É sentido por todos que, a cada dia, vamos abandonando a velha lição insculpida no ultrapassado Código Penal de 1940 de que a pena e a sua quantidade serviriam para a reprovação e prevenção do crime praticado pelo indivíduo. Algo assim fantasioso e poético, como se a pena judiciária fosse o triunfo final do bem contra o mal.
Em tempos de sincera crise política e econômica nacionais, atingindo diretamente os governos em todas as suas esferas, tornando-se cada vez mais escassa a disponibilidade de verbas públicas nos orçamentos dos Poderes da República para atender ao regular funcionamento da máquina pública, o discurso da economia do dinheiro público e do corte de gastos vai se tornando o lema de toda a Administração Pública em geral.
Para os jurisconsultos e afeiçoados às lições de Direito, digo que os Princípios da Reserva do Possível e da Separação de Poderes nunca estiveram com sua popularidade tão alta e prestigiada nas contestações e recursos judiciais da Fazenda Pública como nos dias de hoje. É o sabre de luz das peças processuais da advocacia pública.
Mas, na tarde de 13/08/2015, o Estado do Rio Grande do Sul fora duramente derrotado no Supremo Tribunal Federal, com repercussão geral e votação unânime, quando tentava sustentar a tese de que o Poder Judiciário não poderia determinar que a Administração Pública realizasse obras ou reformas emergenciais em presídios para garantir os direitos fundamentais de presos, como sua integridade física e moral.
O Voto do Ministro-Relator, o Senhor Presidente Enrique Ricardo Lewandowski, de setenta e duas páginas, mais parecia excerto do julgamento de Nuremberg realizado pelos Aliados depois da Segunda Guerra Mundial contra a Alemanha Nazista por crimes contra a humanidade. Só que Adolf Hitler e seus generais não tiveram a mesma recentíssima ideia dos containers humanos bolados no Estado do Espírito Santo, inclusive para adolescentes em conflito com a lei (pág. 22 do Voto).
Ora, é lição primeirinha de Direito a regra de que o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as Autoridades o respeito a sua integridade física e moral. São figuras estranhas ao nosso ordenamento jurídico os institutos medievais do banimento, desterro, degredo ou pena de morte. Pelo que não existe, em Direito Penal, essa teimosa ficção de um duelo do bem contra o mal. O que temos é a busca da salvação do ser humano, a ressocialização da pessoa humana e ponto final.
Nossa população carcerária, realmente, vem se tornando assustadora, algo desproporcional até mesmo para os padrões mundiais. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça nossa população prisional vai se aproximando de um milhão de presos. O Estado de Roraima tem a metade desse número em habitantes. Isso tudo, sem contar o número de menores internados nas Unidades Socioeducativas do País.
Destarte, a União Federal e os Estados acabam gastando muito com a manutenção e funcionamento de seus sistemas prisionais. E ainda assim esse sistema funciona pública e notoriamente mal. Nossas cadeias públicas não conseguem recuperar seus condenados, são verdadeiros depósitos de pessoas. A reincidência é uma constante na vida de condenados e acusados. O índice de homicídios na adolescência, inclusive do sexo feminino, nas grandes cidades brasileiras, vem chamando a atenção inclusive do Fundo das Nações Unidas para a Infância.
Como dito, a sentença penal condenatória, hoje, pode e deve se resumir a um ônus para o Estado e para o contribuinte. Já não dá mais para acreditar que o Direito Penal seria o único antídoto legal para manter a ordem e a paz social. A cada dia, o Direito Penal parece que vai se tornando um ramo do Direito Administrativo, mais precisamente da seara da responsabilidade civil contratual do Estado. A ordem e a paz social advêm do gozo de todos os direitos e liberdades fundamentais inerentes à pessoa humana, assegurando-se por todos meios, oportunidades e facilidades que visem facultar o desenvolvimento físico, mental e moral do indivíduo.
Em suma, o Estado vem sendo sistematicamente condenado a ressocializar – melhor seria dizer socializar – aquela massa de indivíduos das favelas e das periferias das grandes cidades que jamais conheceram o mínimo existencial por parte do Poder Público. A omissão e o descaso da Administração Pública na promoção de políticas públicas efetivas e concretas, para redução das desigualdades sociais e erradicação da pobreza, são convertidos, pelo Judiciário, no dever do Executivo de ressocializar, por anos a fio, o miserável dentro de suas precárias penitenciárias.
É assim que deve ser entendido o Direito Penal nas Faculdades de Direito, nas mentes dos Operadores do Direito, e, principalmente, na visão dos gestores da coisa pública. O veredito penal condenatório deve se confundir com o reconhecimento do ato de improbidade, com a faute du service, enfim, com a responsabilidade civil do Estado e do Agente Público por conduta omissiva contra seus súditos.