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O que se pode extrair do discurso de posse do novo presidente do Supremo Tribunal Federal?

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Em sua posse, o ministro do Supremo Ricardo Lewandowski proferiu um discurso que deve ser analisado se pretendemos entender o atual cenário político brasileiro, especialmente quando se trata da relação do Poder Judiciário com os poderes majoritários.

O Brasil passou por um período totalitário entre os anos 1964 - 1985, com a supressão de direitos e garantias dos cidadãos, que culminou com a morte de milhares de pessoas, bem como com a perda de liberdade de inúmeras outras. 

Na transição para o regime democrático foi pensada, discutida e promulgada, uma carta de direitos, Constituição Federal de 1988, cuja essência é programática, a prever e proteger direitos e garantias fundamentais, também como mecanismo de defesa dos cidadãos frente aos abusos e desmandos do poder político, tão bem vislumbrados à época da ditadura.

Prezou-se por uma Constituição ampla, analítica, de forma com que os cidadãos se sentissem protegidos e que o poder político respeitasse ao menos os princípios e dispositivos norteadores para a estabilidade do regime político e, principalmente, do Estado.

Além disso, nesta mesma Constituição, foram incorporados elementos de controle de constitucionalidade contidos tanto no sistema estadunidense quanto no europeu, o que fez com que no Brasil tivéssemos um regime misto.

Caberia ao Judiciário, em maior medida por meio desse sistema híbrido de controle de constitucionalidade adotada, em que se realiza tanto o controle difuso, incidentalmente no processo judicial, quanto o concentrado, através de ações específicas, assumir um novo papel a partir da incapacidade do Executivo e do Legislativo em assegurar os preceitos básicos dos cidadãos. Desta forma, percebe-se a busca pelas instituições judiciais em detrimento das políticas  para a consecução de direitos.

Nos estudos jurídicos, o papel do Judiciário é tomado pelo enfoque dogmático, referente às questões constitucionais e legais de distribuição de competência e atribuições, dentro ainda de uma abordagem processual, sem o necessário acoplamento com os aspectos políticos, ora essenciais para uma maior compreensão do cenário político, jurídico, social, econômico, bem como da democracia, em um plano mais amplo.

São empreendidos imensos esforços no que se refere à expansão da atuação do Judiciário, judicialização da política (TATE e VALLINDER, 1995) e ao que ela realmente significa ou representa, especialmente no meio acadêmico, em que análises são realizadas tanto sob o enfoque jurídico quanto político, a clarear a importância do tema para a compreensão do sistema político-jurídico nacional.

Há uma dificuldade latente em se definir o conceito “judicialização da política” especialmente quando se pensa nos atributos necessários para sua existência. Casos elencados como judicializados apresentam elementos em comum, e, em alguma medida, diferenças entre si. O que se pode dizer é que a literatura até então existente apresentou condições genéricas para sua ocorrência (TATE e VALLINDER, 1995; CARVALHO, 2004), direcionadas principalmente a mudanças institucionais, com consequentes previsões constitucionais.

Para Tate e Vallinder (1995, p. 33) a judicialização está ancorada em duas formas de ação dos magistrados:

1. participar do processo decisório, ao invés de relegar aos demais poderes.

2. substituir o conteúdo das decisões tomadas por outras instituições, especialmente as majoritárias.

A judicialização da política seria permeada por um papel mais positivo adotado pelos membros do Judiciário, ao participarem diretamente do processo político, a desejar a tomada de decisão sobre questões importantes, ao invés de deixá-las a cargo dos demais poderes, caracterizando o papel político envolto na decisão judicial.

Dahl (1957) entende o Judiciário (o autor faz referência à Suprema Corte dos Estados Unidos da América, de forma que, aqui o sentido é estendido a todo o Poder Judiciário) como uma instituição “para se obter decisões sobre questões controversas da política nacional”.

Alguns autores atribuem a existência de judicialização da política à ação do legislador, ou mesmo ausência dela, em que, ao Judiciário caberia o preenchimento de lacunas deixadas pelos demais poderes (CASTRO, 1997). 

Diante dessa nova perspectiva dos Tribunais, em que o Judiciário é competente para o exercício de jurisdição (função precípua) sobre a legislação produzida pelo poder soberano (Executivo e Legislativo), coloca-se o juiz (sentido amplo, e não somente os de primeiro grau) na situação de legislador implícito, a tratar e decidir sobre casos concretos referentes à indeterminação da Constituição, cabendo-lhe a interpretação sobre o texto normativo, provocando um novo contexto político no tocante à relação entre os três poderes (VIANNA; BURGOS; SALLES, 2007).

Portanto, o termo judicialização da política é utilizado para descrever um maior protagonismo envolto às decisões judiciais sobre temas e questões controversas da política, no Brasil, especialmente após as mudanças constitucionais no pós Constituição de 88, em que, o Judiciário toma para si a responsabilidade sobre políticas públicas, efetivação de direitos etc.

Algumas características apontadas por Tate e Vallinder (1995), e corroboradas por Castro (1997), como responsáveis pela expansão do Judiciário sobre o processo político, estiveram presentes no Brasil, culminando com o atual cenário de um Judiciário, especialmente Supremo Tribunal Federal (STF), forte e influente sobre o sistema político como um todo, em que decisões importantes são ali tomadas.

Há a visão de que houve um maior envolvimento e vontade advindos do próprio Judiciário, se tratando, portando, de um movimento endógeno (KOERNER e FREITAS 2013). Atribui-se também a judicialização não só às atividades desempenhadas pelos três poderes, mas também por outros atores políticos, como o Ministério Público (ARANTES, 2002), a partir do momento que remetem os conflitos ao crivo do Judiciário, inclusive, ali encontrando uma arena decisória importante para proteção e consecução de seus direitos e garantias.

Não está pacificada a ideia de o Brasil ser um Estado judicializado, apesar de conter elementos e características tidos como essenciais para o enquadramento nos mais variados conceitos dados para judicialização da política.

A partir da análise realizada por Castro (1997), de alguns acórdãos do STF, com exceção das políticas tributárias, este órgão não desenvolve jurisprudência em proteção aos direitos individuais, inclusive colocando-se a favor das políticas governamentais, uma vez que, no período avaliado pelo autor, direcionou-se à proteção de interesses privados, com impacto negativo sobre as políticas públicas.

Segue esse entendimento Carvalho (2004), para o qual não há disposição dos juízes brasileiros em intervir no processo de produção de políticas públicas. A falta de ímpeto intervencionista estaria expressa nas baixas taxas de resposta do STF aos questionamentos de atores sociais e políticos relativos à constitucionalidade das leis.

Castro (1997) enxerga o papel assumido pelo Judiciário dentro do cenário político sob duas vertentes. Se por um lado há atuação através de ações não jurisdicionais, ou políticas, em que os magistrados adotam discursos e declarações, pronunciando-se, e, tomando posição, sobre determinados temas, ou seja, neste caso, o exercício é informal, não vinculado necessariamente às atribuições e funções previamente concedidas, por outro lado estão as ações jurisdicionais, diretamente relacionadas ao exercício da competência e da autoridade judicial, portanto, de cunho formal, especialmente através de tomadas de decisão, em acórdãos, sentenças, votos, despachos etc.

Trazidas para o contexto brasileiro, constata-se a participação dos magistrados em ambos os sentidos. É comum verificar em canais de comunicação o pronunciamento sobre as mais variadas questões políticas, sociais, culturais e econômicas. Castro (1997) vislumbra um efeito político relevante nesses pronunciamentos não jurisdicionais em relação a interação entre o sistema político e o judicial.

Nesse sentido, Taylor (2007) concebe a influência do Judiciário sobre o processo político mesmo antes de uma eventual tomada de decisão, ao que seus membros sinalizam preferências políticas e o rumo de possíveis decisões sobre casos em específico, seja através de pronunciamentos, ou em reuniões com os integrantes dos demais poderes. Portanto, mesmo se tratando de um ator político passivo, que deve ser acionado para decidir, possui relevância para o processo  político decisório.

Dito isso, importante mencionar a posse do ministro Ricardo Lewandowski como presidente do Supremo Tribunal Federal. O ministro proferiu um discurso que deve ser analisado se pretendemos entender o atual cenário político brasileiro, especialmente quando se trata da relação do Poder Judiciário com os poderes majoritários, Executivo e Legislativo.

O mais novo presidente do STF inicia seu discurso a relatar os cada vez mais frequentes estudos e análises, tanto pelo meio acadêmico quanto pela mídia, do papel do Judiciário sobre o processo político decisório nacional. Dispõe sobre uma expansão em sua atuação, ao que o ministro relata como “protagonismo mais acentuado - ou até mesmo exagerado - do Poder Judiciário, em particular do Supremo Tribunal Federal” e, para tanto, menciona termos como “judicialização da política” e “politização da justiça” como anunciadoras de avaliações negativas sobre a referida atuação e expansão judiciária.

Fato é que, contrariamente ao que dito pelo ministro, nem sempre judicialização da política e politização da justiça são enxergadas em uma conotação pejorativa ou negativa. Muitos são aqueles que enxergam no movimento uma possibilidade imprescindível de consecução de direitos e garantias fundamentais dispostos no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente na Constituição Federal de 1988, bem como na implementação e execução de políticas públicas, originariamente, a cargo dos poderes representativos (ARANTES, 1997, 2002; VIANNA, 1999; TAYLOR, 2007;  VERBICARO, 2008).

Em momento posterior no seu discurso, o ministro fornece alguns indícios para resolução dos recentes embates entre os poderes (exemplificado na Proposta de Emenda à Constituição n.33/2011, que tenta por modificar, ou até mesmo diminuir, algumas atribuições do Supremo), embates estes caracterizados dentro de uma crise entre os poderes, com discursos inflamados de ambas as partes, numa tentativa de proteção da competência de cada um.

A tensão existente permeia as noções de democracia - parlamento - e de constitucionalismo - cortes - e sobre quem deveria ter a última palavra sobre os conflitos de direitos fundamentais. A controvérsia circunda o governo do povo ou o assegurar que o poder tenha limites. Para além de uma discussão existente entre duas instituições, existe a de ideal a ser defendido.

No discurso em análise, há uma tentativa de defesa de respeito à independência e harmonia entre os poderes, sinalizando aos magistrados do país que devem adotar uma posição de autocontenção frente às questões políticas surgidas, com a atuação restrita para “suprir eventual lacuna normativa ou inércia administrativa, em caráter excepcional e provisório”. O ministro preza, ao menos em seu discurso de posse, por uma prevalência da tomada de decisão dos poderes representativos quando se tratar de temas controversos e essencialmente políticos.

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Entretanto, em sentido contrário à um possível entendimento, Lewandowski levanta um ponto que provavelmente será objeto de conflito e tensão entre os poderes. Trata-se da edição de súmulas vinculantes. Aos olhos do ministro, deve-se “facilitar e ampliar a edição de súmulas vinculantes, que fornecem diretrizes seguras e permanentes aos operadores do direito sobre pontos controvertidos da interpretação constitucional, por meio de enunciados sintéticos e objetivos”.

Tal assertiva confronta diretamente a recente tentativa do Legislativo, especificamente Câmara dos Deputados, através da Proposta de Emenda à Constituição n.33/2011, proposta pelo parlamentar Nazareno Fonteneles, PT/PI, de condicionar o efeito vinculante de súmulas aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal à aprovação pelo Poder Legislativo e demais regulamentações.

Introduzida no ordenamento jurídico brasileiro a partir da Emenda à Constituição nº 45/2004 (Reforma do Judiciário), a súmula vinculante tem como cerne a vinculação dos órgãos judiciais e da administração pública à decisões reiteradas do Supremo Tribunal Federal, transformadas em enunciados específicos, como forma de contraposição à morosidade da justiça brasileira.

Mais especificamente, a súmula vinculante é editada pelo Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por provocação, a partir da decisão de dois terços dos seus membros, diante de reiteradas decisões que versem sobre matéria constitucional. Com a sua publicação na imprensa oficial, a súmula terá efeito vinculante em relação aos órgãos do Judiciário, bem como aos da administração pública, em todas as esferas.

Ainda, qualquer ato em contraposição ao teor de determinada súmula é passível de anulação, a partir de reclamação ao próprio STF.

Diante disso, um dos pontos da PEC nº 33/11 é justamente a alteração das regras vigentes para a edição de súmulas vinculantes. Pretende o Congresso Nacional, com a aprovação da referida PEC, aumentar o quórum necessário à criação das súmulas vinculantes de dois terços para quatro quintos dos membros do STF, bem como submeter ao próprio Congresso a sua aprovação, em que terá o “prazo de noventa dias, para deliberar, em sessão conjunta, por maioria absoluta, sobre o efeito vinculante da súmula, contados a partir do recebimento do processo, formado pelo enunciado e pelas decisões precedentes”.

Pelo exposto, não pode haver nenhuma conclusão ou prognóstico do que decidirá a Corte nos próximos anos, quando estiver de frente aos temas polêmicos e controversos, até mesmo pela necessidade em se considerar as posições adotadas pelos seus demais membros, mas já se tem mais um ponto para (tentar) entender a recente relação entre os poderes e como cada um lida com os embates e conflitos existentes.

O caminho é esperar pela posição adotada em alguma decisão a envolver questões políticas, sendo que, um primeiro caso pode ser justamente o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5159, ajuizada por determinado partido político, para questionar a distribuição do horário de propaganda eleitoral entre os partidos.


Referências

ARANTES, Rogério Bastos. Ministério Público e política no Brasil. São Paulo: Editora Sumaré, 2002.

CARVALHO, Ernani Rodrigues de. Em busca da judicialização da política no Brasil: Apontamentos para uma nova abordagem. Revista Sociologia Política, p. 115-126, 2004.

CASTRO, Marcus Faro. O supremo tribunal federal e a judicialização da política. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 12, n. 34, 1997.

DAHL, Robert A. Decision-Making in a Democracy: the supreme court as a national policy-maker”. Journal of Public Law, vol. 6, p. 279-295, 1957.

KOERNER, Andrei, FREITAS, Lígia Barros de. O supremo na constituinte e a constituinte no supremo. Lua Nova, São Paulo, v. 88, p. 141-184, 2013.

TATE, N., VALLINDER, T. (Orgs.). The global expansion of judicial power: the judicialization of politics. New York: New York University, 1995. 

TAYLOR, Matthew M. O judiciário e as políticas públicas no Brasil. Dados, Rio de Janeiro, vol. 50, n. 2, p. 229-257, 2007.

VERBICARO, Loiane da Ponte Souza Prado. Um estudo sobre as condições facilitadoras da judicialização da política no Brasil. Revista Direito GV. vol. 4, n. 2. São Paulo, julho-dezembro de 2008, p. 389-406, 2008.

WERNECK VIANNA, Luiz, BURGOS, Marcelo Baumann e SALLES, Paula Martins. Dezessete anos de judicialização da política. Tempo social, v. 19, n. 2, p. 39-85, 2007.

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Sobre o autor
Hugo Henry Martins de Assis Soares

Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Goiás. Especializado em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Goiás. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Franca.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Hugo Henry Martins Assis. O que se pode extrair do discurso de posse do novo presidente do Supremo Tribunal Federal?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4289, 30 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32051. Acesso em: 22 nov. 2024.

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