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O dano moral e sua quantificação decorrente da aquisição de produto ou serviço mediante a utilização fraudulenta da identidade de terceiro

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29/01/2015 às 14:35

Resumo:


  • A problemática do furto de identidade em contratações de produtos ou serviços gera danos morais para as vítimas.

  • Os critérios para fixação da indenização compensatória devem considerar a gravidade da situação e o caráter punitivo para desestimular as fraudes.

  • O Judiciário brasileiro precisa adotar valores de indenização mais elevados para incentivar as empresas a adotarem medidas de segurança eficazes contra o furto de identidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3 FIXAÇÃO DO DANO MORAL NA AQUISIÇÃO DE BEM OU SERVIÇO MEDIANTE FURTO DE IDENTIDADE

A indenização por dano moral tem como finalidade, a princípio, ofertar uma compensação à vítima pela lesão a direito da personalidade por ela padecida. Essa regra deve prevalecer sempre que o dano extrapatrimonial tenha sido provocado sem acentuada culpabilidade por parte do agente responsável pela conduta.

Mas, em diversas situações, resta patente que o pagamento da indenização compensatória em favor da vítima não é suficiente para reprimir a conduta do agente da lesão, uma vez que levando em consideração o montante por ele dispendido para arcar com a indenização, pode lhe parecer vantajoso continuar incorrendo na prática da conduta, uma vez que o acréscimo patrimonial oriundo dela, quando comparado com o valor dispendido para arcar com a compensação da vitima da lesão moral, mostra-se positivo.

Quando um quadro de vantagem pela prática do dano extrapatrimonial se desenha para o agente, faz-se necessário que a indenização em favor da vítima extrapole o aspecto meramente compensatório que, a princípio, ser-lhe–ia inerente e passe a assumir um papel punitivo para o ofensor, compelindo-o, por consequência, a uma mutação comportamental que não seria provocada sem uma dose de punição. Logo, faz-se necessário que a vantagem patrimonial decorrente da conduta danosa seja claramente inferior quando comparada com o dispêndio financeiro requerido pela indenização da vítima da lesão.

É por isso que, nas palavras de Amaral (2003),

Na reparação do dano moral o dinheiro não assume função de equivalência, de correspectivo valor, como sói acontecer no dano material/patrimonial, antes ao contrário, o dinheiro, aqui, desempenha papel de satisfação tanto quanto possível, mas principalmente de pena (contra-incentivo ao ilícito). A rigor, indenizar, ou seja, tornar indene, isento da lesão e consequências do dano moral (extra-patrimonial - sic) é impossível, assim só resta mesmo a compensação material (satisfação/restituição possível) e pena pecuniária(carácter aflitivo) – itálico no original.

Duas correções merecem as colocações de Amaral (2013) acima transcritas: em primeiro lugar, não há que se falar em reparação quando se estar diante de um dano moral, uma vez que a afetação patrimonial da vítima não é exigida em tal modalidade de dano, de forma que se adentra, apenas, na órbita da mera compensação, sem qualquer vinculação ao restabelecimento (reparação) do patrimônio do lesado. Em segundo lugar, discordamos que a indenização em virtude do dano moral tenha, necessariamente, função aflitiva para o agente do dano, uma vez que a indenização fixada em favor da vítima pode ser de valor insignificante em face do patrimônio do infrator, sendo, por consequência, incapaz de lhe trazer qualquer aflição.

Portanto, necessário se faz a cuidadosa avaliação da conduta do agente da lesão moral, a fim de que a indenização pelo dano extrapatrimonial por ele provocado seja dotada, quando indicado, do devido aspecto punitivo, a fim de que ele seja desestimulado a continuar incorrendo em práticas semelhantes.

3.1  Indenização punitiva

A jurisprudência brasileira, pelo menos em termos de fundamentação de decisões - sem que isso se reflita, necessariamente, no valor indenizatório estipulado - vem adotando, como verdadeiro estereótipo, a alusão ao suposto caráter repressivo das indenizações por dano moral. No entanto, isso vem sendo feito sem qualquer vinculação com o quantum indenizatório que, na quase totalidade dos casos, é irrisório em face da lesão provocada, fazendo-se, ainda, referência, a uma suposta “indústria das indenizações”, quando o que se verifica, na prática, é um total descuido para com os direitos da personalidade dos indivíduos, em especial dos consumidores.

Por consequência, verifica-se que esse caráter punitivo das indenizações por dano moral no Brasil, consoante consta na quase totalidade das decisões encontradas, é fictício, pois não se reflete na quantia fixada como indenização em favor da vítima da lesão moral.

É necessário, portanto, abeberar-se na fonte da verdadeira indenização por dano moral como função punitiva, tal como se verifica no direito anglo-saxão, em especial no direito americano.

A indenização punitiva ou punitive damages consolidada no direito americano, consiste na fixação da quantia indenizatória decorrente de um dano moral em duas fases distintas: na primeira, é fixado o montante que o juiz entende como adequado para compensação da lesão moral sofrida pela vítima. Em um segundo momento, em se verificando que a conduta do agente da lesão merece ser punida, a fim de que ele, de fato, sinta-se compelido a mudar o seu comportamento, fixa-se um novo valor, geralmente bem mais elevado que o primeiro, a título de indenização punitiva, destinada especificamente a punir, com uma verdadeira aflição patrimonial, o agente da lesão.

Discorrendo a respeito dos punitives damages, Barbosa Júnior ( 2012), tece as seguintes considerações:

(...) a indenização punitiva implicaria em um aumento da condenação destinado tanto à efetiva punição do agente causador dos danos, quanto ao desestímulo da sociedade ao não cometimento da mesma atitude realizada pelo ofensor. Além disso, é possível concluir que, enquanto a função compensatória busca a compensação das lesões e a satisfação do ofendido, a feição punitiva tem foco distinto, atuando na direção do ofensor e da sociedade.

Observa-se, portanto, que a indenização punitiva, tem como finalidade desempenhar uma verdadeira função preventiva geral, voltada a toda a sociedade, para que cada um dos seus membros se sinta desestimulado em incorrer na mesma conduta punida, bem como é dotada também de uma função preventiva especial, voltada ao causador da lesão, a fim de que, mediante a sua punição exemplar, ele, de fato, sinta-se estimulado a mudar o comportamento que ensejou a lesão padecida pela vítima.

3.1.1 Destinação da indenização punitiva

A aplicação de uma real indenização do dano  no Brasil dotada de verdadeiro aspecto punitivo é objeto de fortes resistências na jurisprudência e também na doutrina, em especial sob o argumento de que isso estimularia a formação de uma “indústria de indenizações”, bem como serviria como instrumento de enriquecimento indevido da vítima da lesão.

O primeiro argumento, voltado à proliferação das demandas em busca de indenização por dano moral é inconsistente por dois motivos: o primeiro deles é que o direito de ação do indivíduo não pode ser cerceado, de forma que, por mais absurda que seja a sua pretensão, caso  ele decida leva-la à apreciação do Judiciário, este não pode se omitir em decidi-la. Logo, cabe ao Judiciário o controle no tocante a procedência ou improcedência dos pedidos que lhe são direcionados, de forma que, em se constatando que uma determinada pretensão indenizatória em decorrência de um suposto dano moral não merece acolhimento, cabe-lhe rejeitar o pedido. Quanto ao segundo, não há que se falar em enriquecimento indevido da vítima quando recebe um determinado acréscimo patrimonial dotado de causa jurídica, que, no caso, seria a compensação pela lesão moral padecida.

Nesse contexto, é importante trazer lição de Pereira (2012, p.276) a respeito do enriquecimento indevido. Segundo ele:

Como aponta doutrina mais recente, o pensamento segundo o qual é inadmissível o reconhecimento de acréscimo patrimonial às custas de outrem, sem fato jurídico a justifica-lo é revelado pela vedação ao enriquecimento sem causa. No Direito, tal pensamento se traduz de duas maneiras: a) Como princípio que, na jurisprudência, recebia atuação até superior às normas legais; b) como fonte da obrigação de restituir o que foi indevidamente objeto de locupletamento.

Dessa forma, somente é possível se falar em enriquecimento indevido, sem causa ou ilícito, quando não existir um fato jurídico que justifique o acréscimo patrimonial. No caso da vítima do dano moral, essa causa jurídica existe, vinculada à compensação que lhe é devida em face da lesão moral que lhe foi impingida, razão pela qual a resistência à concessão de indenizações punitivas destinadas às vítimas não subsiste.

Assim, mesmo nos casos em que uma indenização de cunho punitivo for fixada, entendemos que ela deve ser destinada integralmente à vítima, pois foi ela que sofreu a lesão, foi ela quem buscou o Judiciário e quem sofreu com as incertezas e percalços inerentes à própria demanda. Logo, destinar a parte punitiva da indenização a fundos públicos, por exemplo, é postura com a qual não concordamos, pois em relação eles sim, não existe causa jurídica que justifique a destinação de patrimônio do agente que causou uma lesão a vítima com a qual tal fundo não tem qualquer vinculação.

Além disso, a parte punitiva da indenização, ainda que fixada em artigo autônomo da sentença quando da delimitação da quantia indenizatória, não deixa de integrar a indenização devida à vítima, uma vez que a causa jurídica que legitimou o seu arbitramento incidiu sobre direito da personalidade dela e não de qualquer fundo ou entidade, quer seja pública ou privada.

Portanto, entendemos que, quando fixada uma indenização punitiva em virtude de um dano moral, o valor a ela correspondente deve ser destinado integralmente à vítima, sem que isso importe qualquer enriquecimento indevido por parte dela.

3.2 Como fixar a indenização por dano moral na contratação de bem ou serviço mediante furto de identidade

Como já foi ressaltado, a aquisição de produto ou serviço mediante furto de identidade é um problema muito recorrente no Brasil, em especial nos casos em que as empresas admitem a contratação sem a presença física da outra parte em seu estabelecimento, valendo-se, para isso, de sítios na rede mundial de computadores ou ligações telefônicas.

Nesses casos, é muito fácil para um fraudador se apropriar indevidamente dos dados de um terceiro e, ao se passar por ele, adquirir produtos ou serviços, legando para a vítima o débito decorrente de tal aquisição. Os fornecedores de produtos ou serviços têm pleno conhecimento da facilidade da prática destas fraudes, uma vez que desde a mais remota até à mais movimentada comarca no Brasil, contam-se às centenas, senão aos milhares, as demandas envolvendo tais espécies de fraudes.

Mesmo assim, os fornecedores de bens ou serviços insistem em continuar comercializado seus produtos pela internet ou por telefone sem a adoção de qualquer cautela voltada à coibição de fraudes, o que torna a conduta de tais agentes dotada de um nível de reprovabilidade bastante acentuado.

Não é possível que o Judiciário continue adotando o sistema tarifado quando da fixação das indenizações por danos morais sofridos pelas vítimas das fraudes envolvendo o furto de identidade na contratação de bens ou serviços, em especial quando são vitimadas por cobranças judiciais das dívidas e inscrição dos seus nomes em cadastros dos órgãos protetivos ao crédito.

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Os valores que, conforme já ressaltamos, alcançam, no geral, um teto de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de indenização, torna a situação dos fornecedores de bens ou serviços bastante cômoda, uma vez que conhecendo o máximo de indenização que poderão ser obrigados a arcar para com a vítima da fraude e, levando em consideração que a maior parte delas não procuram o Judiciário quando descobrem que foram vitimadas pelo furto de identidade, fica fácil internalizar tais custos, levando os fornecedores à conclusão de que muito mais dispendioso seria investir em mecanismos de segurança adequados à coibição das fraudes em questão.

Argumenta-se que a previsibilidade do Judiciário é um fator de estímulo ao desenvolvimento econômico, uma vez que as empresas teriam como melhor planejar os seus custos e, dessa forma, promover uma composição mais segura dos preços dos seus produtos ou serviços. Mas, em se tratando de danos morais, previsibilidade pode significar estímulo à reincidência e desrespeito ao consumidor, tal como ocorre nas fraudes perpetradas mediante furto de identidade.

Diante desse contexto, defendemos que os valores das indenizações por danos morais decorrentes de fraudes praticadas mediante furto de identidade sejam estipulados em consonância com o caráter verdadeiramente punitivo para os fornecedores de produtos ou serviços, em especial quando forem contumazes no polo passivo de demandas ajuizadas por vítimas de tais fraudes.

Não é possível que as empresas continuem a negligenciar a segurança de suas contratações, valendo-se, para isso, da complacência do Poder Judiciário em delimitar um valor compensatório não somente justo para a vítima do dano moral decorrente do furto de identidade, mas também imbuído de um real aspecto punitivo, capaz de retirar os fornecedores de produtos ou serviços do quadro de inércia em que se encontram, forçando-os a buscar mecanismos que viabilizem contratações seguras, nas quais produtos ou serviços sejam vendidos ao real titular da identidade apresentada.

Para isso, é recomendado que se passe a adotar a fixação bipartida da indenização, na qual a primeira parte teria aspecto compensatório, levando em consideração as individualidades da vítima, enquanto a segunda parte teria natureza punitiva, voltada a aflição patrimonial do fornecedor do produto ou serviço, devendo tal parcela ter como parâmetro principal a reincidência dele no polo passivo de demandas envolvendo contratações operacionalizadas mediante furto de identidade.

Somente dessa forma, os fornecedores de produtos ou serviços serão forçados a saírem da inércia em que se encontram e passarão a ser mais rigorosos em suas contratações com os consumidores, modificando o cenário atualmente vigorante, no qual o cidadão pode, a qualquer momento, ver-se reclamado por uma dívida que não contraiu, sendo que ao tomar conhecimento, geralmente o seu nome já é objeto de restrição creditícia, podendo a situação já haver ensejado, inclusive, uma ação judicial de cobrança.

Logo, verifica-se que a situação envolvendo contratações de produtos ou serviços mediante furto de identidade é grave e o Judiciário, com os valores irrisórios de indenizações por danos morais que vem fixado no Brasil, não vem agindo de forma pedagógica, a ponto de estimular os agentes econômicos a adotarem mecanismos de segurança eficientes voltados a coibição destas fraudes.

Portanto, somente com a fixação de indenizações elevadas é que os agentes econômicos verdadeiramente deixarão de enxergar como vantajosa a sua inércia e passarão a agir com responsabilidade na identificação e negativa de contratação com fraudadores que se valem do furto de identidade de terceiro.

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Sobre o autor
Gilvânklim Marques de Lima

Doutor e mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Juiz Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Gilvânklim Marques. O dano moral e sua quantificação decorrente da aquisição de produto ou serviço mediante a utilização fraudulenta da identidade de terceiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4229, 29 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31125. Acesso em: 27 dez. 2024.

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