Feminicídio.

Breves considerações acerca do novo tipo penal estabelecido pela Lei 13.104 de 9 de março de 2015

10/08/2015 às 14:09
Leia nesta página:

Artigo que visa elucidar o tema de forma objetiva.

Com o advento da Lei 13.104 de 9 de março de 2015, o art. 121, § 2°, do Código Penal passou a ter o inciso VI que trata do Feminicídio:

Art. 121. Matar alguém:

        Homicídio qualificado

        § 2° Se o homicídio é cometido:

Feminicídio       (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:      (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

E o que é o Feminicídio? É o homicídio doloso (consumado ou tentado) qualificado praticado contra a mulher por razões da condição do sexo feminino.

Para que possamos entender bem o que o novo dispositivo tem a dizer temos que, antes de qualquer coisa, atentar para o que o legislador quis estabelecer com “razões da condição do sexo feminino”.

O art. 121, § 2°-A, do Código Penal estabelece duas situações de “condição do sexo feminino”. Vamos a elas:

§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:      (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

I - violência doméstica e familiar;      (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.      (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

Para a aplicação desta nova lei, quando o legislador fala em violência doméstica e familiar, temos que buscar a explicação no art. 5° da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06).

Sendo assim, a Lei Maria da Penha, em seu art. 5°, incisos I, II e III, estabelece que:

Art. 5o  Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: (Vide Lei complementar nº 150, de 2015)

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único.  As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Pois bem, dessa forma podemos concluir que, se o agente ativo comete um homicídio consumado ou tentado na forma dolosa (quando tem a vontade e consciência de produzir o resultado) contra a mulher em uma das situações previstas nos incisos acima, incorre no crime de Feminicídio.

A grosso modo, podemos afirmar, então, que, de acordo com o inciso I do dispositivo, o Feminicídio ocorre por “relações de proximidade”.

Muito importante ressaltar que não é só o homem que pode ser o sujeito ativo do crime aqui estudado, pois a mulher também pode cometer um Feminicídio se incorrer nas hipóteses dos incisos I e II do art, 121, VI, § 2-A.

Sendo assim, o Feminicídio pode ser cometido pelo marido, ex-marido, esposa, ex-esposa, companheiro(a), ex-companheiro(a), pai, mãe, sogro(a), enteado(a), irmão(a) (inclusive a (o) de criação), namorado(a), ex-namorado(a)...

E a condição do transexual, como fica? Basicamente, há dois entendimentos:

a) não há Feminicídio contra transexual, pois é geneticamente homem (conceito biológico);

b) adota-se o “conceito jurídico”, pois, se a Justiça autorizou a modificação do documento, pode ser vítima de Feminicídio.

Ainda que pese inúmeras discussões acerca do tema, prevalece o segundo entendimento na corrente majoritária.

Já o inciso II trata do menosprezo ou discriminação à condição da mulher. Aqui o Feminicídio ocorre com a morte (ou sua tentativa) da mulher por ela ser mulher.

Trata-se de um atentado contra a vida da mulher causada por, supostamente, possuir uma condição inferior; por pertencer ao gênero feminino.

É a colocar em prática a teoria da famosa (e nefasta) frase: “só podia ser mulher mesmo”.

Então temos que tomar cuidado quando ouvirmos por ai que matar mulher é Feminicídio. Nem sempre.

Por exemplo, se há a morte de uma mulher, ainda que por um homem, numa briga originada de um desentendimento no trânsito, temos um crime de homicídio qualificado por motivo fútil (artigo 121, § 2º., II,CP) e não o Feminicídio, previsto no artigo 121, § 2º., VI, CP.  Ou seja, não é todo homicídio de mulher que configura um Feminicídio, mas apenas aqueles em que se revele a chamada “violência de gênero”.

Muito importante esclarecer que os requisitos dos inciso I e II do § 2°-A são alternativos e não cumulativos, ou seja, basta a incidência de um deles no caso concreto para que o crime seja tipificado.

Um ponto que merece atenção e também deve ser observado neste crime, são as causas de aumento de pena que nele incidem. Vejamos o § 7° do art. 121 do Código Penal:

§ 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:      (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;      (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;      (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

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III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima.      (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

O dispositivo é bem esclarecedor em sua redação e não demanda maiores explicações para seu entendimento.

Incontestável que o novo tipo penal criado é mais uma forma de combate à violência contra a mulher, inclusive tendo sido incluído no rol dos crimes hediondos (Lei 8.072/90), porém, enquanto precisarmos criar mais leis para o autocontrole coletivo, estaremos reconhecendo que ainda não estamos prontos para uma evolução social e humana, pois de nada adiantará alterar a legislação se o ser humano permanecer o mesmo.

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Sobre o autor
Denis Caramigo Ventura

Denis Caramigo Ventura: Advogado criminalista especialista em Crimes Sexuais; www.caramigoadvogados.com.br E-mail: [email protected] Facebook: Denis Caramigo Ventura Twitter: @deniscaramigo Instagram: @deniscaramigoventura

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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