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Penhora sobre o faturamento da empresa em execuções fiscais

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17/05/2015 às 15:56
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É preciso analisar as consequências jurídicas, econômicas e sociais de uma penhora sobre o faturamento mal elaborada, sem um plano de pagamento eficaz e protetivo à empresa.

Resumo: O processo de execução fiscal tem como principal escopo a arrecadação judicial dos tributos que foram inscritos em dívida ativa, na forma do artigo 201 do Código Tributário Nacional e o artigo 1° da Lei 6.830/80, que regula o processo de execução fiscal. Por ter a natureza de processo de execução, o seu principal mecanismo para atingir o patrimônio do devedor é a penhora. O processo de execução fiscal é regulado subsidiariamente pelo CPC, o qual sofreu alterações na ordem da penhora pelo advento da Lei 11.382/2006. Uma destas alterações foi a introdução da possibilidade da penhora sobre o faturamento da empresa devedora. Para a sua ideal aplicação no processo, deverão ser observados princípios executivos e empresariais.

Palavras-Chave: Penhora – Faturamento – Empresa – Execução Fiscal


1 INTRODUÇÃO

O presente artigo a ser estudado tem como escopo abordar os requisitos para a realização da penhora sobre o faturamento da empresa nas ações de execução fiscal, analisando-a e expondo sua evolução no ordenamento jurídico, verificando a sua incidência nas ações de execução fiscal.

A escassez ou ausência de bens do devedor é um dilema enfrentado pelo credor. A busca judicial para o adimplemento da dívida por meio do processo de execução fiscal pode demorar anos. Após muitas ações em que a União, os Estados e os Municípios recorriam às instâncias superiores para buscar o adimplemento da dívida fiscal de seus devedores, o Superior Tribunal de Justiça consolida um entendimento no processo de execução que após sua discussão no tribunal, passa a ser previsto em lei: A Penhora sobre o Faturamento da Empresa.

O Superior Tribunal de Justiça consolidou a possibilidade da penhora sobre o faturamento da empresa por débito em ações de execução antes da Lei 11.382/2006 ser sancionada, com base em análise a casos concretos substancialmente discutidos nos Processos de execução de título extrajudicial desde o início da década de 90[3], o que ocasionou de forma direta a positivação do instituto da penhora do percentual do faturamento da empresa devedora no artigo 655, VII e 655-A, §3° do Código de Processo Civil.

Porém, ocorreu a omissão do legislador em um ponto específico, e no mais, muito importante tratando-se de penhora sobre determinado percentual, o que desta forma gerou o início a principal discussão: O valor do percentual ao qual deverá ser penhorado, e qual o seu limite.

Com advento da Lei 11.382/2006 foram inseridas relevantes alterações no Código de Processo Civil no que tange à ordem de preferência dos bens a serem indicados à penhora[4] e na celeridade do processo de execução. A ordem dos bens que deverão ser penhorados no processo de execução fiscal regulado pela Lei n° 6.830/80, artigo 11, e o Código de Processo Civil no artigo 655, ocorrendo de forma subsidiária.

Diante de tais circunstâncias surgem as seguintes indagações; a) Quais são as possibilidades e os requisitos a serem respeitados para haver a possibilidade penhora do faturamento da empresa decorrente de débito em ação de execução fiscal?; b) Como a jurisprudência se posiciona acerca deste ato executório?; c) Qual o percentual do faturamento será passível de penhora?

Far-se-á importante destacar a evolução do procedimento da penhora sobre o faturamento da empresa por meio de consulta jurisprudencial dos Tribunais Superiores até o presente ano de elaboração do trabalho, bem como apresentar as  posições de doutrinadores especialistas do processo de execução.

A importância de tal ato executório justifica-se pela evolução que ocasionou no andamento do processo de execução e a sua principal consequência positiva: a possibilidade do aumento da adimplência e arrecadação dos tributos em uma área onde a demanda de processos é muito grande, pois, conforme será apresentado posteriormente, a Fazenda Pública tem a faculdade de trocar os bens indicados pelo executado no curso da execução fiscal.

A discussão do instituto tomou força no Superior Tribunal de Justiça com o passar dos anos e das reformas realizadas no sistema processual civil, abrangendo todos os processos de execução que estavam congestionando varas judiciais e tribunais com as mesmas discussões e interpretações.

A relevância do estudo acerca da possibilidade da penhora do faturamento em processos onde o poder público é o exequente, além do estudo de seus requisitos para a sua realização dentro do processo, são de suma importância para encontrar maneiras mais céleres e protetivas para ambas as partes do processo.

Com a finalidade de operacionalizar os objetivos traçados e analisar as dimensões expostas no presente artigo, a pesquisa foi realizada com pesquisas bibliográficas em obras e artigos na forma impressa, e em pesquisa a sites específicos com conteúdo jurídico relevante e atual.

O estudo contou também com a análise de julgados do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a fim de averiguar de que forma vem sendo aplicado o instituto processual da penhora sobre o faturamento da empresa em ações de execução fiscal.


2 DA PENHORA NO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL

Preliminarmente, é importante expor uma breve conceituação geral do instituto da penhora e sua importância no processo de execução fiscal.

De todas as modalidades de garantia do juízo na ação de execução fiscal a penhora é mais a comum e utilizada. Porém a Lei de Execução Fiscal apenas se apropria do conceito de penhora no artigo 10, que “não ocorrendo o pagamento, nem a garantia da execução de que trata o artigo 9º, a penhora poderá recair em qualquer bem do executado, exceto os que a lei declare absolutamente impenhoráveis”[5]. Nota-se que o dispositivo legal mencionado não se diferencia no que tange aos dispositivos que prevêem a penhora no Código de Processo Civil.

A relevância da penhora no processo de execução fiscal se justifica pelo seu papel fundamental na iniciação do procedimento de expropriação de bens do executado. Esta expropriação tem o propósito de satisfazer o crédito tributário que não foi pago na forma administrativa, fazendo-se necessário o ingresso na esfera judicial para a sua arrecadação.

A penhora recairá sobre bens do devedor ou de terceiro coobrigado, ou quem a ofereça para viabilizar o pagamento da dívida de outrem, conforme prevê o artigo 4°, §3° e artigo 9°, §§1° e 2° da Lei de Execução Fiscal.

Humberto Theodoro Júnior explica que a penhora é “o ato pelo qual se apreendem bens para empregá-los, de maneira direta ou indireta, na satisfação do crédito exequendo”[6]. É importante ressaltar que no conceito trazido pelo jurista, a responsabilidade patrimonial do executado já está individualizada, ou seja, em um caso concreto a penhora já estaria perfectibilizada.

Segundo o artigo 591 do Código de Processo Civil, o devedor responde para o cumprimento de suas obrigações com todos os seus bens presentes e futuros, o que nos remete à responsabilidade patrimonial em sentido amplo e abstrato, eis que não há ainda a certeza de quais bens serão utilizados para a garantia do processo bem como para o adimplemento do crédito do exequente.

Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart trazem o conceito de penhora com maestria e clareza acerca das considerações acima expostas, sendo a penhora o “ato processual pelo qual determinados bens do devedor (ou de terceiro responsável) sujeitam-se diretamente à execução.”[7]

Tais conceituações remetem à conclusão que a responsabilização patrimonial tem caráter processual, uma vez que cabe ao Direito Processual estabelecer limites à exigibilidade dos bens que serão passíveis de penhora. Exemplo disso, são os artigos 649 e 650 do Código de Processo Civil, os quais expõem os bens absolutamente impenhoráveis, e, tendo em vista o princípio da subsidiariedade, aplicáveis ao processo de execução fiscal.

Neste sentido, decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À PENHORA. EXECUÇÃO FISCAL. BEM DE FAMÍLIA. ARTIGO 5º DA LEI Nº 8.009/90. NÃO COMPROVAÇÃO DE RESIDIR NO IMÓVEL. impenhorabilidade AFASTADA. Na forma do art. 5º da Lei nº 8.009/90, para fins de aferição da impenhorabilidade reputa-se "residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente". Faturas de serviços básicos trazidas aos autos demonstram que o consumo de água e energia elétrica no imóvel foi ínfimo no ano de 2013, quase sempre igual a zero. Há também nos autos certidão de oficial de justiça informando desocupação do bem. Ausência de comprovação de que o imóvel sirva de residência do embargante, não se enquadrando no conceito de bem de família. Precedentes desta Corte. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70058428251, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Almir Porto da Rocha Filho, Julgado em 12/03/2014)[8].

Portanto, a penhora é o ato executivo que atinge determinado bem do executado e o deixa à disposição do processo com a finalidade de garantir o pagamento da dívida, tornando os atos de disposição do seu proprietário ineficazes, em proteção ao andamento do processo de execução, admitindo-se após, a expropriação do bem.

2.1 Ordem de preferência da penhora

A partir da Lei 11.382/2006, o credor teve sua situação melhorada no processo de execução, pois com a nova redação do artigo 655, no qual é prevista a ordem preferencial da penhora, não é mais do devedor a incumbência de indicar os bens a serem penhorados. Neste sentido, com a nova redação do artigo 652, §2º, ao credor é dada a faculdade de indicar os bens a serem penhorados desde a petição inicial do processo de execução, medida que já é adotada pela União, Estados e Municípios.

Tais modificações trouxeram para o processo de execução fiscal, celeridade e efetividade no que tange ao pagamento do crédito tributário, pois a Fazenda Pública, utilizando-se das prerrogativas processuais e, principalmente administrativas, nas quais se encontram os acessos aos órgãos ligados à propriedade de veículos (art. 11, VI da LEF e art. 655, II do CPC), bens imóveis (art. 11, IV da LEF e art. 655, IV do CPC), entre outros, poderá ter um processo menos demorado e diligente com o seu principal objetivo atingido, que é a adimplência do tributo.

Com essas alterações, a principal consequência trazida ao processo de execução fiscal foi a valorização do crédito tributário, sendo arrecadado de forma mais rápida e assim descongestionando varas judiciais de execuções fiscais. Por meio desta valorização a Fazenda Pública arrecada mais, e invariavelmente, investe mais nos setores de sua responsabilidade, seja na saúde, educação, segurança e também em sua própria estrutura administrativa.

A ordem de preferência da penhora com as alterações trazidas pela Lei 11.382/2006 para o processo de execução civil está prevista no artigo 655[9].

Tal dispositivo legal é taxativo, porém não se faz imperiosa a sua literal aplicação em casos concretos, pois conforme o próprio texto, a penhora observará preferencialmente a ordem prevista, a qual não restará prejudicada a penhora de um veículo (655, II) caso não tenha sido requisitada a penhora em dinheiro (655, I), neste sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

O credor, após aceitar a oferta do bem dado em garantia, poderá vir a recusá-lo, pedindo a sua substituição ou reforço de penhora. A ordem de nomeação, constante do CPC 655, I, embora seja taxativa, dispensa por parte do intérprete maior flexibilidade para se adaptar às circunstâncias fáticas.[10]

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Embora o dinheiro esteja na primeira colocação, a penhora pode e deve recair em outros bens para a satisfação do crédito. Giza-se que a ordem prevista no artigo alhures previsto, foi a forma que o legislador encontrou de colocar os bens que tenham maior cotação em bolsas de valores e imobiliárias, deixando ao critério do credor a escolha.


3 DA PENHORA SOBRE O FATURAMENTO DA EMPRESA

Neste capítulo serão apresentadas todas as considerações acerca da penhora sobre o faturamento da empresa expondo o seu conceito doutrinário e legal. Também será apresentada uma breve síntese sobre o seu histórico e evolução em nosso ordenamento processual, principalmente na sua aplicação ao processo de execução fiscal previsto na Lei 6.830/80 e, subsidiariamente no Código de Processo Civil.

3.1 Conceito

A penhora sobre o faturamento da empresa, tem sua base legal nos artigos 655, VII e 655, §3° do Código de Processo Civil. A penhora sobre o faturamento da empresa não se confunde com a penhora em dinheiro, pois esta pressupõe a disponibilidade do bem, ou seja, o dinheiro depositado e mantido em conta corrente é quantia certa e determinada do devedor.

A penhora sobre o faturamento da empresa, como pode-se prever, é a espécie de penhora que é exclusivamente aplicada em casos que a empresa que figura no pólo passivo da execução terá determinado percentual de seu faturamento penhorado, com a finalidade de satisfazer o crédito exequendo.

Conforme decisão do STJ, a penhora sobre o faturamento da empresa não consistirá em “simples depósito em conta judicial ou bancária, exigindo providência e forma de administração ditadas pela lei processual por afetar, na verdade, e comprometer o capital de giro, significando a constrição do próprio estabelecimento”[11]

Destarte, cabe destacar que a penhora sobre o faturamento pressupõe quantia não determinada, discriminada em percentual fixo, porém, fazendo-se com que o valor obtido mensalmente por meio da penhora seja variável, de acordo com a rentabilidade da empresa no respectivo período.

3.2 Um breve histórico da penhora sobre o faturamento da empresa

Primeiramente reconhecida em processos de execução de títulos extrajudiciais, a penhora sobre o faturamento da empresa era uma manobra processual admitida em casos excepcionais, sendo deferida apenas quando o devedor não possuía bens para serem objetos de penhora.

A penhora sobre o percentual do faturamento da empresa foi consolidada através de vários julgados no Superior Tribunal de Justiça desde a primeira metade da década de 90, sendo reconhecida como instituto legal através da Lei 11.382/2006, que inseriu no artigo 655 do Código de Processo Civil o inciso VII, e o artigo 655-A, §3º, além de estudos doutrinários acerca do tema e sua excepcionalidade processual, sendo reconhecida a sua eficácia no que tange à celeridade e ao adimplemento da dívida[12].

Após a possibilidade de penhora do percentual do faturamento de empresas devedoras em processos de execução tornar-se um entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça, outro tribunal se manifestou acerca da possibilidade da aplicação do ato executório que vinha crescendo no sistema processual civil.

O Tribunal Superior do Trabalho, Seção de Dissídios Individuais II, editou em 2002 a orientação jurisprudencial n° 93 na qual prevê que “é admissível a penhora sobre a renda mensal ou faturamento de empresa, limitada a determinado percentual, desde que não comprometa o desenvolvimento regular de suas atividades.”[13]

Da mesma forma, a penhora sobre o faturamento da empresa em ações de execução fiscal tornou-se uma realidade no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul nos primeiros anos da década de 90[14], nas quais os mesmos requisitos e princípios consolidados pelo Superior Tribunal de Justiça eram utilizados pelos Desembargadores do Egrégio Tribunal. 

Nesta premissa pode-se afirmar que tribunais de diferentes instâncias e competências estavam uniformizando o entendimento consolidado em julgamentos no Superior Tribunal de Justiça[15], assim como o legislador, que, com o intuito de evitar qualquer distorção sobre o assunto normatizou o instituto no texto do Código de Processo Civil, artigo 655-A, §3º[16].

3.3 Possibilidade e cabimento da penhora sobre o faturamento da empresa em ações de execução fiscal

No curso do processo de execução fiscal, as inúmeras diligências tomadas pelo exequente demandam tempo e necessitam que haja a espera de respostas a ofícios, cálculos e, em várias oportunidades, pedidos de suspensão, ocasionando grandes perdas de arrecadações e a disponibilidade de exigir o crédito tributário. 

A escassez, e principalmente a ausência de bens em nome da empresa devedora, é um dilema enfrentado pelo exequente na esmagadora maioria dos processos de execução fiscal. Tal empecilho obrigou o credor, juízes e tribunais superiores à busca de um mecanismo que ocasionasse de forma gradual o adimplemento da dívida, sem prejuízo aos princípios do processo de execução fiscal previstos na LEF e no CPC: A penhora do percentual do faturamento da empresa.

Tratando-se de execução fiscal para a cobrança de dívida ativa, o rito processual é regulado pela Lei 6.830/80, e de forma subsidiária, o Código de Processo Civil. A ordem de preferência da penhora está prevista no artigo 11 da LEF, porém, seu parágrafo primeiro expõe em seu texto uma situação passível de ser entendida como o tema da penhora sobre o faturamento que “excepcionalmente a penhora poderá recair sobre estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, bem como em plantações ou edifícios em construção.”[17]

Nota-se que não é expressamente previsto na lei de execução fiscal a possibilidade da penhora do faturamento da empresa, porém, em analogia ao artigo 11, §1°, pode-se aventar que a penhora do faturamento está prevista de forma indireta no texto. Entendimento este, reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça que em julgamento de recurso especial na primeira turma concluiu que:

A penhora sobre percentual do movimento de caixa da empresa-executada configura penhora do próprio estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, hipótese só admitida excepcionalmente (§ 1º do art, 11 da Lei nº 6.830/80), ou seja, após ter sido infrutífera a tentativa de constrição sobre os outros bens arrolados nos incisos do art. 11 da Lei de Execução Fiscal.[18]

Reconhecida a possibilidade e seu cabimento em ações de execução fiscal, para que a penhora do faturamento da empresa seja utilizada no processo, devem ser observados os requisitos reconhecidos pelo Superior Tribunal de Justiça e pela doutrina: a) A inexistência de bens passíveis de penhora, suficientes para garantir a cobrança do crédito; b) Existência de bens de difícil comercialização em hastas públicas; c) Deverá ser promovida a nomeação de administrador que apresente o plano de pagamento na forma do artigo 655-A, 3§, 677 e 678 do Código de Processo Civil; d) O percentual fixado sobre o faturamento não pode tornar inviável o exercício da atividade empresarial.


4 Dos requisitos necessários para o deferimento da penhora sobre o faturamento da empresa devedora no processo de execução fiscal

Por ser de grande complexidade, a penhora sobre o faturamento não será utilizada no processo de forma que possa levar a empresa devedora à ruína. É importantíssimo ressaltar que, mesmo o processo judicial tributário tendo seus princípios específicos, rege-se subsidiariamente pelo Código de Processo Civil, sendo assim aplicável o princípio da menor onerosidade para o devedor, com fulcro no artigo 620 que expõe que “quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.”[19]

O princípio da menor onerosidade tange à apreciação do magistrado quanto aos atos executórios no curso da execução fiscal, ou seja, sendo encontrados dois ou mais atos executórios em face do executado, o juiz deve optar sempre pelo menos danoso ao seu patrimônio, no caso de empresas serem os sujeitos passivos do processo de execução fiscal, a constrição recairá no seu maior bem: o faturamento.

Foi com grandes cuidados que o Superior Tribunal de Justiça consolidou a possibilidade da penhora sobre o faturamento da empresa em ações de execução fiscal, pois, por se tratar de procedimento de alta solvabilidade, exige que sejam tomadas cautelas previstas no Código de Processo Civil.

No Estado do Rio Grande do Sul a demanda de ações de execução fiscal em face de empresas é muito grande, o que instigou ao Estado e aos Municípios a busca da possibilidade de penhorar o faturamento da empresa devedora em execuções fiscais de ICMS e IPTU.

Em processo de relatoria do Excelentíssimo Desembargador Genaro José Borges o Estado do Rio Grande do Sul pleiteou possibilidade da penhora sobre o faturamento de empresa devedora de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços sendo reconhecida pelo Egrégio Tribunal com base no princípio da menor onerosidade para o devedor, conforme citado acima:

Para obsequiar os princípios da menor onerosidade (CPC - art. 620) e da razoabilidade, a fixação de percentual sobre o faturamento da empresa não há de se dar em patamar que impeça ou comprometa o exercício da atividade Percentual sobre faturamento que não onera demasiado e injustificadamente a Devedora, prestando-se, antes, para saldar em doses homeopáticas o crédito tributário.[20]

Nota-se a adoção do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, de toda a cautela exigida e discutida no Superior Tribunal de Justiça e doutrina majoritária.

A empresa, em alguns casos, não possui bens suficientes de satisfazer o crédito tributário, justificando a busca do exequente por mais bens, e, a utilização do redirecionamento da execução para os sócios e o seu patrimônio, na forma do artigo 135, III do Código Tributário Nacional, além do instituto da desconsideração da personalidade jurídica[21], previsto no artigo 50 do Código Civil. Porém, a Procuradoria do Estado, e as dos municípios, utilizam-no como requerimento na ação de execução fiscal em casos muito específicos.

Em processos de execução fiscal em face de empresas, o valor da dívida em grande parte dos casos é alto, na hipótese da empresa não possuir bens passíveis de penhora suficientes para a garantia do juízo e da dívida, pode o credor requerer a penhora sobre o faturamento da empresa, sem prejuízo do princípio da menor onerosidade, já explicitado anteriormente, bem como não haverá um desrespeito à ordem da penhora de bens.

Neste sentido, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu que não é necessário esgotar todas as tentativas e diligências com a finalidade de encontrar bens passíveis de penhora, sendo a execução feita no interesse do credor com a faculdade de trocar a ordem de penhora dos bens previstos no art. 11 da Lei de Execuções Fiscais, desta forma ocorrendo uma relativização da referida ordem:

Não havendo a embargante apresentado qualquer outro bem de sua propriedade sobre o qual possa recair a penhora, descabe discutir a necessidade de esgotamento das diligências pelo exequente para postular a penhora de seu faturamento.[22]

A decisão acima deixa explicitado o requisito acerca da falta de bens passíveis de penhora suficientes para garantir o adimplemento da dívida, necessário para haver a penhora sobre o faturamento da empresa em ações de execução fiscal.

No processo de execução fiscal, a empresa devedora, muitas vezes durante o curso do processo nomeia bens de difícil comercialização em hastas públicas, ocasionando diligências processuais sem necessidade e gastos ao juízo e às próprias partes. A dificuldade de execução destes bens acarreta um processo mais lento, com muitos leilões que restam desertos com a falta de interesse de alienação.

A nomeação de bens por parte do executado é subordinada ao aceite do exequente, que pode no caso concreto, fundamentar em suas razões a dificuldade e possível demora exacerbada que pode ocorrer para uma futura arrematação dos bens indicados pela empresa, e deste modo, satisfazer a dívida, com base no artigo 15, II, da Lei de Execuções Fiscais, que concede à Fazenda Pública, em qualquer fase do processo, a possibilidade de substituição dos bens penhorados, independente da ordem estabelecida no artigo 11 da referida lei.

Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery exemplificam o requisito da existência de bens de difícil comercialização em hastas públicas ao afirmar que “o ato constritivo há de recair em bens com expressão econômica que possam cumprir os objetivos do processo executório, quais sejam conversão em dinheiro pela hasta pública e o pagamento do credor.”[23]

A expressão econômica dos bens diz respeito ao valor de mercado passível em conversão à moeda nacional, os bens indicados pelo devedor não podem estar em estado precário e sem valor em mercado, desta forma não prejudicando futuras hastas públicas.

Estes requisitos podem ser observados pelo exequente por meio das diligências tomadas por ele com a finalidade de encontrar os bens da empresa executada, podendo ser exemplos destas medidas, os diversos ofícios encaminhados pelas procuradorias aos registros de imóveis, DETRAN e à Receita Federal, além das certidões emitidas pelos oficiais de justiça que avaliam os bens e por muitas vezes deixam de penhorá-lo por serem encontrados em péssimas condições.

Entrementes, resta evidenciado que no curso do processo de execução fiscal, é necessária a observância do princípio da expressão econômica dos bens passíveis de penhora, conforme fora levantado anteriormente.

Caracterizados no curso da execução fiscal, os dois requisitos explicitados acima, a inexistência de bens passíveis de penhora, suficientes para garantir a cobrança do crédito ou a existência de bens de difícil comercialização em hastas públicas, o exequente poderá pleitear a possibilidade da penhora sobre o faturamento em face da empresa devedora.

A preocupação com o estado de insolvência que pode ocorrer por conta da penhora do percentual de seu faturamento não se restringe apenas à empresa executada e seus sócios. O legislador também apontou tal precaução na norma processual, onde é encontrado explicitamente o requisito da nomeação de depositário administrador para que apresente o plano de pagamento da dívida, bem como os cálculos acerca do percentual que poderá ser penhorado.

A escolha do administrador depositário será feita na forma dos artigos 677 e 678[24] e a ele cabe a elaboração de plano eficaz e urgente com o estado atual dos lucros e dívidas da empresa, além das ponderações e indicações atuais do mercado em que a empresa atua.

Conforme preceitua o artigo 678 in fine, o depositário-administrador será, de preferência, um dos diretores da empresa, porém esta condição é apenas imprescindível em empresas que prestam serviços públicos, conforme entendimento do TJ/RS.

A ilustrar, dentre inúmeros precedentes:

Ementa: AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. FATURAMENTO. DEPOSITÁRIO ADMINISTRADOR. NOMEAÇÃO DE TERCEIRO ESTRANHO AOS QUADROS DA EMPRESA EXECUTADA. CABIMENTO. REMUNERAÇÃO. MANUTENÇÃO. A preferência de nomeação de um dos diretores da empresa executada como depositário administrador é prevista para empresas que exerçam serviço público, sob regime de concessão e permissão, o que não ocorre no caso, razão pela qual perfeitamente possível a escolha de pessoa estranha aos quadros sociais da executada, com reputação ilibada e experiência no ramo dos negócios, medida que visa assegurar a satisfação da dívida e, ao mesmo tempo, resguardar a continuidade da exploração econômica da empresa, estando o percentual de 3% sobre todo e qualquer valor penhorado, fixado a título de remuneração mensal do profissional, de acordo com o parâmetro adotado no âmbito deste Tribunal de Justiça, não havendo que se falar em onerosidade excessiva ao devedor. Precedentes do TJRGS. Agravo desprovido. (Agravo Nº 70058073941, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 27/02/2014).[25]

O plano de pagamento elaborado pelo administrador será apreciado pelo juiz, devendo sempre ocorrer a oitiva do exequente e o executado acerca de todas condições de pagamento apresentadas no relatório apresentado. É  facultado às partes a recusa ou a desistência da aplicação da penhora sobre o faturamento, caso haja de alguma forma, perigo à atividade da empresa.

No plano de pagamento, juntamente com todas as informações pertinentes à forma de pagamento (prazo para o início e término do pagamento das parcelas), será incluído o percentual do faturamento da empresa que poderá ser penhorado.

Porém, faz-se necessário expor um breve conceito de faturamento. O artigo 22 do Decreto-Lei n° 2.397/87 expõe que faturamento é “a receita bruta das vendas de mercadorias e serviços e de mercadorias e serviços de qualquer natureza, das empresas públicas e privadas”[26], portanto, faturamento trata-se de toda receita obtida pela empresa por meio da venda de todos os seus produtos e serviços.

Segundo entendimentos consolidados do Superior Tribunal de Justiça[27] e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul[28], o percentual que deverá ser penhorado não pode inviabilizar as atividades empresariais e o capital de giro da empresa executada. Por não ser explícito no texto do Código de Processo Civil, o limite do percentual penhorado deverá ser analisado pelo juiz caso a caso, conforme os lucros brutos da empresa e o plano de pagamento apresentado pelo depositário-administrador. Conforme se verifica na jurisprudência, o percentual deferido é relativamente baixo, com a variação entre 3% e 20% do faturamento.

Para todos estes requisitos apresentados na petição, serão analisados pelo juiz, que decidirá interlocutoriamente, o (in)deferimento da penhora sobre o faturamento da empresa.

4.1 Breves considerações acerca do depositário-administrador

Inicialmente, cabe destacar que no procedimento da penhora sobre o faturamento da empresa é necessário a nomeação do depositário-administrador, que conforme exposto anteriormente, será o responsável pela elaboração do plano de pagamento, bem como pelo depósito dos valores relativos ao percentual penhora do faturamento da empresa.

O depositário-administrador será nomeado pelo Juiz da execução fiscal, conforme prevêem os artigos 666, III, 677, caput, e o 655, §3º do CPC, e deverá ser profissional particular, de amplos conhecimentos contábeis e jurídicos, experiência em assessoria à empresas, além da necessidade de haver a sua disponibilidade para o exercício do cargo.

Em Recurso Especial interposto pelo Botafogo Clube de Futebol e Regatas, que desafiou acórdão proferido no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, restou evidenciada a importância da figura do depositário-administrador e a sua apresentação do plano de pagamento, previamente ao deferimento da penhora.

Vejamos um trecho da decisão proferida pelo Relator Ministro Humberto Gomes de Barros:

Primeiro, a nomeação de administrador deve preceder o início do ato constritivo. Não pode o juiz autorizar a penhora, fixar percentual e só então nomear administrador, cuja função é intervir na empresa, ordenando os pagamentos, de modo a evitar a quebra de privilégios creditícios.[29]

Ao depositário-administrador, recairá também as mesmas responsabilidades penalidades do depositário da coisa penhorada, incumbindo a ele a guarda e a conservação e principalmente, no caso da penhora sobre o faturamento da empresa, a gestão do bem penhorado, eis que por meio da sua atividade será efetivada a penhora.

No que tange à penhora sobre o faturamento da empresa, cabe ao depositário-administrador prestar contas de forma espontânea, a iniciar da extinção do depósito, ou seja, o  depositário-administrador fica responsável pela arrecadação dos valores do percentual penhorado, deve realizar o depósito judicial, e finalmente deve proceder à prestação de contas, com base no plano de pagamento apresentado e deferido pelo Juiz.

A atividade de depositário-administrador será remunerada na forma do artigo 149, caput, do CPC, que prevê que “o depositário ou administrador perceberá, por seu trabalho, remuneração que o juiz fixará, atendendo à situação dos bens, ao tempo do serviço e às dificuldades de sua execução.”[30]

Esta remuneração arbitrada pelo Juiz não abrangirá as despesas inerentes às suas responsabilidades de guarda, conservação e administração da penhora. 

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Sobre o autor
Mateus Silveira

Advogado OAB/RS 96.007. Bacharel em Direito pela Faculdade Cenecista de Osório.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVEIRA, Mateus. Penhora sobre o faturamento da empresa em execuções fiscais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4337, 17 mai. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32826. Acesso em: 24 abr. 2024.

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