A Justiça Federal do Distrito Federal anulou a maior multa já aplicada na história do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), de R$ 1,76 bilhão, contra a White Martins, produtora de gases. Cabe recurso contra a decisão.
A pena havia sido aplicada em 2010 pelo órgão federal responsável pela defesa da concorrência no país.
As provas que sustentavam a acusação de que a White Martins integrava um cartel são ilícitas, segundo a juíza Liviane Soares de Vasconcelos.
A ilicitude das provas decorre, segundo a juíza, do fato de que elas foram coletadas depois que foram feitas interceptações telefônicas que tinham como base apenas denúncias anônimas.
É um caso similar à Operação Castelo de Areia, que investigou suspeitas de pagamento de propina pela empreiteira Camargo Corrêa em 2009. Dois anos depois, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) anulou todas as provas da operação porque as interceptações haviam começado sem uma investigação preliminar.
A ideia por trás da decisão sobre a White Martins e a Camargo Corrêa é que a interceptação telefônica é uma medida invasiva demais para ser tomada exclusivamente com uma denúncia anônima. Ela só poderia ser requerida à Justiça se houvesse outros indícios de crime.
No caso da acusação sobre o suposto cartel de gases hospitalares, que chegou ao Cade em 2007, as cinco empresas acusadas de integrar o cartel, como a Aga, Air Liquide e Air Products, foram multadas em R$ 2,94 bilhões.
As interceptações telefônicas são recurso utilizado pela polícia judiciária, objetivando desvendar a prática de crimes. São previstas no artigo 5º, XII, da Constituição, norma constitucional de eficácia contida. Sua regulamentação se deu pela Lei 9.296, de 24 de julho de 1996.
Na lição de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarence Fernandes e Antônio Magalhães Gomes Filho (As nulidades no processo penal, São Paulo, pág. 141), entende-se por interceptação telefônica a captação da conversa por terceiro, sem o conhecimento de dois interlocutores ou com o conhecimento de um só deles. Ensinam ainda que “quando um dos interlocutores grava a sua própria conversa, telefônica ou não, com o outro, sem o conhecimento deste, tem-se a gravação clandestina”.
Há várias modalidades de captação eletrônica da prova: a) a interceptação da conversa telefônica por terceiro, sem o conhecimento dos dois interlocutores; b) a interceptação da conversa telefônica por terceiro, com anuência de um dos interlocutores; c) a gravação de conversa telefônica por um dos sujeitos, sem o conhecimento do outro; d) a gravação entre presentes de conversa pessoal e direta, sem o conhecimento dos interlocutores, por um terceiro; e) a gravação, entre os presentes, da conversa pessoal ou direta, sem o conhecimento de um dos interlocutores, feita pelo outro ou por terceiros.
Dir-se-á que a execução das interceptações exige ordem judicial, provimento de natureza cautelar, visando a assegurar as provas pela fixação dos fatos, assim como se apresentam no momento da conversa. A ordem deve ser motivada com a justificação da fumaça de bom direito e do perigo de demora.
Por sua vez, o resultado da interceptação deve revestir-se da forma documental, com lavratura de termo.
Mas se considera ilícita uma interceptação telefônica que tenha sido determinada baseada em prova ilícita como a denúncia anônima.
Teria havido afronta ao devido processo legal no procedimento administrativo.
Para Sávio de Figueiredo Teixeira (O processo civil na nova Constituição, 1988, pág. 4) a garantia do due process of law constitui síntese de três princípios fundamentais, a saber: do juiz natural, do contraditório e do procedimento regular.
Sabe-se que o procedimento regular contempla a observância das normas e da sistemática previamente estabelecida como garantia das partes no processo.
A partir dessas ideias, tem-se, na linha do magistério de José Frederico Marques, Geraldo Ataliba e Hely Lopes Meirelles, que a garantia do due process of law, na ordem jurídica brasileira, se aplica ao procedimento administrativo, tanto no punitivo quanto ao administrativo não punitivo. Assim sempre que a Administração tiver de impor uma sanção, uma multa, fazer um lançamento tributário ou decidir a respeito de determinado interesse do administrado, deverá fazê-lo dentro de um procedimento regular em que ao administrado se enseje o direito de defesa plena e ainda não a Administração não utilize prova ilícita para acusa-lo.
Aplica-se ademais o princípio da proporcionalidade no procedimento administrativo de sorte a que o Estado para atingir os seus fins, deve usar só dos meios adequados a esses fins e, dentre os meios adequados, só daqueles que sejam menos onerosos para o cidadão.
Aliás, Jesus Gonzalez Perez (El principio general de la buena fe en el derecho administrativo, 1989, pág. 49-50) ensinou que “o principio da proporcionalidade é um dos princípios que deve informar toda a atividade administrativa e, muito especialmente, no campo da polícia administrativa”.
Para tanto, o Judiciário tem competência judicial, desde que, para tanto, não haja necessidade do julgador ingressar na esfera discricionária, privativa do administrador, mas tão-só ajustar a atuação deste aos parâmetros legais como se lê no REsp 176.645 – DF, onde se assentou que não caracteriza invasão da competência da esfera administrativa a redução, por ato judicial, de multa, a fim de conformá-la aos parâmetros legais.
Denúncias anônimas não podem servir de base exclusiva para que a Justiça autorize a quebra de sigilo de dados de qualquer espécie. Com esse fundamento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que todas as provas obtidas na operação Castelo de Areia a partir da quebra generalizada do sigilo de dados telefônicos são ilegais.
Na prática, a operação ruiu, tal qual um castelo de areia. Isso porque as provas do processo se originaram a partir da autorização da Justiça que deu senhas para policiais federais acessarem bancos de dados de empresas telefônicas, o que foi considerado irregular.
A decisão foi tomada por três votos a um. A ministra Maria Thereza de Assis Moura e os desembargadores convocados Celso Limongi e Haroldo Rodrigues entenderam que as provas que embasaram a denúncia que nasceu da operação são nulas. Apenas o ministro Og Fernandes considerou a operação legal.
No caso, a justiça de primeira instância autorizou medidas como escutas telefônicas, que depois serviram como provas, a partir de uma denúncia anônima sem investigações preliminares, o que o tribunal considerou ilegal.
Com relação a mesma operação o ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça, entendeu que as quebras de sigilo de dados e interceptações telefônicas promovidas pela Justiça na operação Castelo de Areia foram regulares. O ministro votou por rejeitar dois pedidos de Habeas Corpus feitos pela defesa de acusados de crimes contra o sistema financeiro nacional e desvio de verbas públicas.
Mas, fala-se que o próprio Tribunal Superior de Justiça(STJ) já considerou legais decisões tomadas por juízes da primeira instância com relação a delações anônimas(fala-se em prisão em flagrante no caso de traficantes).
Informa-se assim que a anulação do processo que teve origem na Operação Castelo de Areia foi decidida pelo Superior Tribunal de Justiça com base no argumento de que uma denúncia anônima, por si só, não poderia legitimar a abertura de inquérito policial.
Mister ainda estudar decisões em que o Supremo Tribunal Federal se posicionou sobre a matéria.
Questiona-se o aproveitamento da prova ilícita em favor da acusação, onde o critério da proporcionalidade poderá ser utilizado, nas hipóteses em que não estiver em risco a aplicabilidade potencial e finalística da norma da inadmissibilidade. Fala-se nessa aplicabilidade potencial e finalística quando se fala na função do controle da atividade estatal responsável pela produção da prova. No entanto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 251.445/GO, DJU de 3 de agosto de 2000, relator Ministro Celso de Mello, afirmou a ilicitude e a inadmissibilidade da prova em razão de ter sido obtida com violência do domicílio do suposto autot, em situação que envolvia crimes de natureza sexual contra menores, pela prática de registro e manutenção de fotografias pornográficas.
Discute-se ainda com relação a condução de investigação baseada em denúncia anônima. Lembro a esse respeito a decisão que consigno a seguir, do Superior Tribunal de Justiça, no HC 137.349/SP, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 30 de maio de 2011, onde se discutiu com relação a denúncia anônima não submetida a investigação preliminar com quebra de sigilo de dados. Entendeu-se que a denúncia anônima pode originar procedimentos de apuração de crime, desde que empreendidas investigações preliminares e respeitados os limites impostos pelos direitos fundamentais, que devem ser respeitados quando da investigação formal, impedindo a adoção de providências genéricas que venham a invadir a intimidade dos investigados.
Em decisão em julgamento pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, foi negado Recurso Ordinário em Habeas Corpus(RHC 117.988), por se entender que a delação anônima, que deu inicio a persecução penal, foi seguida de diligências investigativas.
Era o caso de investigação, que envolvia crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico. O condenado, flagrado com 1,6 gramas de maconha, alegava que a investigação seria ilegal por ser deflagrada com base apenas em denúncia anônima.
Naquele julgamento, a Ministra Cármen Lúcia acompanhou os Ministros Lewandowski e Celso de Mello pelo desprovimento do RHC. Em seu voto, disse a Ministra Cármen Lúcia que nada impede a deflagração de investigação a partir da denúncia anônima, desde que seguida de diligências realizadas para averiguar os fatos nela noticiados.
Ensinou Eugênio Pacceli(Curso de Processo Penal, 16ª edição, pág. 37), que a chamada delação anônima, “ não pode ser submetida a critérios rígidos e abstratos”. Disse ele que o único dado objetivo que se pode extrair dela é a vedação à instauração de ação penal com base, exclusivamente, em documento apócrifo.
A conclusão que se tem é de que, de fato, faltaria justa causa à ação, diante da impossibilidade, demonstrada à priori, de indicação do material probatório a ser desenvolvido no curso dela.
Bem disse Eugênio Pacceli(obra citada, pág. 57), “ no que diz respeita à fase investigatória, observa-se que, diante da gravidade do fato noticiado e da verossimilhança da informação, a autoridade policial deve encetar diligências informais, isto é, ainda no plano da apuração da existência do fato – e não da autoria- para comprovação da idoneidade da notícia”.