1 - INTRODUÇÃO
Dentre os direitos e garantias constitucionais, em prol do Estado Democrático de Direitos, a Carta Magna de 1988 prevê a imunidade tributária, como forma de privilégios (proteção) sobre determinados bens e/ou pessoas, que de certa forma, corroboram para o exercício da democracia no País.
Apesar de a Constituição prever um rol taxativo e aparentemente claro das hipóteses de não incidência tributária pelos entes da federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), há situações polêmicas em que se questionam tais privilégios em determinadas situações, acerca da natureza de alguns serviços, bens e pessoas.
Assim, por vezes houve a necessidade de a Suprema Corte (STF) se manifestar, decidindo definitivamente acerca de eventual conflito existente acerca da matéria, de veras complexa.
Nesta senda, dentre os casos polêmicos, destaca-se o da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, que, embora Empresa Pública, com personalidade jurídica de direito privado, presta serviço público, sendo equiparada, por isso, a uma Autarquia, a qual possui diversos privilégios, dentro os quais o tributário. Mas será que esses privilégios também são estendidos àquela Empresa Pública? Juridicamente e de acordo com a Constituição Federal, isso seria possível?
Nesse espeque, o objetivo desse trabalho será apresentar e discutir de forma breve e dinâmica algumas questões acerca da imunidade tributária, previsão legal e definição, espécies e hipóteses previstas no texto constitucional, com foco para a imunidade recíproca entres os entes da federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas Autarquias e Fundações), dando destaque especial para os serviços públicos de prestação obrigatória e exclusiva pelo Estado, no caso os Correios, de acordo com a Legislação, Doutrina e Jurisprudência atual.
2 – IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
2.1 – PREVISÃO LEGAL E DEFINIÇÃO
O art. 150, VI, da Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988 diz que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituírem impostos sobre: (a) patrimônio, renda ou serviços uns dos outros; (b) templos de qualquer culto; (c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e (d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão.
Imunidade tributária, portanto, trata-se de uma não incidência constitucionalmente qualificada, uma proibição/obstáculo constitucional de tributação. Consiste no impedimento constitucional absoluto à incidência da norma tributária, pois restringe as dimensões do campo tributário dos entes federados. É, sobretudo, um direito e uma garantia fundamental e, assim, Cláusula Pétrea (norma constitucional que não poderá ser revogada/abolida), com supedâneo na inteligência do art. 60, §4º, IV, da CRFB/1988.
De acordo com o tradicional conceito de Aliomar Baleeiro são as “vedações absolutas ao poder de tributar certas pessoas (subjetivas) ou certos bens (objetivas) e, às vezes, uns e outras. Imunidades tornam inconstitucionais as leis ordinárias que as desafiam”. (1996, p. 82)
Hugo Brito Machado conceitua dizendo que “imunidade é o obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência de regra jurídica de tributação. O que é imune não pode ser tributado. A imunidade impede que a lei defina como hipótese de incidência tributária aquilo que é imune. É limitação de competência”. (2011, p. 285)
2.2 – ESPÉCIES OU HIPÓTESES ESPECÍFICAS E EXPRESSAS NA CONSTITUIÇÃO DE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
2.2.1 – IMUNIDADE RELIGIOSA OU DOS TEMPLOS
Espécie de imunidade subjetiva (ligada à entidade/pessoa jurídica religiosa) prevista no art. 150, VI, “b”, da CRFB de 1988.
Nos termos da previsão constitucional, nenhum imposto incide sobre templos de qualquer culto. Porém, de acordo com o art. 150, §4º, tal vedação compreende somente patrimônio, renda e serviços, relacionados com as finalidades essenciais das respectivas entidades.
De acordo com Alexandre de Moraes, trata-se, pois, de garantia instrumental à liberdade de crença e culto religioso prevista no art. 5º, VI, do texto constitucional, cuja finalidade é impedir a criação de obstáculos econômicos, por meio de impostos, à realização de cultos religiosos. (2009, p. 883)
Aliomar Baleeiro ressalta que
O templo não deve ser apenas a igreja, sinagoga ou edifício, onde se celebra a cerimônia pública, mas também a dependência acaso contígua, o convento, os anexos por força de compreensão, inclusive a casa ou residência oficial do pároco ou pastor, pertencente à comunidade religiosa, desde que não empregados para fins econômicos. (2011, p. 88)
Na mesma linha Hugo de Brito Machado afirma que “templo não significa apenas a edificação, mas tudo quanto seja ligado ao exercício da atividade religiosa. Não pode haver imposto sobre missas, batizados ou qualquer outro ato religioso. Nem sobre qualquer bem que esteja a serviço do culto”. (2011, p. 289)
Entretanto, de acordo com o §4º do art. 150 retro citado, vale ressaltar que a imunidade abrange somente patrimônio, renda e serviços, relacionados às atividades essenciais das entidades. Por via oblíqua, poderá, então, incidir impostos sobre bens pertencentes à Igreja, desde que não sejam instrumentos da atividade desta. Prédios alugados, por exemplo, assim como os respectivos rendimentos, podem ser tributados.
Nesta esteira e segundo a lição de Brito Machado, a imunidade concerne ao que seja necessário para o exercício do culto. Nem se deve restringir seu alcance, de sorte que o tributo constitua um obstáculo, nem se deve ampliá-lo, de sorte que a imunidade constitua um estímulo à prática do culto religioso. (2011, p. 290)
De acordo ainda com a doutrina e com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), com aplicação análoga da Súmula 274, pode-se afirmar que a imunidade em epígrafe abrange, inclusive, os imóveis alugados a terceiros e os rendimentos respectivos, desde que sejam estes destinados à manutenção do culto e das atividades essenciais das entidades.
2.2.2 – IMUNIDADE DOS PARTIDOS POLÍTICOS, DAS ENTIDADES SINDICAIS E DAS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO OU DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, SEM FINS LUCRATIVOS
Espécie de imunidade subjetiva (ligada à entidade/pessoa jurídica) prevista no art. 150, VI, “c”, da CRFB de 1988.
Nos termos da previsão constitucional, nenhum imposto incide sobre patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores (e não patronal), das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei. Porém, de acordo com o art. 150, §4º, tal vedação compreende somente patrimônio, renda e serviços, relacionados com as finalidades essenciais das respectivas entidades.
Na letra da Constituição, não pode haver impostos sobre o patrimônio, a renda ou os serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações. São também imunes as entidades sindicais da classe dos trabalhadores (e não da classe patronal), bem como, as instituições de educação ou de assistência social, sem fins lucrativos.
Alexandre de Moraes afirma que
Igualmente, a Constituição de 1988 prevê imunidade tributária aos Partidos Políticos para que se evite a possibilidade de nefasta utilização do poder de tributar do Estado com a finalidade de restrição e perseguições a determinadas ideologias. Trata-se de previsão corolária aos arts. 1º, parágrafo único, 14, §3º, V e 17 do texto constitucional, que consagram a regra da democracia representativa, além de alcançar os direitos relacionados à criação, organização e participação em partidos políticos como espécies do gênero Direitos Fundamentais (capítulo V, do título II), afirmando ser livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos. (2009, p. 883)
De acordo com a lição de Hugo Machado, a imunidade das instituições de educação e de assistência social, todavia, é condicionada. Só existe para aquelas instituições sem fins lucrativos. Não ter fins lucrativos não significa, de modo nenhum, ter receitas limitadas aos custos operacionais. Essas instituições, na verdade, podem e devem ter sobras financeiras, até para que possam progredir, modernizando e ampliando suas instalações. O que não pode haver é distribuição de lucros. Devem, assim, aplicar todas as suas disponibilidades na manutenção dos seus objetivos institucionais, à luz da inteligência do art. 14 do Código Tributário Nacional (CTN). (2011, p. 291-292)
Assim como a imunidade religiosa, a imunidade em epígrafe, de acordo com a doutrina e com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) - Súmula 274 - abrange, inclusive, os imóveis alugados a terceiros e os rendimentos respectivos, desde que sejam estes destinados à manutenção das atividades essenciais daquelas entidades.
2.2.3 – IMUNIDADE DOS LIVROS, JORNAIS E PERIÓDICOS
Espécie de imunidade objetiva (ligada a certos bens, independente da pessoa a quem pertençam) prevista no art. 150, VI, “d”, da CRFB de 1988.
Nos termos da previsão constitucional, nenhum imposto incide sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão, seja qual for a natureza, formato ou conteúdo, haja vista que não há restrições na Carta Maior.
A consagração desta imunidade, de acordo com a Suprema Corte, tem como finalidade a garantia e efetivação da livre manifestação do pensamento, da cultura e da produção cultural, científica e artística, sem possibilidade de criação de empecilhos econômicos, via tributação, por parte do Estado, capazes de inibir a produção material e intelectual de livros, jornais e periódicos. (STF, RE 206.169/SP, 1998)
Para Roque Carrazza, o sentido dessa imunidade tributária é “dar meios materiais para que as pessoas possam divulgar suas ideias”. (1997, p. 125)
Na mesma linha, Sarcha Calmon Navarro Coêlho afirma que “a imunidade filia-se aos dispositivos constitucionais que asseguram a liberdade de expressão e opinião e partejam o debate das ideias, em prol da cidadania, além de simpatizar com o desenvolvimento da cultura, da educação e da informação”. (1989, p. 378)
Por fim, de acordo com a hermenêutica teleológica constitucional, esta imunidade recai tanto sobre a industrialização (produção) quanto à comercialização dos respectivos bens, seja qual for a natureza, formato ou conteúdo, haja vista que não há restrições na Carta Maior.
2.2.4 – IMUNIDADE DOS FONOGRAMAS E VIDEOFONOGRAMAS (DA MÚSICA)
Espécie de imunidade objetiva e subjetiva (ligada tanto a certos bens quanto a determinadas pessoas) prevista no art. 150, VI, “e”, da CRFB de 1988.
Tal imunidade foi acrescentada recentemente ao inciso VI do art. 150, por meio da Emenda Constitucional (EC) n. 75 pulicada em 16 de outubro de 2013, ampliando o rol das imunidades tributárias.
Nos termos do texto da EC, nenhum imposto incide sobre fonogramas (CDs) e videofonogramas (DVDs) musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou litero-musicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.
Em suma, portanto, há atualmente impedimento de criação de impostos sobre CDs e DVDs produzidos no Brasil com obras musicais ou lítero-musicais de autores brasileiros. Estão imunes também aos impostos, as obras em geral interpretadas por artistas brasileiros e as mídias ou arquivos digitais que as contenham. (CÂMARA NOTICIAS, 2013)
A PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que deu origem à alteração constitucional, também chamada de PEC da Música, teve como balizadores, de acordo com suas Justificativas: 1) o combate à contrafação (pirataria); 2) o revigoramento do mercado fonográfico brasileiro; 3) a difusão da cultura musical a todas as classes sociais do Brasil, em especial as menos privilegiadas. Assim, o objetivo maior da PEC é reduzir os preços daqueles produtos (com alto valor cultural) ao consumidor final, dando a eles condições de competir com a venda de reproduções piratas, popularizando ainda mais o acesso às classes menos favorecidas do país, o que está alinhado com a diretriz da democratização e acesso aos bens culturais. (Botosso; BEHAR, 2013)
2.2.5 – IMUNIDADE RECÍPROCA
Espécie de imunidade subjetiva (ligada a certas pessoas/entes da federação) prevista no art. 150, VI, “a”, da CRFB de 1988.
Nos termos da previsão constitucional, os entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Município) não podem instituir impostos sobre renda, patrimônio ou serviços uns dos outros, ou seja, reciprocamente. De acordo com o art. 150, §2º, tal vedação é extensiva às Autarquias e às Fundações Públicas instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere, outrossim, ao patrimônio, à renda e aos serviços vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.
O §3º do art. 150 estipula que essas vedações não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.
Segundo Alexandre de Moraes, “no intuito de assegurar a permanência do equilíbrio no Pacto Federativo brasileiro, a Constituição repetiu tradicional regra impeditiva de cobrança recíproca de impostos entre os entes federativos”. (2011, p. 882)
À luz do texto constitucional, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, incluindo suas autarquias, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços vinculados as suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes, estão impedidos de instituírem impostos sobre patrimônio, renda, serviço ou ganhos resultantes de operações financeiras, uns dos outros, haja vista que, como afirmado pelo STF:
A garantia constitucional da imunidade recíproca impede a incidência de tributos sobre o patrimônio e a renda dos entes federados. Os valores investidos e a renda auferida pelo membro da federação são imunes de impostos. A imunidade tributária recíproca é uma decorrência pronta e imediata do postulado da isonomia dos entes constitucionais, sustentado pela estrutura federativa do Estado brasileiro e pela autonomia dos Municípios. (STF, Ag. 172.80-7, 1996)
Conforme retro exarado, a imunidade recíproca, em regra, abrange somente os entes da federação, suas Autarquias e Fundações Públicas (entidade de direito público). Assim, a princípio, tal imunidade não abarcaria as Empresas Públicas e Sociedade de Economia Mista (entidades de direito privado).
2.2.6 – IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS CORREIOS (EXCEÇÃO E EXTENSÃO DO TEXTO CONSTITUCIONAL)
Em que pesa a exclusividade dos entes da federação, suas Autarquias e Fundações Públicas com relação à imunidade tributária recíproca, a Suprema Corte reiteradamente considera que tal privilégio se aplica também sobre todos os serviços postais prestados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), o que, à luz da hermenêutica teleológica da Constituição, não poderia ser diferente, como será explanado a seguir.
A Constituição em seu art. 21, X, estipula que compete à União manter o serviço postal e o correio aéreo nacional e em seu art. 22 diz que compete privativamente à União legislar sobre o serviço postal.
Por meio do Decreto 509 de 20 de março de 1969, foi criada a Empresa Pública Federal Brasileira de Correios e Telégrafo (ECT) para a prestação dos serviços postais (serviços públicos previstos na CRFB, de prestação obrigatória e exclusiva). Já o art. 12 de tal diploma conferiu imunidade tributária recíproca àquela empresa pública, para em cumprir seu desiderato legal.
A Lei 6.538/1978 estipula que os serviços postais e o serviço de telegrama devem ser explorados pela União, por meio de empresa Pública vinculada ao Ministério das Comunicações (art. 2º), cujas atividades (art. 9º) devem ser exercidas em regime de monopólio (exclusividade/privilégio).
Notadamente e de acordo com a doutrina e jurisprudência, os serviços postais possuem natureza de serviços públicos essenciais e obrigatórios à população, exercidos exclusivamente pelo Estado (ou por meio de suas entidades da Administração Pública Indireta). (MELLO, 2006, p. 659-660; PAULSEN, 2011, p. 230)
Assim, os CORREIOS, embora possuam a natureza jurídica de Empresa Pública (com personalidade jurídica “precípua” de direito privado) prestam serviço público garantido constitucionalmente, razão pela qual devem ser e foram equiparados à Fazenda Pública, com todos os seus privilégios, apesar de a regra, de acordo com a ordem jurídica vigente, é de que os serviços públicos sejam prestados por Autarquias (pessoa jurídica de direito público).
Embora clara tais situações, houve amplo debate jurídico acerca desse tema.
Primeiro, a natureza jurídica de serviço público atribuída aos serviços postais, bem como, a recepção pela ordem constitucional vigente quanto à sua prestação em regime de monopólio/privilégio pela União, por meio de entidade de sua Administração Indireta, no caso os CORREIOS, foram ratificados pelo STF, após amplo debate, por meio do julgamento da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 46.
Ementa: Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 46. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de entrega de correspondências. Serviço postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao serviço postal. Previsão de sanções nas hipóteses de violação do privilégio postal. Compatibilidade com o sistema constitucional vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso iv; 5º, inciso xiii, 170, Caput, inciso iv e Parágrafo Único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos princípios da livre concorrência e livre iniciativa. Não caracterização. Arguição julgada improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da lei n. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da Lei. (STF, ADPF 46, 2005)
De acordo com o voto prevalecido do Ministro Eros Grau, calcado em orientação já fixada pelo STF, no sentido de que o serviço postal constitui serviço público e, portanto, não atividade econômica, em sentido estrito, foi considerada inócua a argumentação em torno da ofensa aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. Foi afirmado que os regimes jurídicos sob os quais são prestados os serviços públicos implicam que sua prestação seja desenvolvida sob privilégios, inclusive, em regra, o da exclusividade na exploração da atividade econômica em sentido amplo a que corresponde essa prestação, haja vista que exatamente a potencialidade desse privilégio incentiva a prestação do serviço público pelo setor privado, quando este atua na condição de concessionário ou permissionário. Foi destacado, assim, que a prestação do serviço postal por empresa privada só seria possível se a CRFB afirmasse que o serviço postal é de livre à iniciativa privada, tal como o fez em relação à saúde e à educação, que são serviços públicos, os quais podem ser prestados independentemente concessão ou permissão por estarem excluídos da regra do art. 175, em razão do disposto nos artigos 199 e 209.
Assim, indubitavelmente e de acordo com o entendimento formado do STF, o serviço postal não consubstancia atividade econômica estrita, mas sim modalidade de serviço público.
Segundo, a discussão foi sob o viés tributário, em virtude da imunidade tributária recíproca antevista no art. 150, VI, “a” da CRFB, sendo a jurisprudência do STF e STJ uníssona quanto à extensão dessa imunidade aos serviços postais prestados pelos CORREIOS, o qual é equiparado, nesse sentido, à Autarquia/Fazenda Pública:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA: C.F., art. 150, VI, a. EMPRESA PÚBLICA QUE EXERCE ATIVIDADE ECONÔMICA E EMPRESA PÚBLICA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO: DISTINÇÃO. I. - As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômica. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo por que está abrangida pela imunidade tributária recíproca: C.F., art. 150, VI, a. II. - R.E. conhecido e provido. (STF, RE 354897/RS, 2004)
Pode-se dizer, sem receios, que o serviço público está para o estado, assim como a atividade econômica em sentido estrito está para a iniciativa privada. A prestação de serviço público é atividade essencialmente estatal, motivo pelo qual, as empresas que a desempenham sujeitam-se a regramento só aplicáveis à Fazenda Pública. São exemplos deste entendimento as decisões da Suprema Corte que reconheceram o benefício da imunidade tributária recíproca à Empresa de Correios e Telégrafos - ECT, e à Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia - CAERD. (STJ, REsp 929758/DF, 2010)
O Plenário da Suprema Corte, em fevereiro de 2013, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 601392, com repercussão geral, que discutia a imunidade da ECT em relação ao recolhimento do Imposto sore Serviços de Qualquer Natureza (ISS) nas atividades exercidas pela empresa que não tenham características de serviços postais, concluiu definitivamente por maioria dos votos pelo reconhecimento de que a imunidade tributária recíproca, nos termos do art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal alcança todas as atividades exercidas pelos Correios. (STF, RE 6013292/PR, 2013)
O Ministro Dias Toffoli, no julgamento do RE, afirmou que a imunidade deve alcançar todas as atividades desempenhadas pela ECT, inclusive as atividades afins autorizadas pelo Ministério das Comunicações, independentemente da sua natureza. O Ministro destacou, ainda, que se trata de uma empresa pública prestadora de serviços públicos, criada por lei para os fins do artigo 21, inciso X, da Constituição Federal e afirmou que todas as suas rendas ou lucratividade são revertidas para as “finalidades precípuas”.
No mesmo sentido, Ministro Ayres Britto entendeu que é obrigação do poder público manter esse tipo de atividade, por isso que o lucro, eventualmente obtido pela empresa, não se revela como um fim em si mesmo, é um meio para a continuidade, a ininterrupção dos serviços a ela afetados.
De acordo com o Ministro Ricardo Lewandowski os Correios prestam um serviço público de natureza essencial e atua onde a iniciativa privada não tem interesse de atuar e, portanto, não há concorrência com fins lucrativos. Ele lembrou que as próprias empresas privadas responsáveis pela entrega de encomendas e pacotes se valem do serviço dos Correios porque do ponto de vista financeiro é desinteressante.
Ainda, segundo o Ministro Lewandowski não se pode equiparar os Correios a empresas comuns em termos de concorrência porque não concorre de forma igualitária com estas. Primeiro porque precisa contratar seus bens e serviços mediante a Lei 8.666/93, que engessa sobremaneira a administração pública, não havendo, assim, nenhuma disparidade de armas no que tange ao reconhecimento dessa imunidade fiscal relativamente aos Correios.
Apesar disso, a questão ainda continuou a ter polêmica, em novembro de 2014, o STF julgou procedentes as Ações Cíveis Originárias (ACOs) 958 e 865, para reconhecer (reafirmar) mais uma vez a imunidade tributária da ECT, quanto à incidência do Imposto Sobre Circulação e Serviços (ICMS). (STF, ACOs 958 e 865/DF, 2014)
O Relator das ações, o Ministro Luiz Fux, na decisão, ressaltou o julgamento da ADPF 46, em que a natureza jurídica e a amplitude do conceito dos serviços prestados pelos Correios já foram debatidas, tendo o STF, naquela ocasião formado o entendimento de que o serviço postal não consubstancia atividade econômica estrita, mas sim modalidade de serviço público.
Fux destacou, ainda, o Recurso Extraordinário (RE) 601392, com repercussão geral, no qual o STF, conforme já mencionado acima, reconheceu ser indevida a cobrança de ISS sobre os serviços prestados pelos Correios. Destacou também como precedente, o agravo regimental na medida cautelar na ACO 1095, no qual a Suprema Corte afastou, outrossim, a cobrança de ICMS sobre o serviço de transporte de encomendas realizado pela ECT.
Desta forma, por isso e por tudo, mais uma vez, restou configurado o entendimento de que o envio de correspondências e de objetos postais de uma localidade a outra pelos Correios é, inegavelmente, serviço público, prevalecendo, portanto, a imunidade recíproca constitucional, não incidindo o ICMS.
Assim e diante a jurisprudência consolidada pelos precedentes citados, além de outros do STF, não há ou não deve haver dúvidas quanto à natureza jurídica pública dos serviços postais prestados pela ECT, os quais estão imunes de impostos, sob a égide da imunidade recíproca constitucional, posto que são de prestação obrigatória em todo o território nacional (ou seja, não podem sofre solução de continuidade ainda que deficitários) e exclusivos pelo Estado, por meio daquela Empresa Pública (equiparada, destarte, à Autarquia), o que não poderia ser diferente, haja vista todo o arcabouço e cipoal Legislativo, Constitucional, Jurisprudencial e Jurídico retro exarados.
3 – CONCLUSÃO:
Como visto alhures, a imunidade tributária está capitulada essencialmente no art. 150, VI, da Constituição Federal de 1988, em que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituírem impostos sobre: (i) patrimônio, renda ou serviços uns dos outros; (ii) templos de qualquer culto; (iii) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e (iv) livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão.
Trata-se, portanto, de um obstáculo absoluto constitucional de tributação, pois restringe as dimensões do campo tributário aos entes federados. É, sobretudo, um direito e uma garantia fundamental e, assim, Cláusula Pétrea (art. 60, §4º, IV, da CRFB).
Dentre as polêmicas existentes entre aquelas espécies e hipóteses de imunidades tributárias retro mencionadas, pode-se concluir que com relação à imunidade religiosa (dos templos) e a imunidade dos partidos políticos [...], abrangem, inclusive, o imóvel alugado a terceiros e os rendimentos respectivos, desde que sejam estes destinados à manutenção das atividades essenciais das entidades, de acordo com a Súmula 274 do STF.
A maior finalidade das imunidades dos livros, CDs e DVDs é a garantia e efetivação da livre manifestação do pensamento, da cultura e da produção cultural, científica e artística, sem possibilidade de criação de empecilhos econômicos, via tributação, por parte do Estado, capazes de inibir a produção material e intelectual, em que pese a proteção tributárias dos CDs e DVDs terem sido constituídas recentemente, mais como uma inibição à pirataria, do que uma difusão da cultura musical, aparentemente.
Grande destaque e polêmica, sem dúvida, foi e há com relação à extensão à Empresa Pública prestadora de serviços públicos (ECT) da imunidade recíproca atribuída pela Constituição aos entes da federação, suas Autarquias e Fundações Públicas.
Diversos casos foram levados os Tribunais, questionando tal extensão, contudo, acertadamente a Suprema Corte já afirmou e reafirmou a natureza pública dos serviços postais (previstos na Constituição, de prestação obrigatória e exclusiva pela União) prestados pelos Correios, sua equiparação, nesse sentido, às Autarquias e, assim, a abrangência da imunidade tributária àquela Empresa Pública, de acordo com a exegese da Constituição e precedentes jurisprudências do STF.
Desta forma, as hipóteses de imunidade tributária, mais que um direito e garantia fundamental de proteção tributária a determinados bens e pessoas, é uma verdadeira proteção à manutenção do Estado Democrático de Direito, para garantir a liberdade religiosa, de ideias, política, de trabalho e de serviços públicos essenciais à população.
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