Aplicabilidade da perícia técnica em ações judiciais que envolvem derivativos:reflexos da crise subprime

12/03/2015 às 16:14
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Breves reflexões sobre as diversas modalidades de perícia judicial que se revelaram necessárias para a melhor compreensão dos prejuízos experimentados pelas empresas brasileiras em função de produtos derivativos influenciáveis pela crise subprime.

Deflagrada a crise do subprime em 2008 e a consequente desvalorização da moeda corrente nacional frente ao dólar norte-americano (o que representa, em termos práticos, a elevação da cotação do dólar no mercado doméstico), o Judiciário Brasileiro experimentou um significativo aumento de demandas envolvendo o mercado de capitais, especialmente de questões envolvendo derivativos.

Derivativos, como a própria denominação sugere, são operações que derivam das condições de negociação (especialmente preços) de determinado ativo principal, ativo este que pode ser representado por moedas, taxas de juros ações, commodities ou qualquer elemento dotado de significado econômico.

Para a análise pretendida, tem especial importância os instrumentos derivativos interligados às flutuações do mercado de câmbio, o qual apresentou movimentos bruscos em decorrência dos eventos econômicos suscitados.

Verifica-se que, das operações de derivativos que constituíram objeto de ações judiciais em momentos que sucederam a deflagração da crise do subprime, a extensa maioria é representada por operações em que os operadores (especialmente empresas) figuravam em posições expostas à elevação da cotação da moeda norte-americana.

Por motivações diversas, nas referidas ocasiões, os operadores assumiram posições que denotam crença fundamentada ou então uma “aposta” na manutenção ou na queda da cotação do dólar norte-americano (valorização da moeda doméstica). Ou seja, o operador ganharia se a cotação se mantivesse estável até determinado patamar (strike) ou então caísse.

Natural, portanto, que ocorrendo o movimento inverso ao previsto/apostado (manutenção ou queda na cotação), a posição assumida pelo operador implicaria em prejuízos. Ou seja, o operador perderia se a cotação se elevasse acima de determinado patamar (strike), evento que acabou se materializando na prática.

Dentre as operações envolvendo derivativos que, em virtude de prejuízos registrados, acabaram sendo submetidas à inspeção judicial e, por conseguinte, ao exame pericial, destacam-se as operações denominadas de OPÇÕES DE COMPRA, também chamados de call option.

Verifica-se que OPÇÕES são instrumentos derivativos, os quais conferem ao seu titular o direito de adquirir um ativo adjacente em determinada data e por determinado preço previamente acordado (strike).

O titular de uma opção de compra (call), para ter o direito de adquirir o ativo adjacente em data futuro pelo preço estabelecido (strike), paga ao lançador ou vendedor da opção um prêmio (determinada quantia em dinheiro).

O lançador ou vendedor de uma opção de compra aufere imediatamente o valor do prêmio, comprometendo-se, por conseguinte, a entregar o ativo adjacente, na data acordada e no preço previamente estabelecido, ao comprador (titular) da opção.

O prêmio pago pelo titular ao lançador/vendedor da opção não será, em nenhuma hipótese, objeto de devolução, independentemente de ocorrer ou não o efetivo exercício do direito de compra assegurado pela OPÇÃO.

Destaca-se, por oportuno, que o titular de uma opção de compra possui sempre a faculdade (e não a obrigação) de exercer ou não a sua opção de compra, de acordo com a conveniência e oportunidade da operação.

Em esteira diametralmente oposta, o vendedor de uma opção de compra - em contrapartida ao prêmio antecipadamente percebido - terá sempre a obrigação de, em sendo exercido o direito pelo titular da opção, entregar o ativo adjacente ao preço previamente estabelecido.

Neste sentido, assim consta da cátedra do insigne prof. Lauro de Araújo Silva Neto[1], materializada em sua obra OPÇÕES – DO TRADICIONAL AO EXÓTICO, in verbis:

“Opção é um instrumento que dá a seu titular, ou comprador, um direito futuro sobre algo, mas não uma obrigação; e a seu vendedor, uma obrigação futura, caso solicitado pelo comprador da opção. (...)

Podemos dizer que o vendedor de uma opção está, na verdade, vendendo um direito para que alguém (o comprador da opção) faça algo em data futura a suas custas. O comprador da opção paga em data presente o prêmio, ou preço da opção, sendo essa a remuneração do vendedor do título, por ter assumido a responsabilidade de tomar uma posição no mercado em data futura se assim o solicitar o comprador da opção.”

Volvendo a análise para as operações com OPÇÕES que foram submetidas à apreciação judicial, verifica-se que na extensa maioria das situações os Autores das referidas ações judiciais operaram como vendedores de opções de compra (também conhecido como lançador), ou seja, em prol da percepção imediata de um prêmio, comprometeram-se a entregar, no prazo estabelecido, o ativo adjacente ao preço previamente combinado (strike).

Para melhor ilustrar as variáveis inerentes à operação, consideremos uma operação de OPÇÃO COMPRA firmada em 13 de setembro e com vencimento em 13 de outubro de 2008 a um strike de R$ 1,75 para cada dólar norte-americano.

Assim, para firmar a referida operação, o vendedor/lançador da opção se comprometeria a entregar dólares a R$ 1,75 em 13 de outubro de 2008, independentemente da cotação registrada em tal data. Para assumir o referido risco, receberia, de imediato, um prêmio, por exemplo, de R$ 0,03 por dólar na operação.

Considerando-se uma operação de 200.000 dólares, o prêmio imediatamente recebido pelo vendedor/lançador seria de R$ 6.000,00 (seis mil reais). Tal prêmio seria pago pelo comprador da opção, o qual, em contrapartida, teria o direito (mas não a obrigação) de adquirir dólares a cotação de R$ 1,75.

Logo, caso a cotação do dólar norte-americano no mercado oficial estivesse em níveis inferiores a R$ 1,75, por exemplo, de R$ 1,60, o comprador da opção não a exerceria, visto que seria mais vantajoso (barato) adquirir tal moeda diretamente no mercado.

Neste caso, o vendedor/lançador da opção nenhum custo adicional teria, perfazendo a totalidade do prêmio recebido (R$ 6.000,00) como lucro da operação.

Contudo, caso a cotação do dólar norte-americano no mercado oficial estivesse em níveis superiores a R$ 1,75, por exemplo, no patamar de R$ 1,90, o comprador da opção certamente a exerceria, visto que seria mais vantajoso adquirir a moeda ao preço travado na opção de compra (R$ 1,75) do que diretamente no mercado a R$ 1,90.

Neste caso, o vendedor/lançador da opção, para fechar a operação e cumprir a sua parte do acordo, teria que pagar a diferença entre o strike definido (R$ 1,75) e a cotação do mercado (R$ 1,90), ou seja, R$ 0,15 por dólar na operação.

Neste caso, o vendedor/lançador da opção teria que pagar R$ 30.000,00 (0,15 x 200.000), assumindo um prejuízo na operação de R$ 24.000,00, ou seja, a diferença entre o prêmio antecipadamente recebido (R$ 6.000,00) e o ônus decorrente do exercício da opção (R$ 30.000,00).

Desta forma, verifica-se que em 13 de setembro de 2008, ou seja, no momento da venda da opção no exemplo ilustrativo apresentado, o vendedor/lançador interpretando o cenário econômico vivenciado, acreditava (“apostava”) que a cotação do dólar, em 13 de outubro de 2.008 (data da liquidação), estaria em níveis inferiores a R$ 1,75, situação em que o comprador da referida opção não exerceria o seu direito. Neste caso, os vendedores/lançadores da opção lucrariam o valor correspondente ao prêmio inicialmente recebido.

Observa-se que a efetiva percepção de ganhos em operações de venda de opções (call) está condicionada ao fato do ativo adjacente registrar, na data do vencimento, valor igual ou inferior ao preço de exercício originalmente previsto (strike).

Ao realizar a venda de opções de compra, os operadores/lançadores, certamente após examinar e interpretar os fundamentos do mercado, acreditavam que a cotação do dólar não suplantaria os preços de exercícios previamente definidos.

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O esboço gráfico declinado na sequência revela que o resultado financeiro que seria obtido pelos vendedores/lançadores (lucro ou prejuízo) estaria condicionado, conforme posição assumida (vendida em opções de compra – “short call”) ao comportamento registrado pela cotação da moeda norte-americana.

Se a cotação do dólar americano, no momento do vencimento da opção, estivesse em nível igual ou inferior ao preço de exercício (strike) os vendedores/lançadores teriam lucro – lucro este limitado ao valor total do prêmio antecipadamente recebido.

Em outra esteira, na eventualidade da cotação do dólar, no advento do vencimento da opção, estivesse em níveis superiores ao preço de exercício estabelecido (strike), os vendedores/lançadores teriam prejuízos, cujos níveis estariam condicionados a efetiva cotação do dólar verificada no vencimento e posição total assumida (quantidade do ativo).

Analisando-se isoladamente as referidas operações, verifica-se que os vendedores/lançadores acreditavam que a cotação do dólar, nas datas de exercício, seriam inferiores ao preço de exercício combinado, especulando, portanto, com a baixa da paridade cambial.

Em sede judicial, verifica-se que a argumentação esposada cinge-se ao suposto desconhecimento dos meandros inerentes ao referido instrumento derivativo, procurando assim transferir ou partilhar o ônus com a corretora ou instituição financeira.

A prova pericial geralmente subdivide-se em duas especialidades:

  • Degravatória: A perícia degravatória tem por finalidade analisar e reproduzir literalmente as gravações concernentes aos diálogos celebrados entre os agentes envolvidos no fechamento da operação. A referida prova técnica (degravação) permite identificar se os operadores tinham plena ciência das especificidades inerentes à operação entabulada, bem como se houve o fornecimento de informações suficientes à efetiva tomada de decisões.

  • Contábil: A perícia contábil tem por finalidade identificar se os valores atinentes à operação foram corretamente calculados. Além da conferência acerca da exatidão ou não das cifras exigidas na operação, a perícia contábil também pode ser empregada com vistas a mapear o histórico de possíveis operações anteriormente realizadas com o mesmo instrumento derivativo, cuja habitualidade poderia denotar conhecimento prévio e extensivo sobre a operação.

São estes, portanto, os principais empregos da perícia técnica em demandas judiciais que versam sobre derivativos, especialmente daqueles que foram significativamente influenciados pelas oscilações cambiais decorrentes da crise mundial há pouco vivenciada.


Nota

[1] SILVA NETO. Lauro de Araújo. OPÇÕES – DO TRADICIONAL AO EXÓTICO. Atlas.  São Paulo. 2.007.

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Sobre o autor
Edson Lazarini

Especialista em Finanças, Controladoria e Auditoria. Advogado e Contador. Perito Judicial nas esferas cível, trabalhista e tributária em âmbito nacional. Especializado em soluções técnicas de conflitos judiciais e extrajudiciais envolvendo produtos bancários, mercado de capitais, avaliação de empresas, reequilíbrio econômico-financeiro, apuração de haveres, recuperação de empresas etc.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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