O Plenário do Supremo Tribunal Federal aprovou duas Propostas de Súmula Vinculante com o objetivo de conferir agilidade processual e evitar o acúmulo de processos sobre questões idênticas e já pacificadas no Tribunal.
As propostas aprovadas, de natureza criminal, tratam da continuidade da persecução penal em caso de descumprimento de cláusulas de transação penal e da competência da Justiça Comum Federal para julgar crimes de falsificação de documentos expedidos pela Marinha do Brasil.
Como se sabe, as súmulas vinculantes têm força normativa e devem ser aplicadas pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
Todas as propostas aprovadas tiveram parecer favorável da Procuradoria Geral da República. A Proposta de Súmula Vinculante nº. 68 foi, inclusive, sugestão da própria Procuradoria Geral da República "com o objetivo de dirimir controvérsia existente nos diversos tribunais do País sobre a possibilidade de propositura de ação penal após o descumprimento dos termos de transação penal, o que estaria causando grave insegurança jurídica e multiplicação de processos sobre a questão".
Segundo a Procuradoria Geral da República, mesmo depois de o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgar e dar repercussão geral a recurso extraordinário "no sentido de que não há ofensa aos preceitos constitucionais a retomada da persecução penal em casos de descumprimento das cláusulas, até o Superior Tribunal de Justiça tem divergido desse entendimento".
A partir da publicação, o verbete deverá ser convertido na Súmula Vinculante nº. 35, com a seguinte redação:
“A homologação da transação penal prevista no artigo 76 da Lei 9.099/1995 não faz coisa julgada material e, descumpridas suas cláusulas, retoma-se a situação anterior, possibilitando-se ao Ministério Público a continuidade da persecução penal mediante oferecimento de denúncia ou requisição de inquérito policial”.
Como se sabe, os arts. 1º e 60 da Lei n. 9.099/95[1], regulamentando o art. 98 da Constituição Federal, previram a criação pelos Estados e pela União (no Distrito Federal) dos Juizados Especiais Criminais, no âmbito da Justiça Ordinária (Justiça Comum Estadual e Justiça Comum do Distrito Federal). Com a Emenda Constitucional nº. 22/99, acrescentou-se um parágrafo único[2] ao referido art. 98, determinando que “lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal”, o que veio a se efetivar com o surgimento da Lei nº. 10.259/2001[3].
Observa-se que a Lei nº. 10.671/2003, que dispõe sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor, prevê a criação dos Juizados do Torcedor, no âmbito da Justiça Comum Estadual e da Justiça do Distrito Federal, com competência para o processo, o julgamento e a execução das “causas” (cíveis e criminais) decorrentes das atividades reguladas na lei (art. 41-A).
Os Juizados Especiais Criminais têm competência para a conciliação, o processo, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo e poderá ser composto por juízes togados e leigos.
A Lei nº. 9.099/95 possui normas de caráter processual e outras de Direito Material; estas últimas aplicam-se em qualquer Juízo, mesmo nos procedimentos da competência originária dos Tribunais. Neste sentido é a posição tranquila adotada pelo Supremo Tribunal Federal, em consonância, aliás, com a boa doutrina, senão vejamos:
“Inq 1055 QO / AM – AMAZONAS·QUESTÃO DE ORDEM NO INQUÉRITO·Relator (a): Min. CELSO DE MELLO ·Publicação: DJ DATA-24-05-96 PP-17412 EMENT VOL-01829-01 PP-00028·Julgamento: 24/04/1996 - TRIBUNAL PLENO”. A Lei nº. 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, subordinou a perseguibilidade estatal dos delitos de lesões corporais leves (e dos crimes de lesões culposas, também) ao oferecimento de representação pelo ofendido ou por seu representante legal (art. 88), condicionando, desse modo, a iniciativa oficial do Ministério Publico à delação postulatória da vitima, mesmo naqueles procedimentos penais instaurados em momento anterior ao da vigência do diploma legislativo em questão (art. 91). - A lei nova, que transforma a ação pública incondicionada em ação penal condicionada à representação do ofendido, gera situação de inquestionável beneficio em favor do réu, pois impede, quando ausente a delação postulatória da vitima, tanto a instauração da persecutio criminis in judicio quanto o prosseguimento da ação penal anteriormente ajuizada. Doutrina. LEI N. 9.099/95 - CONSAGRACAO DE MEDIDAS DESPENALIZADORAS - NORMAS BENEFICAS - RETROATIVIDADE VIRTUAL. Os processos técnicos de despenalização abrangem, no plano do direito positivo, tanto as medidas que permitem afastar a própria incidência da sanção penal quanto àquelas que, inspiradas no postulado da mínima intervenção penal, têm por objetivo evitar que a pena seja aplicada, como ocorre na hipótese de conversão da ação publica incondicionada em ação penal dependente de representação do ofendido (Lei nº. 9.099/95, arts. 88 e 91). - A Lei n. 9.099/95, que constitui o estatuto disciplinador dos Juizados Especiais, mais do que a regulamentação normativa desses órgãos judiciários de primeira instância, importou em expressiva transformação do panorama penal vigente no Brasil, criando instrumentos destinados a viabilizar, juridicamente, processos de despenalização, com a inequívoca finalidade de forjar um novo modelo de Justiça criminal, que privilegie a ampliação do espaço de consenso, valorizando, desse modo, na definição das controvérsias oriundas do ilícito criminal, a adoção de soluções fundadas na própria vontade dos sujeitos que integram a relação processual penal. Esse novíssimo estatuto normativo, ao conferir expressão formal e positiva às premissas ideológicas que dão suporte às medidas despenalizadoras previstas na Lei n. 9.099/95, atribui, de modo conseqüente, especial primazia aos institutos (a) da composição civil (art. 74, parágrafo único), (b) da transação penal (art. 76), (c) da representação nos delitos de lesões culposas ou dolosas de natureza leve (artes. 88 e 91) e (d) da suspensão condicional do processo (art. 89). As prescrições que consagram as medidas despenalizadoras em causa qualificam-se como normas penais benéficas, necessariamente impulsionadas, quanto à sua aplicabilidade, pelo princípio constitucional que impõe a lis meteoro uma insuprimível carga de retroatividade virtual e, também, de incidência imediata. PROCEDIMENTOS PENAIS ORIGINÁRIOS (INQUÉRITOS E AÇÕES PENAIS) INSTAURADOS PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - CRIME DE LESÕES CORPORAIS LEVES E DE LESÕES CULPOSAS - APLICABILIDADE DA LEI N. 9.099/95 (ARTS. 88 E 91). - A exigência legal de representação do ofendido nas hipóteses de crimes de lesões corporais leves e de lesões culposas reveste-se de caráter penalmente benéfico e tornam conseqüentemente extensíveis aos procedimentos penais originários instaurados perante o Supremo Tribunal Federal os preceitos inscritos nos arts. 88 e 91 da Lei nº. 9.099/95. O âmbito de incidência das normas legais em referencia - que consagram inequívoco programa estatal de despenalização, compatível com os fundamentos ético-juridicos que informam os postulados do Direito penal mínimo, subjacentes à Lei n. 9.099/95 - ultrapassa os limites formais e orgânicos dos Juizados Especiais Criminais, projetando-se sobre procedimentos penais instaurados perante outros órgãos judiciários ou tribunais, eis que a ausência de representação do ofendido qualifica-se como causa extintiva da punibilidade, com conseqüente reflexo sobre a pretensão punitiva do Estado.” (decisão unânime).
“Penal. Processual penal. Habeas-corpus. Crime de lesões corporais. Denúncia. Promotor de Justiça processado perante o Tribunal de Justiça. Recusa do Tribunal em possibilitar a composição civil e a transação. Alegação de inaplicabilidade em procedimento especial. Lei nº. 9.099/95. I - Os preceitos de caráter penalmente benéficos da Lei nº. 9.099/95 aplicam-se a qualquer processo penal, inclusive nos Tribunais. Precedentes do STF: Inquérito nº. 1.055-AM (Questão de Ordem), C. de Mello, RTJ 162/483; HC nº. 76.262-SP, O. Gallotti, DJ 29.05.98. II - HC deferido.” (Habeas Corpus nº. 77.303-8/PB, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 15.09.98, v.u., DJU 30.10.98).
Neste aspecto, ressalva-se apenas a Justiça Militar, por força da Lei nº. 9.839/99 que acrescentou à lei ora comentada o art. 90-A, aliás, dispositivo de duvidosa constitucionalidade à luz do princípio constitucional da isonomia.[4]Mesmo nas Comarcas onde não haja Juizado Especial Criminal instalado deve o Juiz de Direito da Vara Criminal aplicar a lei especial porque, além de conter normas de caráter material, é mais benéfica para o réu (ao menos as suas medidas despenalizadoras).
São critérios orientadores dos Juizados Especiais Criminais a oralidade, a simplicidade, a informalidade, a economia processual e a celeridade. Como seus objetivos primordiais temos a conciliação, a transação, a reparação dos danos e a aplicação de pena não privativa de liberdade (arts. 2º. e 62).
A Lei nº. 11.313/06 modificou as leis dos Juizados Especiais Criminais, Estaduais e Federais, que passaram a ter a seguinte redação:
Lei nº. 9.099/95 (grifos nossos):
“Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.
“Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.
“Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.”
Lei nº. 10.259/2001 (idem):
“Art. 2º Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.
“Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrente da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.”
Andou bem o legislador da Lei nº. 11.313/2006, pois, unificando (na Lei nº. 9.099/95) o respectivo conceito, sepultou quaisquer dúvidas acaso existentes quanto àquela definição (e quase já não existiam).
Como se sabe, a redação anterior do art. 61 da Lei nº. 9.099/95 conceituava infração penal de menor potencial ofensivo como sendo todos os crimes cuja pena máxima não excedesse a um ano, excetuados aqueles que obedecessem a um procedimento especial, além de todas as contravenções penais.
Por sua vez, a Lei nº. 10.259/01, que regulamentou os Juizados Especiais Federais Criminais, no parágrafo único do art. 2º., passou a considerar infração de menor potencial ofensivo os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, retirando a ressalva quanto ao procedimento especial, não se referindo, evidentemente às contravenções penais, pois, como se sabe, tais infrações estão excluídas da competência da Justiça Federal, por força do art. 109, IV da Constituição.
Assim, a Lei dos Juizados Especiais Federais conceituou de modo diferente crime de menor potencial ofensivo, derrogando, deste modo, o art. 61 da Lei nº. 9.099/95, que se aproveitava apenas quando tratava das contravenções penais.
Agora, o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo está previsto apenas na Lei nº. 9.099/95, excluindo qualquer outro entendimento que adotasse duas definições a respeito daquela infração penal. A propósito, a expressão “para os efeitos desta lei” é de uma inutilidade ímpar, pois o conceito é para o sistema jurídico-penal brasileiro; se assim não o for, qual a competência dos Juizados Especiais Criminais Federais? O que seriam aquelas infrações penais de menor potencial ofensivo previstas no art. 2º., caput da Lei nº. 10.259/2001?
Aliás, por força do disposto no art. 5º., caput da Constituição Federal que consagra o princípio da igualdade/isonomia, já era um absurdo admitir-se que uma mesma conduta fosse considerada um delito de menor potencial ofensivo (com todas as vantagens advindas) e, em outro momento (tendo em vista, por exemplo, o seu sujeito passivo ou o local onde foi cometida) não o fosse. Evidentemente que uma mesma ação e um resultado igual devem gerar uma mesma conseqüência jurídica. Se desacato um Delegado da Polícia Civil devo ter o mesmo tratamento jurídico-penal dado a quem desacata um Delegado de Polícia Federal; se furto uma televisão, devo ser tratado penal e processualmente da mesma forma de quem furta uma televisão a bordo de um navio ou de uma aeronave. Se um piloto de uma aeronave assedia sexualmente um(a) tripulante, o tratamento penal a ser dado a ele deve ser o mesmo, quer o faça a bordo ou no saguão do aeroporto. É óbvio! Por outro lado, o art. 20 da Lei nº. 10.259/01, não somente se dirige às causas cíveis[5] (tanto que faz referência expressa ao art. 4º. da Lei nº. 9.099/95, que diz respeito ao Juizado Especial Cível), como também tenciona impedir que se aplique o disposto no art. 109, §§ 3º. e 4º. da Constituição Federal[6].
Como lembra Cezar Roberto Bitencourt o que identifica a essência ou lesividade de um delito não é a condição das partes (autor do fato ou vítima), a espécie procedimental ou a natureza da jurisdição (federal ou estadual), mas exatamente a sua potencialidade lesiva. Afirma textualmente o autor citado que, “na verdade, critérios de competência que delimitam a jurisdição penal em federal e estadual não têm legitimidade – científica, jurídica ou política – para estabelecer distinções conceituais sobre a potencialidade lesiva de uma conduta. Com efeito, a ilicitude típica não ganha contornos distintos de acordo com a espécie de jurisdição a que esteja sujeita, de forma a alterar a ofensividade ao bem jurídico.”[7]
Assim, já nos parecia tranquilo o entendimento que a definição de crime de menor potencial ofensivo havia sido elastecida e unificada.[8]
Neste sentido, várias foram as decisões no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por sua 5ª. Câmara Criminal, no julgamento do Recurso em Sentido Estrito nº. 70003736428, tendo como relator o Desembargador Amilton Bueno de Carvalho (v.u., j. 20/02/02). Aliás, neste Estado o assunto praticamente pacificou-se, como se vê nos seguintes julgados: 1- Conflito de Competência N.º 70004091211 (4ª Câm. Criminal), Rel. Des. Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, julgado em 25/04/02; 2- Conflito de Competência N.º 70004086971 (4ª Câm. Criminal), Rel. Des. Vladimir Giacomuzzi, julgado em 25/04/02; 3- Apelação Crime n.º 70003611621 (3ª Câm. Criminal), Rel. Desª. Elba Aparecida Nicolli Bastos, julgado em 18/04/02; 4- Conflito de Competência n.º 70004084935 (4ª Câm. Criminal), Rel. Des. Constantino L. de Azevedo, julgado em 11/04/02; 5- Conflito de Competência n.º 70004091161 (4ª. Câmara Criminal), Rel. Des. Constantino L. de Azevedo, julgado em 11/04/02; 6- Conflito de Competência N.º 70003975208 (1ª. Câmara Criminal), Rel. Des. Silvestre J. A. Torres, julgado em 03/04/02; 7- Conflito de Competência N.º 70003976396 (1ª Câm. Criminal), Rel. Des. Ranolfo Vieira, julgado em 03/04/02; 8- Conflito de Competência N.º 70003927092 (1ª Câm. Criminal), Rel. Des. Silvestre J. A. Torres, julgado em 03/04/02; 9- Apelação Crime nº 70003321627 (3ª Câm. Criminal), Rel. Desembargadora Elba Aparecida Nicolli Bastos, julgado em 14/03/02.
O Superior Tribunal de Justiça voltou a julgar no mesmo sentido:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 36.545 - RS (2002/0119661-3) (DJU 02.06.03, SEÇÃO 1, P. 183, J. 26.03.03). RELATOR: MINISTRO GILSON DIPP. A Lei dos Juizados Especiais aplica-se aos crimes sujeitos a procedimentos especiais, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permitindo a transação e a suspensão condicional do processo inclusive nas ações penais de iniciativa exclusivamente privada. Em função do Princípio Constitucional da Isonomia, com a Lei nº. 10.259/01 – que instituiu os juizados especiais cíveis e criminais no âmbito da Justiça Federal, o limite de pena máxima, previsto para a incidência do instituto da transação penal, foi alterado para 02 anos. Tramitando a ação perante a Vara Criminal da Justiça Comum Estadual, e entrando em vigor a nova lei nº. 10.259/01, a competência para apreciar a apelação criminal interposta é da Turma Recursal local, pois, tratando-se de disposição de natureza processual, a incidência é imediata, por força do Princípio do tempus regit actum. Hipótese em que a competência é absoluta e improrrogável, sob pena de nulidade. Conflito conhecido para declarar a competência da Turma Recursal Criminal de Porto Alegre/RS, a Suscitante.”
Hoje, evidentemente, que este assunto não comporta maiores indagações, pois a Lei nº. 10.259/01 não mais conceitua infração penal de menor potencial ofensivo, deixando esta matéria a cargo exclusivamente da Lei nº. 9.099/95. Portanto, são infrações penais de menor potencial ofensivo todas as contravenções penais (independentemente da pena máxima cominada – veja-se, por exemplo, o art. 45 do Decreto-Lei nº. 6.259/44) e todos os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, independentemente da previsão de procedimento especial.
Quanto à cominação de pena de multa, também a inovação foi importante para dirimir outra controvérsia; a questão consistia em saber como interpretar a última parte do parágrafo único do art. 2º. da Lei nº. 10.259/01 (com a redação anterior). Para nós, a pena máxima de dois anos sempre foi o limite intransponível para o respectivo conceito, ou seja, qualquer delito cuja pena em abstrato fosse superior a dois anos estava fora do âmbito dos Juizados, tivesse ou não pena de multa alternativa ou cumulativamente cominada, pois o critério do legislador, ao conceituar tais delitos, foi sempre a pena máxima, não a mínima (multa). Ainda que a pena de multa seja cumulada com a pena de detenção ou reclusão igual ou inferior a dois anos, a situação não muda, ou seja, continua sendo de menor potencial ofensivo[9]. A Lei nº. 11.313/06 resolveu definitivamente a questão: não interessa a cominação da pena de multa para a definição de infração penal de menor potencial ofensivo, pouco importando seja a pena pecuniária cominada alternativa ou cumulativamente (se for cumulada não retira da infração a natureza de menor potencial ofensivo – como afirma a nova lei, com muito mais razão se a cominação for alternativamente).
Neste sentido, o Ministro Celso de Mello indeferiu o Habeas Corpus nº. 109353, impetrado pelo comerciante W.M.N., acusado de vender ou expor à venda mercadoria cuja embalagem, tipo, especificação, peso ou composição esteja em desacordo com as prescrições legais, ou que não corresponda à respectiva classificação oficial. O crime é previsto no artigo 7º, inciso II, da Lei 8.137/1990. O comerciante foi denunciado perante o juízo da 30ª Vara Criminal de São Paulo. Antes do recebimento da denúncia, a defesa pleiteou que o feito fosse redistribuído ao Juizado Especial Criminal, porque o delito imputado, por cominar pena alternativa de multa, caracterizaria infração de menor potencial ofensivo. O juízo indeferiu os pedido e recebeu a denúncia. Dessa decisão, a defesa recorreu, sucessivamente, ao Tribunal de Justiça de São Paulo que negou a ordem, e ao Superior Tribunal de Justiça. Nessa Corte, a ministra relatora concedeu liminar, suspendendo o curso do processo. Entretanto, no julgamento de mérito, a Sexta Turma do STJ concedeu a ordem apenas parcialmente, para que o Ministério Público de São Paulo se manifestasse acerca da proposta de suspensão condicional do processo. O ministro Celso de Mello acolheu parecer do Ministério Público Federal (MPF), que opinou pela denegação do HC 109353. O relator alegou que os fundamentos da manifestação do MPF ajustam-se à jurisprudência do STF no sentido de que a cominação da pena de multa, por si só, não é suficiente para caracterizar a infração como de menor potencial ofensivo, quando a punição não atender os parâmetros do artigo 61 da Lei 9.099/1995. O ministro Celso de Mello assinalou ainda que, tal como acentuado no acórdão do STJ, “apesar da previsão de pena alternativa de multa, o critério eleito pelo legislador para definir a competência dos Juizados Especiais Criminais é o quantum máximo de pena privativa de liberdade abstratamente cominada”. Na definição de infração de menor potencial ofensivo são levadas em conta as causas de aumento (no máximo) e de diminuição (no mínimo), inclusive a tentativa e o arrependimento posterior (art. 16 do Código Penal), excluídas as agravantes e as atenuantes genéricas, pois estas, além de não haver um quantum de aumento ou de diminuição estabelecido, não podem aumentar a pena acima do máximo nem diminuí-la aquém do mínimo (Enunciado 231 da súmula do Superior Tribunal de Justiça).
Assim, podemos afirmar que são crimes de menor potencial ofensivo, dentre inúmeros outros, o abuso de autoridade (Lei nº. 4.898/65)[10], contra a honra (calúnia[11], difamação[12] e injúria[13]) e, mesmo, o aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento, quando na sua forma tentada (arts. 124 c/c 14, II do Código Penal). Sobre este último crime, observa-se que em caso de tentativa incidirá sobre a pena máxima cominada (três anos) a causa de diminuição de pena (1/3), restando a pena máxima de dois anos. O fato de ser crime doloso contra a vida não é óbice a esta afirmativa, pois é a própria Constituição Federal que no seu art. 98, I excepciona o disposto no seu art. 5º., XXXVIII, “d”. Lembremo-nos, ademais, que nos casos de competência determinada pela prerrogativa de função (em vista de dispositivo contido na Carta Magna), o julgamento também não será do Júri Popular, mas do respectivo Tribunal[14]. Quanto ao porte de arma (que era de menor potencial ofensivo à luz da legislação revogada), a nova lei o excluiu deste rol. Assim, na Lei nº. 10.826/2003 apenas o crime do art. 13 (omissão de cautela) é de menor potencial ofensivo.
Tal conceito evidentemente não foi alterado pelo art. 94 da Lei nº. 10.741/03 (Estatuto do Idoso) que dispõe: “aos crimes previstos nesta Lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4 (quatro) anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei no. 9.099, de 26 de setembro de 1995, e, subsidiariamente, no que couber, as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal.” Para nós, esta nova lei apenas determina sejam aplicadas as normas procedimentais da Lei nº. 9.099/95 (normas processuais puras, no dizer de Taipa de Carvalho) aos processos referentes aos crimes (com pena máxima de quatro anos) tipificados no Estatuto, excluindo-se a aplicação de suas medidas despenalizadoras (composição civil dos danos e transação penal), pois não seria coerente um diploma legal que visa a proteger os interesses das vítimas idosas permitir benefícios aos autores dos respectivos crimes.[15] Esta interpretação guarda coerência, pois tais crimes (graves, pois praticados contra idosos) serão julgados por meio de um procedimento mais célere, possibilitando mais rapidamente o desfecho do processo (sem olvidar-se da ampla defesa e do contraditório, evidentemente). Esta questão foi definida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3096. Para a relatora do processo, Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, o art. 94 deve ser interpretado de acordo com a Constituição Federal, no sentido de que sejam aplicados aos crimes previstos no estatuto do idoso apenas os “procedimentos” previstos na Lei nº. 9.099/95 - para dar celeridade aos processos -, e não os benefícios, como possibilidade de conciliação, transação penal ou a conversão da pena. Com isso, frisou a Ministra, os idosos teriam a possibilidade de ver os autores dos crimes processados de forma ágil, sem, contudo, vê-los beneficiados pela Lei nº. 9.099/95. O debate incluiu a participação de todos os Ministros presentes à sessão. O Ministro Marco Aurélio manifestou sua dificuldade em acompanhar a relatora. Para ele, seria inócuo aplicar interpretação conforme ao dispositivo, uma vez que a Lei dos juizados especiais já abrange crimes com pena inferior a dois anos. O estatuto só teria feito ampliar a aplicação dessa lei para crimes com penas até quatro anos. Já a Ministra Ellen Gracie revelou seu entendimento no sentido de que o legislador teria embasado a redação deste dispositivo em estatísticas que demonstram que grande parte dos crimes contra idosos são praticados no seio familiar. Assim, para Ellen Gracie pode ser importante que se tenha um mecanismo legal possibilitando uma solução pacificadora. Celso de Mello, decano da Corte, disse que, em princípio, o art. 94 permite que o idoso que sofre algum crime veja a solução de seu caso, de forma ágil. O Ministro Cezar Peluso disse entender que o dispositivo pode acabar beneficiando, também, os autores dos crimes praticados contra idosos. Muitos crimes não são cometidos por familiares, e seus autores também se beneficiariam do dispositivo. Para ele, deve se analisar, no caso, o respeito ao princípio da isonomia. Ele citou como exemplo uma situação fictícia, em que duas pessoas cometem crime com penas inferiores a quatro anos, um contra um idoso e outro não. O primeiro será processado pela Lei nº. 9.099/95 e o outro pela justiça comum. Segundo Peluso, isso pode levar à perigosa conclusão de que é mais conveniente cometer crime contra idoso. Não se pode criar esse tipo de discriminação, concluiu Cezar Peluso. O Ministro Eros Grau disse entender que não compete à Corte analisar a razoabilidade da lei. Assim, o Ministro votou pela improcedência da ADI. O julgamento foi concluído com o retorno do voto-vista do Ministro Ayres Britto, no sentido que o dispositivo legal deve ser interpretado em favor do seu específico destinatário – o próprio idoso – e não de quem lhe viole os direitos. Com isso, os infratores não poderão ter acesso a benefícios despenalizadores de direito material, como conciliação, transação penal, composição civil de danos ou conversão da pena. Somente se aplicam as normas estritamente processuais para que o processo termine mais rapidamente, em benefício do idoso. Ao acompanhar a Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, o Ministro Ayres Britto procurou resumir numa frase o entendimento da ministra relatora em relação ao equívoco cometido pelos legisladores na confecção do Estatuto do Idoso. “Autores de crimes do mesmo potencial ofensivo serão submetidos a tratamentos diversos, sendo que o tratamento mais benéfico está sendo paradoxalmente conferido ao agente que desrespeitou o bem jurídico mais valioso: a incolumidade e a inviolabilidade do próprio idoso”, afirmou. Por maioria de votos, vencidos os Ministros Eros Grau e Marco Aurélio, o Plenário decidiu que os benefícios despenalizadores previstos na Lei nº 9.099/95 e também no Código Penal não podem beneficiar os autores de crimes cujas vítimas sejam pessoas idosas. Para a relatora do processo, a interpretação conforme à Constituição do artigo 94 do Estatuto implica apenas na celeridade do processo e não nos benefícios. O Ministro Marco Aurélio manifestou sua tese contrária à relatora. “Creio que quanto ao procedimento da lei, partiu-se para uma opção político-normativa. Não podemos atuar como legisladores positivos e fazer surgir no cenário uma normatização que seja diversa daquela aprovada pelas duas Casas do Congresso Nacional”. Por isso, o Ministro Marco Aurélio considerou o dispositivo integralmente inconstitucional, tendo em vista que o Estatuto ampliou para pena não superior a quatro anos a aplicação de benefício que a Lei dos Juizados Especiais limita a pena não superior a dois anos. “Eu me pergunto: se não houvesse o Estatuto do Idoso, o que se teria? A aplicação pura e simples da Lei nº 9.099 e aí só seriam realmente beneficiados pela lei agentes que a lei beneficia, ou seja, aqueles cujas penas máximas não ultrapassem dois anos. A meu ver, na contramão dos interesses sociais, se elasteceu a aplicação da Lei nº 9.099”, concluiu o Ministro.
Não tendo tido êxito a composição civil dos danos, ou, ainda que o tenha, tratando-se de ação penal pública incondicionada, será aberta ao Ministério Público oportunidade para a transação penal (art. 76), que é uma proposta de aplicação de pena alternativa à prisão[16]. Este instituto tem sido acoimado por alguns de inconstitucional, entendimento com o qual não concordamos, basicamente, por três motivos:
a) A própria Constituição Federal prevê a transação penal no art. 98, I. Adverte Cezar Bittencourt, após afirmar que a Constituição Federal instituiu a transação penal para as infrações penais de menor potencial ofensivo, que a Lei nº. 9.099/95, ao prever a transação penal, “está apenas cumprindo mandamento constitucional.” (ob. cit. p. 55). Rechaçando igualmente a tese da inconstitucionalidade, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho afirma que a transação penal é “uma exceção ditada pela própria Carta, permitindo a aceitação de determinada pena pelo suposto autor do fato, independentemente do processo tradicional.”[17]
b) Não há ofensa ao devido processo legal nem ao princípio da presunção de inocência, pois na transação penal não se discute a culpabilidade[18] do autor do fato, ou seja, ele não se declara em nenhum momento culpado, não havendo, tampouco, efeitos penais ou civis, reincidência, registro ou antecedentes criminais (art. 76, §§ 4º. e 6º.). Aqui diferencia-se claramente do plea bargaining (onde se transaciona de maneira ampla sobre a pena, tipo penal, conduta, etc.) e do guilty plea (onde há uma admissão formal da culpa[19]).
c) Não existe nenhuma possibilidade de se aplicar ao autor do fato pena privativa de liberdade, por força da transação penal, pois é absolutamente impossível, à luz do nosso direito positivo, converter-se a pena restritiva de direitos ou a multa transacionada e não cumprida em pena de privação da liberdade (não haveria parâmetro para a conversão no primeiro caso – art. 44, § 4º., CP; e, no segundo caso, porque o art. 182 da Lei de Execuções Penais foi expressamente revogado pela Lei nº. 9.268/96). Aprofundamos mais esta questão adiante quando tratamos da execução.[20]
Ademais lembremos de Jesús-María Silva Sánchez, segundo o qual haveria um Direito Penal de duas velocidades[21]:“Uma primeira velocidade, representada pelo Direito Penal ´da prisão`, na qual haver-se-iam de manter rigidamente os princípios político-criminais clássicos, as regras de imputação e os princípios processuais; e uma segunda velocidade, para os casos em que, por não tratar-se já de prisão, senão de penas de privação de direitos ou pecuniárias, aqueles princípios e regras poderiam experimentar uma flexibilização proporcional a menor intensidade da sanção.”
Para este autor, “seria razoável que em um Direito Penal mais distante do núcleo do criminal e no qual se impusessem penas mais próximas às sanções administrativas (privativas de direitos, multas, sanções que recaem sobre pessoas jurídicas) se flexibilizassem os critérios de imputação e as garantias político-criminais. A característica essencial de tal setor continuaria sendo a judicialização (e a conseqüente imparcialidade máxima), da mesma forma que a manutenção do significado ´penal` dos ilícitos e das sanções, sem que estas, contudo, tivessem a repercussão pessoal da pena de prisão.”
Assim, continua o autor, “na medida em que a sanção não seja a de prisão, mas privativa de direitos ou pecuniária, parece que não teria que se exigir tão estrita afetação pessoal: e a imputação tampouco teria que ser tão abertamente pessoal. A ausência de penas ´corporais` permitiria flexibilizar o modelo de imputação. Contudo, para que atingisse tal nível de razoabilidade, realmente seria importante que a sanção fosse imposta por uma instância judicial penal, de modo que preservasse (na medida do possível) os elementos de estigmatização social e de capacidade simbólico-comunicativa próprios do Direito Penal.”[22]
O acordo feito na esfera penal (se for prestação pecuniária paga à vítima ou a seus dependentes - art. 45, § 1º., CP), terá efeito na esfera cível para se evitar o enriquecimento ilícito, tal como já se prevê na Lei dos Crimes Ambientais (art. 12), no Código Penal (art. 45, § 1º., in fine) e no Código de Trânsito Brasileiro (art. 297, § 3º.).
Neste aspecto, importante ressaltar, em tempos de Justiça Restaurativa, que “a institucionalização dos postulados da Justiça Restaurativa em consonância com os princípios dos Juizados Especiais Criminais tornam o art. 45, § 1.º, do CP a modalidade de pena principal a ser proposta a título de transação penal quando houver pessoa determinada como vítima. (...) Portanto, a proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade ao suposto autor dos fatos quando não existir acordo extintivo da punibilidade na fase preliminar de conciliação merece ser uma pena pecuniária que atenda aos interesses da vítima e, somente no caso de ser inviável esse tipo de proposta, então cabe ao Ministério Público propor alguma outra modalidade de pena a título de transação penal, tendo em vista a concretização do direito fundamental de “acesso à ordem jurídica justa” e ao “tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses”, conforme os paradigmas internacionais da Justiça Restaurativa adotados e preconizados pelo Conselho Nacional de Justiça.”[23]
É perfeitamente possível, em que pese a literalidade do art. 76, a transação penal no caso de contravenção penal, pois seria um verdadeiro absurdo jurídico permitir-se a transação penal para um crime e não para uma contravenção, infração penal, inclusive ontologicamente, de menor potencial ofensivo.
Não admitimos a transação penal nos delitos de ação penal de iniciativa privada (por exemplo: dano simples – art. 163, caput e exercício arbitrário das próprias razões – art. 345, parágrafo único, ambos do Código Penal), pois os arts. 76 e 77, caput e seu § 3º., referem-se apenas ao Ministério Público (o que seria um fundamento mais frágil, reconhecemos), além do que (e então está o mais robusto), em nossa sistemática a vítima não tem interesse na aplicação de uma pena ao autor do fato e sim na reparação civil dos danos[24]. Como afirma José Antonio Paganella Boschi, “o que move o ofendido – a par do inegável sentimento pessoal de ´castigar` o réu pela ofensa – é também o interesse patrimonial na reparação do dano ex delicto, sendo a ele estranhas as finalidades da pena ou do processo.” (grifo nosso).[25] Ademais, caso o ofendido não deseje oferecer queixa poderá não fazê-lo, deixando escoar o prazo decadencial ou renunciando àquele direito. Por este motivo, afastamos também a hipótese da vítima impugnar a decisão homologatória da transação penal, por lhe faltar interesse de agir, visto que a sentença homologatória não gera efeitos civis (art. 76, § 6º.).
A este respeito, interessante a posição de Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, não admitindo a transação penal na ação penal de iniciativa privada:“Quando a lei confere ao particular a legitimidade para o exercício da ação penal, o faz na condição de substituto processual do Estado, que é o titular da pretensão punitiva. Como se sabe, na legitimação extraordinária o substituto não tem poderes para transacionar com os direitos do substituído. Portanto, o querelante só poderia oferecer transação penal quando houvesse autorização legal. A Lei nº. 9.099/95 não lhe dá tal autorização.”[26]
É de Geraldo Prado a seguinte observação: “Pode-se dizer que mesmo o atual movimento de recuperação de um determinado status penal-processual da vítima, não tem o significado de atribuir a ela o poder de dizer de que forma (prestação de serviços à comunidade, multa?) e em que medida (por três meses, cem dias-multa?) deve o agente ser responsabilizado penalmente. (...) Portanto, a redefinição do espaço da vítima não deve ser confundida com a retomada do caráter privado do processo penal de outras épocas.”[27]
Se a pena de multa for a única aplicável, poderá haver sua redução à metade (art. 76, § 1º.).A transação penal está condicionada ao preenchimento de determinados requisitos objetivos previstos nos incisos I e II do § 2º. do art. 76, ressalvando-se, quanto ao primeiro inciso, o qüinqüídio referido no art. 64, I do Código Penal; não impede a proposta, outrossim, se a condenação anterior foi substituída por pena restritiva de direitos, multa ou se foi concedido o sursis.
Tendo em vista o princípio da presunção de inocência, o ônus de provar as causas impeditivas é do Ministério Público. Aliás, no Processo Penal o ônus é sempre da acusação, o que torna não recepcionado o art. 156 do Código de Processo Penal (porque fere o devido processo legal e a presunção de inocência). Segundo a lição de Alexandre Bizzotto e Andreia de Brito Rodrigues, “na persecução penal, todo ônus probatório é da acusação.“[28]
Ao lado daqueles requisitos objetivos, exige o inciso III requisitos subjetivos que deverão ser observados antes do oferecimento da proposta.
Atente-se para o fato de que a transação penal só deve ser proposta se não for o caso de arquivamento (faltaria justa causa para a proposta); é o que indica expressamente o caput do art. 76. Aliás, pensamos inclusive que sequer a composição civil dos danos deve ser levada a efeito se o caso, em tese, não for passível, a posteriori, de ser alvo de uma peça acusatória; se o Termo Circunstanciado, por exemplo, narrar um fato atípico ou já atingido pela prescrição o caso é de arquivamento, não devendo sequer ser marcada a audiência preliminar, pois seria submeter o autor do fato a um constrangimento não autorizado por lei. Se, in casu, a vítima desejar a reparação civil que promova no Juízo cível a respectiva ação civil ex delicto. Neste aspecto, discordamos de Cezar Bittencourt que entende ser dispensável o exame da justa causa para a composição civil dos danos, sob o argumento de que “os danos, com ou sem responsabilidade penal, com ou sem responsabilidade objetiva, podem ser compostos, seja na esfera privada, seja, hoje, na esfera criminal” (ob. cit., p. 54). Para nós, caso o Termo Circunstanciado não tenha possibilidade potencial de respaldar uma peça acusatória futura, o pedido de arquivamento impõe-se, pois a máquina judiciária (penal) na pode ser, neste caso, movimentada, ainda mais para se resolver uma questão cível. Se é verdade que hoje os danos podem ser reparados na esfera criminal, não é menos certo que esta hipótese só deve ocorrer se houver crime a perseguir. Caso contrário, o fato deve ser levado ao Juiz Cível. Neste sentido:
“(...) A validade da proposta depende da precisa identificação da pessoa a quem o delito deve ser imputado segundo a possibilidade de agir de acordo com o comando normativo. No caso de apuração da prática, em tese, de desobediência a ordem judicial pelos sócios de empresa, deve ser apontada, ainda que sucintamente, a participação de cada um deles no fato delituoso, o que não afronta ao princípio da informalidade que rege a proposta de transação penal. Necessidade de diligências para melhor apurar os indícios de autoria e averiguar a quais sócios caberia, na estrutura da empresa, a responsabilidade pelo eventual descumprimento da ordem judicial. Anulação da proposta de transação penal apresentada. Ressalvada a possibilidade de apresentação de nova proposta. Ordem parcialmente concedida.” (TRF 2ª R. – 1ª T. – HC 2007.02.01.008105-9 – rel. Abel Gomes – j. 16.04.2008 – DJU 24.06.2008).
A natureza jurídica da sentença que acerta a transação penal é homologatória, não sendo sentença condenatória nem absolutória[29]. Tal conclusão chega-se facilmente com a leitura dos parágrafos do art. 76, especialmente os §§ 4º. e 6º., que afirmam não importar reincidência, antecedentes criminais e efeitos civis a aplicação da pena acordada na transação penal.
A propósito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal começou a discutir, na sessão do dia 29 de maio de 2014 se é possível impor à transação penal, prevista na Lei 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais), os efeitos próprios de sentença penal condenatória. A discussão ocorre no Recurso Extraordinário (RE) 795567, com repercussão geral, em que se questiona acórdão da Turma Recursal Única do Estado do Paraná que, ao julgar apelação criminal, manteve a perda de bem apreendido (uma motocicleta) que teria sido utilizado para o cometimento da contravenção penal objeto da transação. Em voto pelo provimento do RE, o relator, Ministro Teori Zavascki, argumentou que a imposição de perda de bens sem que haja condenação penal ou a possibilidade de contraditório pelos acusados representa ofensa ao devido processo legal. Destacou, ainda, que as medidas acessórias previstas no artigo 91 do Código Penal, entre as quais a perda de bens em favor da União, exigem a formação de juízo prévio a respeito da culpa do acusado, sob pena de ofensa ao devido processo legal. “A imposição da medida confiscatória sem processo revela-se antagônica não apenas à acepção formal da garantia do artigo 5º, inciso LIV, da Constituição, como também de seu significado material destinado a vedar as iniciativas estatais que incorram, seja pelo excesso, seja pela insuficiência, em resultado arbitrário”. O Ministro lembrou que a Lei 9.099/1995, ao introduzir no sistema penal brasileiro o instituto da transação, permite que a persecução penal em crimes de menor potencial ofensivo possa se dar mediante pena restritiva de direitos ou multa, desde que o suspeito da prática de delito concorde, sem qualquer resistência, com proposta efetuada pelo Ministério Público.
No entendimento do Ministro, de um lado, a lei relativizou o princípio da obrigatoriedade da instauração da persecução penal em crimes de ação penal pública de menor ofensividade e, por outro, autorizou o investigado a dispor das garantias processuais penais previstas no ordenamento jurídico. Logo, segundo ele as consequências geradas pela transação penal deverão ser unicamente as estipuladas no instrumento do acordo e que os demais efeitos penais e civis decorrentes da condenação penal não serão constituídos. Ressaltou que o único efeito acessório será o registro do acordo apenas com o fim de impedir que a pessoa possa obter o mesmo benefício no prazo de cinco anos. “A sanção imposta com o acolhimento da transação não decorre de qualquer juízo estatal a respeito da culpabilidade do investigado, já que é estabelecida antes mesmo do oferecimento de denúncia, da produção de qualquer prova ou da prolação de veredito. Trata-se de ato judicial homologatório expedido de modo sumário, em obséquio ao interesse público na célere resolução de conflitos sociais de diminuta lesividade para os bens jurídicos tutelados pelo estatuto penal”, afirmou.
De acordo com o Ministro, como a homologação prescinde da instauração de processo, não é permitido ao juiz, nem em caso de descumprimento dos termos de acordo, substituir a pena restritiva de direitos, consensualmente fixada, por pena privativa de liberdade aplicada compulsoriamente. Observou também que as consequências jurídicas extra penais previstas no artigo 91 do Código Penal só podem ocorrer como efeito acessório de condenação penal. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do Ministro Luiz Fux. Os Ministros Luís Roberto Barroso e Rosa Weber acompanharam o relator pelo provimento do recurso. Fonte: STF.
Por outro lado, a transação penal não representa um direito público subjetivo do autor do fato, mas um ato transacional[30]: o Ministério Público transige quando deixa de oferecer denúncia e o autor do fato quando cede à perspectiva de uma absolvição. Assim, afigura-se-nos equivocada a proposta de transação penal realizada de ofício pelo Juiz que, ao contrário, deve remeter o Termo Circunstanciado ao Procurador-Geral de Justiça se houver recusa injustificada do Ministério Público em fazer a proposta, utilizando-se do art. 28 do Código de Processo Penal, preservando-se, assim, os postulados do sistema acusatório.
Não concordamos com o entendimento segundo o qual a transação é o exercício de uma ação penal. Ora, ação penal sem relação jurídico-processual instaurada?[31] Sem citação? Ação penal sem imputação formal de um crime? Também não poderíamos dizer que se trata de uma ação penal não condenatória (como a revisão criminal ou o habeas corpus), pois esbarraríamos na seguinte questão: como se aplicar uma pena se a ação penal não tinha natureza condenatória? Outra questão: se efetivamente a transação penal é exercício da ação penal, teríamos que admitir o oferecimento de queixa subsidiária caso o Ministério Público não fizesse a proposta.
Exatamente por isso, entendemos que a transação penal é uma mitigação ao princípio da obrigatoriedade da ação penal, tendo em vista que permite ao Ministério Público, ainda que dispondo de indícios da autoria e prova de uma infração penal, abrir mão da peça acusatória, transacionando com o autor do fato.
Neste sentido, veja-se esta decisão do Supremo Tribunal Federal: “SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - PRIMEIRA TURMA - RECURSO EXTRAORDINÁRIO 468.161-7 GOIÁS - RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE - EMENTA: Transação penal homologada em audiência realizada sem a presença do Ministério Público: nulidade: violação do art. 129, I, da Constituição Federal. 1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal - que a fundamentação do leading case da Súmula 696 evidencia: HC 75.343, 12.11.97, Pertence, RTJ 177/1293 –, que a imprescindibilidade do assentimento do Ministério Público quer à suspensão condicional do processo, quer à transação penal, está conectada estreitamente à titularidade da ação penal pública, que a Constituição lhe confiou privativamente (CF, art. 129, I). 2. Daí que a transação penal – bem como a suspensão condicional do processo – pressupõe o acordo entre as partes, cuja iniciativa da proposta, na ação penal pública, é do Ministério Público.” VOTO: “(...) Bem de ver, assim, que não se reserva, aí, espaço a transação sem participação do MP ( ...) Assim, ao contrário do que manifestado na decisão recorrida, o art. 76 (como também o art. 89) da lei nova não se constitui um direito público subjetivo do réu, porém apenas mitiga o princípio da obrigatoriedade da ação penal, ao adotar o princípio da conveniência ou, segundo alguns, o princípio da discricionariedade controlada. A proposta prevista na lei é de exclusivo e inteiro arbítrio do Ministério Público, que continua sendo, por força da norma constitucional, o dominus litis da ação penal pública, não podendo ser substituído pelo magistrado, em tal encaminhamento. Da mesma forma, dizer que o poder consagrado no artigo 129, inciso I, da norma constitucional, não é absoluto, a fim de justificar a possibilidade da transação ser proposta pelo juiz, ante a inércia do Parquet, com a devida vênia, é argumento que não retira ou enfraquece a atribuição privativa ministerial de propor a ação penal pública e consequentemente a transação penal do art. 76 da Lei nº 9.099/95. Isto porque a hipótese de o Ministério Público não propor a transação penal (pois o titular exclusivo para tal ato) não pode, nem de perto, ser equiparada á eventual omissão ou inércia temporal de propor a ação penal pública, que legitimaria admissão da ação privada subsidiária”. De fato, na linha da jurisprudência do Tribunal, que a fundamentação do leading case da súmula 696 evidencia - HC 75.343, 12.11.97, Pertence, RTJ 177/1293 – a imprescindibilidade do assentimento do Ministério Público está conectada estreitamente à titularidade da ação penal pública, que a Constituição lhe confiou privativamente (CF, art. 129, I). Daí que a transação penal – bem como a suspensão condicional do processo - pressupõe o acordo entre as partes, cuja iniciativa da proposta, na ação penal pública, é do Ministério Público.”
Se houver pluralidade de agentes, é evidente que poderá haver a transação com apenas um deles, restando a denúncia para os outros (neste caso ocorre, também, uma certa mitigação ao princípio da indivisibilidade da ação penal pública incondicionada).
Como já foi dito, o cumprimento da pena acordada não gera reincidência, tampouco será indicada em registros criminais ou gerará efeitos civis (§§ 4º. e 6º. do art. 76), sendo registrada apenas para impedir nova transação nos cinco anos subseqüentes.Se houver dissenso entre o autor do fato e o seu defensor prevalecerá a vontade do agente, até por analogia ao disposto no art. 89, § 7º.
Em tese, é possível, à luz dos arts. 43, I e 45, §§ 1º. e 2º. do Código Penal a proposta de transação penal consistente na doação de cestas básicas (como prestação de outra natureza que não a pecuniária[32]). Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal ratificou proposta de transação penal para que um Deputado Federal doasse pessoalmente cestas básicas para uma associação de deficientes visuais e deixasse de responder à denúncia por crime ambiental. A decisão foi unânime. Ele havia sido denunciado (Inq 2721) pelo Ministério Público Federal por, supostamente, ter construído uma barragem no loteamento São Silvestre, em Palmas (TO), sem a devida licença ambiental. Como o crime é de menor potencial ofensivo e ele não tem condenação criminal anterior, o MPF ofereceu proposta de transação penal, que foi aceita pelo Deputado. Pela decisão do Supremo, que homologou a proposta do MPF, ele terá de comparecer pessoalmente uma vez por mês, durante seis meses, na Associação Brasiliense dos Deficientes Visuais (ABDV), em Brasília (DF), para doar 20 cestas básicas e 10 resmas de papel braille. Terá ainda que justificar mensalmente, perante o STF, o cumprimento do acordo. O Deputado pediu para cumprir a pena restritiva de direitos em uma só visita à entidade, mas o MPF foi contra ao afirmar que essa solução não atenderia ao “objetivo da medida”. Ao analisar o pedido do deputado nesta tarde, o relator da matéria, ministro Joaquim Barbosa, avaliou que a alternativa não seria viável. “Considero que a proposta do indiciado, no sentido da doação integral das 120 cestas básicas e 60 resmas de papel braille, em uma única oportunidade, poderia conduzir ao perecimento dos alimentos e até mesmo a problemas para o armazenamento dessa quantidade de alimentos e de papéis. Não é, efetivamente, o ideal”, afirmou Barbosa.
Aqui, porém, faz-se uma ressalva: concordamos com parte da doutrina que proclama a inconstitucionalidade do § 2º. do art. 45 do Código Penal em razão da não observância do princípio da legalidade na expressão “prestação de outra natureza”.
Observa-se que nos crimes previstos no art. 41-B da Lei nº. 10.671/2003 (Estatuto de Defesa do Torcedor) a pena restritiva de direito objeto da transação penal será a “pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de três meses a três anos, de acordo com a gravidade da conduta”, nos termos dos §§ 2º. e 5º. do art. 41-B.
Admissível, outrossim, que a proposta seja feita por Carta Precatória; neste caso, porém, a homologação será no Juízo deprecante, podendo a execução e a fiscalização do cumprimento da sanção realizar-se no Juízo deprecado, obedecendo-se aos princípios do Promotor e do Juiz Natural.
Da decisão homologatória caberá recurso de apelação no prazo de 10 dias; se não homologar, em decisão interlocutória, caberá Mandado de Segurança ou Habeas Corpus, não nos afigurando possível, nesta segunda hipótese, a utilização do recurso de apelação.
Não possui a vítima legitimidade para recorrer. Como se sabe, excepcionalmente, o Código de Processo Penal legitima a vítima (ainda quando não habilitada como assistente) a recorrer supletivamente ao Ministério Público, em caso de absolvição (art. 598, parágrafo único); nesta hipótese, permite-se-lhe o recurso especial e mesmo o extraordinário para atacar a decisão proferida naquele recurso interposto, pois não teria sentido dar-lhe legitimidade para a apelação e negar-lhe o direito de recorrer da decisão proferida no julgamento deste recurso (mutatis mutandis, veja-se a Súmula 210 do Supremo Tribunal Federal, in verbis: “O assistente do Ministério Público pode recorrer, inclusive extraordinariamente, na ação penal, nos casos dos arts. 584, § 1.º, e 598 do CPP.”)
Porém, contra a decisão que homologa a transação penal não tem o ofendido legitimidade para apelar, mesmo porque sequer habilitado como assistente poderá estar, visto que a assistência pressupõe ação penal iniciada (art. 268, CPP). Ademais, remetemos o leitor ao que dissemos sobre a impossibilidade de transação penal quando se trata de crime de ação penal de iniciativa privada.
Como ensina Mirabete, “não pode a vítima apelar da decisão homologatória da transação, por falta de interesse de agir. É o que se decidiu no I Congresso Brasileiro de Direito Processual e Juizados Especiais (Tese 6).”[33]
Neste sentido, a jurisprudência é remansosa:
“TACRSP: Recurso – Apelação – Decisão homologatória de transação penal – Irresignação apresentada pela ofendida – Inadmissibilidade – Ausência de interesse em recorrer – Vítima que não está autorizada a intervir neste procedimento ou a ele se opor – Recurso não conhecido. Mesmo que a tentativa de conciliação tenha ficado frustrada, o acordo sobre a aplicação imediata da pena não privativa de liberdade não poderá sofrer qualquer oposição por parte da vítima.” (RJTACRIM 36/270).
“TACRSP: Nos casos da Lei nº. 9.099/95, não tem recurso o ofendido contra a decisão homologatória da transação penal (art. 76), visto lhe falece a pertinência subjetiva da ação, isto é, o interesse de agir. O MP e o autor do fato são os que, unicamente, nesse ponto, têm voz no capítulo.” (RJDTACRIM 41/403).
“TRSC: Transação penal que não comporta a participação da vítima. Homologação da transação impede a possibilidade de deflagração da ação penal. Inexistente a ação penal, não se admite a figura da assistência à acusação, falecendo-lhe legitimidade para interpor recurso de apelação.” (RJTRTJSC 5/219).
Descumprido o acordo entendemos pela impossibilidade de oferecimento de denúncia, pois a sentença homologatória faz coisa julgada material, restando ao Ministério Público a alternativa de executar a sentença homologatória, seja nos termos da Lei de Execução Penal (arts. 147 e 164), seja em conformidade com o Código de Processo Civil, já que se está diante de um título executivo judicial (art. 584, III, CPC).[34]
O Supremo Tribunal Federal, no entanto, já havia decidido contrariamente, entendendo que o não cumprimento da transação penal autoriza o oferecimento de denúncia, senão vejamos:
“HC 79572 / GO – GOIÁS. HABEAS CORPUSRelator: Min. MARCO AURÉLIO. Publicação: DJ DATA-22-02-02 PP-00034. EMENT VOL-02058-01 PP-00204. Julgamento: 29/02/2000 - Segunda Turma. Ementa: HABEAS CORPUS - LEGITIMIDADE - MINISTÉRIO PÚBLICO. A legitimidade para a impetração do habeas corpus é abrangente, estando habilitado qualquer cidadão. Legitimidade de integrante do Ministério Público, presentes o múnus do qual investido, a busca da prevalência da ordem jurídico-constitucional e, alfim, da verdade. TRANSAÇÃO - JUIZADOS ESPECIAIS - PENA RESTRITIVA DE DIREITOS - CONVERSÃO - PENA PRIVATIVA DO EXERCÍCIO DA LIBERDADE - DESCABIMENTO. A transformação automática da pena restritiva de direitos, decorrente de transação, em privativa do exercício da liberdade discrepa da garantia constitucional do devido processo legal. Impõe-se, uma vez descumprido o termo de transação, a declaração de insubsistência deste último, retornando-se ao estado anterior, dando-se oportunidade ao Ministério Público de vir a requerer a instauração de inquérito ou propor a ação penal, ofertando denúncia.”
“SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - 13/06/2006 SEGUNDA TURMA - HABEAS CORPUS 88.785-6 SÃO PAULO - RELATOR: MIN. EROS GRAU - Descumprida a transação penal, há de se retornar ao status quo ante a fim de possibilitar ao Ministério Público a persecução penal (Precedentes). 2. A revogação da suspensão condicional decorre de autorização legal, sendo ela passível até mesmo após o prazo final para o cumprimento das condições fixadas, desde que os motivos estejam compreendidos no intervalo temporal delimitado pelo juiz para a suspensão do processo (Precedentes). Ordem denegada.” VOTO: “A jurisprudência pacífica de ambas as Turmas desta Corte é no sentido de que, descumprida a transação penal, há de se retornar ao status quo ante, possibilitada ao Ministério Público a persecução penal (HHCC 79.572, Marco Aurélio, 1ª Turma, DJ de 22.2.2002; 80.802, Ellen Gracie, 1ª Turma, DJ de 18.5.2001; 84.976, Carlos Britto, 2ª Turma, Informativo n. 402 e o RE 268.320, Octavio Gallotti, 10.11.2000). 2. No que tange à revogação da suspensão condicional do processo, há autorização legal para tanto (cf. art. 89, § 1º, IV, da Lei n. 9.099/95), sendo ela possível até mesmo após o prazo final para o cumprimento das condições fixadas, desde que os motivos estejam compreendidos no intervalo temporal delimitado pelo juiz para a suspensão do processo (cf. os HHCC 80.747, Sepúlveda Pertence, DJ de 19.10.2001; 84.890, Sepúlveda Pertence, DJ de 3.12.2004; 84.660, Carlos Britto, DJ de 25.11.2005 e 84.746, Marco Aurélio, DJ de 31.3.2006). 3. É perfeita a observação, do Subprocurador-Geral da República, de que “[n]ão é demais lembrar que o paciente, por várias vezes beneficiado com os favores legais, quedou-se inerte ao seu cumprimento, sendo esclarecedora a afirmação constante do acórdão impugnado no sentido de que ‘Aliás, o que pretende o combativo defensor é um passaporte para a impunidade. O paciente fez acordo de transação penal e não honrou. Novamente beneficiado com a suspensão condicional do processo não o cumpriu’.” Denego a ordem.”
A homologação de transação penal não elimina a retomada ou a instauração de inquérito ou de ação penal pelo Ministério Público, em caso de descumprimento da transação. Ao reafirmar jurisprudência já estabelecida nesse sentido, o Plenário do Supremo Tribunal negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 602072 e determinou o prosseguimento de ação penal pelo MP do Estado do Rio Grande do Sul. O processo foi relatado pelo ministro Cezar Peluso, que se louvou em precedentes do próprio STF para negar provimento ao recurso. O Ministro Marco Aurélio, acompanhando voto do relator, lembrou como precedentes para a decisão o julgamento dos Habeas Corpus (HCs) 80802 e 84876 e do RE 268320.
Tais decisões parece-nos equivocadas, pois se desconstitui uma decisão homologatória de uma forma absolutamente estranha ao nosso ordenamento.
A respeito da transação no processo, veja o que ensina Maria Helena Diniz:
“A natureza declaratória da transação, dando certeza a um direito precedentemente litigioso ou duvidoso, decorre de sua equiparação aos efeitos da coisa julgada (art. 1.030, CC). Se a decisão de homologação é válida e se a transação judicial é vinculante e irrevogável, só pode haver distrato da transação antes da homologação. (Vide: Pontes de Miranda, Tratado, cit. t. 25, p. 139). A sentença homologatória de transação válida é ato jurídico processual transparente; logo, não pode ficar à mercê de quaisquer ataques infundados por ter força de decisão irrevogável. Não há como desconstituir transação que não esteja eivada de vício de nulidade ou anulabilidade.”[35]
Cezar Roberto Bittencourt, criticando duramente esta decisão, afirma que “títulos judiciais somente podem ser desconstituídos observadas as ações e os procedimentos próprios. A coisa julgada tem uma função político-institucional: assegurar a imutabilidade das decisões judiciais definitivas e garantir a não-eternização das contendas levadas ao Judiciário. (...) Afinal, desde quando um título judicial pode desconstituir-se pelo descumprimento da obrigação que incumbe a uma das partes? Não há nenhuma previsão legal excepcional autorizando esse efeito especial. (...) na verdade, títulos judiciais têm exatamente a função de permitir sua execução forçada, quando não forem cumpridos voluntariamente. E, conclui: “quando houver descumprimento de transação penal dever-se-á proceder à execução forçada, exatamente como se executam as obrigações de fazer.” (ob. cit., pp. 17, 19 e 25).
Na esteira do entendimento do Supremo, assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça:“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS Nº 11.398 – SP (2001/0056971-3) (DJU 12.11.01, SEÇÃO 1, P. 159, J. 02.10.01). RELATOR: MINISTRO JOSÉ ARNALDO DA FONSECA. É possível o oferecimento da denúncia por parte do órgão Ministerial, quando descumprido acordo de transação penal, cuja homologação estava condicionada ao efetivo pagamento do avençado. O simples acordo entre o Ministério Público e o réu não constitui sentença homologatória, sendo cabível ao Magistrado efetivar a homologação da transação somente quando cumpridas as determinações do acordo. Recurso desprovido.”
Nada impede, muito pelo contrário, que a transação penal seja realizada ainda que se trate de feito envolvendo suposto autor do fato com prerrogativa de foro. Neste sentido, o Ministro Celso de Mello, determinou a notificação de um Deputado Federal para que se manifeste sobre seu interesse em aceitar transação penal proposta pelo procurador-geral da República nos autos do Inquérito (INQ) 2793. O parlamentar foi indiciado perante o STF pelo delito de desacato, crime previsto no artigo 331 do Código Penal e cuja pena varia de seis meses a dois anos de detenção – infração de menor potencial ofensivo, conforme prevê o artigo 61 da Lei 9.099/1995. Ao estabelecer que o deputado se manifeste sobre a proposta, em até dez dias, o Ministro Celso de Mello lembrou que a aceitação do benefício deve ser pessoalmente assumida pelo próprio interessado, além de subscrita por seu advogado. Lembrou, ainda, que o Plenário da Corte já se pronunciou no sentido de ser cabível a transação penal nos processos penais originários instaurados no Supremo. O decano explicou que a transação penal é um processo técnico de despenalização, previsto na Lei 9.099/1995, resultante da expressiva transformação do panorama penal vigente no Brasil, e tem como razão de ser a “deliberada intenção do Estado de evitar, não só a instauração de processo penal, mas, também, a própria imposição de pena privativa de liberdade, quando se tratar, como sucede na espécie, de infração penal revestida de menor potencial ofensivo”.
Por fim, ressaltamos que o art. 27 da Lei nº. 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais) prescreve que a transação penal somente poderá ser formulada desde que tenha havido prévia composição do dano ambiental, salvo em caso de comprovada impossibilidade.
Esta matéria resta agora definitivamente assentada com a edição da referida Súmula Vinculante. Uma pena...
Já a Proposta de Enunciado Vinculante nº. 86, oriunda do próprio Supremo Tribunal Federal, dispõe sobre a competência da Justiça Comum Federal de julgar os civis denunciados pelos crimes de falsificação e de uso de Caderneta de Inscrição e Registro (CIR) ou de Carteira de Habilitação de Arrais-Amador (CHA) falsos.
Após a publicação, o verbete deverá ser convertido na Súmula Vinculante nº. 36, com o seguinte teor: “Compete à Justiça Federal comum processar e julgar civil denunciado pelos crimes de falsificação e de uso de documento falso quando se tratar de falsificação da Caderneta de Inscrição e Registro (CIR) ou de Carteira de Habilitação de Arrais-Amador (CHA), ainda que expedidas pela Marinha do Brasil”.
Com este verbete concordamos inteiramente, pois tais condutas não afetam diretamente qualquer interesse das Forças Armadas, não podendo ser consideradas infrações penais de natureza militar.
Aliás, por maioria de votos, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal negou o Habeas Corpus nº. 113950, em que se contestava a competência da Justiça Militar para julgar um crime de corrupção ativa praticado por civil em relação a um cabo da Marinha, levando-o a emitir um histórico escolar falso em troca de R$ 2 mil. Condenado pela Auditoria da 10ª Circunscrição Judiciária Militar à pena de 1 ano e 15 dias de reclusão pela prática dos delitos previstos nos artigos 309 (corrupção ativa) e 315 (falsificação de documento), ambos do Código Penal Militar, o civil recorreu ao Superior Tribunal Militar. A Corte Militar declarou extinta, por prescrição, a punibilidade pelo crime de uso de documento falso, mas rejeitou preliminar de incompetência da Justiça Militar para julgar o crime de corrupção ativa. O relator do processo na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, Ministro Ricardo Lewandowski, pronunciou-se pela competência da Justiça Militar, observando que o bem lesado pelo crime foi a ordem administrativa militar pelo suborno de um praça para expedição de documento de determinada categoria da Marinha. Ele disse que, no caso, a competência da Justiça Militar encontra fundamento no artigo 9º, inciso III, letra “a”, do Código Penal Militar, que considera crimes militares os praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, neste caso contra a ordem administrativa militar. Também encontra abrigo no artigo 124 da Constituição Federal, que atribui à Justiça Militar a competência para processar e julgar os crimes militares definidos em lei. O ministro-relator foi acompanhado no voto pela Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha. Voto vencido, o ministro Celso de Mello defendeu a competência da Justiça Federal. Segundo ele, não se pode, em tempo de paz, submeter civil à jurisdição penal militar, sob pena de violação da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, de que o Brasil é signatário. Ele lembrou que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto ao delito de uso de documento falso, quando praticado por civil para obtenção de registro de aquaviário, descaracteriza a competência da Justiça Militar. No caso em julgamento, conforme observou, trata-se de corrupção ativa para obter, de um militar da Marinha do Brasil, documento de histórico escolar ideologicamente falso. O ministro admitiu que a administração pública afetada é a castrense, mas ponderou que, no fundo, é a administração federal. Por isso, conforme diversos precedentes que encontram enquadramento tanto no Código Penal Militar quando no Código Penal, seria natural, no entendimento dele, que um civil fosse submetido ao julgamento da justiça civil. Fonte: STF, com grifo meu.
Mutatis mutandis, vejamos, a título de conclusão, os seguintes julgados do Supremo Tribunal Federal (Fonte: STF, com grifos meus)
O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, deferiu liminar no Habeas Corpus (HC) 118708, impetrado pela Defensoria Pública da União (DPU) em favor de C.R.D., soldado do Exército condenado a um ano de reclusão pela Justiça Militar pela prática de lesão corporal grave. Pela decisão, fica suspensa, até o julgamento definitivo do habeas corpus, a eficácia da condenação. C.R.D. foi condenado pela Auditoria da 9ª Circunscrição Judiciária Militar por ter esfaqueado outro soldado em um churrasco na sua residência em Aquidauana (MS). O Conselho de Justiça para o Exército deferiu a suspensão condicional da execução penal, pelo prazo de dois anos. O juízo de primeira instância reconheceu o direito do condenado de recorrer em liberdade.Contra essa decisão, a DPU impetrou habeas corpus no Superior Tribunal Militar (STM), pleiteando a nulidade do processo, com o declínio da competência para a Justiça comum, mas a ordem foi negada.No HC 118708, a Defensoria Pública da União sustenta que o soldado praticou crime contra a integridade física da vítima, sem ofensa às instituições ou às funções típicas militares, e que o fato ocorreu em local não sujeito à administração militar. Por isso, a competência para julgar o caso não seria da Justiça Militar.A DPU ressalta ainda ter sido utilizado como base apenas o critério em razão da pessoa, em desconformidade com a jurisprudência do STF, e afirma existir constrangimento ilegal diante da ameaça de sofrer restrição à liberdade de locomoção, pois o caso não se enquadra nas hipóteses da competência da Justiça Militar, violando-se, assim, o princípio do juiz natural.O ministro Marco Aurélio afirmou que a competência da Justiça Militar é delimitada pelo Código Penal Militar. Segundo a alínea “a” do inciso II do artigo 209 da norma, são crimes militares, em tempo de paz, quando praticados por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado.“A competência da Justiça Militar, considerado o delito cometido por militar contra outro militar, pressupõe situação de atividade ou assemelhada. A tanto não equivale um churrasco de confraternização em residência particular”, apontou o ministro Marco Aurélio.
Por decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal está suspensa a ação penal a que um major da reserva remunerada da Aeronáutica responde por falsificação de documentos. A decisão liminar foi dada no Habeas Corpus (HC) 107146.O Ministério Público Militar denunciou o acusado por infração ao artigo 311 do Código Penal Militar por 60 vezes. O major teria elaborado Declarações de Inspeção Anual de Manutenção (DIAMs), relativas a diversas aeronaves, assinando como responsável técnico. Para o MPM, a aparente regularidade atestada pelos documentos causou “evidente atentado contra a ordem administrativa militar aeronáutica e a segurança de voo”.Essas declarações atestavam que as manutenções anuais obrigatórias estavam devidamente realizadas e eram destinadas ao Serviço Regional de Aviação Civil (Serac). Para a defesa, a competência para processar e julgar os fatos não seria da Justiça Militar pelo fato de que o Serac não realizava função de natureza propriamente militar.O Superior Tribunal Militar (STM) negou habeas corpus por reconhecer sua competência para processar o major.Mas, ao recorrer ao Supremo, a defesa argumentou que o Serac é um órgão de fiscalização e, “muito embora estivesse vinculado ao Comando Aéreo Regional, não realizava atividade de natureza militar, mas atividade secundária de fiscalização sobre empresas jurídicas de direito privado”.Além de pedir a suspensão da ação penal, os advogados querem que, no julgamento de mérito, todo o processo seja considerado nulo a partir do recebimento da denúncia perante o “juízo militar absolutamente incompetente”.Ao determinar a suspensão do processo, o ministro Gilmar Mendes destacou que os documentos trazidos nos autos mostram a existência dos requisitos que autorizam a concessão de liminar. Mendes reconheceu, também, a existência de plausibilidade à tese sustentada pela defesa.O ministro citou jurisprudência do STF em diversos julgamentos e destacou a decisão tomada no Conflito de Competência 7040, relator ministro Carlos Veloso (aposentado), que ressaltou a necessidade da "tipificação do crime militar exige o intuito de atingir, de qualquer modo, a Força, no sentido de impedir, frustrar, fazer malograr desmoralizar ou ofender o militar ou o evento ou situação em que este esteja empenhado".“Nestes termos, defiro o pedido de medida liminar para suspender, até o julgamento do mérito deste habeas, o trâmite do processo instaurado perante a 1ª Auditoria Militar, da 3ª CJM, Porto Alegre/RS”, finalizou o relator.
Em decisão unânime, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal extinguiu processo penal militar em que um civil respondia por crime de dano a patrimônio público. No caso, o civil foi acusado de colidir veículo com viatura militar e o processo foi aberto na 3ª Auditoria da 3ª Circunscrição Judiciária Militar no Rio Grande do Sul. Pela decisão da Turma, a Justiça militar não tem competência para processar o civil.“Na concreta situação dos autos, não se extrai, minimamente que seja, a vontade do paciente [o civil] de se voltar contra as Forças Armadas e tampouco querer obstaculizar e impedir a continuidade de qualquer operação militar”, ressaltou o ministro Carlos Ayres Britto, relator do processo. Ao votar, ele declarou a “absoluta incompetência da Justiça militar para conhecer dessa causa”.Na mesma linha se posicionaram os demais ministros da Corte. “O que eu acho grave é que se instaure, em tempo de paz, inquérito policial militar contra civil. E que seja ele submetido a julgamento perante a Justiça militar, perante uma auditoria militar, em tempo de paz”, ponderou o ministro Celso de Mello, decano do Supremo.O julgamento foi realizado por meio da análise de Habeas Corpus (HC 105348) apresentado pela Defensoria Pública da União em defesa do civil. O Ministro Ayres Britto já havia concedido liminar para suspender o trâmite do processo militar, até o julgamento definitivo do habeas corpus.
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal declarou que a competência para julgar caso de injúria decorrente de discussão entre uma paciente civil e uma enfermeira militar na emergência do Hospital da Aeronáutica dos Afonsos, no Rio de Janeiro, é da Justiça Federal comum, e não da Justiça Militar. A relatora, ministra Ellen Gracie, observou que “a conduta não atinge as Forças Armadas propriamente, tratando-se de um desentendimento pessoal”, não cabendo, portanto, a aplicação do Código Penal Militar. A decisão foi proferida no julgamento de Habeas Corpus (HC 100588) em que a administradora de empresas P.G.C. pedia o trancamento de ação penal movida contra ela e a declaração de incompetência da Justiça Militar. A discussão que resultou na ação penal ocorreu durante um atendimento de emergência, na madrugada de 15 de agosto de 2008. Sentindo-se negligenciada no atendimento, a paciente teria discutido em ter mos ríspidos com os plantonistas e com uma enfermeira, a quem chamou, segundo a denúncia, de “neguinha” e “favelada”, entre outras ofensas. Após sindicância determinada pelo diretor do hospital, foi aberto inquérito policial militar, e P.G.C. foi denunciada pelo Ministério Público Militar por crime militar contra a honra com características de cunho racista. Diante da abertura de processo penal, a acusada entrou com pedido de habeas corpus sob a alegação a inexistência de ofensa às instituições militares, condição obrigatória para a caracterização de crime militar praticado por civil e, consequentemente, submetido a julgamento pela Justiça Militar.
A pedido do próprio Ministério Público Militar (MPM), a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu transferir da Justiça Militar para a Justiça Federal comum o julgamento de dois civis acusados de pichar um edifício residencial sob administração militar. A decisão foi tomada no julgamento do Habeas Corpus (HC) 100230, impetrado pelo MPM. Segundo o entendimento unânime da Segunda Turma do STF, a conduta imputada não configura delito militar, mas o crime de dano ao patrimônio urbanístico, previsto na Lei 9.605/68.A decisão de hoje confirma a proferida pelo relator do HC, ministro Ayres Britto, em agosto do ano passado. Na época, o ministro suspendeu o andamento de investigação em curso na Justiça militar.Preliminarmente, o relator reiterou o entendimento de que os dois acusados têm o direito individual de serem julgados por um juiz competente, como dispõe o inciso LIII do artigo 5º da Constituição Federal.Ayres Britto lembrou que a Suprema Corte, por algumas vezes, já analisou o tema da caracterização de crimes militares cometidos por agentes civis em tempos de paz. “Nestas oportunidades, fixou o entendimento de que a configuração do delito militar é de caráter excepcional, decorrente, portanto, de uma interpretação restritiva do artigo 9º do Código Penal Militar (CPM)”, observou.Para o ministro Ayres Britto, no caso, não há fatos que indiquem a vontade dos acusados de, deliberadamente, praticarem qualquer ato atentatório à instituição militar ou a qualquer de suas finalidades específicas ou operações.
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu um pedido de Habeas Corpus (HC 99671) a um civil que estava sendo processado na Justiça Militar por lesão corporal culposa pelo atropelamento de um soldado do Exército que fazia controle de trânsito em via pública, nas proximidades do quartel-general em Brasília (DF). Ao analisar o caso, a relatora do processo, ministra Ellen Gracie, destacou que o “delito é evidentemente de natureza comum”. “Então a competência é da Justiça comum”, frisou. Com a decisão, o processo terá de ser remetido da Auditoria da 11ª CJM (circunscrição da Justiça Militar) para a Justiça comum. O Ministro Cezar Peluso já havia analisado o pedido de liminar, em substituição à relatora. Na ocasião, ele suspendeu a tramitação do processo após observar que, “para a configuração do delito militar, exige-se que o ato praticado pretenda atingir as instituições militares”. Segundo disse Peluso na decisão, “o fato de a vítima ser militar no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, não é suficiente para atrair a competência da Justiça Militar”. A defesa do civil pediu perante a própria Justiça Militar a transferência do processo para a Justiça comum, mas a solicitação foi negada inclusive no Superior Tribunal Militar (STM), que defendeu a competência da justiça castrense para atuar no caso.
O Ministro Carlos Ayres Britto suspendeu liminarmente a prisão de dois homens acusados de pichação. Eles estão sendo processados pela Justiça militar, com base no Código Penal Militar (HC) 100230. De acordo com o Ministro, a Corte, por algumas vezes, já enfrentou o tema da caracterização de crimes militares cometidos por agentes civis em tempos de paz. “Nestas oportunidades, fixou o entendimento de que a configuração do delito militar é de caráter excepcional decorrente, portanto, de uma interpretação restritiva do art. 9º do CPM”. Na interpretação de Ayres Britto, para que houvesse o delito militar ele teria de estar vinculado à ofensa de bens jurídicos tipicamente associados à função de natureza militar. “Ofensa que não enxergo, nesta análise preliminar da causa, na conduta dos pacientes”, sentenciou.
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu Habeas Corpus (HC 96083) para garantir que a Justiça Federal julgue civil acusado de uso de documento falso para obter carteira marítima de condutor aquaviário. A carteira teria sido conseguida com a utilização de certificados fraudados de cursos oferecidos pela Marinha. O acusado foi denunciado pelo Ministério Público Militar e estava sendo julgado pela Justiça Militar. Inconformado, ele recorreu ao STF para que o caso fosse transferido à Justiça Federal. Segundo a denúncia, em 2005, ele teria obtido os certificados falsos com o auxílio de um militar da ativa. Este teria fraudado o Sistema de Controle de Aquaviários para obter a caderneta de inscrição e registro, documento necessário para a retirada da licença marítima. De posse desse documento, o acusado teria conseguido a licença na empresa Delba Marítima Navegação S/A.A relatora do caso, ministra Ellen Gracie, acolheu o parecer da Procuradoria Geral da República ao conceder o habeas corpus. De acordo com a PGR, a inserção de dados falsos em sistema administrado por órgão da Marinha foi “apenas o meio” para o acusado obter a caderneta de inscrição e registro de condutor aquaviário.O parecer ressalta que “a certidão de inscrição e registro é licença de natureza civil, que confere a seus portadores, quer civis ou militares, a habilitação para a condução de embarcações”.A ministra Ellen Gracie concluiu que, “sendo o [acusado] civil e tendo, em tese, utilizado documentação de natureza civil, supostamente falsa, perante uma empresa privada, descaracterizada está a prática de crime militar, devendo o fato ser apurado pela Justiça Federal”.
“SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - HC N. 83.003-RS - RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO - O ordenamento positivo, ao dispor sobre os elementos que compõem a estrutura típica do crime militar ("essentialia delicti"), considera, como ilícito castrense, embora em sentido impróprio, aquele que, previsto no Código Penal Militar - e igualmente tipificado, com idêntica definição, na lei penal comum (RTJ 186/252-253) -, vem a ser praticado "por militar em situação de atividade (...) contra militar na mesma situação (...)" (CPM, art. 9º, II, "a").- A natureza castrense do fato delituoso - embora esteja ele igualmente definido como delito na legislação penal comum - resulta da conjugação de diversos elementos de configuração típica, dentre os quais se destacam a condição funcional do agente e a do sujeito passivo da ação delituosa, descaracterizando-se, no entanto, ainda que presente tal contexto, a índole militar desse ilícito penal, se o agente não se encontrar em situação de atividade. Hipótese ocorrente na espécie, eis que os delitos de resistência, lesões leves e desacato teriam sido cometidos por sargento do Exército (fora de serviço) contra soldados e cabos da Polícia Militar (em atividade).A QUESTÃO DA COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO E A NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA, PELOS ÓRGÃOS JUDICIÁRIOS CASTRENSES, DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO JUIZ NATURAL.- A competência penal da Justiça Militar da União não se limita, apenas, aos integrantes das Forças Armadas, nem se define, por isso mesmo, "ratione personae". É aferível, objetivamente, a partir da subsunção do comportamento do agente - qualquer agente, mesmo o civil, ainda que em tempo de paz - ao preceito primário incriminador consubstanciado nos tipos penais definidos em lei (o Código Penal Militar).- O foro especial da Justiça Militar da União não existe para os crimes dos militares, mas, sim, para os delitos militares, "tout court". E o crime militar, comissível por agente militar ou, até mesmo, por civil, só existe quando o autor procede e atua nas circunstâncias taxativamente referidas pelo art. 9º do Código Penal Militar, que prevê a possibilidade jurídica de configuração de delito castrense eventualmente praticado por civil, mesmo em tempo de paz.(...) CONSIDERAÇÕES EM TORNO DO CARÁTER ESTRITO DA COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA MILITAR DOS ESTADOS-MEMBROS. - A jurisdição penal dos órgãos integrantes da estrutura institucional da Justiça Militar dos Estados-membros não se estende, constitucionalmente, aos integrantes das Forças Armadas nem abrange os civis (RTJ 158/513-514, Rel. Min. CELSO DE MELLO), ainda que a todos eles haja sido imputada a suposta prática de delitos militares contra a própria Polícia Militar do Estado ou os agentes que a compõem. Precedentes.”
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal anulou denúncia recebida pela justiça militar contra um caminhoneiro envolvido em acidente de trânsito que vitimou um cabo e feriu militares. Pela decisão, o caso será apurado pela justiça comum estadual.Ao concederem Habeas Corpus (HC 86216) para o caminhoneiro, todos os ministros da Turma concordaram que a justiça militar somente tem competência para atuar em episódios envolvendo civis quando há intuito de atingir as Forças Armadas.“Ao contrário do entendimento do Superior Tribunal Militar, é excepcional a competência da justiça castrense para o julgamento de civis em tempo de paz”, disse o relator do habeas, ministro Carlos Ayres Britto.Essa exceção vale para casos de civis envolvidos em denúncias de atos contra bens jurídicos tipicamente associados à função de natureza militar, dispostos no artigo 142 da Constituição Federal.“A despeito de as vítimas estarem em serviço no momento da colisão dos veículos, nada há na denúncia que indique a vontade do paciente [do caminhoneiro] de se voltar contra as Forças Armadas, tampouco a de impedir a continuidade de eventual operação militar ou finalidade genuinamente castrense”, ressaltou Britto.O STM entendeu que a competência seria da justiça militar porque o acidente ocorreu quando os militares estavam em serviço, transportando fardas do Exército. Fonte: STF.
O Ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar em Habeas corpus (HC 91658) para dois ex-soldados da Aeronáutica condenados por roubo pela Justiça Militar. Com a decisão, eles poderão aguardar em liberdade o julgamento final do habeas, em que sustentam que deveriam responder pelo crime perante a Justiça comum. Caso os ministros do Supremo acolham a tese, a condenação deles será anulada.Os ex-soldados afirmam que, quando o crime foi cometido, eles já haviam abandonado o posto e vestiam roupas civis. Além disso, o delito ocorreu em via pública, ou seja, em local que não está sob a administração militar.Em sua decisão liminar, o ministro Peluso acenou a favor da plausibilidade da tese sustentada pelos ex-soldados. “A condição de militar ou o fato de estar um dos pacientes [um dos condenados] a serviço quando da prática do delito de roubo não são suficientes, por si sós, para atrair a competência da Justiça Castrense”, disse Peluso ao citar decisões do Supremo nesse sentido. De acordo com a denúncia, os dois ex-soldados cometeram o crime quando um deles estava escalado para o serviço de sentinela no portão da base aérea dos Afonsos, no Rio de Janeiro (RJ). Juntos, eles encomendaram uma pizza, atraindo o entregador para ser assaltado nas redondezas do quartel. Fonte: STF.
Por maioria dos votos, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal negou Habeas Corpus (HC 91003) a P.S.H.F., denunciado como suposto responsável pela morte de um soldado da aeronáutica. Ele e outros dois co-réus foram acusados de praticar crime de homicídio qualificado, conforme o artigo 205 parágrafo 2º, inciso IV, do Código Penal Militar (CPM). Conforme o relatório da ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, o soldado da aeronáutica teria sido morto a tiros quando estava de sentinela no Posto da Guarda da Vila Militar dos Suboficiais e Sargentos da Aeronáutica no bairro Itapuã, em Salvador. A intenção do ato seria o de roubar a arma portada pela vítima. Segundo a defesa, o denunciado está preso preventivamente desde 5 de abril de 2005 por determinação da Corregedoria do Tribunal de Justiça do estado da Bahia como garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal. Quando examinou o pedido de liminar, a relatora verificou que não havia “condições plausíveis e apuráveis” para o deferimento da medida. No julgamento de hoje, Cármen Lúcia confirmou a liminar, ressaltando que os fundamentos expostos por ela “permanecem inalterados, conduzindo, agora, a denegação da ordem”.A Ministra lembrou acórdão do STM, segundo o qual o crime praticado por civil contra militar das Forças Armadas em serviço é da competência da justiça militar da União (artigo 9º, III, do Código Penal Milita). A decisão da Corte militar salientou que as alterações produzidas pela Lei 9299/96 não atingiram a competência da justiça militar da União, “nem poderia, posto que esta é estabelecida pela Constituição Federal”. “Pelas razões apresentadas pelo STM, nota-se não se sustentarem juridicamente os argumentos apresentados pelo impetrante para assegurar o êxito do seu pleito, pois não se constatam fundamentos suficientes para julgar incompetente a justiça militar para apreciação e julgamento de crimes dolosos contra a vida, praticados nos termos definidos pela lei castrense”, ressaltou a relatora. Conforme ensina Cármen Lúcia, para que se configure o crime militar de homicídio é necessário que a vítima esteja efetivamente exercendo função ou desempenhando serviço de natureza militar. Ela também revelou que a jurisprudência predominante, do Supremo (HCs 83625 e 78320), é no sentido da constitucionalidade do julgamento de crimes dolosos contra a vida pela justiça castrense sem a submissão do crime militar de homicídio ao Tribunal do Júri.A ministra salientou que, no caso, há quatro elementos de conexão militar do fato: (a) a condição funcional da vítima (militar da aeronáutica); (b) o exercício de atividade fundamentalmente militar pela vítima (serviço de vigilância); (c) o local do crime (vila militar sujeita à administração militar); (d) o móvel do crime (roubo de arma da Força Aérea Brasileira).Por essas razões, a relatora votou no sentido de denegar a ordem de habeas corpus. A decisão da 1ª Turma do Supremo foi acompanhada por maioria, vencido o ministro Marco Aurélio. Fonte: STF (23/05/2007)
Soldado do exército que já foi punido por seu crime, com trânsito em julgado pelo juizado especial de pequenas causas de Coxim (MS), F.P.M.L. teve pedido de Habeas Corpus (HC 86606) concedido pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal. Com a decisão, foi declarado extinto o processo penal militar contra o soldado, em curso na 9ª Circunscrição Militar de Mato Grosso do Sul (MS). Para a relatora, ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, a adoção do principio do ‘ne bis in idem’ pelo ordenamento jurídico penal complementa os direitos e as garantias individuais previstas na constituição, “cuja interpretação sistemática leva à conclusão de que o direito à liberdade com apoio em coisa julgada material prevalece sobre o dever estatal de acusar”. Para ela, a extinção da punibilidade do soldado F.P. com trânsito em julgado, impede que se dê prosseguimento ao processo que tramita na auditoria da 9ª Circunscrição Militar de MS, “mesmo quando se trate de hipótese de nulidade absoluta”. Por fim, a Ministra ressaltou constar nos autos relatos de que o delito teria ocorrido em momento em que os dois militares encontravam-se à paisana (trajes civis), em frente à casa da vítima, não se justificando, assim, o entendimento de que a justiça militar seria competente para a persecução penal.Dessa forma, a relatora votou no sentido de conceder a ordem, para cassar o acórdão proferido pelo STM e julgar extinto o processo penal militar contra o soldado, em curso na 9ª Circunscrição Militar de MS. Ela foi acompanhada pelos demais ministros presentes à sessão. Fonte: STF (22/05/2007). Grifo nosso.
“SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - 27/03/2007 PRIMEIRA TURMA - HABEAS CORPUS 90.729-6 SÃO PAULO - RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE - EMENTA: Habeas corpus. Crime de roubo em concurso com o de abandono de posto, praticado por militar, em horário de serviço e com arma da corporação, mas que, tendo antes abandonado o posto, não se encontrava no exercício de atividade militar: incompetência da Justiça Militar para conhecer do crime de roubo,uma vez revogado o art. 9º, II, f. CPM (L. 9299/96) Deferimento da ordem, para, mantida a condenação por abandono de posto (C. Pen. Militar, art. 195), cassar o acórdão impugnado no ponto em que condenou o Paciente por infração do art. 242, § 2º, do C. Pen. Militar e determinar o retorno dos autos do Proc. 491/2003 à 1ª Vara Criminal de Caçapava/SP, competente para processar e julgar a acusação de roubo.” Vejamos este trecho do voto: “(...) O pleito do Parquet Militar encontra respaldo na jurisprudência desse Pretório Excelso, como se observa nos seguintes julgados: “EMENTA: HABEAS CORPUS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM PARA PROCESSAR E JULGAR MILITARES. ART. 124 DA CONSTITUIÇÃO REPUBLICANA. NÃO INCIDÊNCIA. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS INDEFERIDO. Na linha da jurisprudência desta Corte, a condição de militar ou o fato de estar a serviço quando da prática do crime não são suficientes para caracterizar a ocorrência de crime militar e, assim, atrair a competência da Justiça Castrense. Na espécie, a infração foi praticada fora da instituição militar, em via pública, por motivos pessoais, consoante destacaram as instâncias anteriores, não se vislumbrando qualquer agressão aos valores da Instituição Militar. Ordem denegada” - grifo nosso (HC n.º 84.915/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, DJ 02.02.2007). “EMENTA: HABEAS CORPUS. Estupro E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. MILITAR EM SERVIÇO. ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. IMPROCEDÊNCIA. Estupro e atentado violento ao pudor praticados por militar. Sentença condenatória prolatada pela Justiça Comum. Alegação de incompetência, sob o argumento de que o paciente, no dia e hora dos fatos, fazia o patrulhamento motorizado. Improcedência: não demonstrado, de forma incontestável, que ele estava em situação de serviço quando da prática dos crimes, descabe declarar, em habeas corpus, a incompetência da Justiça Comum. A alegada circunstância de que estava em seu horário de expediente não é suficiente, por si só, para declarar a competência da Justiça Militar. Ordem denegada” - grifos nossos (HC n.º 86.501/SP, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJ 24.02.2006). 8. Assim, resta concluir pela incompetência da Justiça Militar para conhecer do crime de roubo, uma vez que o simples fato do paciente estar em horário de serviço, quando da prática do citado delito, não significa que estava exercendo atividade militar. Aliás, conforme se infere dos autos, de fato, não estava.” Correto o parecer, cujos fundamentos adoto como razão de decidir. No caso, quando muito se poderia cogitar da competência da Justiça Militar pela circunstância de o crime ter sido praticado com a utilização de armamento de propriedade militar. Dispunha, com efeito, o art. 9º, II, f, do C.Pen.Militar, verbis: “Art. 9º. Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: (...) II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados: (...) f) por militar em situação de atividade ou assemelhado que, embora não estando em serviço, use armamento de propriedade militar ou qualquer material bélico, sob guarda, fiscalização ou administração militar, para a prática de ato ilegal; (...)”. Esse dispositivo, contudo, foi revogado pela L. 9.299/96. Esse o quadro, defiro a ordem para, mantida a condenação por abandono de posto (C.Pen.Militar, art. 195), cassar o acórdão impugnado no ponto em que condenou o Paciente por infração do art. 242, §2º, do C.Pen.Militar. Em conseqüência, determino o retorno dos autos do Proc. 491/2003 à 1ª Vara Criminal de Caçapava/SP, competente para processar e julgar o caso. É o meu voto.”
“SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - 28/11/2006 SEGUNDA TURMA - HABEAS CORPUS 87.869-5 CEARÁ - RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO - EMENTA: AÇÃO PENAL. Duplicidade de processos sobre o mesmo fato. Feitos simultâneos perante a Justiça Militar e a Justiça Estadual. Extinção da punibilidade decretada nesta. Trânsito em julgado da sentença. Coisa julgada material. Incompetência absoluta do juízo comum. Irrelevância superveniente. Falta, ademais, de coexistência dos requisitos previstos no art. 9º do CPM. Extinção da ação penal em curso perante a Justiça Militar. HC deferido para esse fim. Precedentes. Se, no juízo comum, que seria absolutamente incompetente, foi, com coisa julgada material, decretada a extinção da punibilidade pelo mesmo fato objeto de ação penal perante a Justiça Militar, deve a outra ação ser extinta, sobretudo quando não coexistam os requisitos capitulados no art. 9º do Código Penal Militar.” Veja-se este trecho do voto: “(...) Conforme consignei ao conceder medida liminar, a decisão que declarou extinta a punibilidade em favor de Sebastião da Conceição Andrade, ora paciente, ainda que emanada de juiz absolutamente incompetente, é susceptível de trânsito em julgado. É que todos os vícios processuais, inclusive o de incompetência absoluta, que fere de nulidade o processo, se tornam irrelevantes depois do trânsito em julgado da sentença, exceto apenas o de falta de citação inicial, que é vício perpétuo. Além do mais, a mera condição de militar do paciente não tem força, por si só, para deslocar a competência da Justiça Comum Estadual para a Justiça Militar da União, sem que estejam presentes todos os requisitos capitulados no art. 9º do Código Penal Militar. Nesse sentido, aliás, a segunda Turma desta Corte, no julgamento do HC nº 83.003 (Rel. Min. CELSO DE MELLO) decidiu: “A Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de sargento do exército denunciado pelo Ministério Público Militar da União pela suposta prática dos crimes de lesões corporais leves, resistência e desacato, tipificados no Código Penal Militar, em conseqüência de agressões causadas a soldados da brigada militar, chamados a determinado bar para resolver discussão verbal envolvendo clientes do referido estabelecimento comercial e o paciente, que ali se encontrava fora de sua atividade funcional, em momento de folga. No caso, ao acolher recurso interposto pelo Ministério Público Militar, o STM reformara decisão de juíza auditora que declinara da competência, ao fundamento de que não haveria crime militar, já que o paciente não estava em situação de serviço, não usara arma da corporação e o delito ocorrera fora de estabelecimento militar. Nesse ínterim, fora instaurado, pela justiça gaúcha, processo penal no qual homologada transação penal, já transitada em julgado, proposta pelo Ministério Público estadual. Entendeu-se que a justiça militar da União seria incompetente para processar e julgar os referidos crimes, haja vista que cometidos fora das circunstâncias de tempo e de lugar referidas no art. 9º do CPM. Asseverou-se que, para a incidência do art. 124 da CF (“À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei”), não basta a condição de militar do agente, sendo necessário o concurso de outras circunstâncias, todas inocorrentes na espécie. Ressaltou-se, também, o aspecto do duplo risco a que o paciente estaria submetido, tendo em conta que a justiça estadual, efetivamente competente, já homologara transação proposta pelo parquet estadual. HC concedido para invalidar o acórdão proferido pelo STM e determinar a imediata extinção do processo penal militar em tramitação contra o paciente” (Cf.: Informativo STF nº 397).”