Introdução
Conforme previsão contida no artigo 10º, §1º, II, “a” da Lei 9.393/96, para fins de declaração do Imposto Territorial Rural – ITR, o contribuinte deve verificar como área tributável, a área total do imóvel, subtraindo-se as Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal, previstas no Código Florestal.
Nesse sentido, tem-se que o lançamento do ITR deve ser realizado por homologação, ou seja, de acordo com o referido artigo, a declaração deve ser apresentada, independentemente, de prévio procedimento da administração tributária, não competindo ao contribuinte apresentar qualquer documento relativo à sua área de Reserva Legal ou de Preservação Permanente.
Contudo, para homologar o autolançamento, o fisco federal passou a exigir dos contribuintes a apresentação da matrícula do imóvel com a área de Reserva Legal averbada, já que, no entendimento da autoridade tributária, tal documento comprovaria de forma cabal que na propriedade há reserva de vegetação nativa para fins de Reserva Legal.
Tal posicionamento ensejou diversas demandas no Judiciário e, em 28 de agosto de 2013, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça foi convidada a se manifestar sobre possível dissídio jurisprudencial entre a Primeira e a Segunda Turma desta corte superior. Contudo, tal julgamento levou em consideração fato anterior ao advento do Novo Código Florestal – Lei 12.651/12, que alterou, substancialmente, o regime das áreas de Reserva Legal, inclusive superando a obrigatoriedade de sua averbação na matrícula do imóvel.
Nesse sentido, este resumo partirá da análise do entendimento das duas Turmas do STJ para, em seguida, analisar o julgamento da Primeira Seção e sua aplicabilidade ante á promulgação do Novo Código Florestal.
1. Posicionamento da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça
Invocando o princípio da estrita legalidade tributária, a Primeira Turma, por meio de diversos julgados[1], posicionou-se pela isenção de ITR da área de Reserva Legal, consoante o disposto no art. 10, § 1º, II, "a", da Lei 9.393, de 19 de dezembro de 1996, considerando ilegítimo o condicionamento do reconhecimento do referido benefício à prévia averbação dessa área no Registro de Imóveis.
De acordo com o voto do eminente Relator Ministro Luiz Fux, nos autos do acórdão paradigma apresentado para demonstrar o dissídio jurisprudencial entre as Turmas, “a isenção não pode ser conjurada por força de interpretação ou integração analógica, máxime quando a lei tributária especial reafirmou o benefício através da Lei n.º 11.428/2006, reiterando a exclusão da área de Reserva Legal de incidência da exação (art. 10, II, "a" e IV, "b")[2]”.
2. Posicionamento da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça
Para a Segunda Turma do STJ, enquanto o bônus individual resultante da imposição da Reserva Legal ao contribuinte é a isenção no ITR, ao mesmo tempo, a averbação da reserva funciona como garantia do meio ambiente. Para o eminente Ministro Mauro Campbell Marques, “desta forma, a imposição da averbação para fins de concessão do benefício fiscal deve funcionar a favor do meio ambiente, ou seja, como mecanismo de incentivo à averbação e, via transversa, impedimento à degradação ambiental”.
Diferentemente da linha legalista adotada pela Primeira Turma, a Segunda Turma privilegiou uma interpretação sistemática, condicionando os preceitos tributários ao regramento constitucional ambiental. Para o aludido Ministro[3], tal entendimento não viola os princípios tributários, já que:
Esta linha de argumentação é corroborada pelo que determina o art. 111 do Código Tributário Nacional - CTN (interpretação restritiva da outorga de isenção), em especial pelo fato de que o ITR, como imposto sujeito a lançamento por homologação, e em razão da parca arrecadação que proporciona (como se sabe, os valores referentes a todo o ITR arrecadado é substancialmente menor ao que o Município de São Paulo arrecada, por exemplo, a título de IPTU), vê a efetividade da fiscalização no combate da fraude tributária reduzida.
Para o Ministro, não se trata de criar uma obrigação acessória, já que a prova da averbação da Reserva Legal é dispensada no momento da declaração, conforme previsto no artigo 10º, §1º, II, “a” da Lei 9.393/96, mas não a existência da averbação em si. Para ilustrar tal raciocínio, exemplificou: “no imposto de renda, por exemplo, junto com a declaração anual de ajuste, o contribuinte que alega ter tido despesas médicas, na entrega da declaração, não precisa juntar comprovante de despesa. Existe uma diferença entre a existência do fato jurígeno e sua prova[4]”.
3. Posicionamento da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça
Em consonância com o entendimento da Segunda Turma, a Primeira Seção, ao julgar os Embargos de Divergência interpostos nos autos do Recurso Especial nº. 1.027.051, deu primazia à interpretação sistemática e sinalizou pela imprescindibilidade da averbação da Reserva Legal para que a isenção seja concedida aos proprietários ou possuidores.
De acordo com o eminente Ministro Benedito Gonçalves, relator do recurso, “a isenção do ITR, na hipótese, apresenta inequívoca e louvável finalidade de estímulo à proteção do meio ambiente, tanto no sentido de premiar os proprietários que contam com reserva legal devidamente identificada e conservada, como de incentivar a regularização por parte daqueles que estão em situação irregular[5]”.
Tal precedente, portanto, consolidou esse entendimento no Egrégio Superior Tribunal de Justiça sendo que a discussão encontra-se superada. Atualmente, para a Corte “inexistindo o registro, que tem por escopo a identificação do perímetro da Reserva Legal, não se pode cogitar de regularidade da área protegida e, por conseguinte, de direito à isenção tributária correspondente”.
4. Da imprescindibilidade de averbação da Reserva Legal na matrícula do imóvel e o atual panorama florestal brasileiro
Como visto, vigora no Judiciário o entendimento de que a averbação da Reserva Legal na matrícula é imprescindível para a concessão da isenção do Imposto Territorial Rural. Ocorre, contudo, que a obrigatoriedade desta averbação, que encontrava previsão na Lei 4.771/65, foi superada com a promulgação da Lei 12.651/12.
A partir de então, o proprietário ou possuidor tem o dever de inscrever sua propriedade no Cadastro Ambiental Rural - CAR, desobrigando a averbação da Reserva Legal no Cartório de Registro de Imóveis, nos termos do artigo 18, §4º da Lei 12.651/12.
O denominado Cadastro Ambiental Rural foi instituído por meio da Lei 12.651/12, corriqueiramente, denominada de Novo Código Florestal, regulamentado, em âmbito nacional, pelo Decreto nº. 7.830/12 e Instrução Normativa nº. 2/14.
Trata-se de um registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.
Ante a nova disposição legislativa, como, então, harmonizar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça? A resposta já foi dada pela própria Corte: para a Primeira Seção, não há qualquer mudança, já que “para fins administrativos de identificação do seu perímetro, o Novo Código Florestal, Lei 12.651/2012, em seu art. 18, mantém a necessidade de registro da área de reserva legal, todavia, doravante, junto ao órgão ambiental competente por meio de inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR)”.
Conclusão
A controversa no entendimento das Turmas do Superior Tribunal de Justiça sobre a necessidade ou não da prévia averbação da Reserva Legal na matrícula do imóvel foi levada à Primeira Seção que, nos autos dos Embargos de Divergência interpostos nos autos do Recurso Especial nº. 1.027.051, pacificou o entendimento.
Contudo, a averbação da Reserva Legal na matrícula encontrava previsão na Lei 4.771/65, que foi superada, em 2012, pela promulgação do Novo Código Florestal. Antecipando as possíveis demandas nesse sentido, a Corte já acenou que, atualmente, para a concessão da isenção o requisito será a prévia inscrição da propriedade no CAR.
O julgamento superou, também, qualquer argumento no sentido de que tal requisito violaria um princípio de Direito Tributário. Isso porque, de acordo com o Voto do eminente Relator, “como visto, não diz respeito à necessidade, ou não, de prévia comprovação da reserva legal por ocasião da declaração relativa a isenção do ITR (§ 7º do art. 10 da Lei 9.393/96, inserido pela MP 2.166.67/2001), mas, sim, à própria caracterização da referida área para os fins tributários almejados[6]”.
Referências bibliográficas
AMADO, Frederico. Direito Ambiental Esquematizado. Método: São Paulo, 2013.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29ªed. São Paulo: Malheiros, 2008.
SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
Notas
[1 ]Exemplos: REsp 1060886/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 01/12/2009, DJe 18/12/2009; REsp 969091/SC, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 01/07/2010.
[2] STJ - REsp 969091/SC, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 01/07/2010
[3] STJ - REsp 1027051 / SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17/05/2011
[4] STJ - REsp 1027051 / SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17/05/2011
[5] STJ - EREsp 1027051 / SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17/05/2011
[6] STJ - EREsp 1027051 / SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17/05/2011