Os exames de perfis gênicos e a incongruente negativa de cobertura pelos seguros saúde

21/10/2015 às 10:32
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Os exames genéticos para descoberta de moléstias se espraiam globalmente por sua acurácia comprovada. Não obstante, como qualquer outra inovação na seara médica, os planos de saúde atuantes no cenário nacional vêm negando de forma infundada a cobertura.

O avanço dos métodos de avaliação genética, utilizados como ferramenta diagnóstica para diversas doenças, começa a sair do campo restrito da pesquisa científica e tem progressivamente ganhado espaço como método acessível através da medicina laboratorial. Esta realidade começa a ganhar corpo no Brasil, com respaldo dos mais sérios e respeitados profissionais da área médica.

No caso de pacientes com câncer, um método que tem se estabelecido em países desenvolvidos, e que começa a chegar ao Brasil, é o da avaliação dos chamados Perfis de Expressão Gênica. Por meio do referido exame de diagnóstico, é possível, em ampla interpretação, realizar o mapeamento dos genes que contêm eventuais anomalias, para prevenir, por exemplo, futuras doenças, ou empregar acurácia no tratamento de moléstias já confirmadas.

Nesse sentido, o indivíduo submetido ao diagnóstico molecular terá condições de não somente concentrar maior efetividade ao tratamento da sua saúde, como também evitar a ser submetido a tratamentos e cirurgias muitas vezes invasivos e dolorosos, que terminam por mostrarem-se desnecessários, equilibrando assim, em último aspecto, o seu direito à saúde frente à sua dignidade.

Contudo, como acontece com toda inovação tecnológica, mesmo que na seara fundamental da Saúde, uma grande resistência à implementação do diagnóstico molecular tem se revelado, principalmente, por parte das operadoras dos planos de saúde, que sempre ciosas da manutenção do status quo do rol de procedimentos mínimos estabelecidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), negam com veemência a cobertura dos revolucionários exames, supondo um aumento exponencial nos seus custos. Ocorre que, tal postura, além de não se revelar financeiramente a mais adequada, também se mostra contrária à lei e aos direitos básicos de qualquer consumidor segurado de plano de saúde.

Com efeito, por essa linha de raciocínio, quanto ao primeiro aspecto da não cobertura, relativo à errônea avaliação do aumento dos custos envolvidos nos exames moleculares, há em verdade o efeito contrário, porquanto os seguros saúde têm coberto diuturnamente cirurgias e tratamentos, os quais muitas vezes se revelam desnecessários, e cuja monta é inúmeras vezes superior à dos diagnósticos genéticos.

Assim, por dedução lógica, estivessem os exames de perfil gênico definidos como procedimentos prévios à realização de processos cirúrgicos e/ou terapêuticos, evitariam as seguradoras a realização de muitos destes métodos custosos, havendo, portanto, uma economicidade de fato na inclusão daqueles no seu rol padrão de cobertura.

Tome-se como exemplo o tratamento de nódulos da tireoide, cuja malignidade nem sempre é possível se afastar por meio dos exames laboratoriais, de imagem e citológicos padronizados, o que implica atualmente, por precaução, na realização de procedimento cirúrgico para a retirada integral da respectiva glândula. Tal método, além de custoso, inúmeras vezes revela-se desnecessário e provoca, como agravante, a realização de terapia de substituição hormonal pelo resto da vida nestes pacientes.

Como alinhavado, a cobertura do exame de perfil genético in casu poderá evitar, além do dispêndio com cirurgia, sobretudo a incursão na integridade fisiológica do consumidor segurado, que poderá então optar pela realização de melhor e menos invasivo tratamento.

Lado outro, há o direito básico do consumidor segurado a obter dos planos de saúde a cobertura dos métodos de diagnóstico e tratamento mais eficazes e indicados à sua condição de saúde, já que fere a mínima dignidade e razoabilidade, bem como desrespeita a eticidade e cooperação esperada de todas as relações jurídicas, a imposição ao segurado de tratamento pior e mais prejudicial à sua saúde, em razão de pueril ausência de previsão contratual para o exame molecular.

Não há que se falar na espécie em rol de procedimentos mínimos determinados pela ANS, a uma porque as determinações da ANS, como autarquia especial que é, somente têm efeito para as seguradoras de saúde, prestadoras de serviço público que são, mas nunca para os usuários de tais planos, já que a ANS não tem competência para legislar sobre o usuário (leia-se cidadão), limitando os seus direitos; a duas, pois como dito, trata-se de rol mínimo de procedimentos aos quais estão os planos de saúde adstritos ao cumprimento, não havendo óbice à cobertura mais ampla, acaso procedimento inovador surja e necessário se afigure.

Ademais, estando previsto em contrato de seguro saúde o diagnóstico e terapêutica de determinada enfermidade, terá o consumidor segurado o direito ao tratamento mais adequado disponível, nos estritos termos da orientação médica, sendo irrelevante se o necessário tratamento existia ou não à data de assinatura do contrato, tudo isto em respeito ao trato sucessivo dos contratos de seguro saúde, à boa-fé contratual, à função social do contrato e, mormente, o direito à sobrevida digna do consumidor.

Conclui-se, por tudo o quanto exposto, ser ilegal, infrutífera e contrária à lógica econômico-financeira dos próprios planos de saúde, a negativa de cobertura aos exames laboratoriais de perfil gênico, sendo inexorável a marcha para a sua inclusão no rol de procedimentos cobertos, competindo ao consumidor lesado, entrementes, buscar o competente auxílio do Poder Judiciário para correção compulsória de uma situação que tenderá a ser aceita com naturalidade.

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Sobre o autor
Luiz Melo

Advogado, sócio do MMAPN Advs. Ass.,

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