Com a eclosão da crise econômica que afetou diversos países em 2008, diversos empregadores brasileiros dispensaram empregados sob a alegação de prejuízos que impossibilitaram a sustentação da produção e, por conseguinte, a manutenção dos postos de trabalho.
De outro lado, algumas empresas negociaram com os sindicatos profissionais a redução de salário, com a redução proporcional de jornada e com garantia de emprego por tempo fixado em norma coletiva. Na época, muito se discutiu sobre qual a regra a ser aplicada, consoante o exposto no art. 7º, I da Constituição Federal (“irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”).
Além daquele comando constitucional, havia (há) a Lei 4.923 de 1965, pouco lembrada, cujo art. 2º dispõe:
Art. 2º - A empresa que, em face de conjuntura econômica, devidamente comprovada, se encontrar em condições que recomendem, transitoriamente, a redução da jornada normal ou do número de dias do trabalho, poderá fazê-lo, mediante prévio acordo com a entidade sindical representativa dos seus empregados, homologado pela Delegacia Regional do Trabalho, por prazo certo, não excedente de 3 (três) meses, prorrogável, nas mesmas condições, se ainda indispensável, e sempre de modo que a redução do salário mensal resultante não seja superior a 25% (vinte e cinco por cento) do salário contratual, respeitado o salário-mínimo regional e reduzidas proporcionalmente a remuneração e as gratificações de gerentes e diretores. (original sem grifos)
Assim, pelos contornos da Lei 4.923, a redução da jornada ou dos dias de trabalho é limitada a três meses, prorrogáveis nas mesmas condições, com redução de salários não superior a 25%, redução proporcional da remuneração e gratificação de gerentes e diretores, condicionando-se a validade das medidas a existência de negociação coletiva e homologação pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
A regra (Lei 4.923) de 1965, contudo, parece ser uma “não opção” para o mercado, seja pelo fato de que, (i) da mesma forma que para os demais empregados, gerentes e diretores devem ter remuneração e gratificações afetados, requisito que, uma vez não cumprido, poderá desaguar na nulidade do pactuado – o que parece tornar pouco atrativa a saída – seja porque, (ii) para alguns juristas, dentre os quais, Arnaldo Süssekind (SÜSSEKIND, Arnaldo, et at. Instituições de Direito do Trabalho. 17ª ed. Atual. Vol. I. São Paulo: Ltr, 1997) , a Lei 4923/65 não teria sido recepcionada pela Constituição Federal de 1988.
Naquela época, outra opção discutida foi a utilização do Código do Trabalho de Portugal, cujo manejo está autorizado pelo artigo 8º da CLT. A sugestão veio à luz justamente pela resistência de aplicação da Lei 4.923∕65, cujas exigências, iam além do texto da Constituição Federal de 1988.
O Código de Portugal trata da matéria a partir do art.298, que dispõe: “O empregador pode reduzir temporariamente os períodos normais de trabalho ou suspender os contratos de trabalho, por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, catástrofes ou outras ocorrências que tenham afectado gravemente a actividade normal da empresa, desde que tal medida seja indispensável para assegurar a viabilidade da empresa e a manutenção dos postos de trabalho.” E determina que referida medida não deve ultrapassar 6 meses.
A ideia, contudo, não prosperou, pois, como fora dito, a lacuna não existia e a Lei 4.923 serviu de fundamento para lastrear negociações coletivas entabuladas por diversas empresas brasileiras, embora não tenha sido aplicada em sua inteireza.
Em 2015, sendo o atual instante apenas a continuidade da crise de 2008 ou a consequência de quatro anos de desventuras na condução econômica e política, o filme está em cartaz e, com matizes ainda inimagináveis, os brasileiros vivenciam os fortes efeitos da redução de oportunidades de trabalho e do valor da remuneração, para aqueles que conseguem conquistar novas oportunidades.
Segundo o IBGE, em agosto, a taxa de desocupação atingiu 7,6% (ftp://ftp.ibge.gov.br) e o rendimento médio real habitual dos trabalhadores também ficou abaixo daquele registrado no mesmo período do ano anterior (R$ 2.185,00 em 2015, contra R$ 2.264,62 no mesmo período, em 2014).
Ante o fatos e o panorama jurídico, em 2015, o mercado que não parecia ter a intenção de sujeitar-se ao formato da Lei 4.923 demandou alternativas e, por tal razão, foi editada a Medida Provisória 680, de 6 de julho de 2015, pela qual ficou instituído o Programa de Proteção ao Emprego - PPE, com os seguintes objetivos:
- possibilitar a preservação dos empregos em momentos de retração da atividade econômica;
- favorecer a recuperação econômico-financeira das empresas;
- sustentar a demanda agregada durante momentos de adversidade, para facilitar a recuperação da economia;
- estimular a produtividade do trabalho por meio do aumento da duração do vínculo empregatício; e
- fomentar a negociação coletiva e aperfeiçoar as relações de emprego.
Desse modo, as empresas que enfrentem dificuldades poderão aderir ao PPE até o dia 31 de dezembro de 2015, podendo reduzir, temporariamente, em até trinta por cento, a jornada de trabalho de seus empregados, com a redução proporcional do salário, pelo prazo de até seis meses, com possiblidade de prorrogação, desde que o período total não ultrapasse doze meses.
Nesse compasso, para compensar a perda salarial, as empresas que aderirem ao PPE ficam proibidas de dispensar arbitrariamente ou sem justa causa os empregados que tiverem sua jornada de trabalho temporariamente reduzida enquanto vigorar a adesão ao PPE e, após o seu término, durante o prazo equivalente a um terço do período de adesão. A medida decorre da própria natureza da negociação coletiva e da razão de ser da regra: a preservação do emprego.
Na Exposição de Motivos da Presidente, foi delineado que:
O PPE é um programa de redução temporária da jornada de trabalho. Nesse programa, o trabalhador tem seu salário proporcionalmente reduzido pela empresa, mas compensado parcialmente pelo governo. Esse programa tem vantagens para todas as partes envolvidas. Para as empresas, permite ajustar seu fluxo de produção à demanda e, ao preservar os empregos, possibilita a manutenção de quadros já qualificados e a redução de custos com demissão e admissão. Para os trabalhadores, preserva os empregos e a maior parte de seus rendimentos. Para o governo, permite a economia com os gastos do seguro-desemprego e com outras políticas de mercado de trabalho ao mesmo tempo em que preserva a maior parte da arrecadação sobre a folha.
Na visão do Estado, todos ganham com o PPE e, pela regra, permite-se a redução temporária em relação à jornada habitualmente estabelecida em até 30% (trinta por cento), por meio de acordo coletivo específico, de todos os empregados ou de um setor específico da empresa. Ressalta-se que os salários dos trabalhadores são reduzidos proporcionalmente e o governo complementa 50% (cinquenta por cento) da perda salarial, observado o limite de 65% do valor máximo da parcela do seguro-desemprego, durante o período máximo de 12 (doze) meses.
O MTE publicou Cartilha explicativa (www.mte.gov.br), pela qual buscou clarear a regra exposta: “Um trabalhador que cumpra jornada de 40 horas semanais e receba salário de R$ 1.500,00 terá redução de 30%. Passará a cumprir jornada de 28 horas e receberá da empresa R$ 1.050,00 + complementação de R$225,00 pelo benefício do PPE. Assim, o trabalhador receberá, no período de adesão da empresa ao PPE, o valor de R$ 1.275,00.”
Para regulamentar a MP 680 foi editado o Decreto 8.479, de 6 de julho de 2015, pelo qual ficou criado o Comitê do Programa de Proteção ao Emprego - CPPE, com a finalidade de estabelecer as regras e os procedimentos para a adesão e o funcionamento do Programa.
O CPPE será composto pelos seguintes Ministros de Estado: do Trabalho e Emprego, que o coordenará; do Planejamento, Orçamento e Gestão; da Fazenda; do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; e pelo Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República.
Pelo Decreto, no período de adesão ao PPE, a empresa não poderá contratar empregados para executar, total ou parcialmente, as mesmas atividades exercidas pelos trabalhadores abrangidos pelo programa, exceto nos casos de reposição ou aproveitamento de concluinte de curso de aprendizagem na empresa, nos termos do art. 429 da Consolidação das Leis do Trabalho, desde que o novo empregado também seja abrangido pela adesão.
E mais um elemento que condiciona a validade do PPE é imposto pelo Decreto: a empresa fornecerá previamente ao sindicato as informações econômico-financeiras a serem apresentadas para adesão ao PPE.
Diante do risco de desrespeito às regras, o Decreto exige que o acordo que autorize a implementação do PPE traga a previsão de constituição de comissão paritária composta por representantes do empregador e dos empregados abrangidos pelo PPE para acompanhamento e fiscalização do Programa e do acordo. O Decreto não trata do número de componentes de tal Comissão, nem tampouco a forma de eleição ou indicação.
Por fim, interessante questionar se há vantagem em optar pelo PPE ao invés do Layoff. A Cartilha do MTE responde que “sim, por não ocorrer a quebra do vínculo empregatício e pela manutenção do trabalhador no posto de trabalho, pronto para a retomada da produção. E para o governo, os gastos com pagamento dos benefícios do PPE são menores que os gastos com o pagamento da Bolsa Qualificação (layoff).” Ou seja, com a adesão das empresas ao PPE o Governo será beneficiado, pois as despedidas em massa acarretam o pagamento de seguro desemprego, saque nas contas do FGTS, queda na arrecadação (folha de pagamento) e desaceleração da economia pela perda do poder de compra dos trabalhadores.
Assim, verificamos que a atuação do Estado ante o mercado, em que pese razoáveis os argumentos, está à serviço da necessidade de preservação financeira da própria União, tanto que já foi emitida diretriz do MTE esclarecendo que para firmar o acordo coletivo de adesão ao PPE com os empregados, as empresas precisam demonstrar ao sindicato "que foram esgotados os períodos de férias, inclusive coletivas, e os bancos de horas”, ou seja, busca-se evitar maiores gastos públicos com as despedidas em massa ou com o financiamento do lay off e, assim, o PPE deve ser considerado depois de esgotadas outras alternativas de lidar com a crise.
A home page do Ministério do Trabalho e Emprego veiculou notícia em 28 de julho de 2015, informando que o Ministro do Trabalho e Emprego, Manoel Dias, entregou a três empresas, os primeiros Termos de Adesão ao PPE. Nesse ato, um total de 2.500 trabalhadores foi beneficiado. E a redução proposta pelo PPE representa uma economia de mais de R$ 6 milhões ao Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT. Segundo o Ministro Manoel Dias, “os gastos com Seguro-Desemprego, caso esses trabalhadores fossem demitidos, resultariam num dispêndio estimado em R$ 11,5 milhões. Mas com a adesão dessas empresas ao PPE, serão utilizados recursos do FAT da ordem R$ 5,7 milhões, para pagar os benefícios do Programa, uma economia de 51%. Além dessa visível vantagem, o programa tem como principal objetivo assegurar os empregos desses trabalhadores e a produtividade das empresas, mantendo também suas contribuições tributárias e previdenciárias”, destacou o Ministro.
As primeiras empresas a aderir ao PPE apresentam os seguintes números: a Rassine NHK aderiu ao PPE com 551 trabalhadores, pelo período de três meses, e redução de 15% da jornada de trabalho e do salário. Já a Grammer e Caterpillar firmaram a adesão por seis meses, com redução de 20% na carga horária e nos vencimentos de, respectivamente, 451 e 1.498 funcionários. Além dessas três empresas, outras sete já manifestaram oficialmente interesse de adesão ao PPE e seus processos estão na fase dos Acordos Sindicais que precisam ser previamente firmados com os trabalhadores que serão beneficiados.
E como informou a home page da Agência Brasil, na Volkswagen foi iniciado o processo de negociação para implementação do PPE: “de acordo com o sindicato, 2,5 mil trabalhadores estão em layoff (suspensão temporária dos contratos de trabalho) há dois meses. A Mercedes-Benz e mais três empresas já aderiam ao PPE na região do ABC. Em 31 de agosto, os metalúrgicos da Mercedes, em São Bernardo do Campo, encerraram uma greve, que tinha completado uma semana, após negociar a suspensão da demissão de 1,5 mil trabalhadores. O acordo, que foi primeiro do gênero em uma montadora, incluiu a adesão dos empregados ao PPE. Pelo acordo, os cerca de 10 mil trabalhadores da unidade tiveram redução de 20% na jornada de trabalho, que valerá de 1º de setembro até 31 de maio do próximo ano, além de diminuição de 10% nos salários. Para um momento como esse, [o PPE] é um elemento importante, porque a lógica do Brasil é ter a demissão como instrumento para solução de enxugamento das empresas nesses momentos [de crise]. O PPE foi um instrumento importante para reverter as demissões na Mercedes.”
Ante a crise econômica, que é grave e gera perigos à preservação do emprego, o PPE é um mecanismo válido para, por algum tempo, evitar demissões em massa, mas, no seu nascedouro, tem o objetivo de evitar despesas ainda mais vultosas ao próprio Estado. Ainda assim, cumprirá a empregadores e trabalhadores, ao mercado, enfim, assumir postura de buscar a preservação dos postos de trabalho, evitando-se, no aspecto econômico, a retroalimentação da crise, situação em que, certamente, a sociedade observará a acentuada inserção de trabalhadores na informalidade – o que fará despencar a arrecadação do Estado – sem contar com os reflexos disso na criminalidade, na quantidade de pessoas sem acesso à moradia, saúde e educação. Portanto, diante da situação posta, o PPE configura uma saída positiva para a travessia da crise econômica brasileira.