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O crime de dano e a pichação de estátua

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27/01/2015 às 13:17
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Incide o artigo 163 do Código Penal com relação às chamadas pichações de estátuas e monumentos?

I – DANO E CRIMES CONTRA O ORDENAMENTO URBANO E O PATRIMÔNIO CULTURAL

O artigo 163 do Código Penal preceitua: ¨Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia.¨, prevendo pena de detenção de um a seis meses ou multa.

As ações típicas alternativamente incriminadas consistem em: a) destruir (arruinar); b) inutilizar (tornar inútil, emprestável); c) deteriorar (estragar, corromper).

No ensinamento de Nelson Hungria[1] , na destruição, a coisa cessa de existir na sua individualidade anterior, ainda mesmo que não desapareça a matéria de que se compõe; na inutilização, a coisa não perde, individualmente, a sua individualidade, mas é reduzida, ainda que temporariamente, à inadequação ao fim a que se destina; com a deterioração, a coisa sofre um estrago substancial, mas sem desintegrar-se totalmente, ficando apenas diminuída na sua utilidade ou desfalcada em seu valor econômico.

Só existe crime de dano quando o fato constituir fim em si mesmo; desde que é meio para o outro crime, perde a sua autonomia e passa a ser elemento de crime complexo ou progresivo (RT 547/403).

Mas não haverá crime de dano se não há lesão significativa ao bem jurídico alheio, devendo ser excluída a tipicidade penal pela aplicação do princípio da insignificância.

Por sua vez, o parágrafo único do artigo 163 estabelece tipo qualificado, se o crime é cometido:

  1. com violência a pessoa ou grave ameaça;
  2. com emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não constitui crime mais grave;
  3. contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista;
  4. por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima.

O Anteprojeto do Código Penal, por sua vez, qualifica o crime da seguinte forma, se o crime é cometido: 

  1. com grave ameaça ou violência a pessoa;
  2. com emprego de substância inflamável ou explosiva, ou de que resulte perigo comum, não constituindo o fato crime mais grave;
  3. contra o patrimônio da União, Estados, Municípios, Distrito Federal, autarquia, fundação instituída pelo Poder Público, sociedade de economia mista, empresa pública ou concessionária de serviços públicos; ou 
  4. contra coisa tombada pela autoridade competente ou de valor artístico, cultural, arqueológico ou histórico.

Há previsão de pena de detenção de pena de três meses a três anos, além da pena correspondente à violência. No Anteprojeto, a pena passa  de seis meses a três anos, de prisão, e mais a sanção correspondente à violência, inciso I.

Objeto específico da tutela penal, em relação ao crime de dano, é o interesse público consubstanciado na inviolabilidade do patrimônio mobiliário ou imobiliário, que é ofendido por fato que suprime ou diminui a utilização ou o preço da coisa alheia.

Objeto jurídico do crime é a propriedade ou a posse, pois o adjeto alheia, inserido no artigo 163, tanto significa a coisa que é de propriedade de outrem, como a que se acha na posse de terceiro, não obstando que o possuidor possa praticar o crime de dano, seja lesando o direito de propriedade de terceiro, ou seja a posse indireta que a vítima conserva sobre a coisa, ao contrário do que se dá no furto.

Sujeito ativo é quem destrói, inutiliza ou deteriora a coisa alheia. Pode, de forma excepcional, o dono ou proprietário ser sujeito ativo do crime[2], quando sua danificação lesar a posse de outrem, não obstante o bem lhe pertencer. Tal é a afirmação de Magalhães Noronha[3], que, no entanto, é contestada por Nelson Hungria[4], que pondera, já que o dispositivo constante do artigo 163 do Código Penal se refere a coisa alheia, que, no caso, ocorrerá o crime previsto no artigo 346. Por sua vez,  comete o crime de dano o condômino que danifica a coisa comum, salvo se fungível e o prejuízo não exceder o valor da parte a que tem direito (RT 543/433).

Sujeito passivo é o dono ou proprietário do objeto danificado. Para Heleno Cláudio Fragoso[5], eventualmente, também o possuidor.

O dano pode ser crime comissivo como omissivo, quando se deixa exposta a intempéries uma coisa, bem, que vem a ser danificada.

Atente-se que o núcleo verbal do crime é: destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia.

Destruir é desfazer, desmanchar, demolir, exterminar. Inutilizar é tornar inútil, estéreo, improfícuo. Deteriorar é alterar, adulterar, estragar, arruinar.

O desaparecimento da coisa não se enquadra no núcleo verbal, distanciando-se o tipo penal pátrio daquele que é encontrado no Código Penal argentino quando fala-se: destruir, inutilizar e fazer desaparecer. Correto, nesse passo, Magalhães Noronha[6] ao ensinar que improcede, portanto, dizer o douto Nelson Hungria que a destruição compreende, por força de sua compreensão, o desaparecimento.

Se o objeto material do dano é destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia a res nullius não será objeto do crime. Não assim a coisa perdida.

Da mesma forma, poderá ser objeto do crime a energia elétrica ou qualquer outra de valor econômico como coisa móvel, que podem ser inutilizadas, danificadas.

O Código Penal de 1969 prescrevia: ¨Destruir, inutilizar, deteriorar ou fazer desaparecer coisa alheia¨ (artigo 175).

Por sua vez, o Anteprojeto do Código Penal, em seu artigo 163 reza: ¨Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia¨, com pena de prisão (pois o Anteprojeto não fala em reclusão ou detenção), de seis meses a um ano, ou multa,inserindo o ilícito como crime de menor potencial ofensivo, possibilitando a formulação de proposta de transação penal ou de sursis processual, se for o caso.

Por certo, o crime de dano poderá ser praticado por meios imediatos ou mediatos, seja por força física, empregada de forma direta sobre a coisa ou ainda de ação humana, animal, física, química, etc.

Os meios executivos oferecem o característico de modificar o crime, fazendo com que o fato incida em outra norma, como se vê, por exemplo: Se alguém incendeia a casa de um inimigo, o delito será o previsto no artigo 250, e não dano; se alguém emprega engenho de dinamite, o delito será o fixado no artigo 251 do Código Penal; se para prejudicar alguém, causa inundação, comete delito em ofensa à incolumidade pública (artigo 254 do Código  Penal).

A destruição, supressão ou ocultação de documentos públicos ou particulares, em benefício próprio ou de outrem, ou em prejuízo alheio, são consideradas falsidade documental, tipificada no artigo 305, acontecendo o mesmo com os crimes dos artigos 314 e 356. Com relação ás coisas destinadas ao culto religioso, incide o artigo 208 do Código Penal, pelo vilipêndio, desprezo ao sentimento religioso.

A danificação de sepultura ou urna funerária é crime contra o respeito aos mortos, tipificado no artigo 210 do Código Penal.

Se o dano ocorre com relação aos serviços de estrada de ferro, ocorrendo o perigo concreto de desastre ferroviário, há incidência do artigo 260. Provocando perigo para a segurança dos meios de comunicação e transporte e outros serviços públicos, incidem os crimes capitulados no Capítulo II do Título VIII  do Código Penal.

Mas, volta a pergunta: incide o artigo 163 do Código Penal com relação às chamadas pichações de estátuas e monumentos?

O elemento subjetivo do crime de dano é o dolo genérico, a vontade, a consciência de destruir, inutilizar, deteriorar a coisa alheia.

Trata-se de delito material, pois opera-se a sua consumação, com a destruição, inutilização ou deterioração da coisa alheia.

O dano é crime instantâneo de efeitos permanentes, mas, no caso de omissão, pode ser enquadrado como crime permanente.

Admite-se a tentativa.

Necessário estudar o chamado dano qualificado.

A violência à pessoa ou a grave ameaça  envolve o primeiro caso.

 Tal pode ocorrer para assegurar a execução do delito como durante esta. Mas, poder-se-á se dizer que a violência, em sentido amplo, não irá qualificar o crime, se usada após a consumação. Pode não ser empregada contra o sujeito passivo do dano e a qualificação do mesmo modo se dará, sendo necessária a prova do nexo causal.

Mas, empregada a violência, física, vis corporalis, aplicar-se-ão, cumulativamente, as penas desta e do dano qualificado, incidindo o concurso material.

A violência precisa ser dirigida contra o detentor da coisa, como meta para a prática do dano, não se configurando a qualificadora quando é consequência ou resultado do dano (RTJ 93/999). Assim apenas há emprego da qualificadora quando a violência contra a pessoa tem a finalidade de concretizar o dano (RT 541/379).

Bastam as vias de fato para a caracterização da qualificadora (RT 537/365). A vis corporalis pode, como meio de execução, atingir a própria vítima ou terceiro, sendo punida em concurso material com o dano qualificado.

Qualifica o crime de dano cometido com emprego de substância inflamável ou explosiva usada para cometê-lo.

Substância inflamável é aquela que se caracteriza pela facilidade, rapidez e violência com que se acende e comunica o fogo, como o petróleo, benzina, nafta e outros óleos naturais, álcool, etc. Tudo isso se distingue do combustível, como se lê do artigo 250, § 1º, II, ¨f¨.

Substância explosiva é aquela que atua com maior  ou menor detonação ou estrondo. É o caso da dinamite, do explosivo TNT,magnésio metálico, etc.

Haverá a majoração penal, se o fato não constituir crime mais grave. Ora, aqui se visualiza, com toda a sua inteireza, a subsidiariedade do crime de dano.

Deve-se distinguir, no conflito aparente de normas, o principio da subsidiariedade  dos demais.

Bem explica Júlio Fabbrini Mirabete[7] que pertence ao capítulo da tipicidade o exame do problema do conflito aparente de normas, que ocorre quando a  um mesmo fato supostamente podem ser aplicadas normas diferentes, da mesma ou de diversas leis penais. Dois são os pressupostos:

  1. a unidade do fato;
  2. a pluralidade de normas que identificam o fato criminoso.

Configurado o conflito poderão resolvê-lo os seguintes princípios: o da especialidade; o da subsidiariedade, o da consunção, o da alternatividade.

O princípio da especialidade consiste na derrogação da lei geral pela especial (o infanticídio, norma especial, com relação ao homicídio). Já o princípio da subsidiariedade consiste na anulação da lei subsidiária pela principal. Aplica-se a norma subsidiária que é uma espécie de tipo de reserva, apenas quando inexiste no fato alguns dos elementos do tipo geral. O princípio da consunção consiste na anulação de uma norma que já está contida na outra, de âmbito menor (assim o crime de roubo, inclui o de furto e de lesões corporais ou de ameaça). O princípio da alternatividade determina que o agente só será punido por uma das modalidades inscritas nos chamados crimes de ação múltipla embora possa praticar duas ou mais condutas do mesmo tipo penal (se instigar alguém ao suicídio e, em seguida, auxiliar a vítima na prática do ato, o agente somente responderá por instigação ou auxílio e não pelas duas condutas).

Ora, estando comprovada a existência de perigo para a vida, à integridade física ou ao patrimônio de outrem, configurado estaria um crime de incêndio, pois inexistirá o crime de dano qualificado se do emprego de substância inflamável ou explosiva resultar crime mais grave (artigo 163, parágrafo único, inciso II, do CP).

Necessário, pois, cautela na análise de condutas havidas em movimentos de rebeldia, chamados de protesto,  quando se ateia fogo em carros, imóveis privados e públicos, diante da evidente subsidiariedade do tipo penal de dano.

Se inexistir o perigo na ação do agente em destruir ou danificar a coisa alheia, com emprego de incêndio, há crime de dano qualificado (artigo 163, II, do Código Penal). A destruição pelo fato de coisas determinadas não constitui crime de incêndio, por ser pré-requisito deste a ocorrência de perigo comum (RF 270/322).

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Por sua  vez, no dano qualificado, envolvendo patrimônio público, há circunstância relacionada com a qualidade da coisa, em função do sujeito passivo, pois, como lecionou Júlio Fabbrini Mirabete[8], há interesse público e protegem-se bens de natureza relevante.

A lamentar que no tipo qualificado traçado no artigo 163, parágrafo único, inciso III, não se fala em empresa pública, entidades de personalidade de direito privado, constituídas e gerenciadas com recursos públicos. Tal falha não consta do Anteprojeto do Código Penal. Mas continua a inclusão das empresas que, mediante delegação contratual, se encarreguem da prestação de serviços de utilidade publica e a sociedade de economia mista, pessoa jurídica de direito privado, de cujo capital e administração participam o Poder Público  e particulares, e se encarregam de serviços de interesse público. O dano contra o patrimônio dessas pessoas jurídicas é qualificado.

Estão excluídos da qualificadora os bens particulares alugados pelo poder público (RT 573/377, 530/340) ou utilizados na manutenção de um serviço público (não sendo concessionário o particular) ( (RT 330/476).

Mesmo no caso de pretendida bagatela própria, para reconhecimento de atipicidade de conduta, já se entendeu que a destruição de telefônico público, é crime de dano qualificado e que não se aplica o princípio da insignificância (TJSC, Apelação Criminal 2003.011732-6, decisão de 19 de agosto de 2003).

Da mesma forma, entendeu-se que configura o crime previsto no artigo 163, parágrafo único, inciso III, do CP, a conduta do agente que chuta e quebra o vidro da folha da porta de composição do metrô, patrimônio de concessionária de serviço público, sendo que a noção de prejuízo encontra-se ínsita no próprio ato de chutar, socar, destruir, inutilizar ou deteriorar bem de outrem (TJSP, Apelação nº 1.389.505/9 – São Paulo, 9º Câmara, 12 de maio de 2004).

O inciso III do parágrafo único foi objeto de modificação pela Lei 5.346, de 3 de novembro de 1967, em seu artigo 1º.

A última qualificadora envolve o motivo egoístico e do prejuízo considerável para a vítima. É o motivo antissocial, exercido de forma exacerbada, na satisfação de interesses puramente individuais em detrimento do próximo, da sociedade. O Anteprojeto do Código Penal não prevê tal hipótese.

Já se entendeu que o motivo egoístico deve ter por objetivo futuro proveito econômico ou moral; o prejuízo deve ser considerado em relação á situação econômica da vítima, não  bastando que seja, por si só, vultoso (RT 667/301). Por sua vez, não se vê como egoístico o motivo decorrente do sentimento de vingança (RT 484/321).

Outra qualificadora é o prejuízo (compreendido na destruição, inutilização e deterioração da coisa) considerável para a vitima, que deve ser econômico e avaliado em relação à economia da vítima, sendo que tal prejuízo deve ser verificado à época da execução do crime.

 Inclui o Anteprojeto o dano qualificado como aquele contra coisa tombada pela autoridade competente ou de valor artístico, cultural, arqueológico ou histórico. Tais delitos hoje são tratados nos artigos 165 e 166.

O tombamento, objeto do Decreto-lei  nº 25, de 30 de novembro de 1937, é efetivado por ato meio de ato administrativo, cuja competência é dada ao Poder Executivo. Na esfera da União, caberá ao IPHAN.

O tombamento é limitação administrativa, é ato de restringir um bem que geralmente é público e que possui importância histórica e cultural para toda a sociedade, ontem, hoje e amanhã, protegendo-se o patrimônio histórico e artístico nacional, um verdadeiro direito difuso. Pode incidir sobre bem público ou privado. Mas, explica-se que o dano contra coisa tombada pertencente à União, ao Estado e ao Município é punido na forma do artigo 163, parágrafo único, III.

A ação física do tipo consiste, a teor do artigo 165, em destruir, inutilizar ou deteriorar coisa tombada pela autoridade competente em virtude de seu valor artístico, arqueológico ou histórico. Tal dispositivo encontra-se tacitamente revogado pela Lei 9.605/98, ao tratar de crimes contra o ordenamento e o patrimônio histórico e cultural, em seu artigo 62, quando prescreve o que segue:

 Destruir, inutilizar ou deteriorar:

- bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;

II - arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena é de seis meses a um ano de detenção, sem prejuízo da multa.

Aliás, o objeto material do crime é coisa tombada definitivamente ou provisoriamente.

O artigo 1º do Decreto-lei  nº 25 determina que constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. São bens que interessam a todos, que pertencem a todas as idades, a todos os indivíduos, pelo seu valor artístico ou ainda predicado histórico.

No artigo 21 do Decreto-lei 25/35 estipula-se que os atentados cometidos contra esses bens são equiparados aos praticados contra o patrimônio nacional.

Os bens tombados devem ser inscritos nos livros do tombo, por determinação do artigo 4º do Decreto-lei  nº 25/37.

No crime de dano contra o patrimônio nacional basta o dolo genérico, podendo ainda ser culposo, na forma do parágrafo único do artigo 62 da Lei 9.605/98, quando exercido por meio de imprudência, negligência ou ainda imperícia, no descumprimento de um dever. Como ensinou Aníbal Bruno[9], no crime culposo, há sempre um ato inicial contrário ao dever, uma ação ou omissão praticada pelo agente sem a atenção ou o cuidado, que, nas circunstâncias, as normas de convivência social impunham e que lhe teriam permitido evitar o resultado. Mas é necessário que o resultado seja previsível pelo agente, previsível, mas não previsto (culpa inconsciente), ou, se previsto, crendo o agente que o mesmo não ocorrerá (culpa consciente). Fora da previsibilidade não há culpa.

Assim há no tipo culposo há os seguintes elementos: ato inicial voluntário praticado com imprudência[10], negligência[11] ou imperícia[12] um resultado de dano ou de perigo, definido em lei como crime; ausência da vontade ou mesmo de previsão deste resultado; possibilidade de prevê-lo, que pode assim ser examinado:

  1. é no ato inicial voluntário que se manifesta a conduta contrária ao dever. O agente falta àquela exigência, que se impõe a todos , de atuar com a necessária diligência e precaução nos atos da vida, diligência e precaução por meio das quais ele poderia evitar o fato punível;
  2. é necessário que essa conduta contrária ao dever conduza a um resultado de dano ou de perigo;
  3. o resultado não deve ter sido querido nem previsto pelo agente.

Protege-se o ambiente, abarcando em sua conceituação o patrimônio histórico, artístico e arqueológico, com ênfase conferida aos arquivos, registros, museus, bibliotecas, pinacotecas, instalações cientificas e outros bens especialmente tutelados por lei, ato administrativo ou decisão judicial.

O crime comporta tentativa.

Pode cometê-lo qualquer pessoa, inclusive o proprietário. Ora, ele, proprietário poderá ser sujeito ativo do crime de dano se houver um direito real de terceiro sobre a coisa.

Sujeito passivo do crime é a pessoa jurídica de direito público, pois se trata de crime de lesão contra o patrimônio intelectual, e ainda o proprietário, o possuidor, quando houver posse de coisa desmembrada do domínio.

Diverso é o crime que consiste, no artigo 63 da Lei de Crimes Ambientais (Lei  nº 9.605/98), em ¨Alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, em razão de seu valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida¨, com previsão de pena de reclusão de um a três anos e multa.

Resguarda-se o ambiente, em especial, a integridade do aspecto do  local especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial.

Ivete Senise Ferreira[13] salienta que esses locais especialmente protegidos, cuja alteração de aspecto é incriminada, podem ser os bens imóveis tombados, mencionados no Decreto-lei nº 25/37, mas ainda os sítios arqueológicos ou pré-históricos considerados ¨monumentos¨pela Lei nº 3,924/61, como também os recursos florestais tutelados pelo Código Florestal. Incluem no presente dispositivo os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importem conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana (artigo 1º, § 2º, do Decreto-lei nº 25/37); os monumentos arqueológicos e pré-históricos representados: a) pelas jazidas de qualquer natureza, origem ou finalidade, que representem testemunhos da cultura dos paleoameríndios do Brasil; b) pelos sítios nos quais se encontram vestígios positivos de ocupação pelos paleoameríndeos; c) pelos sítios identificados como cemitérios, sepulturas ou locais de pouso prolongado ou de aldeamento, ¨estações¨e ¨cerâmios, nos quais se encontrem vestígios humanos de interesse arqueológico ou paleoetnográfico; d) pelas inscrições rupestres ou locais como sulcos de polimentos de utensílios e outros vestígios de atividades paleoameríndias (artigo 2º e alíneas da Lei 3.924/61).

O artigo 63 da Lei de Crimes Ambientais revogou tacitamente o artigo 166 do Código Penal.

Outro ilícito, presente no artigo 64, da Lei de Crimes Ambientais diz respeito a ¨Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida¨. É crime de menor potencial ofensivo (cabe falar em  transação e sursis processual) com pena de detenção, de seis meses a um ano e multa, sendo de natureza material, permitindo a hipótese de tentativa,

O crime previsto no artigo 63 da Lei de Crimes Ambientais, que se consuma com a efetiva alteração do aspecto ou estrutura de edificação ou local, permite tentativa, e se alberga como crime comum, comissivo, material.

O problemática dos crimes ambientais contra o patrimônio histórico e artístico nacional, não para por aí, podendo envolver como sujeito ativo do crime uma pessoa jurídica na medida em que a Constituição previu, no artigo 225, § 3º, a responsabilidade desses entes  nos crimes ambientais.

Para a solução da questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica, na linha de Rômulo de Andrade Moreira[14] poderíamos adotar o que o jurista alemão WINFRIED HASSEMER chama de Direito de Intervenção, uma mescla entre o tradicional Direito Penal e o Direito Administrativo; este novo Direito excluiria as sanções tipicamente penais com garantias menores que o Direito Penal tradicional. Segundo ele, “o Direito Penal não serve para resolver os problemas típicos da tutela ambiental”, tendo nesta seara, simplesmente, um “caráter simbólico, cujo verdadeiro préstimo redunda em desobrigar os poderes públicos de perseguirem uma política de proteção do ambiente efetiva”, pelo que sugere “a criação de um novo ramo de direito. Para o efeito, escolhemos a designação de Direito de Intervenção (Interventionsrecht), mas poderemos designá-lo da forma que mais nos aprouver”, cujas principais características seriam: o seu caráter fundamentalmente preventivo, de imputação de responsabilidades coletivas, sanções rigorosas, com impossibilidade de admitir penas de privação de liberdade, atuação global e não casuística, atuação subsidiária do Direito Penal, como, por exemplo, para dar cobertura a determinadas medidas de proteção ambiental e, por fim, a previsão de soluções inovadoras, que garantam a obrigação de minimizar os danos.” Seria, portanto, um Direito sancionador, sem os princípios, regras e postulados do Direito Penal das pessoas físicas.

 A legislação,  acompanhando uma tendência internacional, que vem dos Estados Unidos, torna mais severo o combate ao crime ambiental (como ainda nos crimes contra a Administração, os crimes econômicos, os crimes tributários), nos atos por empresas, no Brasil e no exterior. Três são as características fundamentais dessa atuação: transferir para o direito administrativo a função sancionadora, permitir a punição de atos praticados fora do país e estimular a delação, por intermédio de acordos de leniência.

Isso porque, entende-se que, no mundo corporativo, é possível e comum fragmentar a conduta ilícita, de forma a que as três condições para a imputação criminal dificilmente se concentrem numa só pessoa. Realmente, há muitas camadas de véu corporativo entre quem toma a decisão, quem avalia sua legalidade e quem pratica o ato. Detectar o individuo que toma a decisão depende de  uma minuciosa investigação. Muitas vezes, a empresa que se beneficiou do esquema de corrupção abandona o seu funcionário a própria sorte e continua a praticar outros atos lesivos ao patrimônio público, dentro de uma perniciosa ótica patrimonial: custo-benefício.

A responsabilidade da empresa é objetiva, bastando demonstrar que esta foi beneficiária de um ato ilícito, sancionando com altíssimas multas, proibindo de contratar com o Estado.

O Anteprojeto do Código Penal, artigo 41, prescreve que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas penalmente pelos atos praticados, nos casos que aponta,  em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou beneficio da sua entidade. Tal responsabilidade não exclui as pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato, nem é dependente da responsabilização destes. Se houver dissolução da pessoa jurídica ou a sua absolvição, não se exclui a responsabilidade da pessoa física.

Aliás, quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes referidos, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade, como o diretor, administrador, o membro do conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, quem sabendo da conduta criminosa de outrem, deixa de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.

A pena de prisão será substituída, de forma cumulativa ou alternativamente por: multa, restritivas de direitos, prestação de serviços à comunidade, perda de bens e valores.

Aliás, pelo Anteprojeto, a pessoa jurídica constituída, de forma preponderante, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a pratica do crime terá decretada sua liquidação forçada, sendo que seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como  tal perdido em favor do Fundo Penitenciário.

Já as penas restritivas de direito da pessoa jurídica serão (artigo 43), pelo Anteprojeto: suspensão parcial ou total das atividades; interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e participar de licitação ou celebrar qualquer outro contrato com a Administração Pública; proibição de obter subsídios, subvenções ou doações do Poder Público, pelo prazo de um a cinco anos, bem como o cancelamento, no todo ou em parte, dos já concedidos; proibição a que seja concedido parcelamento de tributos, pelo prazo de um a cinco anos. A suspensão de atividades será aplicada pelo período máximo de um ano, que pode ser renovada se persistirem  as razões que o motivaram, quando a pessoa jurídica não estiver obedecendo as disposições legais, relativas à proteção do bem jurídico violado. A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações será aplicada pelo prazo de dois a cinco anos, se a pena do crime não exceder a cinco anos; e de dois a dez anos, se exceder.

O Anteprojeto do Código Penal, no artigo 163, parágrafo segundo, lança a hipótese de causa de extinção da punibilidade, ao prescrever que a reparação do dano pelo agente até a sentença de primeiro grau, ou decisão em foro por prerrogativa de função, extingue a punibilidade da conduta prevista no caput do artigo, desde que a vítima a aceite. Tal deve ser objeto de sentença declaratória, que poderá vir sob a forma de absolvição sumária.

Porém, em decisão inovadora, sob o império do Código Penal de 1940, admitiu-se a extinção da punibilidade do crime de dano praticado contra Prefeitura Municipal pelo ressarcimento do dano de pequeno valor, ocorrido antes da denúncia (STF, RT 555/445). Em sentido contrário, e corretamente, decisão do extinto Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, julgados 91/351.

Discute-se a questão da ação penal.

O artigo 167 do Código Penal adota a ação penal pública para os casos de dano qualificado pelo emprego de violência a pessoa ou grave ameaça, de substância inflamável ou explosiva, contra o patrimônio da União, Estado ou Municípios; no dano em coisa de valor artístico, arqueológico ou histórico e na alteração de local especialmente protegido. Tanto influi o maior alarma produzido pelo atentado contra a pessoa, concretizado na violência ou na ameaça ou ainda originado em face do receio que desperta na sociedade o emprego de inflamáveis ou explosivos. Nos demais casos, há os interesses sociais atingidos pela lesão ao patrimônio real ou ideológico da União, Estado ou Município, na proeminência deste sobre o privado.

É de iniciativa privada nas hipóteses de dano simples (caput) e do qualificado pelo motivo egoístico ou prejuízo considerável (parágrafo único, inciso IV). Se houve concurso de uma forma de dano de ação pública com outra de ação privada do ofendido, deverá formar-se o litisconsórcio ativo entre o Ministério Público e a vítima, esta oferecendo queixa-crime e aquele formulando denúncia.

Por força do § 2º do artigo 24 do CPP, acrescentado pelo artigo 1º da Lei nº 8.699, de 27 de agosto de 1993, seja qual for o crime (o de dano incluído, portanto), quando praticado em detrimento do patrimônio ou interesse da União, Estado e Municipio, a ação será pública.

Por sua vez, o parágrafo terceiro do artigo 163 do Anteprojeto fala em que se procede somente mediante queixa.

Nas ações infrações penais previstas na Lei nº  9.605/98, artigo 28, a ação penal é pública incondicionada, lembrando-se que, nos crimes de menor potencial, a proposta de aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, prevista no artigo 76 da Lei 9.099/95, transação penal, somente será formulada desde que tenha havido a prévia composição do dano ambiental, de que trata o artigo 74 da mesma Lei, salvo em caso de comprovada impossibilidade. Por sua vez, a declaração de extinção de punibilidade, de que trata o parágrafo quinto do artigo 76, já referenciado, dependerá de laudo de constatação de reparação do dano ambiental, ressalvada a impossibilidade comprovada. 

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O crime de dano e a pichação de estátua . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4227, 27 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35864. Acesso em: 28 mar. 2024.

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