Atualmente, o Brasil passa por uma grave crise de identidade jurídica, com graves violações a normas que asseguram direitos humanos e incontestável atrofia no seu sistema de repartição de poderes ou de funções como tecnicamente ensinam alguns estudiosos.
Querem de qualquer jeito e a todo custo desmantelar o sistema jurídico lógico, ordenado, coordenado, em detrimento da proteção social, um verdadeiro e insofismável retrocesso a um período de exceções que um dia se instalou neste país, deixando sequelas em carne vida, cicatrizes da dor, de tristes lembranças, mas com alguns resíduos latentes que necessitam de estancamentos em benefício da humanidade.
É bem conhecida do Brasil a função jurisdicional com base em três resultados distintos: o conhecimento, a execução e o processo de conservação. Aquele conjunto de atos encadeados para obtenção de uma tutela específica, às vezes, é demorado, podendo o decurso do tempo, resultar em perda da utilidade do processo.
Diante de inevitável resultado frustrado, surgem as tutelas cautelares, não como forma de satisfação a uma pretensão, mas como meio eficaz e instrumental para viabilizar a satisfação.
Trazendo para o campo do processo penal, tem-se que o processo de conhecimento seria constituído daqueles atos que permeiam o recebimento da denúncia até a prolação da sentença judicial, no exercício da pretensão punitiva estatal.
O cumprimento da pena, em eventual sentença penal condenatória, estaria voltado para o processo de execução, dentro da pretensão executória estatal, observadas as normas da Lei nº 7.210/84.
Dentro deste hiato – conhecimento e execução -, pode-se cogitar do processo cautelar, assim entendido, como a viabilidade de concessão de medidas cautelares no curso do processo de cognição, a fim de assegurar resultado prático, e aqui teríamos as prisões cautelares em todas as suas modalidades, e as concessões de mandados de busca e apreensão, além de outras medidas como o afastamento do sigilo telefônico, assim definidas e entendidas como medidas cautelares e probatórias.
Com relação ao mandado de busca e apreensão, outrora, a legitimidade petitória e concessiva recaía sobre a autoridade policial que tinha atribuição para expedição, mas com os abusos cometidos, passou então para a autoridade judiciária, nos termos do artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal.
O que se observa é que existe direito a intimidade, devidamente protegido pelo artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal e direito à segurança e liberdade, também previsto no mesmo dispositivo legal, entrando em cena o princípio da proporcionalidade.
Numa tabela móvel de valores garantidos, a liberdade e a segurança devem prevalecer em razão da supremacia dos interesses da coletividade.
A medida cautelar de busca e apreensão, considerada extrema e ofensiva aos direitos fundamentais da pessoa humana, tem detalhamento e previsão legal, artigo 240 e seguintes do CPP, e muito embora constitua natureza cautelar, em verdade, segundo doutrina mais autorizada, trata-se de um verdadeiro e autêntico meio de provas, artigo 158 usque 250 do Código de Processo Penal.
Assim, para a sua concessão, como toda medida cautelar, deve-se analisar a presença dos pressupostos permissivos do fumus boni iuris e periculum in mora, aferidos, legitimamente, por meio de uma longa investigação, com a consequente exposição lógica, técnica e jurídica, observados os requisitos de existência válida do futuro processo principal, que são possibilidade jurídica, interesse de agir e legitimidade ativa a passiva, que dão condições à ação.Com essas linhas gerais, facilmente, se percebe quem tem a legitimidade para pleitear a concessão de medida de mandado de busca e apreensão, segundo a lei brasileira, é a Polícia Judiciária, no caso a Polícia Civil dos Estados e a Polícia Federal, de acordo com o bem jurídico lesado, na melhor forma dos artigos 109 e144 da Constituição Federal de 1988.
Quem faz investigação legal e legítima no Brasil, consoante seu arcabouço jurídico, é a Polícia Judiciária. Quem investiga os crimes comuns é Polícia Judiciária. Logo, quem tem legitimidade para pleitear as medidas de busca e apreensão e outras medidas próprias de Polícia Judiciária é a Polícia Civil ou Polícia Federal
A providência do mandado de busca e apreensão é tida na doutrina como medida de natureza cautelar, mas como se disse alhures, o tratamento do Código de Processo Penal é no sentido de meio de prova, previsto no artigo 240 e SS do estatuto processual.
Tal medida de prova somente pode ser deferida no curso do Inquérito policial ou na fase processual. É verdade que como medida cautelar e probatória, pode ser autorizada mesmo antes do Inquérito Policial.Destarte, tal medida é de caráter urgente e dispensa anterior instauração de procedimento investigatório pela Autoridade Policial, conforme já decidiu o STJ:
“A teor do art. 6º, II, do CPP, pode a autoridade judicial, ao tomar conhecimento de fato criminoso, determinar a busca e apreensão de objetos relacionados com o mesmo, antes da instauração do respectivo Inquérito”( RT 665/333).
Alguns defensores da concessão de mandados de busca e apreensão para outras Instituições Policiais sustentam que concedem porque a autoridade policial não tem o hábito de pleitear tal medida, mas este argumento não pode prosperar, pois se assim o fosse, poderia também em colocações absurdas, autorizar a qualquer outra autoridade pública a oferecer denúncia, em caso de inércia de seu titular, o que não é verdade, a exceção apenas é claro, da ação privada supletiva da pública nos casos previstos em lei.
Quem autoriza, inadvertidamente, mandado de busca e apreensão para outros órgãos policiais não legitimados, viola com pena de morte o princípio da legalidade, sujeito a cometer ato de improbilidade administrativa, com a consequente perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, por 03 a 05 anos e pagamento de multa civil de até 100 vezes o valor da remuneração percebida pelo agente, consoante artigo 11 da nº Lei 8.429/92.
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
Quem concede mandado de busca e apreensão à valiosa Polícia Preventiva em investigações em caso de crimes comuns ofende as normas de direitos humanos, é inconstitucional, e fere com pena de morte o princípio-ícone do estado democrático de direito, que é a legalidade.
Assim, quem pleiteia tal medida pratica em tese crime de usurpação de função pública, e quem concede, responde por improbidade administrativa, nos exatos termos do artigo 11 da Lei nº 8.429/92 c/c artigo 328 do Código Penal Brasileiro.
É frágil o argumento de que concede medida cautelar e probatória de busca e apreensão a outra Instituição não legitimada, porque a Polícia Civil não o pede, mesmo porque seria a mesma coisa autorizar outra autoridade a prolatar sentença porque a autoridade legítima também não o faz ou não o fez tempestivamente.
Alegar omissão da autoridade competente para conceder medida ilegal é assassinar e desmoronar toda estrutura do direito.
Sob o aspecto legal e prático, caso a Autoridade Policial receba da Polícia Preventiva pessoas conduzidas e drogas ou objetos apreendidos em função de cumprimento de mandado de busca e apreensão por ela solicitado, deverá normalmente receber o procedimento, adotar as medidas legais, justificando-se de forma fundamentada a existência do crime permanente, aquele que se protrai no tempo, ratificando ou não a voz de prisão na sua conduta vinculada, com emissão de juízo de valor utilitário, próprio da função de autêntico operador do direito, a teor da Lei nº 12.830/2013.
Deverá noutra via, enfrentar em despacho motivado as questões periféricas da inconstitucionalidade da medida deferida, por inevitável violação também às normas de direitos humanos, e imediato determinar o encaminhamento de peças ao Conselho Nacional de Justiça e também à Comissao de Direitos Humanos do Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pela Brasil por meio do Decreto nº 678/92, para adoção de medidas legais, em torno violação da norma em face do prolator da medida flagrantemente ilegal.
Outra questão intrigante é em torno da concessão de escuta telefônica à Polícia Militar em casos de crimes comuns. Sabe-se que a interceptação telefônica é meio de prova eficiente para se chegar à autoria de crimes.
A Lei nº 9.296/96 disciplina com muita precisão a matéria, agora regulamentada pela Resolução nº 59 do CNJ.
Acontece que censuram tanto a concessão de interceptação telefônica que a própria Justiça está com receio de conceder as autorizações por pressões do Conselho Nacional de Justiça, mas tem-se notícia que a Polícia Militar, em algumas oportunidades também consegue autorização da Justiça para o monitoramento.
Não custa lembrar que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos, recentemente, condenou o Brasil por grampear associações de trabalhadores rurais ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, no sul do país, no ano de 1999.
O Estado brasileiro foi considerado culpado pelas escutas telefônicas feitas com autorização judicial a pedido da Polícia Militar e pela divulgação das gravações.
Em maio de 1999, um major da Polícia Militar do sul do país solicitou autorização para grampear linhas telefônicas de cooperativas de trabalhadores ligadas ao MST.
Segundo informações uma juíza autorizou a escuta imediatamente, sem qualquer fundamentação, sem notificar o Ministério Público e ignorou o fato de não competir à Polícia Militar investigação criminal, em casos de crimes comuns.
Assim, quem assegura, por exemplo, à Polícia Militar legitimidade para o requerimento e execução de um meio de prova processual, como mandado de busca e apreensão ou interceptação telefônica, também, da mesma forma e pela mesma razão, ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio, poderia autorizar que se faça pela Polícia Preventiva o interrogatório do investigado, a acareação das partes, a realização formal de reconhecimento de pessoas ou coisas, a redução a termo dos depoimentos das testemunhas ou a expedição de guias para a submissão de perícias em vítimas e locais de crimes, além de requisição de perícias documentoscópicas, o que não pode prosperar diante da clareza da lei processual em vigor, que elenca detalhadamente, os meios de prova entre os artigos 158 e 250 do Código de Processo Penal, assim distribuídos:
TÍTULO VII - DA PROVA
CAPÍTULO I - DISPOSIÇÕES GERAIS
CAPÍTULO II - DO EXAME DO CORPO DE DELITO, E DAS PERÍCIAS EM GERAL
CAPÍTULO III - DO INTERROGATÓRIO DO ACUSADO
CAPÍTULO IV - DA CONFISSÃO
CAPÍTULO V - DO OFENDIDO
CAPÍTULO VI - DAS TESTEMUNHAS
CAPÍTULO VII - DO RECONHECIMENTO DE PESSOAS E COISAS
CAPÍTULO VIII - DA ACAREAÇÃO
CAPÍTULO IXI - DOS DOCUMENTOS
CAPÍTULO X - DOS INDÍCIOS
CAPÍTULO XI - DA BUSCA E DA APREENSÃO
Pode-se afirmar com todas as letras que a existência da lei é justamente para disciplinar e normatizar as atividades em sociedade, visando garantir a existência harmoniosa da humanidade, sem agressões, sem usurpações e sem assenhoreamentos gratuitos e ofensivos.
Direito é um sistema de normas jurídicas que define comportamentos e determina deveres e obrigações, que devem ser observados em prol do fortalecimento das relações democráticas e do exercício da cidadania política, social, jurídica e existencial.
Transgredir uma norma vigente é andar na contramão da história, é insurgência contra todo sistema de comandos, contumélia irremissível ao ordenamento jurídico elaborado para proteger pessoas e não para agredir sentimentos de justiça social e direitos da humanidade.
A perpetuar essa flagrante violação ao ordenamento jurídico, certamente, o mais correto seria a criação de um órgão especial legitimado para concessão de mandados de busca e apreensão e afastamento de sigilo telefônico.
Assim, a sociedade brasileira estaria protegida e teríamos em prática a tão sonhada segurança jurídica, necessária para a proteção dos direitos fundamentais e concreta observância da dignidade humana.