1. Brasil
1.1. Inflação e taxa de juros
Na situação econômica atual, a inflação, caracterizada, no caso brasileiro, como a elevação generalizada de preços livres e administrados, apresenta sinais de persistência. Para 2016, mesmo que se confirme a desaceleração econômica atual e futura, o que, em tese, diminuiria a pressão sobre a alta dos preços, ela deve permanecer acima do centro da meta estipulada (4,5% a.a.), porém com tendência de arrefecimento.
As causas dessa persistência são diversas, ainda que de intensidade diferente. Aspectos inerciais, progressiva escassez de fatores de produção em determinadas áreas e manutenção de políticas expansionistas por parte do governo federal, concomitantemente, induzem a alta generalizada dos preços livres, o que, por sua vez, ocasiona pressões políticas para correção constante dos preços administrados.
O componente inercial, em que a inflação de períodos anteriores provoca a elevação de preços correntes e afeta a expectativa de preços futuros, decorre da própria incapacidade do governo em induzir a convergência dos preços para o centro da meta de inflação. Na perspectiva dos agentes econômicos, essa falha pode indicar preocupante ausência de comprometimento público com o regime de metas. O componente inercial perderia força apenas se houvesse reversão das expectativas inflacionárias, o que ocorreria se verificados viés de baixa dos preços em pesquisas sucessivas e disposição política de maior austeridade econômica.
No que concerne ao aumento dos custos de produção, causado pela pressão no mercado de fatores (especificamente no mercado de trabalho), identifica-se a impossibilidade de sua alteração no curto prazo, uma vez que a economia aproxima-se de sua taxa natural de desemprego. A alteração desta, por sua vez, dependeria de reformas estruturais (como, por exemplo, alteração das leis trabalhistas), dependentes de elevado consenso político e, principalmente, de revisão de propostas políticas tradicionalmente defendidas pelo governo.
A política fiscal expansionista do governo federal, caracterizada pelo contínuo incremento dos gastos públicos (gastos correntes e investimentos), é o componente principal e mais flexível para contenção inflacionária. Apesar da inalterabilidade de grande parte das despesas na ausência de profundas reformas legais (constitucionais, inclusive), o governo poderia, em seu espaço de atuação disponível, reduzir gastos com folhas de pagamento (dispensando pessoal ocupante de cargos em comissão), aumentar arrecadação, mediante aumento de alíquotas tributárias que independem de autorização congressual, e delegar parte dos investimentos inadiáveis aos agentes privados.
Em vista dessa situação, para 2015, o governo federal tem indicado disposição de fazer uso conjunto da política monetária e fiscal no combate à inflação[1]. Em razão disso, e considerando a impossibilidade de mudança, no curto prazo, no mercado de trabalho, antecipa-se que os instrumentos de curto prazo usados pelo governo serão: aumento da taxa básica de juros e corte de gastos. Ao lado dessa política econômica contracionista, é relevante a confirmação da troca de membros centrais da equipe econômica do governo, com a finalidade de, por meio da inversão de expectativas, diminuir a força do componente inercial da inflação e, por consequência, afetar positivamente a confiança dos agentes econômicos.
1.2. Crescimento econômico
O crescimento econômico do país, no ano de 2015, deve permanecer baixo, ainda que moderadamente mais elevado do que no ano anterior. Baseado nos componentes do produto interno bruto (consumo, investimento, gastos do governo e saldo líquido do comércio exterior), nota-se que o cenário não é favorável à forte expansão de nenhum deles. A necessidade premente de contenção inflacionária, o crescimento apenas moderado do consumo das famílias (resultante do alto endividamento e da estabilidade dos salários reais, parcialmente prejudicados pela alta da inflação), a lenta recuperação das principais economias desenvolvidas e a desaceleração dos países emergentes determinam as perspectivas para o baixo crescimento da economia brasileira.
O consumo, que foi importante força motriz do crescimento nacional nos últimos anos, apresenta indício duradouro de desaceleração[2], ainda que permaneça positivo. Como a expansão desse componente do PIB foi, em grande medida, resultante de ganhos reais de salário e de expansão do crédito, as tendências inflacionárias, acompanhadas da manutenção de taxas de juros elevadas, são prejudiciais ao prosseguimento de sua trajetória de alta, pois, respectivamente, diminuem o poder de compra das famílias (imposto inflacionário) e encarecem a tomada de empréstimos. A aproximação da economia de seu nível de pleno emprego, por sua vez, além de inflacionar os preços, ocasiona ingresso menor de mão de obra no mercado de trabalho e, consequentemente, diminui a força positiva dessa variável sobre a produção agregada.
Os investimentos dependem diretamente da taxa de juros e das expectativas dos agentes econômicos. Dada a situação inflacionária, e considerando o compromisso mínimo do BACEN de estabilidade dos preços, existe tendência de alta dos juros e, por conseguinte, de imobilidade ou de aumento apenas moderado nos investimentos. Como os juros elevados encarecem os custos implícitos dos investimentos, os agentes suspendem ou cancelam seus planos de expansão até oportunidade mais propícia. Por causa da desaceleração do consumo, igualmente, as expectativas dos empresários tornam-se desfavoráveis à materialização de novos investimentos produtivos.
Por fim, a recuperação da economia mundial (inclusive dos principais parceiros comerciais do Brasil) deve continuar bastante lenta. Por isso, vislumbra-se que, no curto prazo, as exportações brasileiras não serão força determinante do crescimento, como ocorrera em passado recente, em virtude da alta no preço das commodities, decorrente da forte demanda por bens primários da economia chinesa.
2. Cenário internacional
De maneira resumida, o cenário internacional afeta a economia brasileira (PIB) em duas áreas principais: comércio exterior e investimentos (diretos e de portfólio). Ao lado disso, a política econômica dos Estados Unidos deve ser especialmente destacada, pois, em vista da posição dominante do país no sistema monetário internacional, ela causa efeitos globais, sejam eles diretos, por meio de flutuações no mercado de divisas, ou indiretos, mediante amplificação ou abrandamento da eficácia das políticas econômicas domésticas.
A evolução do comércio exterior do Brasil, como mencionado acima, está estreitamente relacionada à dinâmica da economia internacional, com destaque para China, Estados Unidos, União Europeia e Mercosul[3], principais receptores das exportações brasileiras. No curto prazo, não se antevê mudança no cenário de recuperação gradual das economias desenvolvidas e de desaceleração suave da economia chinesa. O Mercosul, que apresenta importância qualitativa para exportações brasileiras, tem sua relevância condicionada à solução de entraves institucionais (eliminação de exceções à área de livre comércio e à tarifa externa comum, por exemplo) e à solução de problemas políticos freqüentes, que prejudicam especialmente a exportação de produtos industrializados brasileiros.
Os investimentos estrangeiros, por sua vez, apresentam dinâmica própria, ainda que correlacionados à situação das economias do país receptor e do país emissor. O fluxo de investimentos estrangeiros diretos (IED) permaneceu elevado em 2014[4], em patamar a acima de 60 bilhões, mesmo diante da queda expressiva dos fluxos para os outros dois maiores países da região latino-americana (México e Argentina). Esse volume, que se repete há três anos, parece ter consolidado o país como principal receptor de IED da América Latina e um dos dez maiores do mundo. Nesse caso, portanto, a tendência é de continuidade dos ingressos em 2015.
A crise de 2008, que começou no mercado imobiliário e se espalhou por todo sistema financeiro e produtivo mundial, ensejou a adoção de medidas anticíclicas pelo governo dos EUA. A política econômica expansionista estadunidense caracterizou-se pela redução de taxas de juros, pela criação de pacotes de estímulo fiscal e pela ajuda direta às instituições financeiras insolventes. Um dos resultados dessas medidas de expansão da demanda agregada dos EUA foi o aumento da oferta de dólares no mercado internacional de divisas.
Como a economia norte-americana apresenta indícios de recuperação (evidenciada, por exemplo, na diminuição da taxa de desemprego), e em vista do avanço político do partido republicano (contrários à política intervencionista de Barack Obama), a tendência é que o governo dos EUA, em algum momento, opte pela inversão da política econômica, aumentando a taxa de juros e o corte nos gastos públicos. Essa nova situação acarretaria - no curto e no médio prazo - dois impactos sobre a economia brasileira: primeiramente, causaria pressão sobre câmbio (desvalorização do real diante do dólar), com possíveis reflexos altistas sobre a inflação; e, em um segundo momento, induziria o aumento natural das exportações brasileiras direcionadas aos EUA.
3. Perspectiva para os investimentos privados em serviços públicos (concessões e PPPs)
Em razão de aspectos internos e externos, o Brasil, portanto, enfrenta o duplo problema do baixo crescimento econômico e da persistência de taxas de inflação elevadas. No equacionamento dessa situação, não são recomendadas apenas medidas monetárias e fiscais de curto prazo, que somente estimulam a expansão da demanda agregada, pois isso agravaria o problema inflacionário. A economia, diferentemente, deve crescer com base no aumento da oferta agregada. Uma das formas de expansão endógena desta, sem necessitar de incorporação de mão de obra adicional, é o incremento da eficiência produtiva. Para este fim, a melhora da infraestrutura do país, mediante colaboração com a iniciativa privada, é essencial.
Esse diagnóstico provavelmente será usado como base para políticas de indução de investimento nos próximos anos, a despeito de posições ideológicas do governo. As áreas prioritárias de logística que demandam, com urgência, maior participação das empresas privadas são aquelas diretamente relacionas aos sistemas de transportes do país: rodovias federais, sistema ferroviário, áreas de terminais portuários e aeroportos[5]. Além de modernização e de ampliação, os sistemas carecem de pontos nodais integrativos, a fim de criar um conjunto de modalidades de transporte encadeado e eficiente.
O programa de concessões adotado em 2012, que indica percepção adequada das necessidades do setor produtivo, apresentou resultado moderado e desigual: enquanto as concessões de rodovias e de aeroportos foram relativamente exitosas, as do sistema ferroviário e portuário apresentaram muitas falhas. Os principais problemas identificados decorreram de erros de pré-execução (vício de contrato ou de projeto) ou de falta de atratividade para iniciativa privada (como no caso das ferrovias). Nos próximos anos, a aquisição de experiência pela administração pública e o empenho em desburocratizar a contratação com o setor privado[6] podem tornar mais eficiente à política de concessões, acelerando a seleção da empresa concessionária e diminuindo as paralisações determinadas pelo Tribunal de Contas da União.
A falta de atratividade das concessões, por sua vez, decorrente dos elevados riscos de alguns empreendimentos e do cenário macroeconômico desfavorável, deve ser revertida por meio de sinais claros de estabilização dos preços e mediante oferecimento de maiores garantias de rentabilidade à empresa concessionária. Ambas as medidas, aparentemente, estão sendo gestadas no âmbito federal. Enquanto a primeira é evidenciada nas demonstrações de alteração na política econômica, a segunda pode ser solucionada pelas anunciadas ações de compartilhamento de risco entre setor público e setor privado (parcerias público-privadas e participação de fundo estatal garantidor).
Mesmo diante de cenário macroeconômico problemático, portanto, o prognóstico é de aprofundamento da participação do setor privado no oferecimento de serviços públicos. Em razão dos limites das contas públicas e da concentração de esforços do governo no combate à inflação, o auxílio do setor privado, por meio de investimentos em setores estratégicos, parece ser essencial na retomada do crescimento baseado em expansão da oferta agregada. Os dois principais instrumentos de atração de empresas para atuação em área fundamentais da economia, a concessão e as PPPs, tendem a ser, por sua vez, usados com maior freqüência e de maneira mais eficiente e atrativa para o particular. Esse processo, na verdade, apesar da sensação de mal-estar diante de potencial estagflação, vem sendo mantido desde meados de 2012, e a tendência é de continuidade.
Notas
[1] Idem nota 1, reforçado por http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/dilma-reconhece-problema-da-inflacao-e-promete-cortar-gastos-diz-jornal
[2] Ver dados do IBGE para os cinco últimos trimestres: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/pib/pib-vol-val_201402_2.shtm
[3] http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=5&menu=576
[4] Conforme dados da Comissão Econômica para Países da América Latina e Caribe (CEPAL), ógão da ONU: http://www.onu.org.br/investimento-estrangeiro-direto-no-brasil-aumentou-8-entre-janeiro-e-agosto-de-2014-afirma-cepal/
[5] Ver Programa de Investimentos em Logística (http://www.logisticabrasil.gov.br/)
[6] Como exemplo, pode-se citar o projeto de novo marco regulatório para licitações e para contratos administrativos, em substituição à Lei 8666/93 de outras leis posteriores. (ver http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2013/12/12/comissao-aprova-nova-lei-de-licitacoes)