponibilizado um total de R$ 1.186.853.549,30 (hum bilhão, cento e oitenta e seis milhões, oitocentos e cinqüenta e três mil, quinhentos e quarenta e nove reais e trinta centavos), pelo Governo Federal, para os Estados-membros, no apoio às atividades e programas de combate ao crime e aprimoramento do sistema penitenciário.

Segundo dados divulgados pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCCO), da Câmara dos Deputados, [...] o custo de uma penitenciária federal, com capacidade para 208 presos, é de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), o que implica dizer que cada vaga criada neste sistema representa um investimento de R$ 96.153,58 (noventa e seis mil, cento e cinqüenta e três reais e oitenta e cinco centavos).[15]

No cotejo de dados dos custos do crime nos Estados Unidos da América com dados do Ministério da Justiça e da Câmara dos Deputados do Brasil, torna-se possível aquilatar a dimensão dos gastos públicos nesse específico setor. A só implantação de um estabelecimento prisional, como é o caso das penitenciárias federais, representa custos da esfera de duas dezenas de milhões de reais, enquanto a transferência de recursos federais para os Estados-membros do Brasil, para apoio às iniciativas e atividades no campo prisional, ultrapassaram a casa do bilhão no biênio 2003/2005.

A análise de Geder, porém, não se detém aí. Outros dados, desta feita mais especificamente relacionados aos custos da privação da liberdade, são por ele anotados, merecendo menção destacada nestas páginas:

Comumente, atribui-se o custo mensal de um preso variando entre R$ 600,00 e R$ 1.000,00.

Conforme citado no Correio Brasiliense, em 30 de agosto de 2003, segundo um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), feito em 1994, cada preso custa aos cofres públicos, por mês, R$ 840,00 (oitocentos e quarenta reais).

[...]

Os números da ONU, por intermédio da Fundação Internacional Penal e Penitenciária (FIPP), em 2004, apontam o custo mensal de um preso no Brasil de U$ 370,50 (trezentos e setenta dólares e cinqüenta centavos de dólar).

[...]

No ano de 2004, o então Diretor-Geral do DEPEN, Clayton Nunes, noticiou que cada preso custava ao sistema cerca de R$ 1.000,00 (um mil reais).

Recentemente, em setembro de 2007, durante audiência realizada pela CPI do Sistema Penitenciário, na Câmara dos Deputados, em Brasília, o Diretor-Geral do DEPEN, Maurício Kuehne, informou que o custo médio mensal do preso no Brasil é de R$ 1.000,00 (um mil reais). [16]

Além dos custos com o encarceramento propriamente dito, com a só manutenção do indivíduo na prisão, há uma outra ordem de gastos, igualmente relevantes, que merecem ser lembrados: os gastos com a tentativa de reinserção social do condenado.

Referimo-nos, linhas atrás, aos cuidados com trabalho, instrução, formação profissional, lazer, entre outros. Esses cuidados demandam gastos consideráveis, que devem ser levados em conta na análise geral dos custos da privação de liberdade.

Um estudo desenvolvido pela Universidade de Coimbra, sob a direção científica de Boaventura Souza Santos e coordenação de Conceição Gomes, se debruçou sobre a reinserção social dos presos no sistema português, tratando também do problema dos custos da formação profissional do detento com vistas ao seu reingresso na sociedade. O estudo faz referência aos “elevados custos da formação. São custos elevados que os estabelecimentos têm, por exemplo, com as oficinas, formadores, etc.”[17]

Associado a esse custo, o estudo lembra outros gastos referentes à formação, que são “os desperdícios resultantes da [sua] falta de eficácia”. Um depoimento é ilustrativo disso:

Há depois a questão da formação profissional, que é uma questão muito complexa e que é provavelmente das mais adulteradas e perversas dentro do sistema, porque realmente nunca foi assumida claramente na sua ligação formação profisisonal/emprego ou trabalho e depois emprego. Muito dinheiro se gastou na formação pela formação e continua a gastar-se, o que leva a que a certa altura temos indivíduos com três, quatro cursos de formação que vão desde padeiro e pintor de construção civil e depois, quando sai cá pra fora, ele não vai utilizar nenhum.[18]

Assim, o fato de se promover “formação por formação” representa desperdício de verbas públicas, o que também constitui fator influenciador do discurso deslegitimador da privação da liberdade como reação penal.

Perseguindo, ainda, a identificação dos custos das penas de prisão, vale lembrar os danos patrimoniais causados por rebeliões. Motivados, sobretudo, pela superlotação e pelas condições desumanas do cárcere, os motins deixam grande rastro de destruição, importando a interdição temporária de celas, alas e mesmo de estabelecimentos como um todo, além do ônus, para o Estado, da reforma dos setores vitimados pelas atitudes predatórias.

Após esse levantamento dos custos da pena de prisão, convém entender melhor as decisões alocativas do Estado quanto aos recursos públicos, entendendo um dos fatores que está por detrás da crise de legitimidade do sistema prisional.

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Sobre o autor
Pedro Camilo de Figueirêdo Neto

Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (2012). Graduado em DIREITO pela UFBA (2006) e especialista em Ciências Criminais pela UFBA (2008). Advogado. Ex-diretor do Centro de Observação Penal, da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado da Bahia (2007-2009). Ex-membro suplente do Conselho Penitenciário do Estado da Bahia (2011). Professor Auxiliar da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Professor convidado do Programa de Pós-graduação latu sensu da Faculdade de Direito da UFBA e da FTC da cidade de Itabuna, Bahia. Professor da Faculdade Sete de Setembro (FASETE), em Paulo Afonso, Bahia. Coordenador de Pesquisa do Núcleo de Pesquisa e Extensão da Universidade do Estado da Bahia, Campus VIII.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NETO, Pedro Camilo Figueirêdo. Os custos da pena privativa de liberdade e sua crise de legitimidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4031, 15 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30214. Acesso em: 2 nov. 2024.

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