SUMÁRIO: Resumo.Abstrat.1.Introdução.2.Os princípios e os direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito.2.1. A importância dos princípios no ordenamento brasileiro.2.2. Os direitos fundamentais.3. A maioridade penal como cláusula pétrea.3.1. Cláusulas pétreas na Constituição de 1988.3.2. Análise do art. 228 como cláusula pétrea implícita.4. A inconstitucionalidade e inconveniência da redução da maioridade penal.5. Conclusão.Referências Bibliográficas.Termo de Isenção Responsabilidade
Resumo:A progressão alarmante dos crimes violentos, mormente aqueles praticados por menores de idade, tem incitado a comoção social e o apelo mediático em torno da contenda da redução da maioridade penal. Todavia, esta medida, em princípio atraente, com uma análise mais detida de suas minúcias se revela pouco eficaz. Os direitos fundamentais, alinhados aos princípios do Estado Democrático de Direito, garantem ao adolescente tratamento prioritário ao apto desenvolvimento de suas habilidades, pautados na sua proteção integral, sem deixar de submetê-los a uma legislação especial. Ademais, tal medida não encontra respaldo constitucional, por ser a inimputabilidade penal um direito fundamental implícito, e consequentemente, uma cláusula pétrea disposta na Constituição Federal de 1988.
Palavras-chaves: inimputabilidade penal; cláusula pétrea; Estado Democrático de Direito; princípios; direitos fundamentais; inconstitucionalidade.
1.Introdução
Os altos índices de violência os quais a sociedade brasileira enfrenta cotidianamente dão ensejo a grandes discussões, especialmente no que tange a causa destes crimes e as medidas adotadas ao seu combate. A rotina aterrorizante de estar sempre sob perigo iminente leva os cidadãos a buscarem as possíveis razões que os levaram a uma realidade tão impactante, sendo a delinquência juvenil uma das principais causas apontadas, senão a mais evidente, para justificar tamanha violência.
O apelo midiático nestes casos, difundidos com seus pormenores nos meios de comunicação, eleva a discussão do tema a um ponto tal que os cidadãos são levados a crer que estes menores infratores são os responsáveis pela grande maioria dos delitos urbanos. Não obstante represente parcela da criminalidade, os delitos cometidos por menores de idade sempre estiveram presentes na realidade brasileira, podendo-se atribuir sua existência aos mais diversos fatores sociais, políticos e econômicos, não sendo um fator isolado da criminalidade, tampouco recente.
Parte dos brasileiros insiste em defender que a redução da maioridade penal seria fator determinante, senão imprescindível, ao combate à violência urbana a qual os brasileiros são submetidos. Esse pensamento encontra-se tão difundido na sociedade brasileira que é possível citar, exemplificativamente, ao menos cinco Propostas de Emenda Constitucional recentes acerca do assunto: PEC’s 125/2007, 399/2009, 57/2011, 223/2012 e 228/2012. Arrebatados por um sentimento de impunidade, esses brasileiros adotam o discurso de que a inimputabilidade penal, garantia individual do adolescente em formação, tem sido usada como um pressuposto à impunidade da delinquência juvenil, visto que estão sujeitos a medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, e não às infrações penais dispostas no anacrônico Código Penal de 1940.
Todavia, essa parcela da população ignora a proteção conferida pela Constituição Federal de 1988 à criança e ao adolescente, inclusive em capítulo especialmente direcionado aos vulneráveis da sociedade (criança, adolescente e idoso), estabelecendo como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a estes os direitos básicos a uma vida digna, além de salvaguardá-los da violência, crueldade e opressão. Neste seara, a inimputabilidade penal do menor de 18 (dezoito) anos emerge como corolário direto deste arrimo constitucional, ressaltando como direito individual da criança e do adolescente não ser alcançado pelo jus puniendi estatal durante o período de sua formação intelectiva e social, sem confundi-la com impunidade, visto a legislação especial que estabelece as medidas socioeducativas às condutas inadequadas.
Essa qualidade de ser humano em formação, como garantia individual, adentra ao rol das cláusulas pétreas constitucionais, as quais não podem ser alteradas com o escopo de serem suprimas, tampouco por emendas constitucionais. Caso contrário, a inconstitucionalidade do ato é flagrante e deve ser combatida, pelas razões que seguem a seguir expostas neste trabalho.
2.Os princípios e os direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito
A Constituição da República de 1988 inicia sua exposição, logo em seu artigo 1º, se intitulando como um Estado Democrático de Direito, tendo como fundamento os princípios da soberania, dignidade da pessoa humana, pluralismo político, cidadania, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Coligada a estas características está a participação popular, de forma a influir diretamente nas decisões e no rumo em que este Estado irá tomar.
Não menos importante são os direitos fundamentais, expostos no art. 5º e em toda a Constituição Federal, de modo a garantir a dignidade humana, bem como a proteger este Estado Democrático de Direto, a fim de que este possa atingir seu objetivo precípuo, conforme José Afonso da Silva (1994, p. 110) preceitua que “a tarefa fundamental do Estado Democrático de Direito consiste em superar as desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize a justiça social.”
Desta feita, imprescindível se faz uma análise mais detida da forma com que esses princípios e direitos fundamentais influenciam o Estado Democrático de Direito brasileiro.
2.1. A importância dos princípios no ordenamento brasileiro
Princípios constituem a alma de uma Constituição, são os fundamentos do Estado de Direito, vez que, nas palavras de Marcelo Novelino (2007, p. 68), “representam o primeiro estágio de concretização dos valores jurídicos a que se vinculam, seguidos dos subprincípios, que se vinculam diretamente aos princípios, e das regras”.
Importante frisar que as normas constitucionais são formadas tanto por princípios como por regras, sendo ambas complementares ao ordenamento jurídico pátrio. Isso porque um sistema instituído apenas por regras restaria por sofrer de um legalismo exacerbado, enrijecedor de valores e transformações as quais toda uma sociedade se submete. Por outro lado, um sistema permeado apenas por princípios padeceria de ausência de segurança jurídica.
Os princípios na Constituição Federal de 1988 abordam os fins a serem atingidos pelo Estado, podendo ser explícitos ou implícitos. Impende ressaltar o conteúdo axiológico dos princípios, sendo caracterizados por Robert Alexy (1993, p.86-87) como “mandados de otimização”, “podendo ser cumpridos em diferentes graus, sendo que a medida devida de seu cumprimento depende não apenas das possibilidades reais, mas também das jurídicas, cujo âmbito é determinado por princípios e regras opostos”.
Neste sentido, os princípios constitucionais afiguram-se como fórmulas normativas consolidadas a partir dos valores ou fins constitucionais, que garantem a unicidade e a concreção de todo o ordenamento jurídico. Esta unidade axiológica, alcançada pelo processo de interpretação dos valores e princípios, permite localizar os direitos fundamentais implícitos, como é o caso do art. 227 da CF88 que, embora esteja fora rol expresso do art. 5º, estabelece o princípio da prioridade absoluta conferido à criança e ao adolescente.
2.2. Os direitos fundamentais
No Estado constitucional, os direitos fundamentais, caracterizados como direitos público-subjetivos garantidos constitucionalmente, possuem duas facetas que se entranham na sua formação: a positiva e a negativa. De um lado, os direitos fundamentais são uma limitação das tarefas do Estado à garantia da liberdade, segurança e propriedade.
Neste viés, os direitos fundamentais são entendidos no seu sentido negativo por serem os direitos que os indivíduos têm de defesa contra o Estado, no caso em que há uma interferência indevida na esfera de liberdade dos indivíduos. Assim, os direitos fundamentais são entendidos como limites normativos ao poder estatal, além de ser considerados critérios para sua legitimação.
Em sua faceta diversa, o Estado assume tarefas positivas, tendo a função de prestar serviços públicos para consagrar os direitos fundamentais, para assegurar a liberdade dos indivíduos, bem como dos seus direitos sociais. O Estado fica incumbido da tarefa de garantir os direitos e liberdades fundamentais, e não somente respeitá-las, afastando-se do viés meramente formal.
Neste sentido, a lição de Ingo Sarlet (2010, p.59):
(...)escapando ao conceito meramente formal, ir além ‘do governo das leis’, da organização do poder e das competências, para reconhecer metas, parâmentos e limites da atividade estatal, certos valores, direitos e liberdades fundamentais, os quais exercem não apenas função limitativa do poder, como também legitimadora do poder estatal e da própria a ordem constitucional.
Impende ressaltar que os direitos fundamentais podem ser classificados, ainda, como de cunho material ou formal. Ao observar o rol de direitos fundamentais expressos na Constituição Federal de 1988, tem-se a sua identificação como direitos com fundamentalidade formal.
Para Jorge Miranda (2000, p.8), os direitos fundamentais formais são as posições jurídicas subjetivas protegidas pela Constituição formal por estarem nela inscritas. Desta feita, a formalidade decorre do fato do poder constituinte originário relacionar esses direitos no rol jurídico da CF88, momento em que passam a ter um regime jurídico próprio.
Sob o aspecto material, os direitos fundamentais são assim caracterizados por sua essência, ou seja, o conteúdo substancial o qual leva um direito a ser considerado como fundamental. São direitos que, embora não estejam previstos expressamente no texto constitucional, possuem conteúdo essencialmente fundamental, aberto, mormente por terem como fundamento a dignidade da pessoa humana, como é o caso do art. 228 da CF88, que será melhor analisado no item 3.2. deste trabalho.
A promoção dos direitos fundamentais encontra como condição intrínseca o respeito à dignidade da pessoa humana. Neste diapasão, “os direitos fundamentais são os pressupostos elementares de uma vida humana livre e digna, tanto para o indivíduo como para a comunidade: o indivíduo só é livre e digno numa comunidade livre; a comunidade só é livre se for composta por homens livres e dignos.” (ANDRADE, 2001, P.110).
Destarte, os direitos e garantias fundamentais, em sua roupagem material, permitem que a Constituição integre outros direitos como essenciais, ainda que estejam fora do rol explícito de direitos fundamentais formalmente constitucionais.
3.A maioridade penal como cláusula pétrea
As transformações e evoluções as quais uma sociedade se sujeita requerem uma atualização não só dos seus valores e conceitos, mas, sobretudo, do texto constitucional o qual o compõe. Para tanto, o legislador constituinte criou mecanismos de modificação constitucional, a fim de que os seus interesses possam se alinhar aos interesses sociais com o transcurso dos anos.
Não obstante instituído pela Constituição, esse poder reformador encontra limites instituídos no próprio texto constitucional, a fim de que certas garantias fundamentais não sejam extirpadas do seio da sociedade. Implícitos ou explícitos, esses limites asseguram ao cidadão que as conquistas sociais alcançadas em prol da coletividade não sejam desconsideradas por meros apelos momentâneos, como o equivocado discurso da redução da maioridade penal.
3.1. Cláusulas pétreas na Constituição de 1988
O poder derivado reformador é instituído pela própria Constituição, a fim de que a Carta Magna seja adequada às novas necessidades sociais, sendo limitado e condicionado juridicamente ao poder constituinte originário. Dentre essas limitações, cite-se as principais, que podem ser de cunho formal (art. 5º e art. 60, incisos I a III, §§2º e 3º), circunstancial (art. 60, §1º) e material (art. 60, §4º), esta última objeto de maior análise no momento.
As cláusulas pétreas constituem limites materiais impostos no texto constitucional a fim de preservar o seu núcleo essencial, ou seja, assegurar a sua integridade, evitando que certas reformas provoquem alteração na sua identidade precípua. Desta feita, as cláusulas pétreas asseguram o propósito de atualizar a Constituição, sem que outra ordem constitucional seja instituída.
Mendes, Branco e Coelho (2008, p. 218-219) aduzem que:
O significado último das cláusulas pétreas está em prevenir um processo de erosão da Constituição. A cláusula pétrea não existe tão-só para remediar situação de destruição da Carta, mas tem a missão de inibir a mera tentativa de abolir o seu projeto básico. Pretende-se evitar que a sedução e de apelos próprios de certo momento político destrua um projeto duradouro.
A instituição das cláusulas pétreas na Carta Magna traduz a característica de rigidez nela presente, assegurando os seus mandamentos, de forma que ideologias passageiras não maculem a sua essência maior. Assim, seu escopo maior não está em proteger a redação dos seus dispositivos, mas sim evitar que os princípios fundamentais essenciais sejam abolidos, resguardando a matéria constitucional, e não o seu texto.
O art. 60, §4º da Constituição Federal enumera as cláusulas pétreas como sendo as seguintes:
Art. 60 § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
O rol de limitações constantes no referido dispositivo constitucional não é exaustivo, visto que o reconhecimento de limites implícitos é inerente à sistemática constitucional. “As cláusulas pétreas implícitas são aquelas que, apesar de não estarem previstas no art. 60, §4º, também não pode ser objeto de alteração pelo conteúdo do qual dispõe”. (NOVELINO, 2007, p. 50).
Constatado que direitos e garantias individuais são cláusulas pétreas, é forçoso concluir a existência de cláusulas pétreas implícitas no ordenamento constitucional, observada a acepção material dos direitos fundamentais, como bem assevera o art. 5º, §2º da CF88, o qual aduz que direitos e garantias podem advir dos princípios adotados pela constituição. No caso, o princípio da dignidade da pessoa humana, aplicado à interpretação do art. 228, resta por configurar este último como direito individual, resguardado pelo seu conteúdo como uma cláusula pétrea implícita.
3.2. Análise do art. 228 como cláusula pétrea implícita
Ao estabelecer os 18 (dezoito) anos como a idade penal mínima, a Constituição prioriza a dignidade humana da criança e do adolescente, optando pelo princípio da proteção integral como forma de resguardar a sua condição de ser humano em formação face ao poder punitivo estatal.
Essa evolução pela qual o ordenamento jurídico se submeteu no tocante às crianças e adolescentes é relativamente recente. O Código de Menores de 1979 (Lei 6.667, de 10 de outubro de 1979) estabelecia práticas essencialmente repressivas à situação do “menor em situação irregular”. “Os menores ganhavam atenção apenas quando se encontravam em estado de patologia social, na qual não era possível distinguir a conduta da criança e do adolescente daqueles que o cercavam, reunindo na mesma instituição infratores e abandonados, vitimizados de maus-tratos com autores da conduta infracional, pois na interpretação da lei todos estaria em ‘situação irregular’”. (SARAIVA, 2002, p.14).
A virada paradigmática da condição do menor veio com a difusão dos direitos humanos no Estado Democrático de Direito, calcada pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Este valor primordial à ordem constitucional não deve ser apenas previsto na letra fria da lei, mas, principalmente, constituir um objetivo de promovê-la pelos meios necessários ao alcance de uma vida digna.
A inimputabilidade penal passou a representar um direito do menor de exercer seu desenvolvimento social liberto do poder punitivo estatal, garantindo, assim, não um direito à impunidade, mas tão somente uma proteção especial baseada nos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito quando da aplicação de qualquer medida privativa de liberdade, consoante disposto no artigo 227, §3º, inciso V, da Constituição Federal.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069, de 13 de julho de 1990) é uma garantia individual do menor de 18 (dezoito) anos de ser responsabilizado pelos seus atos junto a uma legislação especial que, através de medidas de caráter pedagógico e ressocializador, pune seu comportamento baseado na condição peculiar do menor como pessoa em desenvolvimento.
Por ser caracterizado como um direito individual, este art. 228 da CF88 estaria, implicitamente, no rol das cláusulas pétreas, nos termos do art. 60, §4º, inciso IV, como Alexandre de Moraes (2005, p.2176) assevera:
(...)o artigo 228 da Constituição Federal encerraria a hipótese de garantia individual prevista fora do rol exemplificativo do art.5º, cuja possibilidade já foi declarada pelo STF em relação ao artigo 150, III, b (Adin 939-7 DF) e consequentemente, autentica cláusula pétrea prevista no artigo 60, § 4.º, IV. (...) Essa verdadeira cláusula de irresponsabilidade penal do menor de 18 anos enquanto garantia positiva de liberdade, igualmente transforma-se em garantia negativa em relação ao Estado, impedindo a persecução penal em Juízo.
Assim, a redução da imputabilidade penal, por ser verdadeira cláusula pétrea implícita, resta imune do poder constituinte reformador. A reforma da Constituição não pode alterar a essência da Constituição a ponto de alterar a sua identidade e seus preceitos fundamentais.
4.A inconstitucionalidade e inconveniência da redução da maioridade penal
Conforme já exposto, por se tratar de direito individual descrito fora do rol específico de direitos e garantias fundamentais, o art. 228 constitui uma cláusula pétrea implícita, pelo que não pode sofrer uma alteração constitucional tendente a abolir parte do seu conteúdo. Uma proposta de emenda que vise a reduzir a maioridade penal estaria alterando a idade estabelecida pelo poder constituinte originário, suprimindo, por conseguinte, o direito individual do menor de ser responsabilidade penalmente apenas após os seus 18 (dezoito) anos, e isso não pode ser admitido por ser inconstitucional.
A Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança, promulgada através do Decreto 99.710/90, atesta em seu preâmbulo que “a criança, em virtude de sua falta de maturidade física e mental, necessita proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção legal, tanto antes quanto após seu nascimento". Nestes termos, logo em seu art. 1º, estabelece o quantum para a maioridade:
Artigo 1
Nos termos da presente Convenção, criança é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo.
Neste sentido, a referida Convenção acrescenta em seu art. 41 que os seus signatários não poderão agravar a lei interna de seus países de forma a prejudicar os direitos e garantias das crianças e adolescentes dispostos no referido documento, senão vejamos:
Artigo 41
Nenhuma disposição da presente Convenção afeta as disposições mais
favoráveis à realização dos direitos da criança que possam figurar:
a) na legislação de um Estado Parte;
b) no direito internacional em vigor para este Estado.
Eugênio Terra (2001, p. 63) lembra que “é vedado ao Estado brasileiro tomar qualquer iniciativa que venha a tornar ineficaz ou contrariar qualquer dispositivo da Convenção sobre Direitos da Criança, que tem status de norma constitucional em razão de seu conteúdo, nos termos do art. 5º, §3º da Constituição Federal de 1988”. Portanto, caso o ordenamento jurídico brasileiro admitisse a redução da maioridade penal para aquém dos 18 anos, restaria configurado um suposto confronto entre a lei interna e a regra internacional a este respeito, prevalecendo a regra disposta na Convenção, por ser este esta a que melhor resguarda os direitos fundamentais da criança e do adolescente:
Diante disso, observa-se que, constatado um conflito entre uma regra da Constituição Federal e outra pertencente a um tratado internacional de direitos humanos, deve-se confrontar as regras antagônicas de cada um desses diplomas: aquela que melhor observar direitos individuais prevalece (princípio do pro homine), paralisando a eficácia da outra. (BARBOSA, 2009, p.04 apud GOMES, 2008, p.46).
Ademais, há que se atentar para o princípio da proibição do retrocesso, o qual possui como objetivo evitar a supressão ou a redução de direitos fundamentais sociais, em níveis já alcançados e garantidos aos brasileiros. O referido princípio funciona como verdadeiro mecanismo de defesa dos direitos fundamentais, impedindo que as conquistas já alcançadas pela sociedade sofram retrocesso ou padeçam de ameaças a seu conteúdo garantista.
No caso em apreço ressalta-se o caráter negativo do princípio, o qual institui que o legislador não poderá suprimir o grau de concretização dos direitos fundamentais já alcançados:
O conteúdo negativo - subjacente a qualquer princípio - que, no caso, prevalece sobre o positivo, refere-se à imposição ao legislador de, ao elaborar os atos normativos, respeitar a não-supressão ou a não-redução, pelo menos de modo desproporcional ou irrazoável, do grau de densidade normativa que os direitos fundamentais sociais já tenham alcançado por meio da legislação infraconstitucional, isto é, por meio da legislação concretizadora dos direitos fundamentais sociais insertos na Constituição. (FILETI, 2008, p.01)
Em que pese todas as considerações que ratificam a inconstitucionalidade da medida, a redução da maioridade penal é tema recorrente de discussões, inclusive no Congresso Nacional, as quais ensejaram inúmeras Propostas de Emenda Constitucional, sendo a primeira delas a PEC 171/93, sendo apensadas a ela 29 (vinte e nove) novas PEC’s a este respeito. Coadunam deste entendimento alguns doutrinadores renomados, como o professor Pedro Lenza (2008, p. 762) o qual atesta “ser perfeitamente possível a redução de 18 para 16 anos, uma vez que apenas não se admite a proposta de emenda (PEC) tendente a abolir direito e garantia individual. (...)”.
Entretanto, como restou cabalmente demonstrado, essas manifestações favoráveis à redução da inimputabilidade penal carecem de guarida constitucional, além de divagarem quanto a real eficácia da medida, visto que suas conseqüências poderiam ser mais maléficas à sociedade de um modo geral. A experiência carcerária no país não tem reabilitado adultos, pelo que dificilmente poder-se-ia atestar sua eficácia perante indivíduos em formação, que poderia, a contrário senso, se graduarem na escola da criminalidade.
Ademais, a adoção de medidas penalizadoras aos jovens seria apelar para uma medida retributiva do mal, não atingindo os fins reabilitadores buscados por meio das medidas socioeducativas, retirando todo o trabalho pedagógico instituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Outrossim, a possibilidade do jus puniendi estatal atingir os jovens menores de 18 (dezoito) anos seria apenas um paliativo para acobertar a leniência do Estado frente às questões sociais de proteção ao à criança e ao adolescente.