O Provimento da Corregedoria Geral da Justiça n.º 6/2009 do Estado de São Paulo regula o sistema eletrônico, denominado Penhora Online, para averbações de penhoras de bens imóveis junto aos ofícios imobiliários (ARISP).
Além de possibilitar o ato de constrição em si, o Provimento 6/2009 traz em seu artigo 2º a função de pesquisa de titularidade, para localização de bens imóveis em nome de pessoa determinada que for parte em processo judicial.
Cumpre lembrar que, antes da implantação do sistema ARISP, era árdua a tarefa do exeqüente pela busca de imóveis livres e desembaraçados em nome do devedor, na medida em que aquele tinha que se dirigir pessoalmente aos Cartórios de Registro de Imóveis (de Cartório em Cartório, de Município em Município). De fato, quem é operador do direito sabe que a busca pessoal de bens imóveis em nome do devedor é lenta, custosa, e, geralmente frustrante.
Diante disso, pode-se dizer que a medida constritiva via ARISP adveio justamente para incluir uma maior velocidade na satisfação do crédito exeqüendo. Afinal, o Poder Judiciário deve zelar pela rápida solução do feito executório, para tanto dispõe dos meios instrumentais necessários.
Segundo lições Fredie Didier Junior, o direito fundamental à tutela exige um sistema de tutela jurisdicional “capaz de proporcionar pronta e integral satisfação a qualquer direito merecedor de tutela executiva”.
Nesse sentido, a ARISP veio justamente para fortificar o sistema instrumental do judiciário utilizado para a satisfação das dívidas exeqüendas. Assim como o sistema do BACENJUD, INFOJUD e RENAJUD, o sistema da ARISP atende aos anseios da efetividade à tutela executiva. Tal sistema serve como “meio que garante a celeridade do processo de execução” (art. 5º, inciso LXXVIII, da CF/88). Por isso, e por outros motivos que o sistema da ARISP deve ser amplamente utilizado no sistema processual atual.
Nada obstante, na maioria dos pedidos de ARISP feitos ao juiz da causa, tenho notado (como patrono do exequente), que os juízes de primeira instância têm negado o pedido de pesquisa junto à ARISP. E o que é pior, tais despachos de indeferimento vêm discriminando e restringindo a utilização deste novo instrumento (ARISP) sob o fundamento de aplicá-lo somente àqueles que fazem jus ao benefício da justiça gratuita.
Data máxima venia, vale expor um destes julgados que simplesmente indeferiu a pesquisa imediata de bens passíveis de penhora por entender que caberia ao exequente diligenciar diretamente (pelos próprios meios) a pesquisa via ARISP. Vejamos:
Ementa: EXECUÇÃO FISCAL INDEFERIMENTO DE CONSULTA AO SISTEMA ARISP AGRAVO DE INSTRUMENTO O SISTEMA ARISP É ABERTO À CONSULTA PELAS PARTES, QUE A ELE TÊM ACESSO IRRESTRITO DESNECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DO JUÍZO QUANDO NÃO SE TRATA DE PARTE BENEFICIÁRIA DA JUSTIÇA GRATUITA DECISÃO MANTIDA AGRAVO IMPROVIDO. (TJSP – Agrv. Instr. 0054775-14.2013.8.26.0000; Relator(a): José Luiz de Carvalho; Comarca: São Vicente; Órgão julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Data de registro: 08/11/2013)
Assim como este julgado, existem recentes decisões do E. Tribunal de Justiça de São Paulo que vêm restringindo o acesso à ARISP de plano somente àqueles que se beneficiam da justiça gratuita.
Com efeito, somente os beneficiários da justiça gratuita teriam seu pedido de ARISP deferido de plano pelo próprio judiciário. Por outro lado, àqueles que não fazem jus ao benefício da justiça gratuita teriam praticamente um procedimento mais lento, uma vez que primeiramente teriam que se deslocar fisicamente em busca das informações fornecidas pela ARISP.
Seguindo a linha de raciocínio, extrai-se que:
- os pedidos de pesquisa para a ARISP feitos pelos beneficiários da justiça gratuita merecem ser deferidos de plano (os que fazem jus à justiça gratuita merecem acesso à pesquisa sem precisar cumprir qualquer procedimento de busca anterior);
- já o demandante que não usufrui da justiça gratuita deve seguir um caminho mais prolongado, tortuoso e nada econômico (teria que tomar uma atitude a mais, pelos próprios meios, antes de se dirigir ao juiz da causa e pleitear a pesquisa ARISP).
Nota-se que, nestes casos, os beneficiários da justiça gratuita teriam teoricamente um procedimento mais célere do que àquelas partes que pagam por todos os gastos que a via judicial exige.
Permissa venia, tal diferenciação não pode perdurar na medida em que agride os consagrados princípios que regem a igualdade de tratamento. Além disso, tal diferenciação atenta contra o direito fundamental a um processo sem dilações indevidas, e, contra os princípios informativos do processo que refletem-se profundamente no tempo e nos prazos.
Diga-se, ainda, que a diferenciação consistente em privilegiar os beneficiários da justiça gratuita quanto a um procedimento mais célere nos pedidos de ARISP afronta a constitucionalidade destes atos. A aludida inconstitucionalidade resulta da diferenciação de tratamento de casos similares cuja única diferença pode descansar no fato de haver ou não o devido recolhimento de guia pertinente a satisfação da diligência.
Afinal, a única diferença plausível que a justiça poderia tolerar em relação aos dois casos (quem usufrui do benefício da justiça gratuita e quem não usufrui de tal benefício) seria pertinente ao recolhimento ou não da guia judicial.
CONCLUSÃO
O fato de ser ou não um beneficiário da justiça gratuita não pode gerar uma diferença de tratamento em relação ao deferimento da pesquisa via ARISP.
Data vênia, jamais caberia ao Poder Judiciário estabelecer uma diferenciação de tratamento de procedimento a ser seguido nestes dois casos (estabelecida entre os que pagam as custas processuais daqueles que não pagam). Até mesmo pelo fato de que “onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo”!
Ressalta-se: a legislação não possibilita um rito processual mais célere aos beneficiários da justiça gratuita. Somente a lei pode criar diferenciações de tratamento processual! Jamais poderia ser adotada uma diferenciação de procedimento a ser tomado entre àqueles que fazem ou não jus a justiça gratuita.
De mais a mais, o indeferimento dos pedidos de constrição via ARISP sob o pueril fundamento de que o mesmo deve ser concedido de plano tão somente àqueles que fazem jus a justiça deve ser combatido em todas as instâncias. Não é razoável a perpetuação de diligências lentas restritas e custosas em pleno século XXI.
Referências Bibliográficas:
Humberto Theodoro Junior, Curso de Direito Processual, Vol. 2, 36ª Ed, Editora Forense: Rio de Janeiro 2004.
J.E. Carreira Alvim, Elementos de Teoria Geral do Processo, 7ª Ed, Editora Forense: Rio de Janeiro, 1998.
Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover, Cândito Rangel Dinamarco, Teoria Geral do Processo, 29ª Ed, Editora Malheiros, 2013.
Elpídio Donizete, Curso Didático Processual Civil, 9ª Ed, Editora Lumem Juris: Rio de Janeiro, 2008.
José Afonso da Silva, Comentário Contextual à Constituição, 6ª Ed, Editora Malheiros, 2009.
De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, 17ª Ed, Editora Forense: Rio de Janeiro, 2000.
Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do Processo e da Sentença, 6ª Ed, Revista dos Tribunais: São Paulo, 2007.
ALVIM Arruda, Manual de Direito Processual Civil. Vol. 1. 11ª ed. Editora Revista dos Tribunais.
DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 3ed. Salvador: Editora Podivm.