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Colisão de princípios constitucionais na atividade administrativa - A proporcionalidade e a razoabilidade como instrumentos de preservação do interesse público

16/12/2014 às 07:20
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A medida adotada quando da colisão dos princípios deverá ser a mais apropriada para atingir o fim perseguido pela sociedade, tanto no que diz respeito à consagração de um princípio quanto à restrição de outro.

Tendo em vista a unidade da Constituição Federal e dos sistemas normativos orbitais, o intérprete deve buscar harmonizar os conflitos jurídicos decorrentes das relações sobrepostas no seio administrativo do Estado. A existência de interesses contrapostos, tanto na Constituição quanto nos sistemas legais específicos, conduz à necessidade de ponderá-los, harmonizá-los e compatibilizá-los, por mais contrários que possam se apresentar.

Nos casos em que se exige uma tomada de decisão administrativa e que haja a contraposição de interesses, a escolha deve ser baseada não só nos dispositivos legais devidamente positivados, mas nos princípios atinentes à eficiência, à economicidade, à razoabilidade, à proporcionalidade, à finalidade e ao interesse público.

Considerando que a Administração só pode fazer aquilo que está previsto em lei, a solução tem se tornado cada vez mais delicada e distante de uma unanimidade doutrinária e jurisprudencial. No entanto, ao ponderar o princípio da legalidade em face aos demais princípios norteadores da atividade administrativa previstos constitucionalmente e legalmente, o Administrador Público pode inferir soluções razoáveis e proporcionais para a finalidade a qual a sociedade legitimou a sua atuação estatal.

Como consequência de tal discussão é que tem ocorrido a ascendência da teoria da proporcionalidade ou da razoabilidade, objetivando evitar a aplicação muito rígida do princípio da legalidade previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal, quando a necessidade se justificar pela proteção de valor maior, também garantido constitucionalmente, no caso a eficiência e o bom uso dos recursos públicos.

O princípio da proporcionalidade é abordado por Sarmento (apud MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, William, 2002, p. 20-22), nos seguintes termos:

 O princípio em questão impõe que as normas sejam adequadas para os fins a que se destinam, sejam o meio mais brando para a consecução destes fins e gerem benefícios superiores aos ônus que acarretam (trinômio: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito).

A ponderação de interesses tem de ser efetivada à luz das circunstâncias concretas do caso. Deve-se primeiramente, interpretar os princípios em jogo, para verificar se há realmente colisão entre eles. Verificada a colisão, devem ser impostas restrições recíprocas aos bens jurídicos protegidos por cada princípio, de modo que cada um só sofra as limitações indispensáveis à salvaguarda do outro. [...] Nestas compressões, deve ser utilizado como parâmetro o princípio da proporcionalidade, em sua tríplice dimensão.

O método da ponderação, embora conceda ao juiz certa margem de discricionariedade, não é puramente subjetivo ou irracional. Existem pautas substantivas que podem ser utilizadas para a aferição da legitimidade de cada decisão, tais como o princípio da proporcionalidade e a comparação do resultado da ponderação com a axiologia perfilhada na Lei Maior.

Para Humberto Bergmann Ávila (1999, p. 27-54), a proporcionalidade não é um princípio. Ele a define como:

Um postulado normativo aplicativo decorrente da estrutura principal das normas e da atributividade do Direito e dependente do conflito de bens jurídicos materiais e do poder estruturador da relação meio-fim, cuja função é estabelecer uma medida entre bens jurídicos concretamente correlacionados.

Em sendo a proporcionalidade resultante da estrutura de três elementos, a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito, o autor buscou justificar cada um dos elementos. Para ele, a medida será adequada se o meio escolhido patrocinar o resultado almejado; será necessária se, dentre outras medidas disponíveis e eficazes, for ela a que menos gravame oferecer em relação aos direitos envolvidos; e finalmente será proporcional ou correspondente se, quanto ao fim perseguido, não restringir demasiadamente os direitos envolvidos.

Para o alcance do resultado almejado pela a Administração, qual seja, aquele alicerçado nos anseios sociais, esta deve adotar a postura de uma Administração eficiente, eficaz e efetiva, que prima por fazer o melhor uso do dinheiro público, preponderando a economicidade em face aos gastos procedimentais morosos e dispendiosos. Essa é, sem dúvida, a medida razoável e aceitável que melhor atende aos direitos envolvidos e à finalidade que o Estado visa alcançar.

Corrobora a tese acima, o entendimento de Humberto Bergmann Ávila (1999, p. 50): “Enquanto a proporcionalidade consiste numa estrutura formal de relação meio-fim, a razoabilidade traduz uma condição material para a aplicação individual da justiça”.

Esse fenômeno, tecnicamente designado pela doutrina por colisão de princípio, é o choque entre os princípios protegidos constitucional e legalmente. Tal acontecimento decorre da natureza dos princípios serem heterogêneas, com conteúdo muitas vezes aberto e variável, apenas revelado no caso concreto e nas relações dos direitos entre si ou nas relações destes com os outros valores legais ou constitucionais.

Importante destacar que, para a resolução dos conflitos advindos da colisão de princípios, as regras harmonizadoras utilizadas pelo intérprete, no caso o Administrador, deve ser com base na prevalência da finalidade que a sociedade almeja, ou seja, a que melhor qualifique e resguarde o interesse público.

Sobre o assunto, Magalhães Filho (2009, p. 91-92) dispõe:

Antes de tudo, convém observar que entre normas principiológicas não há antinomia. A colisão entre direitos fundamentais num caso concreto, por exemplo, não é solucionada pela exclusão de um em proveito do outro, mas, sim, pela ponderação axiológica, harmonização prática ou solução de compromisso. A despeito de haver contrariedade entre os princípios, eles não se contradizem. A contradição não admite meio termo (ex. quente e não quente), daí porque é necessária a exclusão de um polo quando se reconhece o outro, em respeito ao princípio lógico da não contradição („uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto?). A contrariedade admite meio termo (ex.: quente e frio), razão pela qual se pode encontrar uma solução dialética para ela (morno para o exemplo dado).

Os princípios não podem entrar em contradição porque não qualificam juridicamente uma conduta como lícita ou ilícita, mas apenas consagram um valor. A qualificação de uma conduta pelos princípios só acontecerá no caso concreto, e como resultado de uma ponderação entre eles.

Estabelecer uma prevalência, sobretudo quando está em jogo a dúvida acerca da legalidade do procedimento não é tarefa fácil. Mas ainda assim há de o Administrador fazer o esforço de avaliar e harmonizar os princípios mesmo na prevalência de um em relação a outro, precedência esta, que só no caso concreto, poderá ser determinada.

Há que se ressaltar que os princípios constitucionais não estabelecem nenhum tipo de hierarquia entre eles, razão pela qual a colisão não pode ser resolvida pela supressão de um princípio em favor do outro. Esta será solucionada considerando-se o peso ou a importância relativa de cada princípio, a fim de se escolher qual deles, no caso concreto, predominará ou sofrerá menos compressão.

Não haverá, portanto, o rompimento com o princípio da legalidade no caso, mas sim, uma ponderação dos princípios envolvidos, visando decidir a colisão através do sacrifício mínimo da finalidade e interesse públicos. Esta tarefa constitui um desafio pelo qual não se deve estabelecer um critério único a ser utilizado em todas as hipóteses; cada caso deverá ser avaliado detidamente.

O intuito, portanto, da ponderação dos princípios em conflito é o de relativizá-los sem, contudo, comprimi-los definitivamente. Nesse sentido, Edilsom Pereira de Farias (2000, p. 122), discorre sobre a solução da colisão:

Verificada, no entanto, a existência de uma autêntica colisão de direitos fundamentais cabe ao intérprete-aplicador realizar a ponderação dos bens envolvidos, visando resolver a colisão através do sacrifício mínimo dos direitos em jogo. Nessa tarefa, pode guiar-se pelos princípios da unidade da Constituição, da concordância prática e da proporcionalidade, dentre outros, fornecidos pela doutrina.

O princípio da unidade da Constituição pressupõe a compreensão do texto constitucional como um todo, um sistema que deve necessariamente compatibilizar os preceitos divergentes. Já de acordo com o princípio da concordância prática, os direitos fundamentais devem ser harmonizados por meio de juízo de ponderação que vise resguardar e concretizar ao máximo os direitos e bens constitucionalmente tutelados.

Nos casos concretos, os princípios assumem, dentro do texto constitucional, posições díspares e conflitantes. Assim, cabe ao intérprete administrativista decidi-los, sem, contudo, afirmar a preponderância, em tese, e, portanto, absoluta de um princípio sobre o outro. Haverá, sim, um dever de ponderação e não de revogação.

Numa análise mais ampla da Constituição, ou até mesmo em maior projeção, lançando-se ao campo do ordenamento jurídico ordinário, tem-se que o princípio da legalidade deve ser legitimado pelos demais princípios previstos no art. 37, caput, da Carta Magna e no art. 2º da Lei nº 9.784/1999.

Ressalte-se que tudo o que foi dito até aqui não tem o escopo de admitir a mitigação do princípio da legalidade, mas a sua convivência harmônica em face da possibilidade de atendimento ou tutela de um bem maior, qual seja o interesse público.

Não resta dúvida sobre a extrema complexidade do tema. Assim, somente no plano constitucional é que pode auferir uma solução momentânea, isso porque a matéria requer o aval do legislador originário, que talvez possa ser alcançado com a aprovação do Projeto de Lei nº 32/07, em tramitação no Congresso Nacional.

O que se busca é decidir a questão através da ponderação entre os princípios de maior expressão constitucional para o tema: o princípio da legalidade, do resguardo ao interesse público, da eficiência administrativa e da economicidade. Para tanto, o meio mais apropriado para a solução da colisão dos referidos princípios, é o princípio da proporcionalidade, por ser este considerado o axioma do Direito Constitucional.

A lei, per se, não pode ser objeto de restrição ou compressão total dos demais princípios, mormente os constitucionais. As restrições que lhes sejam produzidas devem ser proporcionais e só se justificam pelo resguardo ao interesse público e ao atendimento do critério da razoabilidade. O princípio da proporcionalidade busca legitimar os objetivos ou fins perseguidos pelo legislador para o atendimento do espírito público que sustenta o ordenamento jurídico, no caso, o ordenamento jurídico administrativo.

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Desse modo, para que o Administrador possa harmonizar os princípios em choque haverá a necessidade de buscar a aplicação do princípio da proporcionalidade voltado para a finalidade da legislação de regência da matéria. A decisão adotada pelo Administrador deverá perpassar a análise do arcabouço jurídico e principiológico, oportunizando o alcance da finalidade perseguida pelo interesse público.

A medida adotada quando da colisão dos princípios deverá ser a mais apropriada para atingir o fim perseguido pela sociedade, tanto no que diz respeito à consagração de um princípio quanto à restrição de outro. Deve-se ter a certeza de que o ato, além de legal, passou pelo crivo da ponderação dos princípios constitucionais/administrativos. Essa conduta traz confiança aos administrados da boa e regular conduta do gestor na aplicação dos recursos públicos.

É extremamente importante registrar que não se trata de afastar o poder normativo ou desviar-se desse no sentido de justificar um procedimento pela observância de um ou outro princípio de forma isolada. A observância do princípio da legalidade é necessária, uma vez que foi constituído visceralmente a partir dos ditames e princípios constitucionais para dar transparência, credibilidade e confiança aos Administrados. Todavia, a harmonização com os demais princípios que norteiam a atividade administrativa é imprescindível, uma vez que só por meio dela se estará garantindo a estabilização dos procedimentos conduzidos pelos dos administradores públicos.

Para que o ato administrativo se aperfeiçoe e tenha a chancela social de cumprimento dos ditames públicos a que o Administrador está vinculado, há necessariamente a necessidade de comprovação do cumprimento da lei, entretanto, não basta ao Administrador agir somente dentro da legalidade. Sua conduta deve ser compatível com a finalidade e o interesse público, indissociavelmente.

Dessa forma, há que se considerar que o princípio da legalidade não pode estar dissociado dos demais princípios, de onde se conclui que um princípio não subsiste sem os outros.

Em resumo, deve-se analisar cada princípio em questão, de forma globalizada, ou seja, associar a cada um deles todos os demais princípios constitucionais, utilizando a proporcionalidade e a razoabilidade, com o intuito de dimensioná-los como valor a ser atribuído à situação concreta. Nesse sentido sobressai-se na Constituição os direitos que envolvem a preservação do interesse público, posto que é notório o seu empenho para garantir a melhor atuação estatal para a sociedade.


Referências bibliográficas:

ÁVILA, Humberto Bergmann. A Distinção entre Princípios e Regras e a Redefinição do Dever de Proporcionalidade, Revista da Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, Porto Alegre, Síntese, nº 1, Coleção Acadêmica 9, 1999. p. 27-54.

BATISTA, Danniel Gualberto Peres. O Princípio da Legalidade na Administração Pública à luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Conteúdo Jurídico. 2012. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.38013&seo=1>. Acesso em: 9 mar. 2014, 18:30.

BRASIL. Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. 2014.

FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos – A honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2000. 186 p. 

HOUAISS, Antônio. Dicionário da Língua Portuguesa. Edição eletrônica, CD-ROM, 2005.

JUSTEN Filho, Marçal. O princípio da moralidade pública e o direito tributário. In: Revista de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 1995. p. 67-70.

MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica Jurídica Clássica. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009. 105 p.

MOTTA Sylvio; DOUGLAS, William. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Impetus, 2002. 998 p.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 2013. 928 p.

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Sobre o autor
Raquel Veloso da Silva

Bacharel em Direito, pós-graduada em Direito Público.<br>Bacharel em Administração de Empresas.<br>Procuradora Federal desde 2008.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Raquel Veloso. Colisão de princípios constitucionais na atividade administrativa - A proporcionalidade e a razoabilidade como instrumentos de preservação do interesse público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4185, 16 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34684. Acesso em: 22 nov. 2024.

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