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Nota sobre segunda internação de menor infrator

15/07/2015 às 13:38
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Como bem disse o Papa João Paulo II, "não pode nem deve haver crianças amontoadas em centros de triagem e casas de correção, onde não conseguem receber uma verdadeira educação". Qual a eficácia das unidades socioeducativas?

Quase uma regra, no País, nossas Unidades Socioeducativas encontram-se superlotadas, abarrotadas de menores que cumprem sentenças de internação. Algumas dessas Unidades espalhadas pelo Brasil são de fazer inveja aos melhores campos de concentração nazistas da segunda grande guerra mundial.

E para tornar ainda mais dramática a situação dos menores em conflito com a lei, a verdade é que boa parte deles cumprirá toda a sua internação em uma Unidade Provisória. Por falta de vagas nas Unidades Socioeducativas, muitos serão postos em liberdade após uma dezena de meses aguardando, em vão, uma vaga no sistema, longe de qualquer ação e atividade ressocializadora do Estado.

Aqui, abro um parêntese ao leigo em sistema socioeducativo juvenil. As Unidades Provisórias destinam-se à apreensão de menores durante um prazo máximo de quarenta e cinco dias, seja porque lhes fora negado o direito de responder ao processo em liberdade, seja porque não foram encontrados para algum ato do processo. São Unidades transitórias destinadas, assim, apenas à detenção provisória do menor, naturalmente desequipadas de qualquer estrutura ou acabamento para a realização de atividades socioeducativas.

Somente nas Unidades Socioeducativas (definitivas) se dá início ao projeto ressocializador do Estado, através da oferta da educação básica, compreendido o ensino fundamental e o ensino médio, para que o adolescente tome posse dos conhecimentos mínimos necessários para uma cidadania completa. Nessas unidades definitivas também são oferecidos aos menores diversos tipos de cursos profissionalizantes, para tomada de consciência sobre o futuro profissional e área do conhecimento a qual melhor se adaptam.

Basicamente, essa é a promessa legal do Estado, inscrita no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei do Sinase, o que, a cada dia, vem se tornando uma fantasia utópica na vida de muitos menores infratores. Como dito acima, sem jamais pisar numa Unidade Socioeducativa, muito menores com sentença de internação voltarão das Unidades Provisórias para as ruas de nossas cidades, mais precisamente, para as cracolândias e bocas-de-fumo. Analfabetos e sem nenhuma formação profissional, o tráfico de drogas estará de portas abertas para esses órfãos infelizes. E o ciclo do envolvimento desses jovens com a criminalidade renascerá novamente.

Em poucos dias, o adolescente infrator será novamente apreendido pela polícia e levado a novo julgamento na Vara da Infância e Juventude. Uma nova sentença de internação é mais que esperada. O menor será repreendido por não ter aproveitado as chances que lhe foram oportunizadas, quando da internação anterior. Será reputado um bandoleiro irrecuperável. Certamente será manchete no noticiário sensacionalista policial a justificar o argumento da redução da maioridade penal pelo seu apresentador macabro.

Mas, que chances foram oportunizadas ao menor durante sua estadia de dezena de meses numa Unidade Provisória? A chance de descobrir que as celas das Unidades Provisórias são submersas em fezes e urina por conta dos restos de parede atirados ao vaso sanitário para abertura de buracos de fuga?

Ressoa como piada de mau gosto, verdadeira ofensa aos princípios mais elementares do sistema socioeducativo juvenil, querer argumentar que um menor cumpridor de internação em uma Unidade Provisória esteja preparado para regressar ao convívio familiar e comunitário. A liberdade deste jovem apenas representou um alívio para o Estado, um prêmio para o seu descaso e improbidade.

Claro que, nesse caso, não se poderão contar sucessivas sentenças de internação autonomamente. Assim como uma sentença de despejo só é executada e dada como cumprida com a efetiva saída do inquilino, a sentença de internação exige o ingresso do adolescente em uma Unidade Socioeducativa definitiva, ministrando-lhe tudo aquilo prometido pela lei de regência, como educação, profissionalização e saúde. Apreensão de menor, muito menos sua manutenção em uma Unidade Provisória, não se confunde com início de processo executivo socioeducativo.

Por isso, o juiz da Vara da Infância deverá sempre atentar em que tipo de Unidade o adolescente reincidente cumprira sua última internação. Pois ser-lhe-á defeso impor na nova sentença outro período de seis meses a três anos.

Como o adolescente jamais ingressou em uma Unidade Socioeducativa, com todos os seus consectários, por culpa única e exclusiva do Estado, o período da condenação anterior de seis meses a três anos jamais se iniciou, devendo absorver ou se unificar ao novo período da segunda internação, de modo que, somadas as duas internações estas, não ultrapassem um único período de três anos.

Vamos a um exemplo. O menor João cumpre sentença de internação por roubo em uma Unidade Provisória. Passados doze meses é posto em liberdade por mutirão do Poder Judiciário. Novamente levado a julgamento, é novamente sentenciado a internação. Como já cumpriu doze meses da primeira execução em local inadequado, sem nenhuma atividade socioeducativa, João não poderá novamente se submeter a novo período de seis meses a três anos. O tempo de doze meses deverá ser abatido do período abstrato de seis meses a três anos da segunda internação. Assim, João deverá cumprir uma internação de seis meses a dois anos, descontando o período da execução irregular.

Essa é a única fórmula que prestigia os princípios da prioridade absoluta e da proteção integral do adolescente. A omissão do Estado em desenvolver políticas públicas que assegurem o respeito às crianças e adolescentes no Brasil não pode permitir que a restrição da liberdade do ser humano em fase de desenvolvimento seja a regra, a única solução. Aprisionar a pessoa durante toda a sua adolescência, dos doze aos vinte e um anos de idade, talvez seja a mais cruel das penas pensadas pelo Estado, para muitos, pior do que a morte.

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O Poder Judiciário não pode permitir que nossos pobres jovens sejam transformados na velha poeira escondida debaixo do tapete da sala. Nossos jovens vieram ao mundo para viver, viver uma vida em liberdade, em busca da dignidade e da felicidade. De outra ponta, o Estado brasileiro deve propiciar todos os meios e recursos para que as sentenças judiciais tornem-se exequíveis na seara da infância e da juventude.

Nas palavras do Papa João Paulo II, em seu discurso proferido em Salvador, Bahia, em 20 de Outubro de 1991:

“Se ser criança é tão importante, então todas as crianças são importantes, todas as crianças são importantes, todas! Não pode nem deve haver crianças abandonadas. Nem crianças sem lar. Nem meninos e meninas de rua. Não pode nem deve haver crianças usadas pelos adultos para a imoralidade, para o tráfico de drogas, para as pequenas e grandes infrações, para a prática do vício. Não pode nem deve haver crianças amontoadas em centros de triagem e casas de correção, onde não conseguem receber uma verdadeira educação. Não pode nem deve haver, é o Papa quem pede e exige em nome de Deus e de seu Filho, que foi criança também Jesus, não pode nem deve haver crianças assassinadas, eliminadas sob pretexto de prevenção ao crime, marcadas para morrer!”

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Sobre o autor
Carlos Eduardo Rios do Amaral

Defensor Público dos Direitos da Criança e do Adolescente no Estado do Espírito Santo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARAL, Carlos Eduardo Rios. Nota sobre segunda internação de menor infrator. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4396, 15 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40017. Acesso em: 21 nov. 2024.

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