O "erro médico" e a nova classe de demandantes:a loteria jurídica na responsabilidade civil do médico

03/03/2015 às 09:49
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O dano tornou-se uma verdadeira indústria, em que é apostado no êxito da ação como forma de obter um enriquecimento fácil, sem dispêndio algum, mesmo porque o Estado,de qualquer forma, apreciará o pedido infundado, ou seja, pouco a perder e muito a ganhar

INTRODUÇÃO

            Há vários anos o Poder Judiciário Brasileiro vem sendo assolado por um fenômeno conhecido como a "indústria do dano", que nada mais é que a busca incessante e muitas vezes desnecessária de prestação jurisdicional por indivíduos que alegam danos hipotéticos com pedido de indenizações infundadas e inconsequentes, em busca de dinheiro fácil. A conclusão é notória, o "jeitinho brasileiro" chegou ao judiciário.

            A "indústria do dano" tem novo foco! Infelizmente os médicos desamparados legal e judicialmente são as novas vítimas da iníqua indústria.

            O dano tornou-se uma verdadeira indústria, em que é apostado no êxito da ação como forma de obter um enriquecimento fácil, sem dispêndio algum, mesmo porque o Estado, de qualquer forma, apreciará o pedido infundado, ou seja, pouco a perder e muito a ganhar.

1. O NOVO FOCO: O MÉDICO

            Em seu exercício profissional, o médico se sujeita a praticar atos que resultem em responsabilidade ético-profissional, civil e penal, sendo possível incorrer, simultaneamente, nas três modalidades de responsabilização.

            Nos últimos anos o número de processos contra médicos cresceu em escala alarmante. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, nos últimos dez anos o país teve um aumento de 1.600% no número de processos judiciais envolvendo médicos (civil e criminal).

            O Tribunal de Justiça de Minas Gerais no ano de 2000 havia julgado 16 processos relativos à "erro médico". Já em 2014, encontramos no repertório jurisprudencial mais de 1300 decisões sobre este tema.   

            O cenário para os profissionais da medicina não é dos melhores. Os números demonstram que o médico é a "bola da vez" da indústria do dano que assola o judiciário brasileiro, como veremos no decorrer deste artigo.

2. O AUMENTO DE DEMANDAS CONTRA MÉDICOS: O DESCONHECIMENTO DA OBRIGAÇÃO MÉDICA

            A relação entre médicos e pacientes passou por grande evolução no decorrer dos anos, o sacerdócio médico cedeu lugar à relação de consumo em massa, os grandes avanços da ciência tornaram os procedimentos mais eficazes mas em contrapartida os riscos foram aumentados. Há diversos fatores que podemos elencar como fomentadores do aumento de demandas contra médicos, mas a causa que merece destaque é o aumento de demandantes da chamada loteria jurídica somado ao desconhecimento da realidade da obrigação médica.

            Todo procedimento médico é eivado de riscos seja inerentes ou seja imprevisíveis, ora, o álea da atividade médica é composta por uma série de fatores que fogem de toda a diligência e zelo do profissional. Podemos citar o organismo humano e seus fatores intrínsecos e individuais, some-se ainda a doença e a falibilidade da ciência, todos estes fatores interferem na conduta do médico e estão fora de seu alcance, por isso a obrigação médica é tida como de meio, ou seja, a obrigação do médico se resume em agir de acordo com sua "lex artis"com prudência, zelo e cuidado para obter o resultado/cura, mas não se obriga a este. O não alcance do resultado não é rotulado como inadimplemento e não enseja em responsabilidade.

                A ciência médica evoluiu demasiadamente no decorrer dos anos, mas não se olvida que ainda está aquém do êxito sempre. Os fatores aleatórios que a cercam interferem na atividade médica não sendo possível assim assegurar um resultado preciso e exato.

                 O professor Irany Novah destaca que a profissão do médico é de alto risco, e o êxito de seu trabalho não depende exclusivamente dele mas também de múltiplos fatores que independem de sua vontade. O autor salienta que não há procedimento profissional isento de risco, o organismo humano, cujo equilíbrio funcional é extremamente complexo e apresenta elevado grau de vulnerabilidade. Para agravar a atividade médica some-se ainda a doença. Assim qualquer procedimento médico, pode eventualmente levar a morte, tal desfecho pode ocorrer sem que haja culpa de ninguém.[1]

            O malogro dos resultados que às vezes lhe atribuem decorre do fato de o doente ou seus familiares projetarem nele seu inconformismo com a crueldade do destino e a limitação da medicina. A divulgação ampla da insatisfação de resultados pertinentes ou não a casos indiscriminados feita pela mídia tem gerado confusão quanto ao que realmente seja erro médico. Ainda pior são os malefícios decorrentes do abalo da confiança do paciente no médico, que é fundamental para o processo de cura. Não fosse suficiente, a generalização expande para toda a classe e não poupa ninguém. Assim, todos passam a duvidar dos médicos e, mais grave ainda, fica em jogo a própria medicina brasileira. [2]

            O autor ainda adverte de maneira magistral :

É de bom alvitre que todos se inteirem bem do assunto, para que saibam discernir o falso do verdadeiro, sem se deixar levar pela emoção na interpretação de fatos publicados e geralmente até mesmo alardeados. (g.n.)[3]

           

            O Professor Irany Novah Moraes ciente desta avalanche de ações contra médicos infundadas, escreveu celebre artigo sobre o "erro imaginário". Citando que o assunto em pauta deve ser bem estudado por estudiosos do direito, jornalistas e médicos, pois estes são os profundamente envolvidos na problemática do erro médico, assim afirma o autor, que a leitura fomentará ideias claras sobre o tema, para encontro da verdade em cada ocorrência.

            Ressalta-se que é grande o desconhecimento da obrigação do médico, assim como desconhece-se os fatores aleatórios que cercam sua atividade. Contudo, não há fomento para este tipo de estudo no Brasil. Infelizmente há uma avalanche de processos contra médicos em que não há na realidade o dito "erro médico".

            A avalanche de processos infundados trazem danos a toda a sociedade brasileira, mas principalmente ao médico, que na grande maioria das vezes luta contra as pré-suposições e os pré-conceitos em busca de provar sua inocência.

            Como veremos os próprios institutos jurídicos fomentam o desconhecimento da realidade da obrigação médica. Há diversos institutos que promovem em verdadeiro paternalismo a proteção do paciente/ consumidor, estes ultrapassam as barreiras da proteção à dignidade do médico, que é exposto a um processo, arca com os custos, pois a maioria dos pacientes gozam da gratuidade de justiça, para ao final a demanda ser julgada improcedente e o médico ser tido como inocente.

            Mas no decorrer deste processo os danos ao médico são demasiadamente exagerados, na realidade se luta e se gasta muito para comprovar o não erro médico.

3. O AUMENTO DE DEMANDAS X CONDENAÇÕES

            Segundo MARCOS VINICIUS COLTRI a cada 4 médicos processados, 3 deles são processados injustamente, em verdadeiras aventuras jurídicas. Porém o resultado favorável na demanda não significa exatamente um ganho para o profissional, pois na prática 3 em cada 4 médicos processados pagam para provar sua inocência, pagam em média 25 mil reais, sem poder reaver a quantia gasta no processo, isso porque, a maioria esmagadora dos pacientes são protegidos pelos benefícios da justiça gratuita.[4]

                Alex Pereira e Antônio Couto citam Miguel Kfouri (Culpa Médica e o ônus da prova), informando que 80% (oitenta por cento) das ações contra médicos são julgadas improcedentes, afirmando esta realidade é consequência do entusiasmo em proteger o paciente oferecendo fomentos imensuráveis para pedidos infundados de danos morais, gerando a realidade cruel de que em 100% dos processos o médico foi réu, muitas vezes em condições desiguais e no mais alto confronto com o maior dos direitos fundamentais do cidadão brasileiro, qual seja, a dignidade da pessoa humana[5].

            Como vemos na maioria destes processos do dito "erro médico" são compostos por pedidos infundados que consequentemente são julgados improcedentes. Infelizmente, a indústria do dano conta como fomentador o próprio sistema jurídico brasileiro, pois há diversos institutos protecionistas que possibilitam o paciente de levar ao judiciário uma espécie de "loteria jurídica".      

            A medicina devido a sua álea de atividade conta com diversos fatores adversos que podem causar danos ao paciente, contudo, estes danos nem sempre são considerados "erros médicos". A profissão do médico é de alto risco, e o êxito de seu trabalho não depende exclusivamente dele mas também de múltiplos fatores que independem de sua vontade. Porém o paciente ao se deparar com o evento adverso, possibilitado pelo próprio sistema se aventura judicialmente em busca de dinheiro fácil.

            Os dados relacionados demonstram claramente que a causa maior do aumento de demandas contra médicos não é o aumento de erros e de maus profissionais, ora, Miguel Kfouri cita que em 80% dos casos em juízo envolvendo o "erro médico"foram julgados improcedentes, ou seja, não houve erro médico, os danos referidos pelos pacientes não passaram de danos advindos de riscos inerentes, complicações, que em nada se ligavam a atuação negligente do médico.

            Ressalta-se que para ensejar o dever de reparar na obrigação médica são necessários alguns elementos: dano, nexo de causalidade e conduta médica culposa. Certo é que nenhum procedimento é isento de riscos, e eventos adversos poderão acontecer, mas nem todo evento adverso é de responsabilidade do médico, tendo em vista os fatores aleatórios que são atravessados na obrigação médica.

            Neste condão os números demonstram claramente que o aumento excessivo de demandas contra médicos não se fundamenta no aumento de faculdades de medicina e maus profissionais como alguns doutrinadores afirmam.

            É certo que em média 80% dos casos que os médicos são colocados como réus na demanda são julgados improcedentes, sendo o médico considerado inocente.

            Há outros fatores que fundamentam e fomentam a indústria do dano contra médicos. Como veremos o cerne da obrigação médica e seus fatores aleatórios não são levados em conta no momento do ajuizamento da referida ação, pois aos pacientes tidos como consumidores são dados fomentos para demandar sem a devida boa-fé objetiva que é imposta a todos da sociedade ao levar um evento adverso ao judiciário.

            O grande aumento de processos contra esses profissionais reflete a política protecionista dada aos consumidores que fomenta a indústria do dano sem fundamento. Porém, com o advento do Código Civil Brasileiro o ordenamento jurídico inovou trazendo como fundamentos basilares a eticidade e a boa-fé, devendo a jurisprudência romper seus compromissos antigos e viciados de promover leis paternalistas, aplicando os recursos que o CC/02 oferece aos julgadores para coibir excessos.

4.  A NOVA CLASSE DE DEMANDANTE

            Ressaltamos no começo deste artigo a "indústria do dano"que assola o judiciário, tal instituto traz consequências desastrosas não só para a parte ré do processo, o Estado e o Poder Judiciário sofrem com a avalanche deste instituto.

            A avalanche de demandas da "indústria do dano", fomenta ainda mais o estado caótico encontrado nos nossos órgãos jurisdicionais.

            O Poder Judiciário está cada dia mais caótico e este problema não se dá apenas pela estrutura física enfrentada, a ideia basal de acesso à justiça pela simples possibilidade que tem o cidadão de propor ação judicial não é negada. Assim tal órgão é abarrotado de questões fadadas à improcedência, alavancadas pelos operadores da loteria jurídica.

            O absolutismo do acesso ao judiciário traz aos que realmente necessitam da prestação jurisdicional a lentidão, que afasta lamentavelmente o cerne maior do acesso à justiça. Ora, certo é que a prestação jurisdicional lenta, morosa, corroem o verdadeiro cerne do direito do cidadão à prestação jurisdicional.

                Assim fica claro que a loteria jurídica e a industria do dano não tem como vítima apenas o réu, mas o direito e o acesso a justiça de todos os cidadãos brasileiros que realmente necessitam da prestação jurisdicional.

            A indústria do dano e a loteria jurídica abarrotam as prateleiras dos fóruns, e tomam lugar em pautas de julgamento de ações que merecem a prestação jurisdicional.

            Diante do exposto é notório que o aparato judicial e os mecanismos legais merecem ser relidos, para que os cidadãos não sejam lesados pelos agentes da indústria do dano, assim, os que realmente necessitam do aparato judicial teriam seus direitos resguardados, alcançando a prestação jurisdicional com eficiência.

            As conseqüências desastrosas da indústria do dano no condão relativo ao dano moral já encontra vastas doutrinas, e é este o fundamento do referido artigo, trazer as conseqüências desta indústria para o seu novo foco, a prestação médica.

A. A INDÚSTRIA DO DANO POSSIBILITADA PELO PRÓPRIO SISTEMA JURÍDICO

            Há direito fundamental garantido pela Constituição Federal de inafastabilidade do controle jurisdicional assegurando a todos indivíduos que se sentirem lesados ou ameaçados em seus direitos o acesso aos órgãos jurisdicionais para buscar da preservação ou reparação destes.

            Cabe salientar, que o direito de demandar não é absoluto, conforme ensinamento de PEDRO BAPTISTA MARTINS, citado por RUI STOCO,

O exercício da demanda não é um direito absoluto, pois que se acha, também, condicionado a um motivo legítimo. Quem recorre às vias judiciais deve ter um direito a reintegrar, um interesse legítimo a proteger, ou pelo menos, como se dá nas ações declaratórias, uma razão séria para invocar a tutela jurídica. Por isso, a parte que intenta ação vexatória incorre em responsabilidade, porque abusa de seu direito[6]

            Assim o exercício da demanda deve ser condicionado a um motivo legitimo, com base na eticidade e boa-fé, pilares do processo civil brasileiro.   

            Ora, é esperado de todo cidadão ao exercer seu direito de acesso ao judiciário que exerça dentro dos limites da boa-fé, ética e finalidade social, ou seja, dentro dos padrões de prudência e diligência que teria inspirado um homem atento e diligente, sendo necessários fundamentos pertinentes, fáticos e jurídicos.

            Os agentes da loteria jurídica incorrem no abuso do direito de ação, que se dá quando o individuo se utiliza de um direito garantido constitucionalmente fora dos limites impostos, qual sejam, sabedor de que não possui direito subjetivo a ser protegido, buscando provimento jurisdicional a que não faz jus.

            Assim o autor utiliza-se do processo como forma de atingir outra pessoa, e não com a finalidade especifica do processo, ora, quando se apresenta uma ação é necessário comprovar os fundamentos fáticos e jurídicos.

            Para Colin e Capitant: "para que haja abuso do direito não é indispensável que se descubra no autor do prejuízo causado a outrem a intenção de prejudicar, o "animus nocendi". É bastante que se observe na conduta a ausência de precauções que a prudência de uma homem atento e diligente lhe teria inspirado". [7]

            Assim cabe ao paciente busca por auxílio técnico com embasamento jurídico e científico antes de perpetrar uma demanda infundada. Ora, é esperado pela boa-fé e pela eticidade que antes da propositura de uma ação que se conheça a realidade do objeto da prestação que se discute. E a realidade do que se chama de erro médico.

            Esta conduta é esperada dos cidadão pois quando demandam sem justa causa para tanto serão consequentemente sucumbentes e assim terão que arcar com os ônus de sucumbência, que são regra geral as custas do processo e os honorários advocatícios de sucumbência da parte vencedora.

            Porém esta conduta não é a usual dos demandantes da loteria jurídica, pois estes contam com a proteção do judiciário com a concessão desmedida da gratuidade de justiça.

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            Com a gratuidade de justiça concedida livremente não há por quê buscar justa causa para o exercício do direito de ação, pois não haverá custos para o autor leviano, mesmo que se consagre perdedor.

            Assim a maioria dos pacientes contam com a gratuidade de justiça não se preocupam com a demanda infundada, pois contando com este instituto jurídico a demanda improcedente não trará ao demandante infundado perda pecuniária. Pois não terá que arcar ao final do processo com os ônus de sua sucumbência.

            Infelizmente neste cenário se instaurou a "loteria jurídica", ora nada se perde, assim há uma verdadeira aposta na atividade jurisdicional. Levando qualquer evento adverso ao tribunal para tentar um lucro fácil. Não se preocupando se há ou não erro médico, não fundamentam, não há justa causa, assim caberá ao médico arcar com os ônus para comprovar sua inocência.

            Além de não ser absoluto o princípio em destaque, deve-se salientar que a Constituição Federal consagra outros princípios que devem ser levados em conta no decorrer do estudo do abuso da demanda.

            Ora, merece destaque os direitos fundamentais dos réus de demandas infundadas que são lesados.  A abusividade dos demandantes da indústria do dano lesam direitos fundamentais dos demandados como: a Dignidade da Pessoa Humana, a ampla defesa, o contraditório, a igualdade, a celeridade do pronunciamento jurisdicional e etc.

            A indústria do dano ainda lesa o direitos de toda a sociedade que necessita seriamente do pronunciamento jurisdicional, pois sabe-se que a demanda infundada tornará ainda mais caótico o Poder Judiciário.

            O absolutismo da inafastabilidade do controle jurisdicional na responsabilidade civil do médico é ainda mais alarmante. Há infelizmente grande entusiasmo em se proteger pacientes hipossuficientes a qualquer preço concedendo gratuidade de justiça em larga escala. Assim os julgadores se apegam na máxima do "justo paga pelo pecador", lesando direitos fundamentais dos médicos colocados como réus em demandas infundadas, perpetradas por pacientes inconformados com a falibilidade da própria ciência.

            Ora, certo é que a inafastabilidade do controle jurisdicional é direito fundamental de todos os cidadãos, mas há que se ponderar tal princípio com os princípios da celeridade processual, ampla defesa, contraditório, igualdade e dignidade da pessoa humana tanto do réu destas demandas fadadas à improcedência, quando aos mesmos direitos dos cidadãos que realmente necessitam do controle jurisdicional, pois é certo que a indústria do dano traz sérias consequências a toda a sociedade

            Certo é que o absolutismo da inafastabilidade do controle jurisdicional pregado pela jurisprudência merece ser relido com base na razoabilidade, pois não se pode admitir a regra do "tudo ou nada" entre princípios, devendo ser solucionada esta antagonia aparente com base na proporcionalidade. Rompendo com preconceitos e compromissos antigos e viciados de promover o paternalismo.

            Havendo exercício abusivo, ou seja, exerce o direito de maneira abusiva, excedendo limites, violando direitos alheios, há indiretamente abuso do próprio ordenamento jurídico e a Constituição Federal.

            Há diversas outras possibilidades para que tal pleito infundado seja levado ao Poder judiciário, ora, como não citar a aplicação irrestrita e abstrata do Código de Defesa do Consumidor, a inversão do ônus da prova, as presunções de culpa, a mitigação do nexo causal e o dano presumido, e a mitigação do elemento dano, a impunidade dos demandantes de má-fé. Tais institutos facilitam o demandante na formulação de pedidos infundados e exorbitantes em busca de dinheiro fácil.

            As facilidades dadas a estes agentes de postular e pleitear é tão significativa, que quando cumuladas com a concessão indiscriminada da gratuidade de justiça,  possibilita pleitear valores exorbitantes, transformando-se numa verdadeira loteria, já que é realizada como uma "aposta", no êxito da ação, e não há temor em perdê-la sendo sucumbente, pois não terá que pagar nada se faz jus a gratuidade de justiça.

            É proposta ao judiciário uma verdadeira aposta pelo autor, pois este ingressa de forma gratuita sob o argumento de impossibilidade financeira e pode ter, no deslinde da ação, seu pleito aceito pelo judiciário.

            Sabe-se que hoje em dia ocorre um excesso de demandas que movem a cara máquina do judiciário de maneira desnecessária. A maioria das demandas contra médicos tratam-se de pedidos de danos morais, estes quer por sua natureza, quer pelas facilidades dadas aos agentes da loteria jurídica, tornou-se uma verdadeira indústria junto aos órgãos jurisdicionais.

            O dano moral foi consagrado pela Constituição Federal ao tipificar:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

            Assim como no Código Civil Brasileiro:

         Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

            Pode-se conceituar o dano moral como, a lesão causada a um bem personalíssimo de determinada pessoa, onde o prejuízo não adentre a esfera material, e sim, atinja o seu caráter subjetivo, trazendo conseqüências negativas para a vítima, pois seu bem-estar social e pessoal será abalado.

O dano que afetar os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, os quais estão elencados na Constituição Federal de 1988, sendo mais preciso, a intimidade, a honra, a imagem social do indivíduo, em fim, todo e qualquer prejuízo ao bem-estar da vitima, deve ser considerado como dano moral.

            Contudo, as ações por danos morais vem sendo propostas de maneira inconseqüente, pois os fundamentos apresentados pelos requerentes, não passam de meros aborrecimentos. Como já foi tratando, o Dano Moral se caracteriza pelo abalo psicológico que sofre a vitima, não podendo se confundir meros aborrecimentos do dia-a-dia, com o dano moral.

            Assim a própria conceituação do dano moral já da azo aos apostadores do judiciário ao levarem qualquer abalo ou aborrecimento ao juízo em busca de reparação.

                A forma de liquidação do Dano Moral, também é bastante discutida, pois se dá através de uma avaliação associada a uma valoração, a qual tem caráter preponderantemente subjetivo, uma vez que, a legislação pátria é omissa, recaindo sobre os nossos magistrados a árdua tarefa de quantificarem o valor da indenização, mesmo quando requerido de forma previamente mensurada pelo lesado.

                Como se demonstra o dano moral e sua reparação é auferido com bases extremamente subjetivas. Estas lacunas fomentam inúmeros pedidos inócuos e extremamente oportunistas e que merecem serem combatidas por critérios doutrinários e jurisprudenciais.

            Diante do exposto, é certo que para conter pedidos infundados seria necessária uma,

padronização dos critérios quantificadores entre os magistrados, o que soa impossível, pela diversidade e multiplicidade de magistrados com concepções das mais diversas. O critério de levar em consideração as condições do ofendido e do ofensor, buscando o efeito compensatório ao ofendido e penalizatório-educativo ao ofensor, já se espalhou e sedimentou por todas as comarcas do país, em alusão direta ao Princípio da Proporcionalidade. Existem indenizações por danos morais, mormente voltados à honra e imagem, superiores aos fixados pela morte de pessoas, oras contra ricos e oras contra pobres. O critério posto só serve objetivamente quando comparadas sentenças do mesmo juiz da causa. Entre juizes diferentes, o mesmo critério produz quantificações diversas, demonstrando a falha dos mecanismos disponíveis.[8]

            Certo é que o dano moral faz jus a um conceito meramente abstrato, não há designação especifica e nem mesmo valores pré-selecionados, assim sua própria natureza jurídica fomenta os pedidos de reparação exagerados e infundados. Os mais triviais aborrecimentos ou eventos adversos são classificados pelos demandantes como sofrimento insuportável, visando unicamente o enriquecimento sem causa.

            Assim houve o que é chamado de banalização do dano moral, quaisquer aborrecimentos são levados ao judiciário como forma de angariar lucro fácil.

            O subjetivismo da conceituação do dano moral da azo à banalização do instituto nas mãos dos agentes da indústria do dano. E infelizmente esta conduta não encontra ainda combate no judiciário.

            Taise Galvani, cita:

Infelizmente o Poder Judiciário tem utilizado de forma instigada a aplicação do dano moral para todo e qualquer fato, o que inexoravelmente vem causando verdadeira banalização desse instituto.[9]

            A utilização errônea do instituto acaba encorajando a demanda com tal pedido. Como destaca a Juíza Rosangela Carvalho:

Deve ser desencorajada a proliferação da indústria do dano moral que atualmente ocorre, havendo exarcebado número de demandas da espécie em nossos tribunais e, na maioria das vezes, desacompanhadas de justa causa.

            Além do subjetivismo do dano moral como elemento fomentador do dano sem fundamento, ainda há o enfrentamento da visão absolutista da inafastabilidade do controle jurisdicional.

            Arruda Alvin avalia que o principal problema teria origem na sociedade brasileira, seria uma questão sociológica de descontentamento do tecido social. Assim neste condão jamais se pensou em restringir os direitos do cidadão como forma de inibir ou coibir o ajuizamento de demandas infundadas, vez que o acesso à justiça é um direito consagrado pela constituição.[10]

            Assim resta claro que o absolutismo da inafastabilidade do controle jurisdicional somado com o subjetivismo do dano moral deixa largo e amplo o acesso aos agentes da loteria jurídica.

            A indústria do dano infelizmente encontra guarita dos próprios institutos jurídicos, algo que não se pode permitir, tal instituto lesa direitos fundamentais e torna ainda mais caótico o controle jurisdicional.

            Como citado pela magistrada merecem ser relidos os institutos jurídicos que fomentam a indústria leviana do dano, como visto, esta assombra a classe médica. E antes que a saúde brasileira entre em colapso deve haver movimentos e novos entendimentos para que os médicos não se enfraqueçam como sendo a maior vítima da indústria do dano.

            Assim é certo que a apuração da responsabilidade médica merece melhor cautela. Como afirmado por Antônio Pereira Couto Filho no artigo "O ovo da serpente eclode na Caixa de Pandora",

         A saúde agoniza no Brasil, mas a esperança é a última que morre. Em 1999, portanto há pouco mais de cinco anos, escrevíamos um artigo, intitulado O Ovo da serpente, cujo conteúdo tinha a proposta de alertar a sociedade brasileira em geral, para os riscos de se copiar o modelo norte-americano, no que permite ao estabelecimento da iníqua "indústria do dano". Na ocasião, sinalizamos que médicos e hospitais, públicos e privados, estariam à mercê de uma avalanche de processos judiciais, dizimando a relação médico- paciente e desnudando a ineficácia do Direito Constitucional como garantidor da saúde de todos os cidadãos. Lamentavelmente, nossa previsão se concretizou, o caos está estabelecido e o ovo da serpente eclode na caixa de pandora.

(...)

         O início da constituição de uma Comissão mista dentro da Frente Parlamentar de Saúde, formada por médicos, advogados e parlamentares, faz-se necessária para parametrar e definitivamente estabelecer lugar de destaque para o seguimento Saúde através do pretendido Código Nacional da Saúde.[11]

            Ora, com a constitucionalização do direito civil, e o pós positivismo, é necessária uma nova postura frente as demandas, principalmente contra médicos, ora, a interpretação dos juristas não podem ser apenas no texto, mas sim de acordo com a realidade, assim, a análise das causas de responsabilidade civil devem ser sob a égide dos princípios gerais e constitucionais, posto que está em jogo a dignidade da pessoa humana, ampla defesa, contraditório e presunção de inocência. Assim, conseguiremos chegar ao ideário da justiça e a real finalidade da lei.

            Ora FACHIN declara brilhantemente que o principio da Dignidade da Pessoa Humana é estruturante e constitutivo, e afasta a ideia do predomínio do individualismo, fulminando de inconstitucionalidade aquele preceito que ele conflitar, conforme descreve o autor "abandona-se a ética do individualismo pela ética da solidariedade; relativiza-se a tutela da autonomia da vontade e se acentua a proteção à dignidade da pessoa humana". [12]        

            Isto posto, resta claro, que a interpretação das normas de responsabilidade civil contra o chamado erro médico merecem uma filtragem constitucional, para se adequarem aos princípios fundamentais elencados pela carta maior. Conforme demonstraremos, os médicos estão sendo massacrados por uma avalanche de processos ditos como "erro médicos", onde vêem seus direitos desrespeitados, numa corrida desesperada para provar sua inocência, em causas fadadas a improcedência.

            Ora, é necessário uma análise pormenorizada, pois a interpretação nestas demandas apenas com base no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, ignorando princípios constitucionais, corre o risco extremo de afastar não só a justiça, mas o direito como um todo.

           

A.1. A GRATUIDADE DE JUSTIÇA

            O instituto da justiça gratuita é tipificado pela Lei 1060 de 1950, devem ser vistos com extrema cautela nestas lides.

            A gratuidade da justiça foi estabelecida pela Lei 1060/50, porém antigamente os interessados tinham que requerer o atestado de pobreza junto a delegacia policial, tal prática, já servia como um verdadeiro filtro para coibir abusos. Porém, agora, basta a afirmação para fazer jus ao instituto, lesando a Constituição Federal de 1988, que tipifica ser necessária a comprovação. Em protecionismo flagrante do judiciário o entendimento prevalecente é que basta apenas a afirmação que não pode arcar com as custas judiciais sem prejuízo ao sustento próprio ou de sua família. Para os tribunais não se faz necessário provas da hipossuficiência financeira da parte que requerer o benefício. Com a declaração a hipossuficiência é presumida, cabendo a prova do contrário a outra parte, prova que por vezes se demonstra impossível.

            Não houve ainda legislação após a CF para regulamentar o tema, sendo utilizada lei de 1950, que no entendimento de vários doutrinadores não foi recepcionada pela CF. A norma constitucional é clara ao dizer que deve haver prova, devendo, assim, o poder legislativo regulamentar tal norma constitucional com efetivos elementos e requisitos para garantir a gratuidade a quem realmente faça jus.

            É notório que esse instituto aplicado nos moldes atuais, fomenta uma indústria do dano leviana em que seus percussores estão em busca de ganho fácil, alguns podem dizer que esse pensar seria menor, mas a realidade brasileira, demonstra claramente essa utilização, Miguel Kfouri em seu livro, traz a afirmação que 80% dos casos envolvendo médicos são julgados improcedentes. Portanto esses rigorosos institutos aplicados na responsabilidade civil médica demonstram que é excessiva a desvantagem na aferição de supostos erros médicos em detrimento dos profissional que necessitam ter sua dignidade auferida como o mesmo rigor, garantido pela Constituição.[13]

            Com a maior rigidez e controle pelo poder judiciário na concessão da gratuidade o requerente irá realizar um juízo de valor acerca de sua pretensão. Assim só dará início à demanda caso este tenha uma relativa razão e ponderação quanto a efetiva existência de dano.

A.2. MERCANTILIZAÇÃO DO DANO

            Certo é que ocorre também um excesso de pleitos muito em razão da imoralidade da sociedade na desproporcional cobiça pelo dinheiro, assim há interesse e empenho por muitos para à ocorrência de fatos que ensejem danos morais.

            A mercantilização do dano moral e seu caráter mercenário. O ilustre autor Anderson Scheiber, cita que as normas sobre responsabilidade civil não acompanham as lides e aflições sociais, ora, várias violações de direitos extrapatrimoniais são solucionadas por uma lógica patrimonial e mercantilista, ou seja, houve com a Constituição abertura para se ressarcir o dano moral, porém com a mesma resposta tradicional do dano material, sendo o conteúdo estritamente patrimonial.[14]

            Ainda, acrescenta que há uma inércia da comunidade e de seus legisladores em oferecer a estas vitimas de danos morais solução diferente de uma soma em dinheiro. Estimulando, assim, o sentimento mercenário. Para o autor, a redução de uma lesão extrapatrimonial em um quantia monetária é instrumento de mercantilização que tenta quantificar o que é inquantificável. Há outras formas de compensar um dano extrapatrimonial que não o dinheiro, há formas até mais eficazes para sancionar o agente ofensor. [15]

           

5. NECESSIDADE DE NOVA POSTURA PELOS TRIBUNAIS

            Assim destaca-se a impunidade concernentes às ações infundadas que poderiam ser caracterizadas em litigância de má-fé.

             Deve-se coibir os pedidos de danos sem justa causa, e esta tendência deveria ser feita através da condenação de litigantes de má-fé. Pergunte-se quem paga as custas da demanda promovida sob o manto da gratuidade? Ora, todos nós contribuintes brasileiros.

            Observa-se que o próprio sistema jurídico fomenta a demanda infundada. O demandante não precisa de precaução na análise de fatos e fundamentos jurídicos para demandar. Basta apenas a crise emocional e o sentimento de "loteria jurídica"se aflora na busca por dinheiro fácil e sem custos.

            Ora, um homem normal, diligente e prudente que não conta com a gratuidade de justiça irá procurar amparo técnico e científico antes de intentar uma ação contra outrem, pois sabe que se sucumbente terá que arcar com os ônus e honorários do advogado da outra parte.

            Porém o sistema jurídico brasileiro criou a nova classe de demandante os qualificados como demandantes da "loteria jurídica". Pois não custará nada a ele tentar com sua demanda infundada dinheiro fácil.

            A concessão imoderada e facilitada do benefício de litigar sem gastos, acrescida da  ausência de riscos para se demandar junto ao Poder Judiciário, é um dos fatores que provoca o crescimento do número de pessoas que estão abusando do direito e propondo ações meramente protelatórias, abusivas, aventureiras e irresponsáveis.

            O ilustre autor GALVÃO cita que neste sentido, Viel Temperley aponta que a generalização das concessões do benefício promove o início de demandas infundadas e fomenta, consequentemente, a extorsão processual. Além disso, destaca que isso ocorre porque o peticionário do benefício não corre risco algum de ser condenado ao pagamento de custas. O autor traz ainda conclusão de Paulo Maximilian W. M. Schonblum também atribui à concessão da gratuidade de forma imoderada como a causa da busca exagerada por indenizações e completa que “brasileiros de pouco caráter e ambição desmedida passaram a aventurar-se ajuizando ações contra tudo e todos (sempre se valendo da propagada gratuidade) na busca de um punhado de dinheiro a troco de nada.[16]

No mesmo sentido, José Olympio de Castro Filho aponta que:  “Era, e é, o indivíduo servindo-se do Estado, através dos órgãos jurisdicionais, para prejudicar a outrem, ou para obter resultados ilícitos e inatingíveis sem o concurso do mesmo Estado. § É essa invocação injustificada ou maliciosa dos órgãos jurisdicionais que autoriza reprimir o abuso do direito ainda quando não haja dano à parte contrária. A repressão se efetua, não porque resulte, ou possa resultar, em dano alheio, senão porque representa, o abuso, por si só, um dano ao Estado. A manutenção da Justiça custa dinheiro, e não é justo que o dinheiro do povo seja empregado para satisfazer a má-fé, a temeridade, o capricho, ou o erro grosseiro de um indivíduo. Por outro lado, supondo que procedessem as partes com correção e lisura no processo, dizendo logo a verdade e só a verdade, muito menor seria o gasto de tempo e de despesas para a solução da controvérsia, pelo mesmo motivo reprime-se a infração da regra de dizer a verdade, ainda quando não haja dano à parte contrária, porque, também aí, há sempre o dano ao Estado”[19].[17]

O ilustre Promotor André Luís Alves de Melo, demonstra com exatidão os absurdos da concessão indiscriminada da gratuidade de justiça.

No Brasil já se teve caso de gratuidade para fazendeiro, médico, empresário, juiz, desembargador, e este não é o maior problema, pois se venceram a demanda nada devem e cabe ao perdedor pagar as despesas processuais.(...) O programa de justiça gratuita atualmente no Brasil é como se o Governo criasse um programa de distribuição de remédios para carentes, controlado pelas indústrias farmacêuticas, sem necessidade de prestar contas, sem necessidade de comprovar a carência dos beneficiados, nem a eficiência. Em suma, tende mais atender aos prestadores do serviço do que os usuários, os quais ficam invisíveis e vira mera retórica.(...) Estima-se que se gaste mais com assistência jurídica gratuita do que com o programa de Bolsa Família, incluindo as isenções de custas e despesas com estruturas de assistência jurídica.[18]

                Assim demonstra-se que o instituto da gratuidade da justiça aplicado nos moldes atual fomenta a indústria do dano. E acarreta em lesões à princípios fundamentais dos médicos, tidos como réus, novo foco da indústria do dano.

            Conforme brilhantemente ressalta Couto Filho e Souza,     

A banalização do dano moral somou-se ao crescente número de aventuras jurídicas, obrigando o Estado- Juiz a processar e indeferir milhares e milhares de demandas em áreas da saúde.(...) Entendemos que o abuso do direito será aplicado aos advogados e partes que abusaram do pedido de dano moral, pois a sedução de um "expediente"para granjear pecúnia levará os desavisados à punição. A eticidade e a boa-fé, pilares do Novo Código Civil brasileiro, regerão as relações entre as partes litigantes, seus patronos, peritos e serventuários e julgadores. É a evolução natural que evitará os excessos.[19]

Cauduro Hermes descreve

A primeira causa é a falta de integridade moral de grande parte destes litigantes(...) Poder-se-ia atribuir(...) o acionamento do judiciário em busca de indenizações por suposto danos morais à pobreza generalizada em nosso país(...) não fosse a grande gama de litigantes ricos que pleiteiam verdadeiras fábulas dignas de prêmios das melhores loterias.

            Deve ser desencorajada a proliferação da indústria de dano moral que atualmente ocorre, havendo exacerbado número de demandas da espécie em nossos tribunais e, na maioria das vezes, desacompanhadas de justa causa.

CONCLUSÃO

                                Após diversos estudos e estatísticas, ficam claro que a maioria dos demandantes contra médicos foram demandantes infundados, no certo todos temos direito a inafastabilidade do controle judicial. Porém este direito deve ser exercido em acordo com a lei e bons costumes.

            O cenário atual demonstra, que os pacientes/consumidores sujeitos de direitos, demandam o judiciário de maneira abusiva em sua maioria, utilizando o judiciário sem fundamento, ou seja, utilizando o direito constitucional e fundamental de inafastabilidade do controle jurisdicional com finalidade social divergente do que instituído pela lei e bons costumes.

            Ora, é esperado de todo cidadão ao exercer seu direito de acesso ao judiciário que exerça dentro dos limites da boa-fé, ética e finalidade social, ou seja, dentro dos padrões de prudência e diligência que teria inspirado um homem atento e diligente, sendo necessários fundamentos pertinentes, fáticos e jurídicos.

            Ora, a maioria das demandas contra médicos constituem apenas especulações emocionais em que a família ou o paciente procuram lançar a culpa no médico. Há apenas inconformismo, não há fundamentos fáticos para amparar a demanda. Tratam de questões fadadas a improcedência.

            Como já dissemos o direito a inafastabilidade de controle judiciário deve ser fomentado pela boa-fé, ora, não se pode deduzir em juízo demandas desprovidas de fundamentação.

                        Cabendo ao Estado-Juiz coibir o abuso da fruição da garantia de acesso à Justiça, reconhecendo a litigância de má-fé e o abuso do direito de ação. Indenizando o réu pelos danos morais e materiais sofridos.

            É notório que esse instituto aplicado nos moldes atuais, fomenta uma indústria do dano leviana em que seus percussores estão em busca de ganho fácil, alguns podem dizer que esse pensar seria menor, mas a realidade brasileira, demonstra claramente essa utilização, Miguel Kfouri em seu livro, traz a afirmação que 80% dos casos envolvendo médicos são julgados improcedentes. Portanto esses rigorosos institutos aplicados na responsabilidade civil médica demonstram que é excessiva a desvantagem na aferição de supostos erros médicos em detrimento dos profissional que necessitam ter sua dignidade auferida como o mesmo rigor, garantido pela Constituição.[20]

                Com estas porcentagens é fácil chegar a conclusão de que o médico é hoje a real vítima de nosso sistema jurídico e de nossa jurisprudência. Infelizmente a jurisprudência ainda se apega na máxima que o "justo deve pagar pelo pecador", e em nome do acesso à justiça, concedem a gratuidade de justiça independente de comprovação, em flagrante desrespeito à CF e a aplicam de forma irrestrita os institutos do CDC. Estes institutos aplicados pela jurisprudência e citados pela doutrina, colocam o médico em extrema desvantagem processual e material, colocando o médico em condição desigual.

            O cenário para os profissionais da medicina não é dos melhores, os pacientes que se dizem vítimas de erros médicos percebendo a facilidade de qualquer aborrecimento se transformar em quantia monetária a título de indenização, embarcam na aventura jurídica possibilitada pelo próprio sistema, surgindo uma verdadeira epidemia de ações de indenização, violando a real intenção da garantia do acesso ao judiciário.         

            A indústria do dano contra médico, não atinge apenas a esfera patrimonial do médico, que ao contrário dos demais fornecedores de serviço, não conta com vultuoso poder econômico e nem mesmo com a justiça distributiva, ora, colocar sobre o médico o encargo financeiro de uma demanda infundada, é uma flagrante lesão a seus direitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana, presunção de inocência, direito à vida, à intimidade ao patrimônio e etc. E como a maioria dos demandantes conta com a justiça gratuita o médico mesmo que ao final seja tido como inocente não conseguirá reaver a quantia gasta. Ora, não é justo e nem digno que o médico arque com tamanho ônus.

            Apesar de todo o desgaste financeiro estas demandas ainda trazem sérios prejuízos ao nome, honra, intimidade e etc. Em alguns casos os médicos são expostos pela imprensa sensacionalista em pré-suposições e pré-conceitos, tendo seu nome e sua fama, construído com anos de estudo jogados na lama. Além do constrangimento e da perda de clientes ao ser colocado como réu em uma ação por erro médico. Em uma pesquisa no "Google", o paciente ou futuro paciente tem em mãos livremente as informações judiciais de seu médico.

            Portanto, merecem e devem ser relidos os institutos flagrantemente protecionistas adotados pelo judiciário, pois apesar de proteger uma classe, está diretamente lesando direitos fundamentais de outra, não merece mais destaque a máxima do justo pagar pelo pecador, haja visto, que a Constituição Federal tipifica expressamente como fundamento do estado brasileiro a Dignidade da Pessoa Humana.

REFERÊNCIAS

COLTRI, Marcos Vinicius. O médico e o custo para provar sua inocência. Disponível em : <http://www.ducatri.com.br/diferencial/rcp.pdf>. Acesso em: 20 de agosto de 2014.

COUTO FILHO, Antonio Ferreira; SOUZA, Alex Pereira Instituições de Direito Médico. 2 ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2010.

FACHIN, Luiz Edson. Questões do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. 1 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.p.85

GALVÃO, Márcio Pirôpo. Abuso de direito à gratuidade da Justiça. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3339, 22 ago. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/22466>. Acesso em: 23 fev. 2015.

KFOURI NETO, Miguel. Culpa Médica e ônus da prova: presunções, perda de uma chance, cargas probatórias dinâmicas, inversão do ônus probatório e consentimento informado: responsabilidade civil em pediatria, responsabilidade civil em gineco-obstetrícia. São Paulo: RT, 2002.

MELO, André Luís Alves de. A provisoriedade da gratuidade da justiça e o prazo de cinco anos para a Fazenda Pública cobrar o débito. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2511, 17 maio 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/14865>. Acesso em: 2 mar. 2015.

MELO, José Mário Delaiti de. A industrialização do dano moral. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 111,abr2013.Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12703&revista_caderno=7>. Acesso em mar 2015.

MORAES, Irany Novah. Erro imaginário. Disponível em: http://www.culturaesaude.med.br/content/erro-imaginario> Acesso em: 02/04/2014.

Schreiber, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. 2ed. São Paulo: Atlas.2009. p. 186 e ss.

STOCO, Rui. Abuso do direito de estar em juízo. Direito de reparação por má-fé processual. Disponível em : < http://www.rkladvocacia.com/arquivos/artigos/art_srt_arquivo20100919165530.pdf>. Acesso em 10 de julho de 2014

VENUTO, Andrey Jabour. A banalização do instituto do dano moral. Disponível em < http://www.viannajunior.edu.br/files/uploads/20131001_100946.pdf> Acesso em março de 2015

[1]MORAES, Irany Novah. Erro imaginário. Disponível em: http://www.culturaesaude.med.br/content/erro-imaginario> Acesso em: 02/04/2014.

[2]Ibidem.

[3] Ibidem.

[4] COLTRI, Marcos Vinicius. O médico e o custo para provar sua inocência. Disponível em : <http://www.ducatri.com.br/diferencial/rcp.pdf>. Acesso em: 20 de agosto de 2014.

[5] COUTO FILHO, Antonio Ferreira; SOUZA, Alex Pereira Instituições de Direito Médico. 2 ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2010. p.2.

[6] STOCO, Rui. Abuso do direito de estar em juízo. Direito de reparação por má-fé processual. Disponível em : < http://www.rkladvocacia.com/arquivos/artigos/art_srt_arquivo20100919165530.pdf>. Acesso em 10 de julho de 2014.

[7] VENUTO, Andrey Jabour. A banalização do instituto do dano moral. Disponível em < http://www.viannajunior.edu.br/files/uploads/20131001_100946.pdf> Acesso em março de 2015.

[8] MELO, José Mário Delaiti de. A industrialização do dano moral. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 111,abr2013.Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12703&revista_caderno=7>. Acesso em mar 2015.

[9] Venuto. op.cit.

[10] VENUTO. op.cit.

[11] COUTO FILHO, Antônio Ferreira. O ovo da serpente eclode na Caixa de Pandora. Disponível em:< http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-76382005000300004&script=sci_arttext>. Acesso em 10/10/14

[12] FACHIN, Luiz Edson. Questões do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. 1 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.p.85

[13] KFOURI NETO, Miguel. Culpa Médica e ônus da prova: presunções, perda de uma chance, cargas probatórias dinâmicas, inversão do ônus probatório e consentimento informado: responsabilidade civil em pediatria, responsabilidade civil em gineco-obstetrícia. São Paulo: RT, 2002. p.182.

[14] Schreiber, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. 2ed. São Paulo: Atlas.2009. p. 186 e ss.

[15] Schreiber, Anderson. op. cit. p.186 e ss.

[16] GALVÃO, Márcio Pirôpo. Abuso de direito à gratuidade da Justiça. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3339, 22 ago. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/22466>. Acesso em: 23 fev. 2015.

[17] GALVÃO, Márcio Pirôpo. Abuso de direito à gratuidade da Justiça. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3339, 22 ago. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/22466>. Acesso em: 23 fev. 2015.

[18] MELO, André Luís Alves de. A provisoriedade da gratuidade da justiça e o prazo de cinco anos para a Fazenda Pública cobrar o débito. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2511, 17 maio 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/14865>. Acesso em: 2 mar. 2015.


 

[19] COUTO FILHO, Antonio Ferreira; SOUZA, Alex Pereira Instituições de Direito Médico. 2 ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2010. p.27.

[20] KFOURI NETO, Miguel. Culpa Médica e ônus da prova: presunções, perda de uma chance, cargas probatórias dinâmicas, inversão do ônus probatório e consentimento informado: responsabilidade civil em pediatria, responsabilidade civil em gineco-obstetrícia. São Paulo: RT, 2002. p.182.

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Sobre a autora
Amanda Bernardes

Advogada Especialista em Defesa Médica.

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