Artigo Destaque dos editores

O direito de resposta ou desagravo pós ab-rogação da norma penal especial

Exibindo página 3 de 4
Leia nesta página:

Da aplicabilidade e da eficácia

A decisão do Supremo gerou no ordenamento efeitos ex tunc. Isso significa que a Lei de Imprensa regulou validamente a “liberdade de manifestação do pensamento e de informação” de 14 de março de 1967 (data em que entrou em vigor) até 4 de outubro de 1988, o dia anterior à promulgação da atual Constituição, ressalvadas as coisas (causas) soberanamente julgadas.

            Conquanto a responsabilidade por danos patrimoniais e imateriais às pessoas físicas e jurídicas seja disciplinada nos códigos Civil e Penal brasileiros, com o julgamento da ADPF 130 generalizou-se o entendimento de que o direito de resposta ficara sem regulamentação.

Fábio Konder Comparato chegou a ingressar no Supremo com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. Representando entidades sindicais, o jurista pede à Corte que determine ao Congresso Nacional, entre outras providências, a criação de uma legislação específica sobre o direito de resposta nos meios de comunicação.

Coautor do livro O STF e o Direito de Imprensa: análise e consequências do julgamento da ADPF 130/2008, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ratifica que não haveria necessidade de uma legislação especial para regular a responsabilidade civil nas condutas de jornalistas, já disciplinadas pelos códigos Civil e Penal. Quanto ao direito de resposta haveria de fato um “vácuo legislativo”.[36]

 Carvalho recorre, por analogia, à contrapublicidade e à contrapropaganda previstas no Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC).[37]

Art. 60. A imposição de contrapropaganda será cominada quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade enganosa ou abusiva, nos termos do art. 36[38] e seus parágrafos, sempre às expensas do infrator. § 1º A contrapropaganda será divulgada pelo responsável da mesma forma, freqüência e dimensão e, preferencialmente no mesmo veículo, local, espaço e horário, de forma capaz de desfazer o malefício da publicidade enganosa ou abusiva.[39]

“Pode-se invocar o Código de Processo Civil (CPC) em uma ação de obrigação de fazer consistente em publicar a resposta, além de usar a tutela antecipada para obrigar a resposta antes de sair a sentença”, afirma o desembargador. “Mas faltaria um [direito de resposta] específico para a imprensa”[40]. “A ação cabível teria a natureza cível do Código referido, e não mais criminal, como o era sob a vigência da Lei de Imprensa”[41].

Não há porque conferir ao direito de resposta a natureza jurídica de instituto exclusivamente de Direito Penal. Se é certo que o instituto traz profundas influências no campo criminal, também estas existem no campo civil. Hoje, o direito de resposta tem natureza constitucional (art. 5.º, V). Logo, questionável considerá-lo como instituto exclusivamente penal, sua natureza seria mista. Pela mesma razão cabe questionar a atribuição do direito de resposta ao juízo criminal (GARCIA, Ob. Cit., p. 523).

Com a devida reverência à doutrina especializada, o desagravo não conquistou o status de direito fundamental com a promulgação da Constituição vigente, mas já na Constituição de 1967, outorgada poucos dias antes da Lei de Imprensa, aos 24 de janeiro[42] (sem destaque na fonte):

É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica e a prestação de informação sem sujeição à censura, salvo quanto a espetáculos de diversões públicas, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer. É ASSEGURADO O DIREITO DE RESPOSTA. A publicação de livros, jornais e periódicos independe de licença da autoridade. Não será, porém, tolerada a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de raça ou de classe (CAPÍTULO IV - Dos Direitos e Garantias Individuais. Art. 150, §8.º).43

O legislador constituinte originário, duas décadas depois, apenas reafirma, no capítulo que trata dos direitos e garantias individuais e coletivos, “o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (5º, V).

A referida norma constitucional, vale reforçar, não se limita ao direito de réplica, mas também abriga o direito de retificação, assim como o fazia a Lei de Imprensa, desde que a informação inverídica enseje dano à personalidade.

Para Alexandre de Morais, a abrangência do desagravo “é ampla, aplicando-se em relação a todas as ofensas, configurem ou não infrações penais”. Ainda de acordo com esse autor, o direito de réplica “deverá ser tutelado pelo Poder Judiciário, garantindo-se o mesmo destaque [dado] à notícia que o originou [...], a mesma duração (no caso de rádio e televisão), o mesmo tamanho (no caso de imprensa escrita)” (MORAIS, 2005, p. 45).

A liberdade de manifestação de pensamento tem seus ônus, tal como o de o manifestante identificar-se, assumir claramente a autoria do produto do pensamento manifestado, para, sendo o caso, responder por eventuais danos a terceiros. Daí por que a Constituição veda o anonimato. A manifestação do pensamento não raro atinge situações jurídicas de outras pessoas, a quem corre o direito, também fundamental, de resposta (SILVA, 2007, p. 90).

Havendo recusa de publicação por parte do órgão, ou este tiver deixado de existir, tratando-se de obrigação de fazer pode o autor requerer a condenação do réu nas custas da publicação do desagravo em outro veículo de comunicação, ou a conversão em perdas e danos, nos termos da lei civil.

Supre o prazo prescricional da Lei de Imprensa o art. 205, combinado com o 2.028 (ambos do Código):

TÍTULO IV, CAPÍTULO I, Seção IV. Dos Prazos da Prescrição. Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor. [...] LIVRO COMPLEMENTAR. Das Disposições Finais e Transitórias. Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.[44]

Isto é, após a Constituição de 1988, e antes de 12 de janeiro de 2003 (início da vigência do atual Código Civil), o prazo para se pleitear o desagravo passou para vinte anos, contados da divulgação jornalística. De 12 de janeiro de 2003 em diante vigora o prazo de dez anos, também contados do fato, devendo tal redução retroagir às matérias veiculadas no decênio anterior. Nessa última hipótese a contagem tem início em 12 de janeiro de 2003, não a partir da divulgação da matéria dita ofensiva.

A esse respeito, todavia, de acordo com Mônica Cristina Mendes Galvão “prevalece o entendimento majoritário dos Tribunais quanto ao prazo prescricional de 03 anos” (CARVALHO, Ob. cit., p. 131), aplicando-se à matéria a regra do art. 206, § 3.º, V, pertinente à reparação civil: “Prescreve: [...] Em três anos: [...] a pretensão de reparação civil”[45].

Ora, na falta de previsão específica, não se deve estender ao direito de resposta, por analogia, o prazo prescricional da reparação civil, mas aplicar o prazo genérico, pois a prescrição, sendo norma restritiva de direito, não admite interpretação ampliativa – principalmente em se tratando de direito fundamental.  

Além de não ser essa a melhor interpretação, não aplicar o art. 205 importa grave violação da segurança jurídica, pois a prescrição da pretensão dar-se-ia antes do julgamento da ADPF 130, alcançando irremediavelmente ações anteriores ao advento da Constituição de 1988 e fatos geradores do dano ocorridos nos dez anos anteriores à entrada em vigor do Código de 2002 (12 de janeiro de 2003).


Conclusão

 Outrora de natureza punitiva, o direito de resposta ou de desagravo adquire inegável caráter reparatório extrapatrimonial com o julgamento da ADPF 130. Conquanto afastada a sanção penal tipificada no art. 27 da Lei de Imprensa, imputado ao autor da matéria jornalística o abuso de direito, não há qualquer óbice para aquele que se considere prejudicado pela veiculação da matéria jornalística pleitear o desagravo, assim como a reparação pelos danos morais e materiais decorrentes, perante a Justiça Cível.

Em que pese a opinião, de estudiosos e aplicadores do Direito, de que a revogação da lei criara um “vácuo normativo”, na expressão utilizada pelo meritíssimo ministro Marco Aurélio, único a votar pela total improcedência do pedido do autor na ADPF 130 e contra a prescindibilidade do diploma para o exercício do jornalismo, o fato é que os códigos Civil, Penal e processuais vigentes e a própria Constituição da República possuem mecanismos que suprem suficientemente os da lei federal revogada.

Mesmo o direito de desagravo tem previsão no art. 5.º da Constituição, o qual desfruta de eficácia plena (independe de regulamentação): “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata” (5.º, LXXVIII, §1.º).

Advindo regulamentação, esta não poderá criar empecilhos ao exercício desse direito, de resto cláusula pétrea, de modo que o impacto da revogação da Lei de Imprensa foi deveras superestimado, tanto pelos defensores quanto pelos opositores da norma especial – cujos dispositivos evidentemente não recepcionados já não eram aplicados pelo Judiciário havia duas décadas.


Referências

 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Brasília, DF: Congresso Nacional, 1967. www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao67.htm. Acesso: 29 mar. 2012.

________. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

________. Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. <www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso: 28 mar. 2012.

________. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código penal. <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso: 8 mar. 2012.

________. Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso: 8 mar. 2012.

________. Lei n. 4.117, de 27 de agosto de 1962. Institui o Código Brasileiro de Telecomunicações. <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4117.htm>. Acesso: 7 mar. 2012.

________. Lei n. 4.717, de 29 de junho de 1965. Regula a ação popular. <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4717.htm>. Acesso: 8 mar. 2012.

________. Lei n. 4.737, de 11 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4737.htm>. Acesso: 18 jun. 2013.

________. Lei n. 5.250, de 9 de fevereiro de 1967. Lei de Imprensa. Atualizada até 2000. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2000.38 p.

________. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5869compilada.htm>. Acesso: 6 mar. 2012.

________. Lei n. 6.071, de 3 de julho de 1974. Adapta ao Código de Processo Civil as leis que menciona, e dá outras providências. <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6071compilada.htm>. Acesso: 8 mar. 2012.

________. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078compilado.htm>. Acesso: 8 mar. 2012.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

________. Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504.htm>. Acesso: 8 mar. 2012.

________. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso: 6 mar. 2012.

________. Supremo Tribunal Federal. Ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 130. Arguente: Partido Democrático Trabalhista. Arguido: Presidente da República. Relator: Ministro Carlos Ayres Britto. Brasília, 19 fev. 2008, 334 pp. DJe n. 208. Divulgação: 5 nov. 2009. Publicação no D.O: 6 nov. 2009.

CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Desembargador especialista em liberdade de imprensa sugere regulamentar direito de resposta. Entrevistadora: Marina Ito. São Paulo, SP. Entrevista concedida à Revista Consultor Jurídico, SP, jun. 2011. <http://ucho.info/?p=40690>. Acesso: 13 mar. 2012.

________, GALVÃO, Mônica Cristina Mendes. O STF e o direito de imprensa: análise e consequências do julgamento da ADPF 130/2008. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2011, 232 p.

DAVID, Fernando Lopes. Crimes de imprensa: legislação e jurisprudência. São Paulo: Iglu, 2001.

DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico, v. 2. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 158.

FENAJ. Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. Vitória, ES: Federação Nacional dos Jornalistas, 4 ago 2007. <www.fenaj.org.br/federacao/cometica/codigo_de_etica_dos_jornalistas_brasileiros.pdf>. Acesso: 14 mar. 2012.

FOLHA DE S. PAULO. Manual da redação. Edição 2001, revista e atualizada. São Paulo: Publifolha, 2001.

FRIAS FILHO, Otavio. Carta aberta ao sr. presidente da República. Folha de S. Paulo. São Paulo, 25 abr 1991, p. 1.

GAGLIANO, Paulo Stolze, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Vol. 1: parte geral. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, pp. 449-451.

GARCIA, Enéas Costa. Responsabilidade civil dos meios de comunicação. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. 638p.

HOUAISS, Antonio. Dicionário eletrônico de língua portuguesa. Versão monousuário 3.0, junho de 2009.

LOBATO, Elvira. Igreja Universal chega aos 30 anos com império empresarial. Folha de S. Paulo. Caderno Brasil-2. São Paulo, 15 dez. 2007, p. A1.

________. Igreja controla maior parte de TVs do país. id., p. A4.

MARTINS FILHO, Eduardo Lopes. Manual de redação e estilo de O Estado de S. Paulo. 3. ed. revista e ampliada. São Paulo: O Estado de S. Paulo/ Moderna, 1997.

MORAIS, Alexandre de. Direito constitucional. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2005.

MOREIRA, Vital. O direito de resposta na comunicação social. Coimbra: Coimbra Ed., 1994.

ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Tradução oficial: United Nations High Commissioner for Human Rights. Nova Iorque: ONU, 1948 <http://www.unhchr.ch/udhr/lang/por.htm>. Acesso: 23 mar. 2012.

PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) vs. PRESIDENTE DA REPÚBLICA. Petição inicial da ADPF 130. Brasília/DF, 19 fev. 2008. 49 p.

PORTAL PDT. Brizola responde à TV Globo – Direito de resposta. Vídeo (3min59s). Youtube: Verborreia, 2009. FLV, 6,23MB, son. color. Acesso: 13 mar. 2012. Disponível em: <http://www.pdt.org.br/index.php/videos/>

SANTOS, Izequias Estevam dos. Manual de métodos e técnicas de pesquisa científica. 8 ed. Niterói: Impetus, 2011.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2004., pp. 614-615.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Manoel de Jesus Pereira Almeida

Advogado, pós-graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil. [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Manoel Jesus Pereira. O direito de resposta ou desagravo pós ab-rogação da norma penal especial . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4278, 19 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31448. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Publicado originalmente em: JURISVOX: Revista da Faculdade de Direito de Patos de Minas / Centro Universitário de Patos de Minas. -- Ano 12, n. 12 (dez. 2012). -- Patos de Minas: UNIPAM, 2012. pp. 169-188.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos