7. DO CABIMENTO DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE EM SEDE DE EXECUÇÃO DE TÍTULOS EXTRAJUDICIAIS
Os títulos executivos extrajudiciais, elencados no artigo 585 do CPC, ainda dependem de processo autônomo para garantir o seu cumprimento, nos termos da Lei Federal nº 11.382/2006, fazendo-se necessária a expedição de mandado de citação para que o devedor ingresse em juízo e oferte sua defesa, a saber, os embargos do devedor.
Assim, boa parte do vetusto procedimento da ação de execução permanece inalterado, pouco sendo relevante ao presente estudo.
Entretanto, os embargos do devedor sofreram mudança significativa em seu rito, posto que, atualmente, podem ser opostos independentemente de penhora, depósito ou caução, no prazo de 15 (quinze) dias, contados da juntada do mandado de citação aos autos, conforme previsto nos arts. 736 e 738 do CPC, e não mais da intimação da decisão do juiz que confirmava a penhora.
Todavia, ainda que não seja mais necessária a garantia do juízo para oferta dos embargos, o manejo da exceção de pré-executividade continua pertinente, pois a defesa do devedor, positivada pela Lei 11.382/2006, apresenta restrições que podem, eventualmente, gerar prejuízos e constrangimentos ao mesmo.
É bem verdade que referida lei, ao definir a redação do art. 739-A, caput, do CPC, determinou que, ao contrário do sistema de execução anterior, os embargos do devedor carecem de efeito suspensivo, sendo a regra o regular processamento da ação executória.
Inobstante, pode o Magistrado, a requerimento do embargante, suspender a execução sendo relevantes os fundamentos e se houver possibilidade de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação, e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes, conforme reza o artigo 739-A, § 1º, do CPC.
Mesmo assim, o referido dispositivo, em seu § 6º, dispõe que "a concessão de efeito suspensivo não impedirá a efetivação dos atos de penhora e de avaliação dos bens", evidenciando outro perigo ao executado.
Ainda, em seu § 3º, o dispositivo supra citado prevê que “o efeito suspensivo pode ser parcial, prosseguindo a execução quanto à parte restante”.
Destarte, diante da possibilidade do magistrado deixar de atribuir o efeito suspensivo aos embargos do devedor nas hipóteses do art. 739-A, §§ 1º e 3º, ou de atribuí-lo mediante a constrição de bens do devedor, a exceção de pré-executividade demonstra-se o único meio hábil para evitar constrangimentos a este.
Seguem exemplos que demonstram a viabilidade da exceção: (i) todas as matérias de defesa podem ser suscitadas mesmo apos decorrido o prazo para embargar (excluindo-se as defesas já arguidas e decididas, por obvio); (ii) não existem requisitos formais (como preparo e outras) para a utilização da exceção; e (iii) a exceção poderia ser manejada dentro dos três dias que o devedor tem para pagar, na forma do art. 652 do CPC, sendo certo, nesse caso, que não haveria nenhum risco de penhora para ele caso a exceção de pré-executividade fosse recebida e decidida pelo magistrado (TALAMINI, 2007, p. 585).
Como se não bastasse, também, a exceção se presta à arguição de nulidade de atos executivos ocorridos após a apresentação dos embargos, como aquelas referentes a penhora, leilão etc.
Além das matérias de ordem pública já mencionadas, a exceção poderá veicular matérias de natureza fática, desde que a prova seja pré-constituída, tornando despicienda dilação probatória.
Assim como mencionado por ocasião da análise do cumprimento de sentença, é importante ressaltar que o magistrado, ao receber a exceção, poderá, por prudência, suspender o curso do processo, principalmente quando deparado com questões de ordem pública. Em seguida, deverá determinar a imediata intimação do Exequente para que este replique os termos daquela, em respeito aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, previstos no art. 5º, incisos LIV e LV e , da Constituição Federal de 1988.
Havendo matéria de ordem pública cognoscível, pois, ex officio, será deveras plausível e útil a apresentação de defesa através da Exceção.
8. DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ
Inobstante as divergências doutrinárias acerca do cabimento, ou não, da exceção de pré-executividade no curso do processo de execução e do cumprimento de sentença, tendo em vista as recentes alterações legislativas, é importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça - STJ, em decisão proferida por ocasião do julgamento do agravo regimental em agravo de instrumento nº. 669.123/SP, manifestou-se positivamente quanto ao manejo da defesa pontiana pelo executado. É o que se depreende do seguinte julgado exemplificativo da controvérsia:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE - ARGÜIÇÃO DE NULIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL - POSSIBILIDADE, DESDE QUE NÃO ENSEJE DILAÇÃO PROBATÓRIA - QUESTÕES QUE DEVEM SER ANALISADAS EM SEDE DE EMBARGOS À EXECUÇÃO - ENTENDIMENTO OBTIDO DA ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO - INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 7/STJ - RECURSO IMPROVIDO.
1. A agravante não trouxe qualquer argumento capaz de infirmar a decisão que pretende ver reformada, razão pela qual entende-se que ela há de ser mantida na íntegra. 2. A exceção de pré-executividade destina-se a arguir a nulidade do título executivo extrajudicial, nos termos do artigo 618, I, do Código de Processo Civil, desde que, para isso, o vício apontado reste evidenciado de forma a prescindir de contraditório ou de dilação probatória; 3. As Instâncias ordinárias, após sopesarem o acervo probatório coligido aos autos, consignaram que as teses suscitadas pelos agravantes, tendo por desiderato o reconhecimento da ausência de liquidez, certeza e inexigibilidade do título executivo extrajudicial que lastreia a presente execução, demandariam dilação probatória própria do procedimento a ser observado em sede de embargos à execução; 4. Agravo regimental a que se nega provimento.
A decisão citada reflete o pensamento atual do judiciário pátrio ao elencar que, ainda hoje, existe interesse de agir que justifique a utilização da exceção.
Recentemente, o STJ, em julgamento do Recurso Especial nº. 1.333.988/SP, entendeu que a exceção se mostra possível para a discussão de matéria atinente ao valor da multa diária executada, ainda mais quando a matéria poderia ser conhecida de ofício pelo magistrado.
Referidos julgados confirmam a possibilidade do manejo da execução pelo devedor no que se refere às questões de ordem pública e aquelas matérias que, embora de natureza fática, podem ser comprovadas de plano, sem dilação probatória, inobstante as alterações legislativas processadas pelas Leis nº. 11.232/05 e 11.382/06.
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante todo o exposto, tendo em vista as reformas legislativas operadas pelas Leis nº. 11.232/2005 e 11.382/06, chega-se ao entendimento, com suporte nos aspectos doutrinários e jurisprudenciais acima mencionados, que ainda existe um grande campo de atuação para manejo da “exceção de pré-executividade” como meio de defesa do devedor.
Isso se dá porque ao executado é admitida a defesa por meio de exceção quando não existir título executivo líquido, certo e exigível e o mesmo também ficar impossibilitado de apresentar defesa na própria execução ou nos embargos do devedor, sem constrição judicial.
Especificamente, a lei 11.232/2005 conferiu maior celeridade ao processo de execução para satisfazer o direito do credor. Por isso, foi instituída uma nova fase de cumprimento de sentença (criando o chamado “processo sincrético”) nos mesmos autos onde originado o título executivo judicial, ocasião em que o executado poderá valer-se de impugnação, por intermédio de petição simples, conforme previsto no artigo 475-L, do CPC.
Todavia, quando ficar evidente a carência de pressupostos processuais ou de condições da ação, poderá o executado utilizar-se, ainda, da exceção de pré-executividade, que continua sendo uma alternativa adequada, independentemente de prévia segurança do juízo.
No processo de execução de títulos executivos extrajudiciais, outrossim, também se mostra cabível a oposição da defesa pontiana pelo executado, inobstante a previsão dos embargos do executado pelo artigo 736-A (criado pela Lei 11.382/2006), os quais, via de regra, independem de prévia garantia do juízo para sua utilização.
Em ambos os casos, a defesa pontiana será possível quando discutidas matérias de ordem pública ou quando a discussão tratar de questões de fato, desde que não exijam dilação probatória.
A exceção de pré-executividade, pois, possui natureza jurídica de incidente processual que se apresenta como um meio hábil e eficaz para impedir a prática de constrangimentos ilegais em desfavor do executado, seja na fase de cumprimento de sentença, iniciada pelo art. 475-J, do CPC, seja no processo de execução destinado aos títulos executivos extrajudiciais.
A eficácia desse meio de defesa processual fica patente diante dos chamados “pontos de estrangulamento do sistema”, ou seja, naqueles casos em que for exigida alguma forma de garantia do devedor para oferta de defesa, ou se lhe restar inviabilizada a suspensão da execução ou do cumprimento de sentença ou, ainda, naqueles casos em que não for possível o manejo de recursos contra decisões que lhe sejam excessivamente onerosas.
Daí porque, mesmo diante da sistemática do Novo Código de Processo Civil não se poderá negar seu cabimento, pois todos os sistemas processuais criados pelo legislador possuem seus “pontos de estrangulamento”, os quais não poderão ceder diante da irresignação que caracteriza o ser humano.
Assim, a exceção de pré-executividade, independentemente do nome que se lhe queira dar, já provou ser um instituto que, surgido da práxis forense, não está jungido às regras processuais, mas que decorre dos princípios do ordenamento jurídico, tais como os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal (BUENO, 2008, p. 569) e que, assim como o mandado de segurança, ficará registrado no mármore dos tempos.
10. REFERÊNCIAS
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