RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo fazer uma análise teórica das normas (regras) que estabelecem a confissão de dívida e renúncia a alegações de direito como conseqüência da adesão a parcelamentos especiais tributários, fazendo uma crítica à interpretação da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que relativiza os seus efeitos, permitindo a rediscussão de aspectos jurídicos dos tributos confessados. Apresenta crítica ao entendimento do STJ, para, ao final, concluir pela impossibilidade de rediscussão de débitos confessados e parcelas, seja quanto à matéria fática, seja em seus aspectos jurídicos.
Palavras-chave: PARCELAMENTO. CONFISSÃO DE DÍVIDA. INTERPRETAÇÃO. SEGURANÇA JURÍDICA. OBEDIÊNCIA ÀS REGRAS. DISPOSIÇÃO. DIREITO MATERIAL.
1. INTRODUÇÃO
Dentre as causas suspensivas da exigibilidade do crédito tributário, os parcelamentos (art. 151, VI), notadamente os especiais (ou extraordinários), têm exigido atenção especial, seja em razão dos diversos aspectos que envolvem suas regulamentações, seja em razão das diferentes sistemáticas de controle a que se acham submetidos.
Questão interessante, que tem gerado discussões no meio jurídico, diz respeito à interpretação que o Superior Tribunal de Justiça vem dando à confissão de dívida decorrente de pedido de parcelamento e aos dispositivos legais (regras) que condicionam o deferimento ou a permanência do contribuinte em parcelamentos especiais de créditos tributários à desistência de ações judiciais e renúncia a alegações de direito.
Não são raros os casos em que a Administração Tributária indefere administrativamente pretensões de contribuintes em razão de confissão irretratável e irrevogável de dívida, ou indefere ou rescinde parcelamentos com base no descumprimento dessas regras pelos contribuintes, os quais muitas vezes acabam desaguando no Poder Judiciário.
2. OS PARCELAMENTOS ESPECIAIS
Na última década, vários parcelamentos especiais foram concedidos pela Fazenda Nacional a contribuintes inadimplentes. REFIS (lei nº 9.964/2000), PAES (lei nº 10.684/2003), PAEX (MP 303/2006) e REFIS da crise (MP 449/2008, convertida na lei nº 11.941/2009) são os mais conhecidos. Isso sem falar nos parcelamentos concedidos a municípios, a exemplo da lei nº 11.196/2006 (alterada pela lei nº 11.960/2009) e, mais recentemente, na MP nº 589/2012, convertida na lei nº 12.810/2013.
Todas essas leis possuem regras expressas no sentido de que a adesão ao parcelamento implica confissão irretratável de dívida e renúncia a alegações de direito[2]. Por conseqüência, exigem, como condição para o ingresso no programa, a comprovação de desistência de eventuais ações judiciais e renúncia a alegações de direito relativas aos débitos objeto do pedido de parcelamento.
Assim, em se tratando de parcelamento de créditos inscritos em Dívida Ativa da União, via de regra deparo-me com situações em que preciso proferir decisão administrativa sobre a manutenção ou não do contribuinte no parcelamento, nos casos em que este não cumpre ou cumpre de forma incompleta a exigência prevista na legislação tributária.
Em outros casos, apresentamos manifestações em processos judiciais, informando ao juízo que o débito foi objeto de parcelamento e, portanto, o feito deve ser extinto com resolução de mérito em face da confissão de dívida.
3. CONFISSÃO DE DÍVIDA E (im)POSSIBILIDADE DE NOVA DISCUSSÃO JUDICIAL
Não obstante a existência de regras expressas tratando a adesão a parcelamento como confissão de dívida e condicionando a permanência em parcelamentos especiais à desistência das ações que discutem o débito a ser parcelado e renúncia a alegações de direito, muitos contribuintes insistem em prosseguir com essas ações e, ainda assim, beneficiarem-se do favor fiscal.
É entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça que, embora o parcelamento seja confissão de dívida, a extinção da ação em que se discute o débito com resolução do mérito depende de pedido expresso do autor, não bastando a comprovação do parcelamento pela Fazenda Pública. E se o autor não renuncia ao direito em que se funda a ação, embora provado o parcelamento, deve a ação ser extinta sem resolução do mérito, pois nessa situação o contribuinte não poderia continuar discutindo em juízo as parcelas do débito, por faltar-lhe interesse de agir [3].
Contraditoriamente, o mesmo tribunal admite que a confissão de dívida perante a autoridade administrativa não inibe o questionamento judicial do débito, mas limita essa possibilidade aos aspectos jurídicos da exação tributária e às situações em que a confissão pode ser invalidada. O precedente abaixo, submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, ilustra bem a questão:
“2. O Tribunal de origem firmou entendimento no sentido de que a confissão da dívida para adesão ao programa de parcelamento não é absolutamente irretratável, sendo possível seu questionamento na via judicial. Contudo, rechaçou a pretensão da empresa contribuinte em afastar a responsabilidade tributária no pagamento do tributo, visto tratar-se de matéria de fato insuscetível de retratação em decorrência das duas confissões de dívidas efetuadas. Incidência da Súmula 83/STJ.3.A confissão da dívida não inibe o questionamento judicial da obrigação tributária, no que se refere aos seus aspectos jurídicos. Quanto aos aspectos fáticos sobre os quais incide a norma tributária, a regra é que não se pode rever judicialmente a confissão de dívida efetuada com o escopo de obter parcelamento de débitos tributários. No entanto, como na situação presente, a matéria de fato constante de confissão de dívida pode ser invalidada quando ocorre defeito causador de nulidade do ato jurídico (v.g. erro, dolo, simulação e fraude). Precedentes: REsp. n. 927.097/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 8.5.2007; REsp 948.094/PE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 06/09/2007; REsp 947.233/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 23/06/2009; REsp 1.074.186/RS, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 17/11/2009; REsp 1.065.940/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 18/09/2008. 6. Divirjo do relator para negar provimento ao recurso especial. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ n. 8/2008.” (REsp 1133027/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/10/2010, DJe 16/03/2011)
A questão aqui colocada em debate, à luz dessa jurisprudência, consolidada no STJ sob o regime dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), revela uma interpretação que extrapola as possibilidades semânticas dos textos das leis que instituem parcelamentos especiais, desprestigiando a atuação do legislador e corroendo a relação de complementariedade que deve existir entre a política e o direito. Ademais, a postura do Poder Judiciário acaba por evidenciar uma alta carga de decisionismo, típico do movimento positivista, em face da discricionariedade aplicada em suas decisões, postura que não se deseja corrente em um Estado Democrático de Direito, por razões de segurança jurídica, ética e justiça.
Assim se afirma porque os parcelamentos especiais configuram um favor fiscal, um benefício ao contribuinte, normalmente atrelado à remissão de percentuais de juros, multas e encargos legais. As vantagens de se aderir a esse tipo de parcelamento são imensas. Ademais disso, a adesão não é compulsória, não é imposta, como o é o pagamento do tributo; só adere aquele contribuinte que quer; aquele que, sabendo previamente das suas regras, avalia os benefícios ofertados e as conseqüências da sua adesão para, ao depois, em prazo razoável, dizer se tem ou não interesse pelo parcelamento.
Logo, uma vez inserido no parcelamento e gozando de todos os seus benefícios – que, de regra, são muito atraentes -, não parece adequado, coerente, lógico, razoável e ético admitir que o contribuinte continue ou inaugure questionamentos quanto aos seus aspectos jurídicos ou fáticos, fazendo ressurgir uma situação jurídica encerrada na confissão de dívida, a não ser, neste último caso, quando a confissão estiver contaminada com defeito causador de invalidade do ato jurídico (erro, dolo, simulação e fraude).
A despeito da aparente lógica verificada no entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não se pode tê-la como a melhor posição sobre a matéria.
4. REFERENCIAL TEÓRICO
Leis que introduzem parcelamentos normalmente estabelecem que a adesão aos seus programas implica confissão de dívida. Esta, por sua vez, constitui ato jurídico perfeito, cuja imutabilidade nem mesmo a lei pode suplantar, a teor do art. 5º, XXXV[4] da CF, como corolário da segurança jurídica necessária à estabilidade das relações sociais[5].
Nesse cenário, se o contribuinte, após cientificar-se das suas vantagens e conseqüências, adere ao parcelamento voluntariamente, ficará automaticamente obrigada a cumprir as condições estabelecidas na lei que o instituiu, o que se afigura normal, esperado e exigido em toda relação jurídica bilateral.
Logo, confessada a dívida, de forma irretratável e irrevogável, o termo de parcelamento firmado pelo fisco e pelo contribuinte constituirá título executivo extrajudicial[6], que não mais poderá ela ser questionado, seja em seus aspectos jurídicos, seja quanto à matéria fática. Deste modo, a insurgência posterior contra a higidez do crédito tributário confessado revela inadmissível comportamento contraditório, ofensivo ao princípio da boa-fé objetiva, haja vista o brocardo “nemo potest venire contra factum proprium”. É imperativo que a lei seja respeitada, pelas pessoas, mas, também, pelo Poder Judiciário; que se supere uma cultura, crescente no Brasil, de desprestígio da atuação legislativa.
Esta a razão pela qual este trabalho critica o posicionamento da jurisprudência que relativiza as conseqüências da confissão de dívida, admitindo rediscussão judicial de tributos que alguma vez foram objeto de parcelamentos especiais.
Não se está com isso invocando os aspectos já superados do positivismo jurídico, nem de negar que a noção de ordenamento jurídico como sistema de regras possua caráter impreciso, indeterminado lacunoso. Mas sim, repudiando uma tendência nefasta que tem contaminado o Poder Judiciário brasileiro, de afastar (ou ignorar) a aplicação de leis (regras) sem qualquer argumentação, ou com argumentação fraca ou insuficiente, com invocação genérica dos princípios. Essa postura do Poder Judiciário, para além de implicar violação à separação dos poderes, retrata um desprezo pela legitimidade que a política atribui ao direito e à ponderação de valores previamente efetuada pelo Poder Legislativo no processo de elaboração da lei.
Outrossim, não se pretende justificar a obediência às regras tão-somente a partir da ideia de autoridade, pois sabe-se que essa postura, ademais de encontrar muita resistência, acaba por gerar muitas injustiças.
No entanto, a estrutura do Estado Democrático de Direito, e o próprio sistema de freios e contrapesos, exigem atuação responsável dos poderes, que devem bem conhecer e respeitar seus limites. Especificamente em relação à interpretação da lei, o julgador jamais pode perder de vista a socialização[7] que ela produz como instrumento de controle social a serviço dos principais direitos fundamentais – igualdade e liberdade -, e que foi produzida em um ambiente democrático.
Pertinente é o posicionamento de Humberto Ávila, para quem há vários motivos para se obedecer às regras:
“Em primeiro lugar, como as regras têm a função de pré-decidir o meio de exercício do poder, elas afastam a incerteza não tivesse sido feita essa escolha. É justamente para evitar o surgimento de um conflito moral e para afastar a incerteza decorrente da falta de resolução desse mesmo conflito que o Poder Legislativo opta pela edição de uma regra. (...)
Em segundo lugar, além de afastar a controvérsia e a incerteza, a opção pelas regras tem a finalidade de eliminar ou reduzir a arbitrariedade que pode potencialmente surgir no caso de aplicação direta de valores morais. Essa característica foi assim notada por Schauer, ao analisar a importância da qualidade resolutiva das regras para restringir a discricionariedade: ‘Em suma, é verdade notória que as regras se atravessam no caminho; mas isto não precisa ser sempre considerado algo ruim. Pode consistir em uma desvantagem quando surge no caminho dos sábios julgadores que, ao perseguirem de forma precisa o bem, intuitivamente levam em consideração todos os fatores relevantes. Entretanto, também pode ser uma qualidade, quando surge para restringir julgadores desavisados, incompetentes, de má índole, ávidos por poder, ou simplesmente equivocados, cujo próprio senso de bem diverge daquele do sistema ao qual eles servem’. (...)
Em terceiro lugar, a opção pelas regras tem a finalidade de evitar problemas de coordenação, deliberação e conhecimento.
(...)
Essas considerações demonstram, em suma, que as regras não devem ser obedecidas somente por serem regras e serem editadas por uma autoridade. Elas devem ser obedecidas, de uma lado, porque sua obediência é moralmente boa e, de outro, porque produz efeitos relativos a valores prestigiados pelo próprio ordenamento jurídico, como segurança, paz e igualdade”.[8]
Além da importância de se obedecer às regras, Humberto Ávila ensina que a sua superabilidade deve estar condicionada ao atendimento de requisitos materiais e procedimentais. No que toca aos requisitos materiais, diz referido autor que:
“a superação de uma regra não se circunscreve à solução de um caso (...) mas exige a construção de uma solução de um caso mediante a análise da sua repercussão para a maioria dos casos. A decisão individualizante de superar uma regra deve sempre levar em conta seu impacto para aplicação das regras em geral. A superação de uma regra depende da aplicabilidade geral das regras e do equilíbrio pretendido pelo sistema jurídico entre justiça geral e justiça individual”.
E a respeito dos requisitos procedimentais, propõe três requisitos para a superação:
“A superação de uma regra deverá ter, em primeiro lugar, uma justificativa condizente. Essa justificativa depende de dois fatores. Primeiro, da demonstração de incompatibilidade entre a hipótese da regra e sua finalidade subjacente. (...) Segundo, da demonstração de que o afastamento da regra não provocará expressiva insegurança jurídica. Em segundo lugar, a superação de uma regra deverá ter uma fundamentação condizente: é preciso exteriorizar, de modo racional e transparente, as razões que permitem a superação. (...) A fundamentação deve ser escrita, juridicamente fundamentada e logicamente estruturada. Em terceiro lugar, a superação de uma regra deverá ter uma comprovação condizente(...). A mera alegação não pode ser suficiente para superar uma regra.”[9]
Ainda a respeito das leis e da necessidade da sua observância, Robert Alexy, ao falar da primazia que se deve dar às leis em detrimento dos princípios, afirma:
“(...) tanto as regras estabelecidas pelas disposições constitucionais quanto os princípios também por elas estabelecidos são normas constitucionais. Isso traz à tona a questão da hierarquia entre os dois níveis. A resposta a essa pergunta somente pode sustentar que, do ponto de vista da vinculação à Constituição, há uma primazia do nível das regras. Ainda que o nível dos princípios também seja o resultado de um ato de positivação, ou seja, de uma decisão, a decisão a favor de princípios passíveis de entrar em colisão deixa em aberto, pois um grupo de princípios pode acomodar as mais variadas decisões sobre relações de preferência e é, por isso, compatível com regras bastante distintas. Assim, quando se fixam determinações no nível das regras, é possível afirmar que se decidiu mais que a decisão a favor de certos princípios. Mas a vinculação à Constituição significa uma submissão a todas as decisões do legislador constituinte. É por isso que as determinações estabelecidas no nível das regras têm primazia em relação a determinadas alternativas baseadas em princípios.”[10]
A partir do referencial teórico supramencionado, a leitura do interior do voto condutor do acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1133027/SP, da lavra Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, demonstra o mencionado desmerecimento judicial pelas regras instituídas por leis que tratam das conseqüências da adesão a parcelamentos especiais tributários instituídos pela Fazenda Pública.
A Corte Superior parece ter ignorado os valores democráticos, a mens legis e as razões que justificam a obediência às regras. Além disso, o STJ não produziu justificativa condizente, deixando de demonstrar, de forma clara e transparente, em fundamentação escrita, juridicamente fundamentada e logicamente estruturada, a existência de incompatibilidade entre as regras que impõem a confissão de dívida como conseqüência do parcelamento e sua finalidade subjacente.
Os parcelamentos especiais são benefícios legais dados colocados à disposição dos devedores da Fazenda que não pagaram seus débitos na época devida. Os benefícios alcançam apenas contribuintes inadimplentes. Aqueles que quitaram seus tributos no tempo devido não são beneficiados por essas regras, que, são normas dispositivas. Nenhum contribuinte inadimplente é obrigado a aderir a parcelamento. Não há coerção. Por isso, é incorreto dizer que o contribuinte é obrigado a confessar. Ao contrário, só confessa, só parcela, aquele que vê na oportunidade oferecida pelo Estado mais vantagens que uma possível demanda judicial com o objetivo de anular ou reduzir o montante devido. Aquele que entende que nada deve e projeta altas chances de êxito em uma demanda judicial normalmente não adere ao parcelamento.
Parcelamentos especiais encerram a possibilidade de o contribuinte pagar, em largo período de tempo, dívida que, pela lei, deveria ser paga de uma única vez. Ademais, os parcelamentos especiais, notadamente os concedidos pela União, além de dilatarem o prazo de pagamento, vêm recheados de diversos outros benefícios, como redução de juros, multa, encargos legais e honorários advocatícios, a exemplo dos recentes parcelamentos instituídos pelas leis 11.941/2009 e 12.810/2013.
Por outro lado, o Estado, ao conceder parcelamentos especiais, deseja, por um lado, incrementar a sua arrecadação e, por outro, reduzir o endividamento das empresas, mantendo a fonte produtiva e o emprego dos trabalhadores, contribuindo para a higidez da Ordem Econômica (art. 170 da CF). E para justificar a concessão de tantos benefícios e renúncia de receita, é razoável, e até mesmo desejável, que queira reduzir a litigiosidade em torno dos créditos parcelados, impondo a confissão de dívida e renúncia a alegações de direito como legítima contrapartida e como forma de estabilizar as relações jurídicas envolvidas.
Aderir ou não ao parcelamento é uma decisão do contribuinte, a quem cabe ponderar previamente as vantagens e desvantagens do programa para a sua situação específica. Parcelar é uma opção, uma alternativa dada pelo fisco aos contribuintes inadimplentes. E essa opção deve ser exercida com responsabilidade, ciente o contribuinte de todas as suas conseqüências. Ciente de que sua adesão implicará confissão de dívida. Ciente de que uma vez parcelados os débitos, estarão preclusas as possibilidades de sua rediscussão judicial.
Há, ainda, uma contradição na jurisprudência do STJ. Segundo referido tribunal, nos casos em que o débito já seja objeto de ação judicial, o parcelamento implica perda de objeto da ação[11]. E se ação perdeu o objeto é porque o conflito de interesses que a moveu não mais existe, tornando inútil e desnecessária a atuação da jurisdição, já que a questão já se resolvera de forma autocompositiva no âmbito extrajudicial. E se não há interesse de agir, como seria possível a admissibilidade de uma outra ação sobre o mesmo tema, ainda que restrita a aspectos jurídicos?
Assim, caso o contribuinte demonstre interesse em aderir ao parcelamento, ficará sujeito à integralidade da lei que o instituiu. Foge à boa-fé objetiva admitir que se possa aproveitar apenas as regras favoráveis (bônus) do parcelamento, livrando-se das que impõem condições (ônus).
Acresça-se que, segundo estabelece o art. 155-A, caput, do Código Tributário Nacional, “o parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica.” Ora, se a lei estabelece que a adesão ao parcelamento implica confissão de dívida, e o contribuinte a ele adere, deve suportar as conseqüências do seu ato, porque prevista em lei específica.
Vale ainda referir que a concessão de benefícios pela Fazenda Pública torna o parcelamento uma espécie sui generis de transação, em que as concessões por parte do fisco são previamente oferecidas, conforme previsão legal. Não se está falando aqui da transação prevista no Código Civil, nem da estabelecida no art. 171 do Código Tributário Nacional, pois esta é forma de extinção do crédito tributário e não se de forma preventiva, mas apenas para encerrar algum litígio entre fisco e contribuinte, extinguindo o crédito tributário. Não obstante, pode-se empregar a noção de transação para os casos de parcelamentos especiais, pois, ontologicamente, a transação só se anula por dolo, coação, ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa. Não se anula transação por erro de direito a respeito das questões que foram objeto de controvérsia entre as partes.
É de se considerar, ainda, que o parcelamento não pode escapar à noção ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI), da CF, escapando, inclusive, de efeitos retroativos eventualmente pretendidos por leis posteriores.
Ainda sobre o tema, digna de menção é a conclusão a que chega Marco Fratezzi em artigo no qual apresenta critica à técnica legislativa empregada na redação de dispositivos legais que, como condição para o deferimento ou permanência em parcelamentos especiais, impõem a desistência da ação judicial e renúncia ao (pretenso) direito sobre o qual se funda a respectiva ação, ou fórmula equivalente:
“À luz dos conceitos acima tratados, pode-se concluir que quando a lei fala em “desistência e renúncia”, como condição para gozar de parcelamento excepcional, quer se referir a ato unilateral do particular que abra mão de direito que julgasse ter contra a União. Isto porque, acenando o ente público com formas benéficas e condições facilitadas para que o contribuinte possa adimplir suas obrigações fiscais, exige, como contrapartida, o término dos litígios acerca dos débitos que serão agraciados.
Deve-se, portanto, relevar a referência legislativa à desistência: as leis, apesar da redação truncada, exigem a renúncia do direito em que se funda a ação, verdadeira disposição do direito material em litígio.[12] (sem destaque no original)
A interpretação do STJ sobre o tema revela um contrassenso, chancelando condutas que violam não só o texto, mas a teleologia das leis que instituem parcelamentos especiais, causando insegurança jurídica e injustiças, além de prejuízos aos cofres públicos. Há superação prematura, irrefletida e imprudente da lei, despreocupada com as conseqüências de suas decisões. Demonstrando, também, irresponsabilidade institucional e constitucional, notadamente porque submetido ao regime dos recursos repetitivos previsto no art. 543-C do Código de Processo Civil.
Os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança[13] recomendam que a confissão de dívida para adesão a parcelamentos especiais tributários seja causa impeditiva de rediscussão de aspectos jurídicos e/ou fatos relacionados aos débitos parcelados, salvo, quanto à matéria fática, se houver vício que torne inválida a confissão. Disso deve decorrer, de um lado, a extinção dos processos em curso sem resolução de mérito - salvo, quando houver renúncia ao direito em que se funda a ação, situação em a extinção será com resolução de mérito - e, de outro lado, a impossibilidade de se ajuizar novas ações que tenham como objeto os débitos objeto de parcelamento anterior, por ausência de interesse de agir.