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As políticas compensatórias como instrumento de democratização dos direitos sociais: ações afirmativas e sua perspectiva constitucional

07/12/2014 às 09:45
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Considerações a respeito da utilização das políticas compensatórias para a concretização dos direitos sociais insculpidos na Constituição Federal de 1988. Percebe-se que há vários diplomas normativos referentes ao tema, dando ao ordenamento pátrio boa munição para alcançar os fins constitucionais na área.

1 Introdução

O presente artigo intenta delinear ligeiras considerações a respeito da utilização das políticas compensatórias como serventia para a concretização dos direitos sociais insculpidos na Constituição Federal de 1988, demonstrando-se, outrossim, não serem poucos os diplomas normativos referentes ao tema, a indicar que o ordenamento pátrio encontra boa munição para alcançar os fins notáveis que o constituinte elegeu em tal seara.


2 Desenvolvimento

Num Brasil assolado por graves mazelas sociais, onde grande parte da população é ainda incapaz de vislumbrar as condições idôneas para o gozo de uma vida minimamente satisfatória, discussões sobre as mais variadas temáticas, sobretudo concernentes às desigualdades historicamente intrínsecas à realidade do País, raramente saem de cena.

Nesse passo, acalorados debates acerca das ações afirmativas, expressão pioneiramente empregada no direito norte-americano, têm ganhado forças por aqui, o que deixa transparecer, felizmente, em que pesem as divergências que o tema oferece, que se está a desejar uma saída para a superação de certos problemas, dos quais é exemplo a desigualdade social. Conforme ensina Joaquim Barbosa (2001, p.40), as ações afirmativas

 “podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego”.

Medidas privadas ou políticas públicas destinadas a favorecer determinados segmentos da sociedade, faz um tempo, particularmente a partir da Constituição de 1934, são presentes em nossa história constitucional, mas a generalidade das disposições, a falta de vontade política, a desarticulação da sociedade civil e a insatisfatória atuação do poder público ocultaram, quase totalmente, o brilho que importantes preceitos voltados ao teor social ofereciam.

A Constituição Federal de 1988, refletindo os anseios de diferentes grupos de pressão da sociedade, recém-saídos de um regime restritivo autoritário manifestamente inclinado aos interesses do grupo dominante e alheio às perspectivas da coletividade, consagra, em seu preâmbulo, um Estado Democrático destinado a “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”, o que constitui um poderoso conteúdo determinador da interpretação constitucional.

É nesse passo que a igualdade consubstanciada no art. 5º do texto constitucional assume novas forças, superando a barreira do mero formalismo e adquirindo maior substância, vinculando-se à ideia de igualdade de oportunidades. Mandamento indispensável para a concretização da democracia econômica e social, impende compreender que já “não se pode interpretar o princípio da igualdade como um princípio estático, indiferente à eliminação das desigualdades”. (CANOTILHO, 1998, p.332).

Ademais, o art. 3º da Constituição Federal estabelece como objetivos fundamentais da República “construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

 O elenco desses dispositivos enseja a inserção das ações afirmativas no ordenamento pátrio, porquanto transparece que o Brasil “não é livre, nem justo e nem solidário, pois se assim o fosse, não haveria necessidade de serem considerados como objetivos fundamentais” (VILAS-BOAS, 2003, p.54). Constam, pois, uma definição de quais são os objetivos fundamentais e a determinação de se construir uma sociedade brasileira fundada nos valores apregoados no texto constitucional.

E, nesse prisma de materializar o fundamento da igualdade, insta salientar, como afirma André Ramos Tavares (2007, p. 525), que os tratamentos diferenciados podem estar em plena harmonia com a Constituição, porquanto a igualdade implica o tratamento desigual das situações de vida desiguais, na medida da desigualação. Eis o princípio da Justiça, consubstanciado, sabe-se, na máxima de Aristóteles.

De fato, se, por um lado, o texto estabelece, em seu art. 3º, IV, que incumbe ao Poder Público “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor idade e quaisquer formas de discriminação”, por outro, não se despreza que tal afirmação não corresponde à vedação de qualquer discriminação com base nesses mesmos elementos.

O fator discriminatório, portanto, revela-se inerente ao âmago e à realização do próprio princípio da isonomia, devendo-se destacar, porém, que a regra de tratamento diversificado tem de ser razoável e “fazer sentido” (TAVARES, 2007, p. 530). Proíbe-se a discriminação gratuita, impertinente e desconexa a um objetivo preponderante e digno.

Como adverte Celso Antônio Bandeira de Mello, é imprescindível que “o vínculo de correlação supra-referido seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos, isto é, resulte em diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão valiosa – ao lume do texto constitucional – para o bem público” (MELLO, 1993, p. 41).

Dessas constatações avulta a relevância das ações afirmativas como instrumento que visa a compensar, mediante políticas públicas ou privadas, séculos de discriminação a determinados segmentos ou raças. O intento é a concretização da igualdade de oportunidades, admitindo-se, verdadeiramente, como alvo de tal medida todo e qualquer cidadão vítima de repressão social, vez que tolhido em suas oportunidades de ascensão.

Abordando inúmeras decisões da Suprema Corte norte-americana, responsável pelo deslinde de teorias propensas a alcançar a distribuição igualitária de bens e oportunidades aludida, Joaquim Barbosa (2001, p. 543-544) aduz:

“Inicialmente, as Ações Afirmativas se definiam como um mero ‘encorajamento’ por parte do Estado a que as pessoas com poder decisório nas áreas pública e privada levassem em consideração, nas suas decisões relativas a temas sensíveis como o acesso à educação e ao mercado de trabalho, fatores até então tidos como formalmente irrelevantes pela grande maioria dos responsáveis políticos e empresariais, quais sejam a raça, a cor, o sexo e a origem nacional das pessoas. Tal encorajamento tinha por meta, tanto quanto possível, ver concretizado o ideal de que tanto as escolas quanto as empresas refletissem em sua composição a representação de cada grupo na sociedade ou no respectivo mercado de trabalho”.

A concepção de ação afirmativa está diretamente ligada, também, ao princípio da dignidade da pessoa humana, fim e fundamento da República, consignado no art.1º, III, da Carta Fundamental, a exigir a promoção de condições aceitáveis para reais vivência e desenvolvimento das liberdades individuais. Na seara constitucional, há uma série de dispositivos que podem ser considerados de cunho afirmativo. Vale a pena citar alguns:

- Art. 7º, inciso XXX, que se refere à “proibição de diferenças de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”.

- Art. 23, inciso X, que outorga às unidades federadas a responsabilidade de “combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos”.

- Art. 37, inciso VIII, que dispõe que “a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”.

- Art. 145, parágrafo primeiro, que, no tocante à ordem tributária, afirma que os impostos “terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”.

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- Art. 170, que dispõe sobre os princípios da ordem econômica brasileira, dentre eles a “redução das desigualdades regionais e sociais” (inciso VII) e o “tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País” (inciso IX).

- Art. 179, que dispõe que “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei”.

- Art. 227, inciso II, que trata da “criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos”.

No campo infraconstitucional, há diversas leis ordinárias que podem ser inseridas no rol das ações afirmativas. A primeira surgida no País foi a Lei no 5.465/68, que prescreveu a reserva de 50% de vagas dos estabelecimentos de Ensino Médio Agrícola e as escolas superiores de Agricultura e Veterinária a candidatos agricultores ou filhos destes, conquanto não tenha obtido o êxito esperado, pois, na prática, a sua utilização beneficiou apenas uma pequena elite aristocrata rural.

Destacam-se, ademais, as leis 9.504/97 (que possibilitou a reserva de uma cota de no mínimo 30% para mulheres nas candidaturas partidárias), 9.029/95 (que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização e outras práticas discriminatórias para efeitos de admissão ou de permanência da relação jurídica de trabalho), 8.112/90 (que prescreve, no seu art. 5º, parágrafo 2º, a reserva de até 20% para os portadores de deficiências no serviço público da União), 10.741/2003 (que institui diversas garantias para a classe dos idosos) e o Decreto-Lei 5.452/43 (que estabelece, no art. 373-A, a adoção de políticas destinadas a corrigir as distorções responsáveis pela desigualdade de direitos entre homens e mulheres). 


3 Conclusão 

  A pretexto de realizar, efetivamente, a isonomia constitucionalmente objetivada, as políticas compensatórias, dentre as quais se insere a ação afirmativa, procura eliminar os efeitos persistentes da discriminação do passado, os quais tendem a se perpetuar caso não haja a devida preocupação com as profundas desigualdades sociais entre grupos dominantes e grupos marginalizados.


4  Referencial Teórico

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2 ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1998)

GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade. Renovar, 2001.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 1993.

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

VILAS-BÔAS, Renata Malta. Ações Afirmativas e o Princípio da Igualdade. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003.

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Sobre o autor
Lucas Sales da Costa

Juiz de Direito Substituto do TJDFT. Ex-Advogado da União. Ex-Técnico Judiciário do TRF da 5ª Região. Pós-Graduado em Direito Processual Civil Individual e Coletivo pela Faculdade Christus (CE). Pós-Graduado em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP/DF). Aprovado nos concursos de Analista do TRT da 7ª Região e de Juiz Federal Substituto do TRF da 4ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Lucas Sales. As políticas compensatórias como instrumento de democratização dos direitos sociais: ações afirmativas e sua perspectiva constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4176, 7 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30987. Acesso em: 22 nov. 2024.

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