Buscar-se-á nesse artigo evidenciar alguns argumentos jurídicos respaldados em fragmentos constitucionais acerca do Estatuto Geral das Guardas Municipais, recentemente aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Chefe do Executivo. Nesse diapasão, necessário mergulhar, ainda que superficialmente, na Carta da República Federativa do Brasil – CRFB.
Em linhas introdutórias, mister infirmar alguns conceitos para adentrarmos no assunto. Será breve. Soberania versus autonomia. Esses dois institutos são citados pela CRFB, respectivamente, arts. 1º, I e 18, caput. Assim, pela dicção dos preceitos constitucional, soberano é a República Federativa do Brasil, já a União, Estados, Distrito Federal e Municípios são autônomos.
Desta forma, a definição de soberania remete a dois planos, interno e externo. O primeiro indica que no plano nacional não estar subordinado a nenhum Poder. O segundo infere que o Estado brasileiro é independente e que não se submete a nenhum outro no plano internacional. Já a autonomia liga-se ao plano interno. Isto é, os entes políticos que são: União, Estados, Distrito Federal e Municípios são independentes entre si, não se subordinado uns aos outros, inexistindo poder de ingerência de um sobre outro.
Ao nadar nas águas do saber, notadamente no texto constitucional, pescar-se-á excerto que os levará a uma possível reflexão da probabilidade de ser o texto, ora objeto de análise, constitucional ou não. Naufrague nessas águas, mas sem se afogar.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
Dos dois preceitos da CRFB acima citado, pode-se concluir que a União não pode interferir nos Estados, Distrito Federal e Municípios. É que, como dito, soberano é a República Federativa do Brasil – RFB e não a União. Este tão somente dotado de autonomia, assim como os demais entes são.
Esse entendimento é logicamente corroborado pelos fragmentos a seguir. Veja e tire sua conclusão.
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
I - manter a integridade nacional;
II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;
III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;
IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;
V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que:
a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;
b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;
VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando:
I - deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada;
II - não forem prestadas contas devidas, na forma da lei;
III – não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial.
Dos preceitos acima arrolados constata-se nenhum dispositivo a legitimar a interferência da União nos municípios por meio do texto sancionado. São ínfimos os argumentos até aqui concatenados? Vejam mais.
DA ILEGITIMIDADE LEGIFERANTE
A CRFB distribui a competência legiferante aos seus entes políticos nos termos a seguir aduzidos:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
Omissis{C}[2]{C}
XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares;
XXII - competência da polícia federal e das polícias rodoviária e ferroviária federais;
Pois bem, do enunciado supracitado não foi mencionado a Guarda Municipal. Haveria, então, legitimidade da União para criar o texto epigrafado? Tire sua conclusão. É pouco. Tem mais.
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
Omissis
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
Omissis
XVI - organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis.
§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
Dos dispositivos mencionados pode-se concluir o que se segue:
{C}1- O art. 22 em seus incisos não menciona a Guarda Municipal, como sendo matéria competente a ser legislado pela União (Congresso Nacional). Vejam apenas a policia militar, os bombeiros militares, a polícia federal e as polícias rodoviárias e ferroviária federais é que são mencionados.
Neste particular, o constituinte não quisera elencar a Guarda Municipal, como matéria a ser legislada pela união, ainda que de forma genérica, do contrário teria expressamente mencionado.
{C}2- O art. 23 ratifica o entendimento do item 1, acima descrito;
{C}3- O art. 24 elenca uma hipótese de que, caso o constituinte desse esse direito, teria o feito com relação a Guarda Municipal. Pois, o texto elenca a possibilidade de a União legislar genericamente sobre a polícia civil.
Nítida, verifica-se nas linhas acima transcritas, a intenção do legislador constituinte não atribuir competência legiferante a União no tocante às guardas municipais. A ausência de preceito expresso leva á probabilidade do Estatuto ser objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN por comissão legislativa do ente ativo.
Em face de tudo o que foi exposto, acredita-se que haverá futuramente alguma ADIN neste sentido, pois, como visto, razões há para a decretação da inconstitucionalidade do texto normativo a que se dispôs analisar tão somente sob a ótica constitucional, por conseguinte inexistem justificativas idôneas, plausíveis a sustentar tal desiderato, senão por meio de uma Emenda à CRFB. De mais a mais, parece ter ocorrido um propósito eleitoreiro consistente em abarcar os votos dos membros das Guardas Municipais, bem ainda das famílias destes e de simpatizantes para os partidos dos políticos votaram a favor da Lei.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da república federativa do brasil. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 22 set. 2014.
_______. Lei 13022 de 8 de agosto de 2014. 2014. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2014/lei-13022-8-agosto-2014-779152-publicacaooriginal-144726-pl.html>. Acesso em: 22 set. 2014.
[2] Incisos que não menciona órgãos de segurança pública, em especial a Guarda Municipal.